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O tipo vivido de familiares de usuários de um centro de atenção psicossocial infantil

El tipo vivido de familiares de usuarios de un centro de atención psicosocial infantil

Resumos

O objetivo desta investigação foi compreender o tipo vivido de familiares de usuários de um Centro de Atenção Psicossocial Infantil. Trata-se de um estudo qualitativo, de abordagem fenomenológica, desenvolvido em um Centro de Atenção Psicossocial Infantil (CAPSi), localizado no município de Cascavel, Paraná. Os participantes da pesquisa foram onze familiares de usuários do referido serviço e que mais participavam dos cuidados com os usuários. Realizaram-se entrevistas semiestruturadas, e as informações foram analisadas por meio da metodologia da fenomenologia social. O tipo vivido dos familiares de usuários de um CAPSi mostrou-se como sendo: aquele que vivencia o comportamento do usuário; refere o encaminhamento de outros serviços; espera por tratamento; deseja a melhora do quadro clínico e vivencia o apoio do serviço aos familiares. Nesse sentido, o estudo pode contribuir para a reflexão sobre as práticas de Enfermagem em saúde mental aos usuários e familiares.

Família; Saúde mental; Serviços de saúde mental; Enfermagem


El objetivo de esta investigación fue comprender el tipo vivido de familiares de usuarios de un Centro de Atención Psicosocial Infantil. Se trata de un estudio cualitativo de abordaje fenomenológico, desarrollado en un Centro de Atención Psicosocial Infantil (CAPSi), ubicado en el municipio de Cascavel, Paraná. Los participantes del estudio fueron once familiares de usuarios del referido servicio y que más participaban de los cuidados con los usuarios. Se realizaron entrevistas semiestructuradas y las informaciones se analizaron por medio de la metodología de la fenomenología social. El tipo vivido de los familiares de usuarios de un CAPSi se mostró como siendo: aquel que convive con el comportamiento del usuario; refiere el encaminamiento de otros servicios; espera por tratamiento; desea la mejora del cuadro clínico y convive con el apoyo de servicios a los familiares. En este sentido, el estudio puede contribuir para la reflexión sobre la práctica de la enfermería en Salud Mental a usuarios y familiares.

Familia; Salud mental; Servicios de salud mental; Enfermería


The objective of this study was to understand the lived experiences of family members of children attending a Child Psychosocial Care Center. This study is a qualitative research with a phenomenological approach, developed at a Child Psychosocial Care Center (CAPSi as per its acronym in Portuguese) located in the municipality of Cascavel, State of Paraná. Participants were eleven family members of clients attending the above mentioned service and who, more actively, took part in the clients' care. Semi-structured interviews were performed and the gathered data were then analyzed by means of social phenomenology methodology. The experience lived by the family members of children attending the Child Psychosocial Care Center included experiences in dealing with clients' behavior; seeking referrals to other services; waiting for treatment; hoping to see an improvement in the clinical profile of the patient and experiencing the service support provided to the family. Thus, this present study may contribute to a reflection on mental health nursing practice in caring for clients and their families.

Family; Mental health; Mental health services; Nursing


ARTIGO ORIGINAL

O tipo vivido de familiares de usuários de um centro de atenção psicossocial infantil

El tipo vivido de familiares de usuarios de un centro de atención psicosocial infantil

Gicelle Galvan MachineskiI; Jacó Fernando SchneiderII; Marcio Wagner CamattaIII

IEnfermeira. Doutora em Enfermagem pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professora do Curso de Enfermagem da Faculdade Assis Gurgacz (FAG). Cascavel, Paraná, Brasil

IIEnfermeiro. Doutor em Enfermagem. Doutor em Enfermagem. Professor Titular do Departamento de Assistência e Orientação Profissional do Curso de Enfermagem e do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da UFRGS. Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil

IIIEnfermeiro. Doutor em Enfermagem. Professor Adjunto do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA). Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil

Endereço para correspondência Endereço do autor / Dirección del autor / Author's address Gicelle Galvan Machineski Rua Manaus, 2046, apto. A05, Cancelli 85811-030, Cascavel, Paraná E-mail: gicelle@fag.edu.br

RESUMO

O objetivo desta investigação foi compreender o tipo vivido de familiares de usuários de um Centro de Atenção Psicossocial Infantil. Trata-se de um estudo qualitativo, de abordagem fenomenológica, desenvolvido em um Centro de Atenção Psicossocial Infantil (CAPSi), localizado no município de Cascavel, Paraná. Os participantes da pesquisa foram onze familiares de usuários do referido serviço e que mais participavam dos cuidados com os usuários. Realizaram-se entrevistas semiestruturadas, e as informações foram analisadas por meio da metodologia da fenomenologia social. O tipo vivido dos familiares de usuários de um CAPSi mostrou-se como sendo: aquele que vivencia o comportamento do usuário; refere o encaminhamento de outros serviços; espera por tratamento; deseja a melhora do quadro clínico e vivencia o apoio do serviço aos familiares. Nesse sentido, o estudo pode contribuir para a reflexão sobre as práticas de Enfermagem em saúde mental aos usuários e familiares.

Descritores: Família. Saúde mental. Serviços de saúde mental. Enfermagem.

RESUMEN

El objetivo de esta investigación fue comprender el tipo vivido de familiares de usuarios de un Centro de Atención Psicosocial Infantil. Se trata de un estudio cualitativo de abordaje fenomenológico, desarrollado en un Centro de Atención Psicosocial Infantil (CAPSi), ubicado en el municipio de Cascavel, Paraná. Los participantes del estudio fueron once familiares de usuarios del referido servicio y que más participaban de los cuidados con los usuarios. Se realizaron entrevistas semiestructuradas y las informaciones se analizaron por medio de la metodología de la fenomenología social. El tipo vivido de los familiares de usuarios de un CAPSi se mostró como siendo: aquel que convive con el comportamiento del usuario; refiere el encaminamiento de otros servicios; espera por tratamiento; desea la mejora del cuadro clínico y convive con el apoyo de servicios a los familiares. En este sentido, el estudio puede contribuir para la reflexión sobre la práctica de la enfermería en Salud Mental a usuarios y familiares.

Descriptores: Familia. Salud mental. Servicios de salud mental. Enfermería.

INTRODUÇÃO

O cuidado em saúde mental passou por transformações significativas a partir da Reforma Psiquiátrica, que redirecionou o modelo de atenção asilar para o psicossocial, o qual tem como propósito compreender o processo saúde-doença a partir da determinação psíquica e sócio-cultural, considerando os conflitos e contradições constitutivas dos sujeitos, e horizontalizar as ações a fim de organizar as relações intrainstitucionais(1).

Além disso, a atenção psicossocial entende que, se a realidade é construída, também pode ser transformada, tendo como princípio o trabalho pautado em ações éticas e terapêuticas que possibilitem a cidadania e o poder de contratualidade social aos sujeitos em sofrimento psíquico(2).

Esse novo modelo de atenção em saúde mental possibilitou a implantação de serviços substitutivos ao modelo asilar, como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), dentre os quais se incluem os Centros de Atenção Psicossocial Infantil (CAPSi).

Tais serviços se constituem em dispositivos de desinstitucionalização, a qual pode ser compreendida como a reinserção do sujeito em sofrimento psíquico (usuário) na sociedade, que prevê a integralidade da assistência ao doente mental, a fim de não reproduzir o atendimento asilar.

Os CAPS podem ser considerados mecanismos para o atendimento em saúde mental, os quais são regulamentados pela Portaria 336/2002(3). Esses centros se caracterizam por serviços ambulatoriais que oferecem atendimento intensivo, semi-intensivo e não intensivo, com o apoio de uma equipe multiprofissional articulada, cujo objetivo é possibilitar a reabilitação psicossocial dos usuários(4).

Dessa forma, na rede de serviços substitutivos de assistência à saúde mental, a terapia é contínua, sendo que todas as manifestações do sujeito em sofrimento psíquico são observadas e incorporadas ao processo terapêutico. No CAPS, os canais de comunicação entre usuários, familiares e equipe multiprofissional estão sempre permeáveis(5).

Nesse contexto, os familiares estão sendo convidados a participar do projeto terapêutico dos usuários do CAPS a fim de contribuir para o cuidado e serem sujeitos de cuidado dos profissionais da equipe multidisciplinar que realiza o atendimento no referido serviço.

Para este estudo, foram consideradas como familiares as pessoas que mais se ocupam dos cuidados aos usuários, sejam elas pais, mães, avôs ou outros membros da família (com ou sem vínculos consanguíneos), que convivem com a criança ou adolescente atendido, sendo que esses familiares se responsabilizam pelo acompanhamento dos usuários no serviço e pelos cuidados prestados no domicílio e no meio social.

Nesse sentido, percebemos a necessidade de entender o que motiva a busca dos familiares pelo atendimento do usuário em serviços substitutivos e o que eles esperam da atenção oferecida naqueles locais, tendo em vista o redirecionamento do cuidado em saúde mental a partir da Reforma Psiquiátrica, que visa à reabilitação psicossocial do usuário e a inserção da família.

Este estudo contemplou as características dos familiares que buscam atendimento para o usuário no CAPSi e a estrutura típica de suas expectativas em relação ao trabalho oferecido nesse tipo de serviço, ou seja, pretendeu-se revelar como esses familiares costumam agir no mundo social frente ao fenômeno pesquisado.

Consideramos importante compreender o tipo vivido desses familiares, tendo em vista as inúmeras possibilidades que se apresentam durante o acompanhamento dos usuários no processo saúde-doença mental. Tal compreensão pode estabelecer um cuidado direcionado não somente aos usuários, mas ao conjunto usuário-família.

O estudo torna-se relevante porque poderá auxiliar as equipes de saúde mental, especialmente os enfermeiros, a refletirem sobre o modo como desenvolvem suas práticas e as possíveis reestruturações que se façam necessárias para a assistência, podendo contribuir para o atendimento aos familiares e usuários dos CAPSi.

Nesse contexto, o enfermeiro, por ser profissional fundamental para a implementação do projeto terapêutico singular do usuário do CAPSi, utilizando-se da Sistematização da Assistência de Enfermagem para instrumentalizar sua prática no cuidado em saúde mental, poderá subsidiar suas ações a partir do conhecimento do tipo vivido de familiares de usuários daquele serviço.

Assim, tivemos por objetivo compreender o tipo vivido de familiares de usuários de um Centro de Atenção Psicossocial Infantil.

METODOLOGIA

Nossa pesquisa, resultado de uma tese de doutorado(6), foi realizada a partir de um estudo qualitativo, de abordagem fenomenológica, desenvolvido em um Centro de Atenção Psicossocial Infantil do município de Cascavel, Paraná.

A coleta das informações foi realizada por meio de entrevista semiestruturada, após a aprovação do estudo pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade Assis Gurgacz, sob o Parecer 54∕2010, conforme a Resolução 196∕96 do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde(7). O critério de inclusão foi ser o familiar que mais se ocupa dos cuidados do usuário atendido no CAPSi, e o de exclusão foi ser familiar que não convive com o usuário atendido no CAPSi.

Para a coleta das informações, utilizamos a entrevista fenomenológica, com as seguintes questões norteadoras: "O que levou você a procurar atendimento para o seu familiar no CAPSi?" e "O que você espera do atendimento que o seu familiar recebe no CAPSi?". As entrevistas foram agendadas em horário e local que fossem convenientes para os sujeitos, gravadas em gravador digital e, posteriormente, transcritas na íntegra.

Os depoimentos foram identificados por letras, conforme a ordem em que as entrevistas foram realizadas, a fim de manter o anonimato dos sujeitos.

Na compreensão das informações, utilizamos o método fenomenológico para a construção das categorias concretas(8), a fim de desvelar as motivações expressas nos depoimentos dos familiares de usuários do CAPSi e construir o tipo vivido do grupo de sujeitos entrevistados.

No decorrer do processo, realizamos a leitura sequencial, detalhada e exaustiva dos depoimentos, procurando identificar as unidades de significado. Procedemos também à leitura das unidades de significado, agrupando-as de acordo com suas convergências, para formar as categorias concretas do tipo vivido dos sujeitos. Na construção das categorias, identificamos aquelas que expressam os motivos das ações – motivos porque (razão da ação) e os motivos para (expectativas da ação). O movimento analítico compreensivo das categorias, para a construção do tipo vivido dos familiares de usuários do CAPSi, baseou-se no referencial filosófico-metodológico de Alfred Schütz (fenomenologia social)(9;10).

RESULTADO E DISCUSSÃO

Os sujeitos do estudo foram os familiares que mais se ocupam dos cuidados com o usuário atendido no CAPSi, os quais constituíram um grupo de oito mães, duas avós e uma cunhada.

No percurso de construção do tipo vivido, identificamos cinco categorias concretas, que se agruparam em dois eixos, a saber: a identificação dos motivos porque dos familiares ao buscarem o atendimento no CAPSi; e a identificação dos motivos para quanto ao atendimento no CAPSi.

A identificação dos motivos porque dos familiares ao buscarem o atendimento no CAPSi

Na categoria concreta vivenciando o comportamento do usuário, a mudança na forma de comportar-se do usuário do CAPSi passou a interferir no relacionamento intrafamiliar e nas relações com outros sujeitos da sociedade.

É porque a gente viu que o comportamento dela não era normal mais [...] não queria estudar, nem comer ela queria comer, emagreceu, e [...] começou a ficar agitada, começou brigar, começou inventar coisas que não existia, foi aonde a gente levou ela pra passar com psicóloga (c).

É ele a princípio falou pra gente que tava sem motivo pra vida, que não tinha razão pra viver mais, que tinha às vezes vontade de se matar, inclusive especificou alguns casos [...] (d).

É [...] num desses nervosismos dele, ele comentou de suicídio, queria se matar [...] (e).

[...] como ele tem deficiência na aprendizagem, ele não consegue acompanhar e os outros amigos daí tiravam sarro dele em sala de aula [...] daí começou a ficar meio agressivo e violento [...] (h).

Os motivos porque se relacionam a experiências passadas que determinaram que o sujeito agisse como agiu, sendo caracterizado como o projeto de uma ação que já foi concluída(9).

Dessa forma, os motivos porque são aqueles que se explicam a partir dos antecedentes, ambiente ou predisposição psíquica do ator, isto é, são determinados pelo tempo passado e formam uma categoria objetiva(10).

As avaliações realizadas em crianças e adolescentes em sofrimento psíquico, auxiliadas por informações provenientes de relatos de familiares, demonstraram que o comportamento dos referidos sujeitos geralmente apresenta, dentre outras atitudes que são consideradas critérios de diagnóstico da doença mental, irritação, desobediência, nervosismo, impulsividade, inquietação, timidez, aborrecimento(11), agitação e agressividade(11;12), além do fato de as crianças ou os adolescentes realizarem furtos(12).

Assim, pudemos observar que os familiares analisados neste estudo referiram o comportamento agressivo e a ideação suicida como situações que contribuíram para a busca de ajuda no CAPSi. Tal caracterização evidencia a necessidade de que os profissionais do serviço estejam atentos para lidar adequadamente com os familiares e os sujeitos que vivenciam essas experiências.

Na categoria concreta referindo o encaminhamento de outros serviços, foram discutidos aspectos que levaram à busca por um atendimento especializado para o sujeito em sofrimento psíquico. Os familiares relataram que diversas instituições com as quais o usuário do CAPSi teve contato, tais como a escola, o Conselho Tutelar, a Unidade Básica de Saúde, entre outras, proporcionaram seu encaminhamento ao serviço substitutivo em saúde mental.

[...] o Conselho Tutelar por uma liminar da justiça que encaminhou ele pro CAPSi [...] (b).

[...] a gente foi encaminhado pelo posto de saúde, que encaminhou devido ao distúrbio que ele tem (d).

[...] eu conversei com o pediatra e o pediatra achou por bem encaminhar ele pro CAPSi (e).

A escola que encaminhou. [...] um dia deu uma briga lá séria com ele e outro coleguinha daí pediram pra ser encaminhado [...] (f).

Os motivos porque remetem a experiências passadas. Nesse sentido, podemos dizer que os motivos porque de uma ação são acessíveis somente quando ela se torna um ato, ou seja, quando ela já foi realizada(9).

Dessa forma, os familiares de usuários de um CAPSi remeteram-se àquilo que os levou a procurar o atendimento naquele serviço substitutivo em saúde mental e voltaram-se para o encaminhamento realizado por outros serviços. Isso ocorre porque a ação foi realizada em um tempo passado e pode ser observada e explicada por aqueles sujeitos, além de ser interpretada pelo investigador social.

A respeito do encaminhamento dos usuários ao serviço, podemos dizer que os CAPS estão articulados a uma rede de atenção ao sujeito em sofrimento psíquico e suas famílias, amigos e pessoas interessadas pelo cuidado em saúde mental.

Nesse contexto, um trabalho clínico-institucional não pode deixar de ampliar-se também no entorno do serviço, de seus portões para fora, para a rede que inclui outros serviços de natureza clínica, bem como outras agências sociais não clínicas que, por atravessarem a vida das crianças e dos jovens, constituem-se como linhas que costuram seu território(13).

Como em outros estudos(12) que demonstram as formas de encaminhamento ao CAPSi, observamos neste que dispositivos sociais, tais como serviços de saúde, educação e de proteção aos direitos da criança e adolescente, têm mediado de alguma maneira o acesso dos sujeitos ao CAPSi, servindo como importantes pontos da rede de apoio social.

A identificação dos motivos para quanto ao atendimento no CAPSi

Os motivos para são aqueles que "implicam fins a alcançar, objetivos que se buscam atingir; se referem ao tempo futuro e formam uma categoria subjetiva uma vez que o ator social comprometido em sua ação, compreendida como uma parte do processo em andamento do projetar, define e interpreta o sentido de sua ação em termos de motivos para. Nesse sentido, a categoria subjetiva se refere a relação que a ação tem com a consciência do ator, não se relacionando a noções de introspecção, condições psicológicas ou atitudes privadas"(10:26).

Nesse sentido, o motivo quer dizer o estado de coisas, o fim em função do qual a ação foi levada a cabo, ou seja, o motivo a fim de. Do ponto de vista do ator, essa classe de motivos refere-se ao seu futuro(9).

Na categoria concreta esperando por tratamento do usuário, evidenciaram-se alguns aspectos dos motivos para, ou seja, do que os familiares esperam em relação ao atendimento recebido pelo usuário do CAPSi. Notamos que eles esperam pela recuperação ou pela adaptação do sujeito em sofrimento psíquico à doença.

Percebemos também que alguns esperam que ele volte a ser "normal". Isso acontece porque o desconhecimento dos sintomas da doença mental e de seu curso leva os familiares a rejeitarem inconscientemente a ideia de que seu ente não terá cura(14).

[...] pra ele se tratar e se recuperar disso, pra voltar a ser uma criança normal que antes era (d).

Então ali pelo menos ele tá indo ali, tá tendo esse atendimento e tem apoio psicológico, psiquiátrico, terapêutico, as oficinas [...] (f).

Tenta fazer todo o tratamento pra que se caso realmente ele for, ele consiga se adaptar, ele consiga controlar essa hiperatividade (g).

Nesse contexto, pudemos observar que o tratamento da doença mental dos usuários do CAPSi se caracteriza, de acordo com as falas dos familiares, como um objetivo, uma meta a ser alcançada, ou seja, um motivo para no que diz respeito a buscar o atendimento naquele serviço.

Em relação ao atendimento do CAPS, os usuários e familiares podem esperar um tratamento fornecido por equipe multiprofissional, baseado em projeto terapêutico individual construído a partir das necessidades apresentadas pelo usuário e sua família.

Os CAPS foram planejados para atender prioritariamente às demandas de transtornos psiquiátricos severos e persistentes, empregando alternativas de tratamento apoiadas em uma proposta terapêutica individualizada(15). Além disso, a atenção integral e a defesa da cidadania dos sujeitos em sofrimento psíquico são os marcos conceituais que devem sustentar o modelo de atenção à saúde mental(16).

Na categoria concreta desejando a melhora do quadro clínico do usuário, também foram encontradas ideias a respeito dos motivos para em relação ao atendimento do CAPSi aos usuários. Nesse sentido, os familiares expressaram o desejo de que o sujeito em sofrimento psíquico possa melhorar, aprender a lidar com a doença e comportar-se de forma adequada em diferentes situações sociais, o que se coloca como uma categoria subjetiva da experiência que estão vivenciando.

A cura [...] não tem, porque depressão não tem cura, tem altos e baixos, mas pelo menos que ele aprenda a lidar com a doença que ele tem, e que a gente também consiga lidar (b).

Que esse tratamento tanto medicamento que foi indicado por médico pra ele, quanto a terapia ocupacional que ele tá tendo lá e o acompanhamento com os psicólogos, que realmente isso ajuda com que ele se ocupe com alguma coisa que ele goste [...] (d).

Eu espero que ele consiga trabalhar melhor esses momentos dele de nervosismo [...] pra não ficar tão explosivo nos momentos de dificuldades (e).

Ah é muito bom, espero a cada dia [...] melhorou bastante a cada dia, espero que ele fique bom (j).

Eu, tipo assim, eu esperava que ele melhorasse entendeu (k).

Os familiares relataram a expectativa de melhora do quadro clínico do usuário, como resultado do tratamento da doença mental na faceta biológica da situação vivenciada e na psicossocial, quando comentaram acerca da adaptação aos obstáculos da doença e da interação com os outros. Além disso, não descartaram a possibilidade de que o usuário possa curar-se da doença mental.

Essa possibilidade se mostra como um motivo para, ou seja, uma das expectativas que os familiares têm em relação à melhora do quadro clínico do usuário do CAPSi.

Assim, "o sentido atribuído pelos familiares aos resultados do trabalho da equipe é caracterizado pela estabilização dos sintomas psíquicos do seu familiar-usuário, mesmo quando se referem a esta estabilização com os termos curada e controlada"(17:398).

Na categoria concreta vivenciando o apoio do serviço aos familiares, os motivos para relacionaram-se ao apoio da equipe multiprofissional aos familiares, que acontece, segundo alguns dos sujeitos da pesquisa, somente quando há procura por ajuda ou convite do serviço para participar de alguma atividade. No entanto, alguns familiares apresentaram os seguintes relatos:

Nesses dias eu fui a primeira vez na psicóloga e que sinceramente não gostei muito do atendimento, na segunda vez que nós fomos nós conversamos com a terapeuta ocupacional, e esse atendimento eu gostei, achei bom (e).

[...] eu acho que é muito importante o CAPSi sim, tem que [...] as mães que precisam tem que buscar. E eu acho que [...] é uma ajuda muito boa assim para nós. Quando ele falta, meu Deus! (h).

Eles me davam, quando eu ia lá e participava davam bastante orientação para a gente (j).

Já outros familiares comentaram que não recebem a devida atenção, no sentido de saber sobre o tratamento do usuário, receber apoio psicológico e orientações sobre a doença. Eles relataram que gostariam de ter mais proximidade com a equipe multiprofissional, a fim de esclarecer como se dão as relações intrafamiliares e o comportamento do usuário no domicílio, o que acreditam que auxiliaria em seu atendimento individualizado e na promoção da convivência mais harmônica na família.

Eu acho que eu tenho que saber dela o medicamento que a menina tá tomando e ela tem que saber de nós o acompanhamento dela aqui em casa [...] (c).

Então se tivesse um [...] eu acho que também faz parte uma. [...] como que eu vou dizer a palavra assim [...] um acompanhamento da família também, um atendimento [...] (d).

[...] eles ligam assim às vezes. Que nem essa semana eles me ligaram me convidando pra ir lá, caso quisesse ir lá conversar, ia ter palestra, essas coisas assim [...]. Mas senão [...]. Fora isso nada (k).

A minha única assim mais reclamação é essa, se você não pergunta!!! São todos gente muito boa [...], mas é assim, se você pergunta bem e se você não pergunta tá tudo bem (i).

Nessa categoria, pudemos perceber que os familiares sentem a necessidade de um relacionamento face a face(9), ou seja, uma relação direta com a equipe de profissionais de saúde do CAPSi, para que suas experiências vividas possam ser reconhecidas de maneira mais íntima e, assim, estejam aptos a apoiar de fato as necessidades expressas e vivenciadas pelos usuários.

No modelo de atenção psicossocial, consideramos que a presença do familiar torna-se necessária, e essa necessidade determina o próprio âmbito de ação da instituição(18). No entanto, a fala de alguns familiares é corroborada pelos resultados de pesquisas que revelam que as práticas em saúde mental nos serviços substitutivos ao modelo manicomial estão pautadas, muitas vezes, no saber de senso comum e no conhecimento teórico subsidiado pelo modelo hospitalocêntrico(19).

Isso impossibilita, por exemplo, um trabalho multiprofissional que inclua a família como unidade primária cuidadora de seus membros e, portanto, fonte de informações importantes para o projeto terapêutico singular do usuário, além de ser também objeto de cuidado em saúde mental, pois necessita de orientações acerca do processo de saúde e doença mental, bem como do tratamento oferecido aos usuários do serviço.

Além disso, é importante ressaltar que o processo de construção do plano terapêutico deve envolver o sujeito em sofrimento psíquico e sua família e considerar sua situação social e biográfica(20).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com este estudo, fez-se possível compreender que o tipo vivido de familiares de usuários de um Centro de Atenção Psicossocial Infantil é constituído por um grupo de pessoas que possui características típicas. Tal compreensão foi obtida a partir da descrição do comportamento social, que permite encontrar convergências nas intenções dos sujeitos.

Assim, o tipo vivido dos familiares de usuários de um CAPSi foi construído a partir de cinco categorias concretas que emergiram dos motivos porque e dos motivos para evidenciados nos depoimentos: aquele que vivencia o comportamento do usuário; refere o encaminhamento de outros serviços; espera por tratamento; deseja a melhora do quadro clínico e vivencia o apoio do serviço aos familiares.

A busca de atendimento no CAPSi, pelos familiares de crianças e adolescentes, ocorreu devido às vivências desses familiares com situações envolvendo o comportamento alterado dos usuários no âmbito social do qual fazem parte e ao encaminhamento realizado por profissionais, instituições e serviços diversificados, tais como escola, Conselho Tutelar e Unidade Básica de Saúde.

Quando os familiares buscam atendimento no CAPSi, eles visam a obter tratamento ao seu familiar usuário, tendo em vista a melhora do seu quadro clínico com remissão de sintomas e melhorias na interação social.

Além disso, os familiares buscam o apoio dos profissionais, a fim de que possam compreender a situação vivenciada a partir do acontecimento da doença mental, bem como contribuir para o tratamento do usuário, no sentido de obter esclarecimentos acerca de seu comportamento e relacionamento com os demais membros da família.

Nesse sentido, os profissionais de enfermagem em saúde mental podem proporcionar tal apoio e tornar os familiares sujeitos de cuidado ao implementar o plano terapêutico para os usuários e identificar as necessidades da família em relação a como lidar com o indivíduo em sofrimento psíquico no domicílio. Além disso, o enfermeiro também pode instituir um cuidado de prevenção em saúde mental voltado para os familiares dos usuários do serviço.

Por fim, esta pesquisa aponta para novos objetos de estudo, como aqueles que envolvam profissionais de enfermagem, usuários e familiares, que possam contribuir para o cuidado de enfermagem em saúde mental, enfocando os serviços substitutivos em saúde mental na perspectiva da fenomenologia social, bem como as expectativas dos usuários em relação ao atendimento recebido e às motivações da equipe multiprofissional em relação ao serviço.

Recebido em: 27.12.2011

Aprovado em: 04.02.2013

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Abr 2013
    • Data do Fascículo
      Mar 2013

    Histórico

    • Recebido
      27 Dez 2011
    • Aceito
      04 Fev 2013
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