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Tratamento em um grupo operativo em saúde: percepção dos usuários de álcool e outras drogas

Operativos de tratamiento en un grupo en la salud: la percepción de los usuarios de alcohol y otras drogas

Treatment in a health care operational group: how it is perceived by users of alcohol and other drugs

Resumos

Pesquisa qualitativa que objetivou descrever a percepção de usuários de álcool e outras drogas acerca do seu tratamento em um grupo operativo voltado ao ensino-aprendizagem em saúde. Utilizou-se a entrevista semi-estruturada com 16 usuários de álcool e outras drogas participantes de um grupo operativo realizado, no período de janeiro a março de 2010, em um hospital de ensino da região sul do país. Os depoimentos dos usuários foram interpretados mediante a Análise de Conteúdo Temática, desvelados em duas categorias: percepção das perdas resultantes do uso de álcool e outras drogas e percepção do grupo operativo em relação ao seu tratamento. Os resultados apontaram que o grupo pode contribuir para o processo de abstinência e inserção social desses usuários e a importância do enfermeiro coordenar grupos em saúde mental.

Transtornos relacionados ao uso de substâncias; Processos grupais; Usuários de drogas


Investigación cualitativa que tuvo por objetivo describir la percepción de los usuarios de alcohol y otras drogas con su tratamiento en un grupo operativo volcado a la enseñanza del aprendizaje en salud. Utilizó la técnica de la entrevista casi estructurada con 16 personas usuarias de alcohol y otras drogas y participantes de un grupo operativo realizado en el período de enero a marzo de 2010, en un hospital de enseñanza de la región del sur del país. Los testimonios de los usuarios han sido interpretados mediante el Análisis de Contenido Temático, dividido en dos categorías: percepción de las pérdidas resultantes del uso de alcohol y otras drogas y percepción del grupo operativo en relación a su tratamiento. Los resultados revelaron que el grupo puede contribuir para el proceso de abstinencia e inserción social de estos adictos y la importancia del enfermero en coordinar grupos de salud mental.

Trastornos relacionados con sustancias; Procesos de grupo; Consumidores de drogas


This is a qualitative research which aimed to describe how users of alcohol and other drugs perceive their treatment in an operational group focused on teaching-learning health care. A semi-structured interview was conducted with 16 users of alcohol and other drugs who participated in an operational group that took place from January to March, 2010, in a teaching hospital in Southern Brazil. The users' testimonials were interpreted according to Thematic Content Analyses, which revealed two categories: perception of the losses resultant of the use of alcohol and other drugs and perception of the operational group regarding their treatment. Results showed that the group can contribute to the abstinence process and the social inclusion of these users, and also highlighted the importance of the nurse in the coordination of mental health care groups.

Substance-related disorders; Group processes; Drug users


ARTIGO ORIGINAL

Tratamento em um grupo operativo em saúde: percepção dos usuários de álcool e outras drogas1 1 Artigo originado do Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), apresentado em 2010.

Operativos de tratamiento en un grupo en la salud: la percepción de los usuarios de alcohol y otras drogas

Treatment in a health care operational group: how it is perceived by users of alcohol and other drugs

Paulo Barrozo CassolI; Marlene Gomes TerraII; Sadja Cristina Tassinari de Souza MostardeiroIII; Mariam de Oliveira GonçalvesIV; Ursula Maria Stockmann PinheiroV

IEnfermeiro, Especializando do Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental da UFSM, Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil

IIDoutora em Enfermagem, Professora Adjunta do Departamento e da Pós-Graduação em Enfermagem da UFSM, Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil

IIIDoutora em Enfermagem, Professora Adjunta do Departamento de Enfermagem da UFSM, Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil

IVEnfermeira, Especialista na Modalidade Residência em Saúde Mental Coletiva pela Escola de Saúde Pública, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil

VEnfermeira, Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da UFSM, Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil

Endereço para correspondência Dirección del autor / Author's address Endereço da autora / : Marlene Gomes Terra Rua Felipe dos Santos, 97, Medianeira 97070-340, Santa Maria, RS E-mail: martesm@hotmail.com.br

RESUMO

Pesquisa qualitativa que objetivou descrever a percepção de usuários de álcool e outras drogas acerca do seu tratamento em um grupo operativo voltado ao ensino-aprendizagem em saúde. Utilizou-se a entrevista semi-estruturada com 16 usuários de álcool e outras drogas participantes de um grupo operativo realizado, no período de janeiro a março de 2010, em um hospital de ensino da região sul do país. Os depoimentos dos usuários foram interpretados mediante a Análise de Conteúdo Temática, desvelados em duas categorias: percepção das perdas resultantes do uso de álcool e outras drogas e percepção do grupo operativo em relação ao seu tratamento. Os resultados apontaram que o grupo pode contribuir para o processo de abstinência e inserção social desses usuários e a importância do enfermeiro coordenar grupos em saúde mental.

Descritores: Transtornos relacionados ao uso de substâncias. Processos grupais. Usuários de drogas.

RESUMEN

Investigación cualitativa que tuvo por objetivo describir la percepción de los usuarios de alcohol y otras drogas con su tratamiento en un grupo operativo volcado a la enseñanza del aprendizaje en salud. Utilizó la técnica de la entrevista casi estructurada con 16 personas usuarias de alcohol y otras drogas y participantes de un grupo operativo realizado en el período de enero a marzo de 2010, en un hospital de enseñanza de la región del sur del país. Los testimonios de los usuarios han sido interpretados mediante el Análisis de Contenido Temático, dividido en dos categorías: percepción de las pérdidas resultantes del uso de alcohol y otras drogas y percepción del grupo operativo en relación a su tratamiento. Los resultados revelaron que el grupo puede contribuir para el proceso de abstinencia e inserción social de estos adictos y la importancia del enfermero en coordinar grupos de salud mental.

Descriptores: Trastornos relacionados con sustancias. Procesos de grupo. Consumidores de drogas.

ABSTRACT

This is a qualitative research which aimed to describe how users of alcohol and other drugs perceive their treatment in an operational group focused on teaching-learning health care. A semi-structured interview was conducted with 16 users of alcohol and other drugs who participated in an operational group that took place from January to March, 2010, in a teaching hospital in Southern Brazil. The users' testimonials were interpreted according to Thematic Content Analyses, which revealed two categories: perception of the losses resultant of the use of alcohol and other drugs and perception of the operational group regarding their treatment. Results showed that the group can contribute to the abstinence process and the social inclusion of these users, and also highlighted the importance of the nurse in the coordination of mental health care groups.

Descriptors: Substance-related disorders. Group processes. Drug users.

INTRODUÇÃO

O uso de substâncias psicoativas pelo ser humano data desde os períodos anteriores ao neolítico, quando a humanidade aprendeu a selecionar os produtos da flora e a descobrir os que podiam ser úteis como alimentos e os de múltiplos usos – substâncias atualmente denominadas de drogas e que abrangem embriagantes, remédios, estimulantes, sedativos e alucinógenos(1). Essas substâncias serviam para modificar o estado de consciência do homem em cerimônias tanto sagradas como profanas. Com o passar dos séculos o uso das drogas variou conforme a cultura e o grau de desenvolvimento das civilizações. Algumas substâncias, como o álcool, por exemplo, atingiram o estado de legalidade e se incorporaram aos hábitos sociais. Enquanto outras se tornaram ilícitas(2).

Do ponto de vista jurídico, as drogas podem ser classificadas em lícitas, que são aquelas comercializadas de forma legal, podendo ou não estar submetidas a algum tipo de restrição; e, as ilícitas, que são substâncias proibidas por lei. Outra forma de classificação das drogas baseia-se nas ações que elas exercem sobre o Sistema Nervoso Central, a partir das modificações observáveis na atividade mental ou no comportamento do indivíduo que as utiliza. Assim, as substâncias psicoativas podem ser classificadas em drogas depressoras, estimulantes ou perturbadoras da atividade mental(3).

Nesta esteira, droga é qualquer substância não produzida pelo organismo humano que tem a propriedade de atuar sobre um ou mais sistemas, produzindo alterações em seu funcionamento. As alterações fisiológicas ou comportamentais ocasionadas pelo uso de substâncias psicoativas podem acarretar prejuízos à saúde humana, tais como: intoxicações, síndrome de abstinência, estados confusionais, demências, psicoses, distúrbios do humor, abuso e dependência de drogas(3).

A dependência de drogas está descrita como um conjunto de sintomas cognitivos, comportamentais, psicológicos e fisiológicos que indicam perda do controle sobre o uso da substância psicoativa e um uso continuado desta apesar dos problemas significativos relacionados à droga(3,4).

O tratamento da dependência química em saúde mental envolve a desintoxicação do usuário, o fortalecimento de seus hábitos saudáveis e o desenvolvimento de suas habilidades pessoais e sociais para a reintegração à vida familiar e social. Neste entendimento, cabe destacar que as atividades terapêuticas desenvolvidas pela enfermagem, em especial pelo enfermeiro, contemplam a realização de reuniões, vistas domiciliares, oficinas terapêuticas e grupos operativos com pacientes e/ou seus familiares(3,5,6).

É importante assinalar que os grupos operativos abrangem os campos comunitários, institucionais, terapêuticos e do ensino-aprendizagem. Nesta última modalidade, a premissa fundamental é "aprender a aprender" e "mais importante do que encher a cabeça de conhecimentos é formar cabeças"(7). Dessa forma, essa aprendizagem relaciona-se a uma modalidade de pensamento que busca o conhecimento situado em seu contexto histórico e visa a criatividade e a transformação da realidade. Em consonância, essa ideia também remete ao "aprender a conhecer", um dos pilares da educação cuja finalidade é ter o prazer de compreender, de conhecer o mundo que nos cerca para viver dignamente(5).

A essência dos grupos operativos de ensino-aprendizagem está pautada nos pressupostos de Enrique Pichon-Rivière, psiquiatra e psicanalista argentino, que definiu o grupo operativo como o conjunto de pessoas ligadas entre si por constantes de tempo e espaço, articuladas por sua mútua representação interna, que se propõe de forma explícita ou implícita a uma tarefa, constituindo-se na sua finalidade. Essa interligação dos integrantes do grupo ocorre por meio dos sentimentos de pertinência (é o "vestir a própria camiseta") e de pertencência (o indivíduo se refere ao grupo como sendo "o meu grupo") que os une em torno de uma tarefa e de um objetivo comum(6,7).

A coordenação de grupos operativos voltado ao ensino-aprendizagem dos pacientes dependentes de substâncias psicoativas é um desafio a enfermagem, pois à luz dos pressupostos pichonianos, o coordenador é aquele que pensa com o grupo e mantém o foco na tarefa proposta(7). A partir desse entendimento, constitui-se como questão de pesquisa: qual é a percepção dos usuários de álcool e outras drogas acerca do seu tratamento em um grupo operativo de ensino-aprendizagem? E, como objetivo geral: descrever a percepção dos usuários de álcool e outras drogas acerca do seu tratamento em um grupo operativo.

METODOLOGIA

Pesquisa que se caracteriza por ser qualitativa-descritiva porque o fenômeno estudado é complexo e de natureza social, envolvendo o entendimento do contexto social e cultural. Essa abordagem constitui-se de uma interpretação do que os sujeitos falam e expressam, pois para a compreensão do objeto de pesquisa necessita-se compreender o contexto ao qual está inserido(8).

Trata-se de um artigo originado de um trabalho de conclusão de curso(9), o cenário do estudo foi uma unidade para tratamento de dependentes químicos de um hospital de ensino da região sul do país que atende pacientes do sexo masculino e feminino maiores de dezoito anos. O critério de inclusão foi: ser usuário e estar participando em um grupo operativo de ensino-aprendizagem realizado na referida unidade. Foram excluídos os usuários que não se adequaram ao critério estabelecido.

Assim, constituíram-se sujeitos da pesquisa 16 usuários de álcool e outras drogas (13 do sexo masculino e três do sexo feminino), que participaram nos grupos no período de janeiro a março de 2010. Conforme, o que já foi mencionado, trata-se de uma pesquisa qualitativa e por ser intencional cessam as entrevistas quando o pesquisador observa consistência das informações(8,10).

A faixa etária das participantes do sexo feminino situou-se entre cinquenta e dois a sessenta e dois anos e a do sexo masculino de trinta e um a cinquenta e oito anos. Em relação às substâncias utilizadas pelos participantes, o uso de álcool foi o mais consumido (16 participantes), cocaína (três participantes) e maconha (três participantes). Quanto ao número de internações, um dos participantes não teve internação hospitalar e os demais variaram de uma a oito internações. Quanto ao tempo de frequência no grupo de apoio variou de três meses a dezessete anos. Em relação ao grau de instrução, observou-se que os participantes apresentavam ensino fundamental incompleto (quatro); ensino fundamental completo (dois); ensino médio incompleto (dois), ensino médio completo (quatro); ensino pós-médio ou técnico (três); graduação somente um. Quanto ao Estado civil, nove eram casados (as)/companheiros (as); seis eram solteiros (as)/separados (as) e um não declarou seu estado.

A coleta de dados foi realizada por meio da entrevista semi-estruturada que valoriza a presença do pesquisador, proporciona espontaneidade e liberdade do sujeito de pesquisa(8,11). Optou-se também pela utilização do diário de campo a fim de registrar as observações realizadas pelo pesquisador. Após aprovação da pesquisa pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Santa Maria pelo Parecer nº 0.316.0.243.000-09, iniciou-se a coleta de dados. Assim, os participantes foram convidados pelo pesquisador a participar da entrevista semi-estruturada e, após, aceite dos sujeitos da pesquisa, solicitou-se a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) o qual informava que eles foram esclarecidos sobre a pesquisa e que concordavam em colaborar voluntariamente. Em todo o processo de pesquisa foram observados os pressupostos éticos da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde(12).

A entrevista semi-estruturada foi gravada e iniciou com as seguintes questões: durante seu tratamento no grupo como foram abordadas as questões sobre dependências de substâncias psicoativas? As explicações sobre álcool e outras drogas estão esclarecendo? Foi utilizado um gravador digital, para que o pesquisador conseguisse dar maior atenção, não tendo que anotar tudo. Mas, caso o participante desejasse, o gravador não seria utilizado. É importante ressaltar que as identidades dos participantes foram preservadas em todas as etapas da pesquisa adotando-se a letra "P" (P1, P2, P3,...) por ser a letra inicial da palavra participante.

Após a entrevista, os depoimentos foram transcritas em forma de texto e as informações foram organizadas e submetidas à análise de conteúdo temática(8). Este método propõe três etapas para análise dos resultados: a pré-análise, a exploração do material e a interpretação.

A pré-análise caracteriza-se por ser dividida em três subfases: a leitura flutuante, a constituição do corpus e a formulação e reformulação de hipótese e objetivos. Nesta etapa, realizaram-se várias leituras, exaustivamente, do material obtido na etapa anterior tendo como parâmetro a questão norteadora da pesquisa(8).

Na fase de exploração do material, iniciou-se a construção de unidades de registro, de contexto, segmentos significativos e temas por meio de uma leitura que buscava extrair a essência do texto. Assim, a partir desta leitura, obteve-se o recorte dos elementos comuns aos conteúdos dos materiais e a construção das categorias. Nesta pesquisa, as categorias não foram pré-determinadas, porém foram definidas conforme os depoimentos dos participantes. A fase de tratamento dos resultados obtidos e interpretação contemplou a etapa de indução de significados e interpretação do conteúdo recortado segundo o referencial teórico adotado. Neste momento, procurou-se articular a informação presente nas unidades de registro com as impressões advindas das entrevistas para que o produto final desta fase fosse o mais próximo possível da intencionalidade dos participantes(8).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A partir da leitura e interpretação do conteúdo das entrevistas transcritas, juntamente com as observações realizadas durante as mesmas, realizou-se a análise dos conteúdos dos depoimentos dos sujeitos de acordo com o referencial teórico pertinente. Na fase de exploração do material desvelaram-se duas categorias: percepção das perdas resultantes do uso de álcool e outras drogas e percepção do grupo operativo de ensino-aprendizagem em relação ao seu tratamento.

Percepção das perdas resultantes do uso de álcool e outras drogas

Os participantes relataram que o uso do álcool e outras drogas é um processo caracterizado por perdas intensas sendo consequências de suas ações. Essa percepção de que as drogas afetam todo seu viver de forma negativa provoca sentimentos referentes à consciência dos prejuízos causados pelas drogas, tanto na vida pessoal e familiar quanto na esfera social, do trabalho e na sua própria dimensão moral. As sequelas envolvem as suas economias e lares desfeitos ao por em riscos os valores morais, a saúde e a ordem pública(13). Isto pode ser observado nos depoimentos a seguir.

[...] coisas boas não trás nada. Desgraça leva bens materiais, moral da pessoa, família (P9).

[...] é uma destruição! Família, primeiro que adoece [...] destruição termina com a moral da gente. Vai lá em baixo a moral. Álcool e as drogas [...] a moral vai lá embaixo, nossa! (P6).

Com o passar do tempo o usuário também começa a sentir as consequências do uso de drogas em relação a sua saúde. O abuso de drogas acarreta ao indivíduo inúmeros prejuízos com reflexos em suas relações profissionais, interpessoais, familiares e em sua saúde(14). Essa percepção pode ser visualizada nos seguintes depoimentos:

[...] para mim acho que é um veneno (P7).

[...] ah! Ás vezes dava problema de ataque de nervos (P8).

[...] entendo que faz mal pra gente, faz mal (P11).

[...] causam lesões em todo sentido: cerebral, física (P13).

Percebe-se, dessa forma, que os participantes reconhecem os efeitos negativos do uso do álcool e outras drogas em sua saúde comparando a um veneno que ocasiona diversas lesões em seu corpo. Quando o usuário sente os inúmeros prejuízos na sua vida, começa a perceber o quanto é forte a sua dependência em relação a elas. Neste momento, percebe como é difícil parar ou controlar o consumo das drogas.

[...] causa dependência! Álcool, cocaína é muito difícil, mudar o quadro. Várias internações, para livrar disso ai [...] dependência traiçoeira com a gente mesmo (P1).

[...] entendo que é ruim, que viciam, que causam dependência (P2).

[...] vai ter pessoas que vai ter uma deficiência. Eu sei lá se é uma questão fisiológica ou questão hereditária que não vai poder beber. É um dependente químico (P10).

[...] como é que vou dizer, assim, é uma substância que o meu organismo se acostumou. E, eu é difícil de conseguir controlar. Quando vem, quando dá forte a vontade (P12).

[...] o vicio é brabo! Não é fácil de largar. Eu já tentei muitas vezes (P14).

[...] uma coisa que a pessoa adquire, de agir, ficar dependente [...] eu tenho consciência que não posso ingerir mais nada. Porque se eu ingerir um gole eu não paro (P16).

Apesar dos inúmeros prejuízos causados por abuso de drogas, os indivíduos continuam com seu uso, o desejo de consumir a substância é muito forte. Pelos depoimentos dos participantes percebem-se as tentativas frustradas de interromper ou diminuir seu uso, pois fugiu ao seu controle, não consegue mais parar o seu uso, mesmo com internações hospitalares.

Percepção do grupo operativo de ensino-aprendizagem em relação ao seu tratamento

No grupo operativo desenvolvido na unidade psiquiátrica percebe-se a partir dos depoimentos dos participantes a função continente exercida pelo campo grupal, pois os próprios usuários denominam esse grupo como "de apoio". Essa denominação parte da possibilidade que os pacientes encontraram de compartilhar com o grupo suas experiências, seus conflitos, suas perdas, suas recaídas e suas vitórias. Assim, um grupo coeso e bem constituído exerce a importante função de ser continente das angústias e necessidades de cada um e de todos os membros(7). Nesse sentido, a percepção dos participantes está expressa nos depoimentos a seguir:

[...] o meu tratamento aqui no grupo de apoio é muito bom. Eu percebo que tem me ajudado bastante [...] o nome mesmo já diz grupo de apoio. Onde a gente tem bastante apoio (P3).

[...] porque sem o grupo tu não tens apoio (P13).

[...] o nome é certo, apoio (P16).

[...] importantíssimo! Porque sem o grupo de apoio tu não tens condições de chegar aonde cheguei (P6).

A vivência grupal pode prevenir a recaída e as trocas de experiências entre os membros podem estimular reflexões e conduzir a elaboração de dificuldades pessoais, pois a composição homogênea do grupo (pessoas reunidas em torno de uma situação em comum) favorece a identificação e, em consequência, a coesão(15). Dessa forma, ocorre um fortalecimento pessoal frente às drogas e outras situações da vida pessoal levando além da abstinência também a reestruturação pessoal.

[...] eu vejo que é muito bom em relação a minha doença. [...] as outras vezes que eu estive internado não segui nenhum grupo de apoio, nem Alcoólicos Anônimo. Nunca deu certo por mais que eu tentasse, mas não. É fundamental o grupo de apoio (P1).

[...] me ajuda muito sentir a pessoa que ouviu o que eu falei. [...] e então, ontem me lembrei de ti. Foi interessante o que tu falou aquilo ali me ajudou (P8).

[...] ajuda bastante, tanto é que fiquei três finais de semana sem vir e tive uma recaída (P12).

[...] no grupo é onde se fala exatamente aquilo que tu sentes. [...] se está bem, se está mal, se está com raiva, se está triste, se está alegre, se está com vontade de beber se não está. Para os outros não adianta. Os outros não vão entender (P13).

A principal tarefa desse grupo operativo de ensino-aprendizagem é o alcance e a manutenção da abstinência das drogas pelos pacientes. É em torno dessa tarefa que os usuários estão reunidos no grupo e interligados por um objetivo coletivo. Cabe salientar que embora aparentemente simples a tarefa, esse processo implica crescimento pessoal e mudança no cotidiano das pessoas envolvidas para o alcance e manutenção da abstinência. Para tanto, a atitude fundamental a ser desenvolvida com o grupo é a de que os seus membros "aprendam a aprender", ou seja, possa-se aliar ao propósito da informação o da formação, principalmente no que se refere à aquisição de atitudes internas por eles(5-7). Assim, durante a realização dos grupos operativos de ensino-aprendizagem buscou-se informar os usuários acerca dos efeitos e conseqüências do uso de drogas à saúde humana a fim de mobilizar recursos internos para maior autonomia e consciência desses sujeitos.

Os participantes referiram as suas percepções lembrando os momentos compartilhados com outros participantes no grupo de apoio. Alguns depoimentos ilustram, a seguir:

[...] sim, esclarecendo de várias drogas. Fornece muita informação (P1).

[...] foi esclarecendo. Não sou muito de falar, mas fico captando o que cada um fala (P2).

[...] acho que foram abordadas assim de todas as maneiras [...] esclarecem sim. Isso até ajuda bastante a gente (P3).

[...] todas elas explicando o funcionamento, o prejuízo e a forma prejudicial (P4).

[...] estão esclarecendo Agora estou entendendo (P5).

[...] aos poucos, a gente vai ouvindo opiniões diferentes e vai esclarecendo, vai abrindo as idéias (P6).

[...] estão esclarecendo inclusive a gente estudou muito o corpo humano ai (P16).

O entendimento por parte dos usuários, de que sofrem um processo de doença que é a dependência química pode ajudá-los no alcance e na manutenção de sua abstinência. Essas informações são importantes porque podem auxiliá-los em seu autoconhecimento e um indivíduo bem esclarecido está apto a tomar decisões mais conscientes. Nesse sentido, o coordenador deve assumir uma postura ativa, apoiando, reassegurando e informando por meio de indagações, correlações ou reflexões sem perder o foco na tarefa grupal(15), bem como desenvolver postura crítica-reflexiva que possibilite o acompanhamento dinâmico da realidade(16).

Ainda, durante as participações no grupo operativo de ensino-aprendizagem, dois usuários relataram sobre as facilidades encontradas no tratamento, o acolhimento recebido e o gosto de ajudar o outro:

[...] facilidade que eu tenho para me expressar e também gosto muito de ajudar de ajudar os outros (P8).

[...] facilidade o acolhimento a recepção (P10).

Por outro lado, cinco participantes expressaram algumas dificuldades encontradas no decorrer do seu tratamento, tais como: meio de transporte pelo valor elevado, horário do trabalho ser o mesmo do grupo e por não gostar de falar, mas de ouvir.

[...] é um pouco o transporte, são dez reais para vir (P1).

[...] a maior dificuldade minha agora para vir no grupo é o horário do trabalho (P3).

[...] é eu tenho um pouco porque eu moro longe. Às vezes, não tenho dinheiro, às vezes, não consigo transporte da prefeitura (P9).

[...] só não venho se não quero (P13).

[...] a dificuldade que tenho é de falar pouco. [...] não sou muito de falar, mais de ouvir, ouvindo (P14).

Entre as dificuldades decorrentes da psicodinâmica dos participantes precisam ser encaradas a utilização de mecanismos defensivos, pois os usuários inviabilizam, diversas vezes, a utilização de recursos disponíveis para alcançar determinado objetivo terapêutico. Com frequência, eles mostram-se pouco cooperativos em relação às condutas necessárias para seu restabelecimento bio-psíquico-social, evitando reconhecer e enfrentar suas dificuldades, mesmo com o agravamento, em diversos casos, de seu estado de saúde(1). Nesses casos, é importante o grupo estar alerta para mobilizar no indivíduo recursos que favoreçam sua vinculação ao tratamento conforme combinado com a equipe multidisciplinar. Para tanto, é necessário sensibilizá-lo para a participação em grupo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta pesquisa buscou-se conhecer a percepção dos usuários de álcool e outras drogas acerca do seu tratamento em um grupo operativo de ensino-aprendizagem realizado na unidade psiquiátrica de um hospital escola da região sul do país.

Através dos depoimentos nesta pesquisa, constatou-se que os usuários de drogas concebem as substâncias psicoativas como um processo de perdas familiares, materiais, morais e a sua saúde, assim como algo que vicia que causa dependência. Os depoimentos sobre as perdas familiares e as separações demonstram que a família é algo especial, que foi perdida ou está sofrendo. Quanto às perdas materiais está bem evidenciado como seu patrimônio, seu trabalho, sua moral está arruinada, ou seja, é a destruição causada pela droga.

A importância da conscientização dos prejuízos a sua saúde é que muitas doenças podem estacionar ou retroceder quando cessar o uso de substâncias psicoativas, bem como as perdas familiares, materiais e sociais em uma comparação entre o que o sujeito teve e o que perdeu. Entretanto, apesar dos inúmeros prejuízos causados pelo abuso de drogas, os indivíduos relatam que é difícil interromper o seu uso, pois o desejo de consumir a substância é muito forte. É de grande relevância para os profissionais de saúde que trabalham com a questão da dependência química, conhecer essas percepções; pois abrem possibilidades, de trabalhar com a redução das consequências nos campos, social, econômico e na saúde, por refletirem com os usuários do grupo sobre as perdas produzidas pelo uso de álcool e outras drogas e isto pode se tornar um estímulo para o usuário continuar seu tratamento, bem como valorizar a abstinência.

O valor do grupo operativo é reconhecido pelos seus membros quando o denominam "grupo de apoio", atribuindo a ele como sendo um importante suporte para manterem-se em abstinência, espaço para o diálogo, aprendizado e como responsável pelas vitórias conseguidas na luta contra o consumo de drogas. Essa valorização demonstra como essa modalidade pode contribuir com o serviço de saúde mental em relação à dependência química.

Também, por ser uma atividade grupal tem um baixo custo financeiro e ainda por ser uma forma de educação em saúde, pois educar para a saúde é ajudar o indivíduo na busca da compreensão das situações e problemas de saúde, assim como as de suas soluções. Sendo pautado no diálogo, um intercâmbio entre o conhecimento científico e o saber popular, valorizando cada um deles, como forma de ensinar e aprender, numa construção coletiva.

Concluímos que as percepções dos usuários de álcool e outras drogas apresentadas por essa pesquisa evidenciam o grupo operativo como uma ferramenta importante na manutenção do tratamento e sua inserção social num processo de abstinência, resultando assim em uma melhora em sua qualidade de vida, que reflete não apenas no indivíduo em si, mas também em seus familiares, amigos, no trabalho e na sociedade em geral.

Recebido em: 22/07/2011

Aprovado em: 21/11/2011

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  • Dirección del autor / Author's address

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  • 1
    Artigo originado do Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), apresentado em 2010.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Jul 2012
    • Data do Fascículo
      Mar 2012

    Histórico

    • Recebido
      22 Jul 2011
    • Aceito
      21 Nov 2011
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