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Perfil dos familiares cuidadores de usuários de centros de atenção psicossocial do sul do Brasil

Profile of family caregivers of users of psychosocial care centers of southern Brazil

Perfil de los familiares cuidadores de los usuarios de los centros de atención psicosocial en el sur de Brasil

Resumos

Objetivou-se descrever o perfil dos familiares de usuários dos centros de atenção psicossocial (CAPS) da região sul do Brasil. Trata-se de um estudo quantitativo, de corte transversal, com abordagem descritiva, vinculado à Pesquisa "Avaliação dos CAPS da Região Sul do Brasil (CAPSUL)", a coleta de dados foi realizada no período de maio a junho de 2006. Foram 936 familiares de usuários dos CAPS, que responderam a um questionário estruturado. Foi construído um banco de dados no programa Epi-info 6.04, e a análise estatística foi realizada no Software Stata 7. Evidenciou-se que os familiares cuidadores são predominantemente mulheres com média de idade de 49,2 anos, com baixa escolaridade, casadas, sem atividade remunerada e que cuidam sozinhas do familiar com transtornos mentais. Estes resultados remetem a necessidade do desenvolvimento de ações pelos serviços de saúde com o intuito de incluir estes familiares no foco de cuidado da equipe multiprofissional.

Saúde mental; Família; Serviços de saúde mental


This study aimed to describe the profile of the families of users of psychosocial care centers (CAPS) in southern Brazil. This is a quantitative, cross-sectional study, with a descriptive approach. It is connected to the research "Evaluation of CAPS in southern Brazil (CAPSUL)". Data collection was conducted from May to June, 2006. 936 families of CAPS users answered a structured questionnaire. A database in the computer program Epi-info 6.04 was built, and statistical analysis was performed through Software Stata 7. It was evident that family caregivers are predominantly women averaging 49.2 years of age, with low education, married, without a paid job and taking care by themselves of the family member with mental disorders. These results underscore the need for health services to develop actions in order to include these families in the focus of care of the multiprofessional patient care team

Mental health; Family; Mental health services


Tuvo como objetivo describir el perfil de los familiares de los usuarios de los centros de atención psicosocial (CAPS) en el sur de Brasil. Es un estudio transversal y descriptivo, vinculado a la investigación "Evaluación de los CAPS en la región sur de Brasil (CAPSUL)", la recopilación de datos ocurrió entre mayo y junio de 2006. Fueron 936 familiares de los usuarios del CAPS, que respondieron a un cuestionario estructurado. Se construyó un banco de datos en Epi-info 6.04 y el análisis estadístico se realizó en Stata 7. Los familiares cuidadores son en su mayoría mujeres, con una edad media de 49,2 años, con bajo nivel educativo, casadas, sin un trabajo remunerado y quienes cuidan solas a su familiar con trastornos mentales. Estos resultados muestran la necesidad de desarrollar acciones en los servicios de salud que incluyan a los familiares como foco de la atención del equipo multidisciplinario.

Salud mental; Familia; Servicios de salud mental


ARTIGO ORIGINAL

Perfil dos familiares cuidadores de usuários de centros de atenção psicossocial do sul do Brasil

Perfil de los familiares cuidadores de los usuarios de los centros de atención psicosocial en el sur de Brasil

Profile of family caregivers of users of psychosocial care centers of southern Brazil

Luciane Prado KantorskiI; Vanda Maria da Rosa JardimI; Gabriela Barcelos DelpinoII; Lílian Moura de LimaIII; Eda SchwartzI; Rita Maria HeckI

IDoutora em Enfermagem, Professor Adjunto da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil

IIMestre em Ciências pelo Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da UFPel, Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil

IIIMestre em Ciências, Docente da Faculdade de Enfermagem da Anhanguera, Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil

Endereço para correspondência Dirección del autor / Author's address Endereço da autora / : Lílian Moura de Lima Rua Tiradentes, 451, Centro 96010-160, Pelotas, RS E-mail: lima.lilian@gmail.com

RESUMO

Objetivou-se descrever o perfil dos familiares de usuários dos centros de atenção psicossocial (CAPS) da região sul do Brasil. Trata-se de um estudo quantitativo, de corte transversal, com abordagem descritiva, vinculado à Pesquisa "Avaliação dos CAPS da Região Sul do Brasil (CAPSUL)", a coleta de dados foi realizada no período de maio a junho de 2006. Foram 936 familiares de usuários dos CAPS, que responderam a um questionário estruturado. Foi construído um banco de dados no programa Epi-info 6.04, e a análise estatística foi realizada no Software Stata 7. Evidenciou-se que os familiares cuidadores são predominantemente mulheres com média de idade de 49,2 anos, com baixa escolaridade, casadas, sem atividade remunerada e que cuidam sozinhas do familiar com transtornos mentais. Estes resultados remetem a necessidade do desenvolvimento de ações pelos serviços de saúde com o intuito de incluir estes familiares no foco de cuidado da equipe multiprofissional.

Descritores: Saúde mental. Família. Serviços de saúde mental.

RESUMEN

Tuvo como objetivo describir el perfil de los familiares de los usuarios de los centros de atención psicosocial (CAPS) en el sur de Brasil. Es un estudio transversal y descriptivo, vinculado a la investigación "Evaluación de los CAPS en la región sur de Brasil (CAPSUL)", la recopilación de datos ocurrió entre mayo y junio de 2006. Fueron 936 familiares de los usuarios del CAPS, que respondieron a un cuestionario estructurado. Se construyó un banco de datos en Epi-info 6.04 y el análisis estadístico se realizó en Stata 7. Los familiares cuidadores son en su mayoría mujeres, con una edad media de 49,2 años, con bajo nivel educativo, casadas, sin un trabajo remunerado y quienes cuidan solas a su familiar con trastornos mentales. Estos resultados muestran la necesidad de desarrollar acciones en los servicios de salud que incluyan a los familiares como foco de la atención del equipo multidisciplinario.

Descriptores: Salud mental. Familia. Servicios de salud mental.

ABSTRACT

This study aimed to describe the profile of the families of users of psychosocial care centers (CAPS) in southern Brazil. This is a quantitative, cross-sectional study, with a descriptive approach. It is connected to the research "Evaluation of CAPS in southern Brazil (CAPSUL)". Data collection was conducted from May to June, 2006. 936 families of CAPS users answered a structured questionnaire. A database in the computer program Epi-info 6.04 was built, and statistical analysis was performed through Software Stata 7. It was evident that family caregivers are predominantly women averaging 49.2 years of age, with low education, married, without a paid job and taking care by themselves of the family member with mental disorders. These results underscore the need for health services to develop actions in order to include these families in the focus of care of the

multiprofessional patient care team.

Descriptors: Mental health. Family. Mental health services.

INTRODUÇÃO

No Brasil, a partir da década de 70, iniciaram-se propostas de transformação do modelo assistencial em saúde mental. As discussões, com repercussão nacional, estiveram voltadas para o questionamento do sistema manicomial, fazendo críticas à longa permanência dos indivíduos com transtornos mentais nos hospitais e ao tratamento desumano oferecido por estas instituições. Destas manifestações afloraram reivindicações de melhores condições de assistência e pela humanização destes serviços, originando a Reforma Psiquiátrica(1).

Este movimento culminou com a criação dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), que se constituem como serviços de atenção diária em saúde mental, de caráter substitutivo ao hospital psiquiátrico. Têm a responsabilidade de atender indivíduos com transtornos mentais severos e persistentes, sob a lógica da territorialidade, e ofertar atenção clínica e de reabilitação psicossocial, com o objetivo de fortalecer o exercício da cidadania e da inserção social de seus usuários, assim como estimular os laços familiares e comunitários(2,3).

Existem cinco tipos de CAPS, que diferem quanto à especificidade e tamanho da demanda, Centros de Atenção Psicossocial Infanto-Juvenil (CAPSi), para crianças e adolescentes, Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPSad), para usuários de álcool e drogas, e os CAPS I, II e III para transtornos psicóticos e neuróticos graves. Os (CAPS I) (de 20.000 a 70.000 habitantes) e II (de 70.000 a 200.000 habitantes) atendem adultos da sua área de abrangência, diariamente de segunda a sexta-feira, já o CAPS III oferta atendimento diurno e noturno para adultos, durante os sete dias da semana, atendendo uma população de referência. Estes serviços são regulamentados pela portaria ministerial GM nº 336, de 19 de fevereiro de 2002(2,3).

Nesta luta por melhores condições de atenção aos indivíduos com transtornos mentais, a família tem sido vista como o ator essencial à construção desse processo. Entende-se por família o grupo de indivíduos consanguíneos ou não, que vivam em comunhão entre si e formem uma unidade ligada por valores e crenças em comum, construídos a partir das relações de cada indivíduo da família com o mundo externo a ela. E é devido à complexidade de relações que formam o grupo familiar que podemos ter uma perspectiva das razões que os mantêm tão ligados, a ponto de o problema de saúde de um dos integrantes afetarem tão fortemente a estrutura da família como um todo(4,5). Para os indivíduos com transtornos mentais a família é considerada, na maioria das vezes, o elo entre eles e a vida em sociedade(6).

Com base nestas percepções o olhar da saúde mental que antes excluía, culpava e impunha mudanças no estilo de vida familiar, agora sob a ótica dos CAPS incentiva a participação, o acolhimento e o apoio deste grupo, considerando que o convívio com a família é o ingrediente fundamental para o sucesso da terapêutica, devido ao subsídio que ela oferece na reinserção do indivíduo na vida em sociedade(7).

Assim, percebemos que a família tem sido vista como aliada, pelos profissionais da saúde mental, na atenção aos indivíduos com transtornos mentais, desempenhando o papel de protagonista, sem a qual não se pode consolidar a reforma no país. E é nesta perspectiva que a família precisa ser incluída também no processo terapêutico, oferecendo assim, assistência não apenas ao usuário, mas a todo o grupo familiar envolvido no transtorno mental(2,6).

Com o propósito de facilitar o entendimento dos profissionais envolvidos na atenção à saúde mental sobre quem são os familiares de usuários de CAPS, e, dessa forma, favorecer a elaboração de estratégias de abordagem a estes sujeitos, que este estudo propõe-se a descrever o perfil dos familiares de indivíduos com transtornos mentais, usuários dos centros de atenção psicossocial da região sul do Brasil.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo quantitativo, de corte transversal, com abordagem descritiva, vinculado à Pesquisa "Avaliação dos CAPS da Região Sul do Brasil (CAPSUL)". Dos 102 CAPS existentes na região sul do Brasil, cadastrados no Ministério da Saúde em 2005, foram sorteados aleatoriamente 30 CAPS. Estes foram distribuídos proporcionalmente entre os tipos de CAPS (CAPS I e CAPS II) pelos estados Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

O cálculo da amostra foi realizado no software Epi-info 6.04 utilizando-se um valor de alfa de 5% e um poder de 95%, e diferentes indicadores encontrados na literatura, resultando em uma amostra de 1200 familiares. As perdas totais do estudo foram de 22% relacionadas a recusas e a dificuldade em abordar os familiares. Um município do estado de Santa Catarina apresentou um total de perdas de 11%, o que representa a metade da perda geral do estudo. Este fato pode ser explicado devido à característica do CAPS deste município em atender usuários por ordem judicial, aproximadamente 50% do total de 40 entrevistados nesta localidade. As perdas em estudos deste porte envolvendo familiares, em geral são elevadas como verificado na literatura(8).

A amostra do estudo foi constituída por 936 familiares de indivíduos com transtornos mentais, usuários de CAPS, os quais responderam a um questionário estruturado, previamente codificado e aplicado por entrevistadores capacitados. As entrevistas foram realizadas em 77,4% dos casos no CAPS, 19% no domicílio e 3,6% em outros locais. O período de realização do estudo foi de 07 de maio a 03 de junho de 2006. Os critérios de inclusão foram: ser familiar de um usuário do CAPS; concordar em participar do estudo mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Os questionários foram codificados pelos entrevistadores e posteriormente digitados no programa Epi-info 6.04, respeitando dupla digitação e pareamento dos bancos de dados para verificação de possíveis erros, corrigidos posteriormente. O controle de qualidade também foi realizado com a replicação de 5% das entrevistas realizadas. A análise foi realizada no software Stata 7.0, utilizando-se estatística básica, com distribuição de frequências, medidas de tendência central (média) e dispersão (desvio padrão).

As variáveis independentes utilizadas no estudo foram sexo, feminino e masculino; cor da pele, branca, parda/mestiça e preta; faixa etária distribuída em décadas; escolaridade classificada em sem escolaridade, ensino fundamental incompleto e completo, ensino médio incompleto e completo, curso técnico incompleto e completo, ensino superior incompleto e completo e pós-graduação; estado civil classificado como solteiro, casado/com companheiro, separado/divorciado e viúvo; Filhos, sim e não; Atividade profissional, sim e não; Renda familiar, classificada em salários mínimos, até um, de um a dois, de três a cinco, de cinco a dez e de dez em diante; Único cuidador, sim e não; Vínculo familiar, pai/mãe, cônjuge, filho(a), irmão (a), outro.

Foram respeitados os preceitos éticos de acordo com a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde(9) e todos os participantes assinaram o TCLE. O estudo passou por apreciação no Comitê de Ética e pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pelotas, com parecer favorável sob número 074/2005.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Foram estudados 936 familiares de usuários de centros de atenção psicossocial dos três estados da região sul do Brasil, estando distribuídos entre os sexos com 71,7% de mulheres e 28,3% de homens(8,10,11) (Tabela 1).

No que diz respeito à caracterização sociodemográfica dos cuidadores percebe-se que a cor da pele predominante foi branca, em ambos os sexos, a faixa etária apresentou comportamento ascendente e os familiares estão concentrados principalmente acima dos 40 anos de idade, com a média de idade de 49,2 anos (DP=15,4). No que se refere à idade, comparando-o a estudos realizados com familiares cuidadores este resultado se aproximou de dois deles que tiveram média de idade de 48,5 anos e 51,04 anos(10,12).

A maior frequência de escolaridade referida foi o ensino fundamental incompleto com 55,4% entre o sexo feminino e 59,2% no sexo masculino. Este resultado corrobora com o a descrição dos sujeitos de outras pesquisas realizadas com cuidadores(8,12).

A escolaridade dos cuidadores é elemento importante, pois, geralmente, quanto maior a escolaridade melhor é o entendimento dos indivíduos sobre as orientações passadas pelos profissionais, quanto ao uso de medicamentos e aos cuidados de saúde no domicílio Muito embora, estudos demonstraram que mesmo com escolaridade elevada os familiares têm o mesmo nível de estresse que o cuidador com menos estudo, isto pode ser explicado pelo fato de as emoções serem subjetivas e resultarem de complexas interações de fatores, estando muito além da compreensão das informações recebidas(13,14).

O estado civil predominante no sexo feminino com 51,7% foi o casado/com companheiro, assim como para o sexo masculino com 80% dos entrevistados incluídos nesta categoria. A média de filhos foi de 3,3 filhos por entrevistado (DP=2,3). Estes resultados se assemelham a estudos realizados com familiares cuidadores de pacientes com transtornos mentais e Alzheimer(8,15).

O perfil econômico dos familiares mostrou que 68,5% das mulheres e 54,3% dos homens não desempenham atividade profissional, dos que trabalham a média de horas semanais dispensada para esta ocupação foi de 38 (DP=13,8). Em geral, na literatura foi encontrado que os cuidadores, em sua maioria, dedicam-se exclusivamente a atividade de cuidar, aqueles que conciliam atividade remunerada com o cuidado, contam com o apoio de outros cuidadores contratados, ou com o apoio de outros familiares, que atuam como cuidadores secundários. O fato de a grande maioria dos cuidadores não exercer atividade remunerada pode agravar a situação de precariedade econômica familiar, tornando-a mais vulnerável, concorrendo para a gravidade da inadequação do cuidado(15,16).

Quanto à renda familiar, os participantes estiveram concentrados entre as faixas de 1 a 2 salários mínimos para o sexo feminino (41%), e de três a cinco salários mínimos (44,5%) para os homens. Foi evidenciado que a maior frequência dos entrevistados (49%) está concentrada na categoria de 1 a 4 pessoas, dependendo de 1 a 2 salários mínimos (25%) e 3 a 5 salários mínimos (24%). Estes achados se aproximaram dos encontrados em outros estudos com familiares de pacientes usuários de serviços de saúde mental(8,10).

Verificou-se que os cuidadores foram do sexo feminino com 71,7% do total de entrevistados, o que pode ser percebido, também, em estudos realizados com familiares de pacientes com transtorno mental, com doença de Alzheimer e de idosos doentes e fragilizados(8,10,12,15). Esta afirmação pode ser justificada pelas práticas culturais e socio-históricas, já que, durante séculos, a mulher não exerceu atividades laborais remuneradas cabendo-lhe desempenhar o papel social de cuidado do lar e da família. Desde então, foi conferido a ela a função intrínseca de principal cuidadora, embora tenham ocorrido modificações sociais e no papel feminino, em geral o desempenho de cuidador familiar ainda recai sobre a mulher, seja na condição de mãe, de filha, de esposa ou de irmã(15).

Dessa forma, entende-se que a construção da identidade da mulher foi socialmente determinada. Entretanto, nas últimas décadas, com o aumento da inserção da mulher no mercado de trabalho, e da sua participação financeira na família, vem ocorrendo discretos avanços, no sentido de introduzir também os homens na atividade do cuidado familiar, como observado em alguns estudos desenvolvidos com cuidadores familiares(8,10,12).

Na Tabela 2, foi realizada a distribuição dos cuidadores por vínculo e compartilhamento do cuidado entre os sexos. Muito embora, o número de homens desempenhando a função de cuidador ainda seja reduzido, este estudo, demonstra que eles também vêm desempenhando papel importante no cuidado ao usuário de CAPS com 28,3% do total de familiares cuidadores, dentre os quais, 25,6% são pais e 40,4% são cônjuges. Nesta última categoria superam o número de mulheres em relação ao total de sujeitos do estudo com 11,4%, enquanto que as esposas aparecem como 8,2%. Dessa forma, a participação do homem no cuidado ao familiar com transtorno mental, tem de ser valorizada e estimulada pelas equipes de saúde, com o propósito de responsabilizar e envolver todo o grupo familiar, para que unidos possam apoiar-se e reforçar os laços de afeto. E que, através do compartilhamento das dificuldades vivenciadas, possam juntos superar as adversidades da situação de transtorno mental, sem tanto desgaste individual.

Em 319 casos existe mais de um cuidador por usuário, estando em média 1,9 (DP=1,4) pessoas envolvidas no cuidado do usuário de CAPS, e a média de pessoas por residência é de 3,8 (DP=1,9). Em 616 (66%) casos o familiar entrevistado referiu ser o único a cuidar do indivíduo com transtorno mental. A média de usuários do CAPS por familiar é de 1,2 (DP=0,5), sendo que apenas 16,5% cuidam mais de um usuário, enquanto que em outro estudo realizado com familiares de usuários de serviços de saúde mental, foi identificado que 47,3% dos familiares cuidavam de dois ou mais familiares doentes(8).

Observa-se que a média de pessoas que dividem a residência é o dobro da média de pessoas que dispensam o cuidado ao usuário, o que reforça a discussão sobre a necessidade de estimular o envolvimento de todo o grupo familiar no cuidado ao indivíduo com transtorno mental. A inserção dos membros da família no cuidado está diretamente relacionada às características de organização deste grupo e ao entendimento individual do familiar como co-responsável pelo processo de tratamento de seu ente enfermo(17).

A equipe de saúde do CAPS deve iniciar a intervenção com a família assim que é dado o diagnóstico, pautando-a no acolhimento e na formação de vínculo entre os profissionais e o binômio usuário-família, com o intuito de estimular o compartilhamento do cuidado e reduzir a sobrecarga individual desta tarefa(16,18). Neste sentido, a realização de atividades em grupo para os familiares favorece a aproximação com serviço, fortalecendo o vínculo com a equipe do CAPS e propiciando a participação da família no cuidado ao indivíduo com transtorno mental(6).

Nas Tabelas 1 e 2 pode-se verificar que o número de cuidadores sem atividade profissional e que se dedicam sozinhos ao cuidado do usuário do CAPS é expressivo e conforme denotam outros estudos com familiares cuidadores, o risco de adoecimento por sobrecarga é elevado, principalmente quando estes cuidadores são mulheres, que acumulam à atividade de cuidadora outras funções, tais como, ser mãe, esposa e dona de casa. Essa reunião de funções compromete o autocuidado e o lazer, podendo levar ao adoecimento físico e ao transtorno mental(12,19).

O grau de parentesco está representado na Tabela 2, e aponta as categorias de vínculo familiar Pai/Mãe, Cônjuge e Filho (a) como as mais frequentes. Estudos semelhantes, realizados com familiares cuidadores apresentaram resultados que vão ao encontro dos identificados neste estudo, sendo que os vínculos mais presentes foram de pai/mãe, filhos, cônjuges e irmãos(8,10,11).

Muitas são as razões que contribuem para a incorporação do papel de cuidador principal, além do sexo, dentre as quais estão a obrigação moral, a conjugalidade, a falta de outra pessoa que assuma este papel e ainda as dificuldades financeiras, quando o cuidador assume esta função em troca do sustento, que pode ser o benefício ou aposentadoria do paciente(12).

A família é tida como centro de cuidado, no qual os integrantes dividem as experiências e compartilham as dificuldades, inclusive as de saúde, e é através do apoio recíproco que buscam a solução dos problemas(6). O grau de parentesco é determinante para a nomeação do cuidador, podendo relacioná-lo com o vínculo sentimental e de responsabilização pelo familiar enfermo(12,14).

Os pais, os filhos e os cônjuges, principalmente, sentem-se responsáveis pelas atitudes e pela saúde dos seus familiares, tomando para si a atividade de cuidar com o propósito de protegê-los. Há também o dever proveniente dos valores conferidos pela cultura familiar, que tornam o cuidar, muitas vezes, um compromisso ético, para recompensar a atenção recebida durante a infância, no caso dos filhos, e honrar a promessa de estar juntos na saúde e na doença assumida pelos cônjuges no casamento(20).

CONCLUSÕES

Concluiu-se que os familiares cuidadores são predominantemente mulheres, brancas, com média de idade de 49,2 anos, com ensino fundamental incompleto, casadas e com filhos. Quanto ao grau de parentesco a superioridade foi de mães, seguidas pelas irmãs e filhas, verificou-se ainda que não desempenham atividade profissional remunerada e cuidam sozinhas do familiar com transtornos mentais.

As limitações deste estudo estiveram relacionadas às perdas, pela dificuldade em realizar a entrevista com os familiares, em virtude destes não acompanharem o usuário aos centros de atenção psicossocial. Além disso, observou-se, através da revisão da literatura, que existe uma lacuna de conhecimento no que diz respeito a estudos de perfil dos familiares cuidadores de portadores de transtornos mentais, por este motivo, os resultados foram confrontados com o perfil de familiares cuidadores de pacientes com condições crônicas debilitantes e com forte sobrecarga, tais como, Alzheimer, acidente vascular encefálico e demência.

Com a Reforma Psiquiátrica a família passou a ser co-responsável pelo cuidado ao paciente com transtorno mental e por este motivo é indispensável realizar estudos que envolvam estes sujeitos, com o propósito de clarificar para os profissionais da saúde as suas características. Dessa forma, há necessidade de explorar melhor este espaço, para contribuir com os profissionais envolvidos na atenção aos usuários de saúde mental, possibilitando o direcionamento do cuidado para as necessidades reais destes personagens e por consequência aproximá-los do CAPS.

Recebido em: 22/11/2010

Aprovado em: 12/12/2011

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Jul 2012
    • Data do Fascículo
      Mar 2012

    Histórico

    • Recebido
      22 Nov 2010
    • Aceito
      12 Dez 2011
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