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O valor verdade no ensino da enfermagem: um estudo fenomenológico

El valor verdad en la educación de enfermería: un estudio fenomenológico

Resumos

O presente artigo é balizado na teoria de valor. A enfermagem possui um conjunto de valores do qual se nutre para elaborar uma escala que direciona e justifica o agir profissional. Objetivo: compreender no ato de educar do enfermeiro-docente o valor verdade e discuti-los a luz dos pressupostos de Max Scheler. A metodologia é qualitativa, centrada no enfoque fenomenológico. Participaram do estudo sete enfermeiros-docentes de três instituições de ensino superior de enfermagem, localizadas na cidade do Rio de Janeiro. O período de realização foi de maio a junho de 2008. Os dados foram obtidos através de entrevista e analisados compreensivamente. Resultado: o valor verdade emergiu no discurso do enfermeiro-docente no ato de educar. Considerações finais: foi por meio do ato de educar que o enfermeiro apresentou o valor verdade ao educando, ratificando-o como instituinte para a práxis assistencial da enfermagem.

Enfermagem; Educação; Cultura; Filosofia


Este artículo está enmarcado en la teoría del valor. La enfermería tiene un conjunto de valores de los que se nutre para desarrollar una escala que dirige y justifica el acto profesional. Objetivo: Comprender en el acto de educar de enfermeros-docentes el valor verdad y discutirlo a la luz de las presuposiciones de Max Scheler. La metodología es cualitativa, centrada en el abordaje fenomenológico. Los participantes del estudio fueron siete enfermeros-docentes de tres instituciones de educación superior de enfermería, ubicadas en la ciudad de Río de Janeiro. El período de ejecución fue de mayo a junio de 2008. Los datos fueron recolectados a través de entrevistas y analizados exhaustivamente. Resultado: El valor verdad emergió en el discurso del enfermero-docente en el acto de educar. Consideraciones finales: Fue a través del acto de educar que el enfermero presentó el valor verdad al estudiante, confirmándolo como parte integrante de la praxis asistencial de enfermería.

Enfermería; Educación; Cultura; Filosofía


This article is based on the value theory. Nursing possesses a set of values that are used to develop a scale that directs and justifies professional action. Objective: To understand, the act of educating of the nurse- professor, the truth value and discuss it in light of Max Scheler's assumptions. The methodology is qualitative, focusing on phenomenological approach. Study participants were seven nurses-teachers from three institutions of higher nursing education, located in the city of Rio de Janeiro. The study was conducted from May to June 2008. Data were collected through interviews and analyzed comprehensively. Result: Truth emerged in the speech of the nurse-professor in the act of educating. Final Thoughts: It was through the act of educating that nurses presented the truth value to the student, ratifying it as the establishment of nursing assistance praxis.

Nursing; Education. Culture; Philosophy


ARTIGO ORIGINAL

O valor verdade no ensino da enfermagem: um estudo fenomenológico

El valor verdad en la educación de enfermería: un estudio fenomenológico

Gilberto de Lima GuimarãesI; Ligia de Oliveira VianaII; Selme Silqueira de MatosIII; Daclé Vilma CarvalhoIV; Fabíola Carvalho de Almeida Lima BaroniV

IDoutor em Enfermagem. Professor Adjunto. Departamento de Enfermagem Básica.Escola de Enfermagem.Universidade Federal de Minas Gerais. Membro do Núcleo de Pesquisa em Educação e Saúde em Enfermagem. Escola Anna Nery. Universidade Federal do Rio de Janeiro

IIDoutora em Enfermagem. Professora Titular. Departamento de Metodologia. Membro do Núcleo de Pesquisa em Educação e Saúde em Enfermagem. Escola de Enfermagem Anna Nery. Universidade Federal do Rio de Janeiro

III Doutora em Enfermagem. Professora Adjunta. Departamento de Enfermagem Básica. Membro do Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre a Sistematização do Cuidar em Enfermagem. Escola de Enfermagem. Universidade Federal de Minas Gerais

IV Doutora em Enfermagem. Professora Associada. Departamento de Enfermagem Básica. Membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Sistematização do Cuidar em Enfermagem. Escola de Enfermagem. Universidade Federal de Minas Gerais

VDoutora em Enfermagem. Professora Adjunta. Departamento de Enfermagem Básica.Membro do Núcleo de Pesquisas sobre a Sistematização do Cuidar em Enfermagem. Escola de Enfermagem. Universidade Federal de Minas Gerais

Endereço para correspondência Endereço do autor / Dirección del autor / Author's address Gilberto de Lima Guimarães Departamento de Enfermagem Básica Escola de Enfermagem - Universidade Federal de Minas Gerais Rua Alfredo Balena, 190, Santa Efigênia 30130-100, Belo Horizonte, MG E-mail: drgilberto.guimarães@hotmail.com

RESUMO

O presente artigo é balizado na teoria de valor. A enfermagem possui um conjunto de valores do qual se nutre para elaborar uma escala que direciona e justifica o agir profissional. Objetivo: compreender no ato de educar do enfermeiro-docente o valor verdade

e discuti-los a luz dos pressupostos de Max Scheler. A metodologia é qualitativa, centrada no enfoque fenomenológico. Participaram do estudo sete enfermeiros-docentes de três instituições de ensino superior de enfermagem, localizadas na cidade do Rio de Janeiro. O período de realização foi de maio a junho de 2008. Os dados foram obtidos através de entrevista e analisados compreensivamente. Resultado: o valor verdade emergiu no discurso do enfermeiro-docente no ato de educar. Considerações finais: foi por meio do ato de educar que o enfermeiro apresentou o valor verdade ao educando, ratificando-o como instituinte para a práxis assistencial da enfermagem.

Descritores: Enfermagem. Educação. Cultura. Filosofia.

RESUMEN

Este artículo está enmarcado en la teoría del valor. La enfermería tiene un conjunto de valores de los que se nutre para desarrollar una escala que dirige y justifica el acto profesional. Objetivo: Comprender en el acto de educar de enfermeros-docentes el valor verdad y discutirlo a la luz de las presuposiciones de Max Scheler. La metodología es cualitativa, centrada en el abordaje fenomenológico. Los participantes del estudio fueron siete enfermeros-docentes de tres instituciones de educación superior de enfermería, ubicadas en la ciudad de Río de Janeiro. El período de ejecución fue de mayo a junio de 2008. Los datos fueron recolectados a través de entrevistas y analizados exhaustivamente. Resultado: El valor verdad emergió en el discurso del enfermero-docente en el acto de educar. Consideraciones finales: Fue a través del acto de educar que el enfermero presentó el valor verdad al estudiante, confirmándolo como parte integrante de la praxis asistencial de enfermería.

Descriptores: Enfermería. Educación. Cultura. Filosofía.

INTRODUÇÃO

O ser humano apresenta-se como realidade existencial, ocupando um lugar no mundo, sendo capaz de dar-lhe significado e sentido. Assim, o simples fato de ser homem não lhe confere, a principio, a posição que reflita um agir humano, faz-se necessário encaminhá-lo para o processo de sua humanização(1).

É no campo da prática social, em seu co-existir com o outro, que este revela o encaminhamento que dá para a construção deste agir humano, a partir do significado e do sentido que atribui a sua existência. Esta capacidade de significação lhe é possível, advinda do valor que apreende, e que dispõe em uma ordenação que julga apropriada para a sua vida(1).

Devido ao desgaste obtido pela palavra valor ao longo do tempo, faz-se necessário, a fim de dirimir qualquer dúvida, conceituá-lo. Assume-se neste estudo o conceito do valor como aquilo que vale para o homem, sendo capaz de suprir uma carência e promover o seu crescimento e desenvolvimento como pessoa(1).

Assim, ao considerar-se o homem, como ser de carência é notório a visualização na trajetória de sua vida social do esforço que este empreende na busca de supri-la. Basta retroceder no tempo, a partir da fase de tenra idade, vê-se que surgem as exigências valorativas ligadas à própria vida material, ao seu bem estar físico. No momento seguinte, as necessidades ligadas ao próprio corpo: a saúde, o bem estar, a força física, até apontar os valores capazes de suprir a carência(1).

Posteriormente, requerem-se os valores de utilidade como que unem o material e o não material. A inteligência do homem, interferindo na matéria, inventa os bens de valor que vão suprir suas necessidades. Contemplam-se, então, os valores que vão corresponder aos anseios não materiais da pessoa humana: o anseio da verdade, do bem entre outros(1).

A seguir, o valor lógico é buscado pela razão, em sua constante procura pela verdade por meio da pesquisa e da ciência. Entretanto, ressalta-se que não são considerados valores os conteúdos do conhecimento humano, mas a verdade que encerram. O ser humano quer conhecer o real e, ao mesmo tempo, empreende o esforço para o processo de sua humanização. Por isso, o homem volta-se para a educação, reconhecendo nela o elemento moderador deste processo(1).

A enfermagem é uma prática científica e social, portanto, dotada de um corpo de conhecimento teórico-prático. Como prática cientifica exerce sua ação na área da saúde, tendo o seu objeto de interesse no cuidado de enfermagem(2). Irá valer-se dele para prover no encontro dialógico com o seu cliente/comunidade as condições de promoção, prevenção e reparação da saúde. Ao passo que, como prática social é possuidora de um conjunto de valores que lhe concedem sentido e significado(3).

No que tange a educação em enfermagem, o ato de educar, desenvolvido pelo enfermeiro-docente assume um papel de relevo frente ao encaminhamento para a formação profissional, pois será a partir dele que o docente fará a apresentação dos valores da enfermagem(3).

Os valores formam um axiograma (escala hierarquizada) da profissão, que é a sua autodeclaração valorativa da qual se pauta para nortear e justificar as suas ações(4). Os valores que fundam este axiograma foram identificados pelo pesquisador nos escritos de Notas sobre a Enfermagem de Florence Nightingale(5), formando uma amálgama, a saber: o valor social, o valor ético, o valor útil e o valor verdade.

Inserido na sociedade o educando traz para o cenário de seu aprendizado os valores que foram ali adquiridos e que passam a fazer parte de sua personalidade. Estes valores formam o axiograma assumido por ele e revelam o que ele é, como age e expressa sua cosmovisão(3). Desta maneira, ao buscar a qualificação profissional na enfermagem, o educando através da intermediação docente no ato pedagógico-assistencial, indubitavelmente, confrontará o seu axiograma com o axiograma da enfermagem, discutindo-o e re-hierarquizando-o, consoante o exercício de sua volição e, neste confronto, poderá retificar ou ratificar a sua atitude(6).

Neste sentido, o enfermeiro-docente ao encaminhar o educando ao campo axiológico que permeia a profissão, constrói a possibilidade de fazê-lo crescer e desenvolver-se nele, ao mesmo tempo, em que permite-lhe elaborar uma identidade que se coaduna com os pressupostos valorativos da enfermagem, a partir do reconhecimento do valor como elemento que supre a sua incompletude, movendo e justificando o seu agir profissional. Assim, o valor impõe-se ao educando e reveste-se do sentido de dever-ser(7), permitindo sua visualização nas diversas formas de realizações do Ser-enfermeiro no mundo, enquanto ser concreto na história.

A partir de reflexões sobre a prática pedogógico-assistencial, o pesquisador passou a questionar-se sobre quais os valores que estaria apresentando aos discentes da graduação e, se estes faziam parte do campo axiológico que funda a profissão. Assim, o presente estudo teve por objetivo compreender no ato de educar do enfermeiro-docente o valor verdade e discuti-los a luz dos pressupostos de Max Scheler(8).

Este artigo é fruto da tese de doutorado apresentada ao programa de pós-graduação da Escola de Enfermagem Anna Nery, da Universidade Federal do Rio de Janeiro(9).

Marco teórico

Para a fundamentação deste estudo, adota-se a perspectiva teórica de Max Scheler para a busca da compreensão valorativa, pois se compartilha da visão de que os valores são apreendidos pelo sentimento e não pela razão(8).

A fenomenologia de Max Scheler, inspirada em Husserl é, antes de tudo, uma filosofia dos valores. Sua pretensão é construir uma ética em base de dados objetivos e rigorosos de nos quais surjam uma axiologia de fundamentos absolutos opondo-se, de maneira radical, ao racionalismo axiológico(10).

Assim, a verdadeira filosofia deve admitir uma forma complementar de participação na essência das coisas a partir da via emocional. Esta passa a constituir-se em um elemento capaz de produzir o conhecimento do ser. Ao proceder à reflexão sobre o agir humano, Scheler percebeu que havia um tipo de conhecimento cujos objetos eram inteiramente inacessíveis à razão: o conhecimento dos valores(10).

Os valores são revelados através da intuição emocional, assim, ele rejeita a distinção entre o conhecimento sensitivo e o racional, e eleva o emocional ao nível do racional, admitindo um mundo de experiências cujos objetos são inacessíveis ao entendimento, e que só o emocional coloca o homem autenticamente diante desse mundo, logo, o conhecimento do valor se dá de maneira a priori(8). Ao estabelecer a base de sua filosofia a partir da intuição emocional, Scheler propõe uma nova fundamentação, pois o mundo dos valores passa a gozar de validade independente do sujeito, constituindo um mundo em si, cujos valores se escondem por trás do sentimento do valor, como dado objetivo e material(11).

Desta maneira, os valores constituem-se em fenômenos independentes, e não dados que se abstraem dos bens. Para ele, a respeito da experiência obtida junto a este mundo de bens, os valores e sua hierarquia resultam a priori. Não obstante, insiste que os valores são claramente percebidos através dos bens, todavia, o seu conhecimento pode ser dado anteriormente ao das coisas. Assim, é possível ao homem adentrar ao mundo dos valores, à semelhança do mundo ideal platônico, entretanto, torna-se mais fácil a sua captação pelo homem quando, em sua vida social, o visualiza no bem que o encarna(8).

Os valores ao serem dados por intermédio dos objetos, não se tornam em suas propriedades, estes são apenas os seus suportes. Sendo assim, os valores transcendem qualquer tipo de especificação dada pelos objetos, constituindo-se em essências(8).

Prosseguindo, ele afirma que o ser dos valores é independente das coisas, mesmo que, em sua realização, o valor se apresente de certo modo imanente ao objeto que lhe dá suporte(8). Desta maneira, seria difícil distinguir os bens dos valores se os valores fossem iguais às coisas. Na percepção natural que se tem do mundo, não são dados primeiramente os conteúdos das sensações, mas, os bens-coisas. Os conteúdos são dados unicamente para fazer-nos distinguir a coisa como tal, isto é, depositária de significação(12). O bem não se funda ao objeto, é tão somente percebido, sendo depositário do valor e, portanto, uma coisa valiosa. Logo, os bens tornam reais a aparição e a objetividade do valor.

O valor verdade e a enfermagem

A verdade pode ser considerada valor não pelo seu conteúdo, mas por corresponder ao anseio humano de conhecer o real, pois, o homem não se satisfaz com o erro e com a mentira(8). Ele quer e anseia em saber a verdade. Sua incompletude não se resolve com o engano. Apenas a verdade tem a possibilidade de complementá-lo(1).

A proposição scheleriana afirma que a verdade instaurada é o conhecimento científico, logo, a ciência é um fenômeno resultante da construção racional do homem. A razão aprimora-se ao passar do senso comum para o científico, a partir do esforço na organização do conhecimento(8).

Historicamente na enfermagem, o movimento de reconhecimento do saber científico como norteador da prática assistencial, remonta à década de 50, no século passado, quando procurou delinear-se buscando uma fundamentação para as técnicas empregadas, aproximando-se em suas bases nas ciências naturais e do saber médico(2).

Neste processo de elaboração da ciência da enfermagem, a racionalidade cientifica, fruto do valor verdade, vai sendo incorporada à prática, influenciando, notadamente, o campo assistencial e o ensino(13-15).

Assim, a enfermagem, enquanto ciência, disciplina e profissão, busca a verdade, no sentido de construir um referencial teórico consistente, contribuindo para a evolução, tanto no campo individual, quanto no coletivo, pertencentes, ou não, a uma comunidade científica. Logo, para a formação do enfermeiro o valor verdade assume real significação, pois confere a profissão justificativa e legitimidade(1).

Ademais, a ciência da enfermagem irá valer-se dos conhecimentos das áreas das ciências da saúde e humanas, a fim de constituir o corpo de saberes que respaldarão a sua ação(2). Este processo é dinâmico e não se restringe a síntese do conhecimento, pois é dado ao enfermeiro, na sua atuação nos mais diversos cenários(13-14), a oportunidade de reconstruir os saberes, aplicando-lhe de maneira singular a enfermagem a partir da prática da pesquisa(15) .

METÓDO

A pesquisa é de natureza qualitativa com enfoque fenomenológico. Esta metodologia busca a compreensão do mundo da vida cotidiana, intentando elucidar o significado a partir dos relatos descritivos da vida social e que permite aos pesquisadores a compreensão do viver, e não de definições de conceitos, sendo uma compreensão voltada para os significados de se perceber. Seu objeto de investigação é o fenômeno que se mostra a si e em si mesmo(16).

Os cenários foram três instituições de ensino superior de enfermagem localizadas na cidade do Rio de Janeiro, quanto ao ordenamento jurídico, duas eram públicas, ligadas ao regime federal e estadual, e a terceira instituição era de natureza privada.

A pesquisa obedeceu aos parâmetros da Resolução nº 196/96, do Conselho Nacional de Saúde (CNS), sendo encaminhada ao Comitê de Ética e Pesquisa da Escola de Enfermagem Anna Nery-UFRJ, registrado com o número 026/07, sendo aprovado em 24/07/2007. A coleta de dados deu-se após os sujeitos serem informados sobre todos os aspectos éticos da pesquisa e assinarem o termo de consentimento livre e esclarecido.

Os sujeitos do estudo foram sete enfermeiros-docentes atuantes em disciplinas da graduação. Este número foi delineado após a exaustão dos dados e o fenômeno ter se desvelado ao pesquisador. As entrevistas foram realizadas no período de abril a junho de 2008.

A técnica empregada foi à entrevista fenomenológica, gravadas em fitas magnéticas com a seguinte questão norteadora: ‘como você realiza o ato de educar frente ao acadêmico de enfermagem?' A entrevista fenomenológica possui peculiaridades que precisaram ser consideradas, a fim de que se tivesse o rigor necessário para a sua utilização(17). Assim, exigiu-se dos pesquisadores a necessidade de percepção no sentido de: ver e observar, desprovido dos pré-conceitos, mantendo-se em uma relação empática, caracterizada por um estado de aproximação, valorizando e respeitando cada um; interpretar compreensivamente a linguagem do entrevistado e sua significação, apoiando-se em uma escuta ativa, mantendo-se receptivo e evitando julgamentos que pudessem interferir na narrativa dos entrevistados(18).

Os entrevistados foram identificados no texto pela letra E, acrescida de números arábicos dispostos de 1 a 7. Possuíam idade média de 42 anos, sendo que seis eram do sexo feminino e um do sexo masculino. O tempo médio de atividade docente foi de cinco anos.

Por meio da análise compreensiva foi-nos permitido desvelar o sentido nas falas. Para tanto, teve-se que, primeiro, elaborar na integra as falas dos depoentes. Em segundo foi procedido à leitura textual inúmeras vezes, até que fosse revelado à consciência, o caráter definitivo dos discursos dos entrevistados, identificando as unidades de significação. A partir destas, obteve-se os valores atribuído à enfermagem pelo enfermeiro-docente. Em terceiro, este material foi discutido à luz da axiologia Scheleriana(15-19).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Foram identificadas nas falas dos entrevistados quatro unidades de significação, a saber: o valor social, o valor ético, o valor útil e o valor verdade. Neste artigo, destacou-se a unidade de significação: o valor verdade e duas qualidades ligadas a ele, a saber: o sentir e o saber pensar. A discussão seguiu-se através dos pressupostos da teoria de valor, segundo Max Scheler(8).

Partiu-se do recorte dos discursos emitidos pelos depoentes para exemplificar o valor verdade:

[...] é claro que, para isso, você tem que desenvolver um preparo científico; um conhecimento do social; um conhecimento do outro. Mas, tudo isso se assenta sobre esta proposta de solidariedade de um para com o outro, além do que, é a ideia da dependência [...] (E4).

[...] ele aprendeu no ensino superior o porquê do como fazer. Eu sempre comento com eles que há uma maneira certa de se preparar as medicações e uma fundamentação cientifica para o cuidado de enfermagem [...] (E6).

[...] não adianta eu só mandar. Até para mandar, eu tenho que saber o como fazer, a fim de que possa conquistar a minha equipe. Eu tenho que saber como é que eu vou cuidar. Eu procuro relacionar a técnica com o lado cientifico que funda o procedimento [...] (E7).

Assim, o enfermeiro-docente expressou o reconhecimento de que para o desempenho de suas atribuições profissionais, fazia-se necessária a substituição do conhecimento advindo do senso comum pelo conhecimento cientifico(20). Este é a instauração do valor verdade. Ele é percebido como de fundamental importância para a formação, pois é por seu intermédio que o educando estabelece o agir profissional.

Desta maneira, a manifestação deste valor dá-se a partir do desejo do enfermeiro-docente de conhecer a verdade, de conhecer o real e de apresentá-lo ao educando(8). Apenas a verdade tem a possibilidade de complementá-los(1). O docente aspirou e moveu-se em busca deste conhecimento. Assumiu uma postura de inconformismo frente ao engano e intentou obter a resposta ao questionamento formulado, buscando elucidar a trama em que estava inserido o binômio saúde-doença.

O conhecimento cientifico possui a característica do dinamismo que impulsiona a uma renovação permanente, exigindo por parte daqueles que utilizam uma atitude que se coaduna(15). Desta maneira, cabe ao enfermeiro-docente não apenas apropriar-se do conhecimento, mas, desenvolver uma atitude centrada no aprender a aprender. Esta se reveste de fundamental importância para que o discente seja capaz de visualizar na prática pedagógica o seu significado e implicação.

O aprender a aprender é o gérmen precursor para a prática da pesquisa científica. Ela é a estratégia que permite a apreensão e a instauração do valor verdade, ao mesmo tempo em que é basilar para a emancipação intelectual(15).

Assim, o enfermeiro-docente necessita desenvolver no ato de educar a atitude do aprender a aprender, a fim de que possa apresentá-la ao discente, possibilitando-lhe ser encaminhado ao movimento reflexivo e, neste processo, incorporar em sua atitude esta atitude, se assim o desejar. O discente detentor desta característica irá manter-se em estado de inquietude intelectual, não se satisfazendo com aquilo que está dado, mas buscando constantemente o conhecimento cientifico e, progressivamente, será capaz de perceber e reconhecer a prática de pesquisa como nutridora de sua prática profissional(20).

Dando continuidade à análise, constatou-se que o conhecimento científico requerido pelo enfermeiro-docente para o exercício da ação pedagógico-assistencial não estava centrada sob o prisma do biologicismo. Ele reconheceu que o ser humano é detentor da característica espiritual, condição que o move para além do suprir material. Diferentemente dos animais, o homem tem um corpo. Não é o corpo que o faz. É ele que faz o seu corpo. Assim, sua vida biológica está atrelada de forma indissociável a vida espiritual(9). Logo, o sentir é qualidade integrante do conhecimento cientifico para o cuidado de enfermagem. Tem-se o recorte dos discursos dos depoentes para ilustrar a esta consideração:

[...] a enfermagem é uma profissão da área do conhecimento voltada para o atendimento à necessidade do outro [...] envolvendo a relação humana, o processo de enfermagem, os aspectos técnicos [...] a minha trajetória docente e profissional envolve isso. (E1)

[...] ainda hoje muitos docentes veem como o mais importante o estimulo para que o educando adquira a habilidade do fazer. Eu não os critico, pois o enfermeiro necessita ter a competência técnica, mas, sua ação não se deve restringir a técnica. O enfermeiro precisa aprender a ‘ver' o outro como um todo [...] (E2).

[...] pela própria configuração da formação do enfermeiro, eu vejo nele um papel articulador das práticas de cuidados que são desenvolvidas [...] ele consegue articular o conhecimento que tem uma base técnica, com uma compreensão do ser humano que ele cuida [...] (E3).

O enfermeiro-docente compreendeu que para assistir ao cliente, fazia-se necessária a correta articulação com o saber advindo da racionalidade e do sentir, intentando romper a dicotomia criada pela influência positivista. Assim, o docente reconheceu a complexidade que constitui o cliente, valorando-o como pessoa, e apresentou ao discente esta característica. Ao mesmo tempo, em que foi a partir desta vivência, que o acadêmico teve a oportunidade de reconceituar a sua cosmovisão(12).

Agindo assim, o enfermeiro-docente reafirma o pressuposto scheleriano de que o conhecimento sobre o homem não se restringe à racionalidade(8). Scheler percebeu que há uma lógica não racional, que permite a compreensão do agir humano, a qual designou de a "lógica do coração", – sede da vida emocional(12).

Foi no campo de atuação desta "lógica" que o docente buscou compreender o agir do cliente e encaminhou o educando, objetivando levá-lo ao crescimento e desenvolvimento no campo axiológico que cercava a profissão, a fim de que pudesse engajar-se de maneira consciente para provisão do cuidado de enfermagem, elevando-o além do suprir biológico. Ao mesmo tempo, permitiu-lhe proceder ao movimento reflexivo(11).

Logo, a ação da enfermagem adquire uma maior significação, permitindo com que o enfermeiro-docente e o educando, na prática pedagógico-assistencial, desenvolvam uma atitude centrada no atendimento às necessidades do cliente, enquanto ser bio-psico-social.

Neste sentido, aquele que avalia originalmente desde o social, isto é, aquele que mede tudo, tem de naturalmente sentir e compreender o homem de uma maneira diversa, reconhecendo-o como pessoa(12).

Assim, o enfermeiro-docente e o educando passam a instaurar na prática pedagógico-assistencial um novo direcionamento para a assistência de enfermagem, pois passam a perceber e a reconhecer o cliente como pessoa(8).

Prosseguindo, destacou-se que o valor verdade reconhecido pelo docente teve uma segunda qualidade: o saber pensar. Ao apropriar-se do conhecimento científico, o docente desenvolveu a alternativa frente às dificuldades de ordem operacional que cercavam o seu cotidiano, agindo com criatividade, demonstrando a plasticidade que cercou o agir profissional, manifestando ao educando. Revelando-lhe que saber pensar é condição ímpar para o desempenho da assistência. Ilustra esta consideração, o discurso que diz:

[...] A enfermagem é uma profissão que tem um perfil de superar toda estas adversidades [...] enfermeiras que não tem material adequado [...] enfermeiras que não tem um suporte bom. E aí elas tentam superar isso com a criatividade e desenvolvem uma tecnologia, provendo um cuidado melhor para a clientela [...] (E5).

Ao proceder à superação da adversidade com criatividade, elaborando uma tecnologia para prover o cuidado, o enfermeiro-docente apresentou esta característica que permeia o saber cientifico ao discente. Demonstrando-lhe que no assistir, faz-se necessário valer-se do saber pensar, a fim de que possa ajuizar a melhor maneira de prover o cuidado, permitindo-lhe compreender que o conhecimento registrado nas páginas dos livros e artigos, necessita ser por ele apreendido e contextualizado, fazendo emergir a inovação. Esta é uma característica que demonstra o crescimento e desenvolvimento no valor verdade(1).

A partir da análise, compreendeu-se que o valor verdade e as implicações discutidas neste estudo assumiram um sentido de dever-ser(8) para o crescimento e desenvolvimento do educando no campo axiológico da enfermagem.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pôde-se constatar que o valor verdade emergiu no discurso do enfermeiro-docente, sendo por ele apresentado na prática pedagógico-assistencial junto ao educando. Ele reconheceu que a base legitimadora da ação profissional deveria estar fundamentada no conhecimento cientifico, ratificando, assim, o valor verdade como pertencente ao campo axiológico da enfermagem. Duas qualidades do valor verdade foram percebidas pelo enfermeiro-docente: o sentir e o saber pensar.

No que pese o sentir, o docente percebeu que havia uma lógica não racional que permitia a compreensão do agir humano. Foi no campo de atuação desta "lógica" que o docente buscou encaminhar o educando, a fim de que ele pudesse perceber o cuidado de enfermagem para além do suprir biológico. Quanto ao saber pensar, este trouxe a possibilidade para que o discente pudesse refletir sobre a prática da enfermagem.

Desta maneira, o enfermeiro-docente reconheceu no valor verdade, instaurado a partir do conhecimento cientifico, qualidades distintivas que fazem da enfermagem o que ela é: ciência e arte.

Recebido em: 23.05.2012

Aprovado em: 16.01.2013

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    Gilberto de Lima Guimarães
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    Escola de Enfermagem - Universidade Federal de Minas Gerais
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Abr 2013
    • Data do Fascículo
      Mar 2013

    Histórico

    • Recebido
      23 Maio 2012
    • Aceito
      16 Jan 2013
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