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Qualidade de vida em pacientes com lesão medular

Calidad de vida en pacientes con lesión medular

Resumos

Objetivou-se medir a qualidade de vida de adultos com lesão medular e identificar os domínios que prejudicam a qualidade de vida desses sujeitos. Estudo epidemiológico, realizado no período 2007-2008, em Unidades Básicas de Saúde de Campina Grande/PB. Participaram 47 sujeitos. Utilizou-se questionário contendo variáveis sociodemográficas, etiologia da lesão; instrumento validado para medir qualidade de vida, contendo quatro domínios: Físico, Ambiental, Relações Sociais e Psicológico, com respectivas facetas. Os dados coletados foram processados por meio de análise descritiva e estatística. Domínios com menores escores: Ambiental (55,20 pontos); Físico (58,59 pontos). Facetas que mais comprometem os domínios: locomoção (55,3%), trabalho (55,3%), dinheiro (80,9%), informações (51%), lazer (68,1%); vida sexual (34%). Os resultados expressam a insatisfação dos investigados com a qualidade de vida. O enfermeiro deve contribuir para a reabilitação e reinclusão social da pessoa com lesão medular, respeitando suas limitações, enfatizando o potencial remanescente e a capacidade para autocuidado.

Enfermagem; Pessoas com deficiência; Qualidade de vida


Se objetivó medir la calidad de vida de adultos con lesión medular e identificar los dominios que afectan la calidad de vida de estos sujetos. Estudio epidemiológico realizado entre 2007-2008 en Unidades Básicas de Salud, Campina Grande/PB. Participaron 47 sujetos. Se utilizó cuestionario conteniendo variables sociodemográficas, etiología de la lesión; instrumento validado para medir la calidad de vida conteniendo cuatro dominios: Físico, Medio Ambiental, Relaciones Sociales, Psicológicas, con respectivas facetas. Los datos recolectados fueron procesados por medio de análisis descriptivo y estadístico. Los dominios con puntuaciones más bajas: Medio Ambiente (55,20 puntos); Físico (58,59 puntos). Facetas que más comprometen los dominios: locomoción (55,3%), trabajo (55,3%), dinero (80,9%), información (51%), recreación (68,1%); vida sexual (34%). Los resultados expresan insatisfacción de los investigados con la calidad de vida. Enfermeros deben contribuir con rehabilitación, reinserción social de estas personas respetando sus limitaciones, haciendo énfasis al potencial restante y capacidad por el mismo cuidado.

Enfermería; Personas con discapacidad; Calidad de vida


It was aimed to measure the quality of life of adults with spinal cord injury and identify domains that affect the quality of life of these individuals. Epidemiological study, conducted in 2007-2008 in Health Basic Units of Campina Grande/PB. There were 47 participants. It was used a questionnaire composed by: sociodemographic variables, etiology of injury; validated instrument to measure quality of life containing four domains: Physical Health, Environmental, Social Relationships and Psychological with their respective facets. The data collected were processed using descriptive and statistical analysis. The domains with lowest scores were: Environmental (55.20 points), Physical health (58.59 points). The facets that compromise the domains: mobility (55.3%), work capacity (55.3%), Financial resources (80.9%), Opportunities for acquiring new information and skills (51%), Participation in and opportunities for recreation/leisure activities (68.1%) and Sexual activity (34%). Results express the dissatisfaction of participants with quality of life. Nurses should contribute to rehabilitation and social reinsertion of those people, respecting their limitations, emphasizing the remaining potential and capacity for self-care.

Nursing; Disabled Persons; Quality of Life


ARTIGO ORIGINAL

Qualidade de vida em pacientes com lesão medular

Calidad de vida en pacientes con lesión medular

Inacia Sátiro Xavier de FrançaI; Alexsandro Silva CouraII; Francisco Stélio de SousaIII; Paulo César de AlmeidaIV; Lorita Marlena Freitag PagliucaV

IEnfermeira. Doutora em Enfermagem pela Universidade Federal do Ceará-UFC. Professor da Universidade Estadual da Paraíba-UEPB. Professor do Mestrado em Saúde Pública-UEPB e do Mestrado associado em Enfermagem-UEPB/Universidade de Pernambuco-UPE. Bolsista de Produtividade em Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico-CNPq, Nível 2. Campina Grande, Paraíba, Brasil

IIEnfermeiro. Doutorando em Enfermagem pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte-UFRN. Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior-CAPES. Natal, Rio Grande do Norte. Brasil

IIIEnfermeiro. Doutor em Enfermagem pela UFC. Professor da UEPB. Professor do Mestrado associado em Enfermagem UPE/UEPB. Campina Grande, Paraíba, Brasil

IVEstatístico. Doutor em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo-USP. Professor Adjunto da UFC. Professor do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem PPGENF/UFC. Fortaleza, Ceará, Brasil

VEnfermeira. Doutora em Enfermagem pela USP. Professor Titular da UFC. Professor do PPGENF/UFC. Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq, Nível 1A. Fortaleza, Ceará, Brasil

Endereço para correspondência Endereço do autor / Dirección del autor / Author's address Inacia Sátiro Xavier de França Rua Sérgio Rodrigues de Oliveira, 139, Alto Branco 58401-566, Campina Grande, PB E-mail: inacia.satiro@gmail.com

RESUMO

Objetivou-se medir a qualidade de vida de adultos com lesão medular e identificar os domínios que prejudicam a qualidade de vida desses sujeitos. Estudo epidemiológico, realizado no período 2007-2008, em Unidades Básicas de Saúde de Campina Grande/PB. Participaram 47 sujeitos. Utilizou-se questionário contendo variáveis sociodemográficas, etiologia da lesão; instrumento validado para medir qualidade de vida, contendo quatro domínios: Físico, Ambiental, Relações Sociais e Psicológico, com respectivas facetas. Os dados coletados foram processados por meio de análise descritiva e estatística. Domínios com menores escores: Ambiental (55,20 pontos); Físico (58,59 pontos). Facetas que mais comprometem os domínios: locomoção (55,3%), trabalho (55,3%), dinheiro (80,9%), informações (51%), lazer (68,1%); vida sexual (34%). Os resultados expressam a insatisfação dos investigados com a qualidade de vida. O enfermeiro deve contribuir para a reabilitação e reinclusão social da pessoa com lesão medular, respeitando suas limitações, enfatizando o potencial remanescente e a capacidade para autocuidado.

Descritores: Enfermagem. Pessoas com deficiência. Qualidade de vida.

RESUMEN

Se objetivó medir la calidad de vida de adultos con lesión medular e identificar los dominios que afectan la calidad de vida de estos sujetos. Estudio epidemiológico realizado entre 2007-2008 en Unidades Básicas de Salud, Campina Grande/PB. Participaron 47 sujetos. Se utilizó cuestionario conteniendo variables sociodemográficas, etiología de la lesión; instrumento validado para medir la calidad de vida conteniendo cuatro dominios: Físico, Medio Ambiental, Relaciones Sociales, Psicológicas, con respectivas facetas. Los datos recolectados fueron procesados por medio de análisis descriptivo y estadístico. Los dominios con puntuaciones más bajas: Medio Ambiente (55,20 puntos); Físico (58,59 puntos). Facetas que más comprometen los dominios: locomoción (55,3%), trabajo (55,3%), dinero (80,9%), información (51%), recreación (68,1%); vida sexual (34%). Los resultados expresan insatisfacción de los investigados con la calidad de vida. Enfermeros deben contribuir con rehabilitación, reinserción social de estas personas respetando sus limitaciones, haciendo énfasis al potencial restante y capacidad por el mismo cuidado.

Descriptores: Enfermería. Personas con discapacidad. Calidad de vida.

INTRODUÇÃO

No Brasil, os dados relativos à incidência de lesão medular são vagos e relativamente antigos, pois esse agravo costuma ser subnotificado. Todavia, em 2007, os serviços de saúde brasileiros atenderam 832.858 usuários vítimas da violência urbana(1).

Além das causas externas, a lesão medular também pode ser decorrente de tumores, doenças bacterianas ou viróticas(2). Quando essa lesão é completa ocorre a interrupção da passagem de estímulos nervosos pela medula com supressão de movimento voluntário abaixo do nível da lesão, implicando perdas sensoriais, motoras, sexuais, perda do controle dos esfíncteres da bexiga e do intestino e complicações potenciais nas funções respiratória, térmica e circulatória, além de espasticidade e processos álgicos. Quando incompleta, persiste algum movimento e sensibilidade nos segmentos corporais abaixo da lesão devido a preservação do funcionamento de algumas raízes nervosas(3).

A qualidade de vida (QV) de um indivíduo com lesão medular pode ser avaliada conforme a sua saúde e funcionalidade. A QV é definida como a avaliação que determinada pessoa tem com relação a sua posição na vida considerando sua inserção no contexto social, cultural, religioso e econômico em que vive, a partir de seus valores, objetivos e preocupações pessoais(4).

No Brasil, a QV das pessoas com lesão medular é pouco investigada, apesar desse agravo se constituir um grave problema de saúde pública. Em estudo realizado na cidade de Fortaleza/Ceará, Brasil, os autores identificaram que essas pessoas sofrem grande comprometimento de sua QV, especialmente no que diz respeito aos aspectos sociais(5).

Outros pesquisadores brasileiros investigaram a QV de pessoas vítimas de lesão medular admitidas no programa de reabilitação do Hospital Sarah Kubistcheck, em Brasília/DF, e identificaram que os domínios com os piores escores de avaliação estavam relacionados ao meio ambiente e à saúde física; e os melhores avaliados estavam ligados à saúde psicológica e às relações sociais. Para esses autores, as limitações e restrições enfrentadas pelas pessoas com lesão medular prejudicam a ascensão socioeconômica desses indivíduos, o acesso aos serviços de saúde e podem influenciar negativamente na sua auto-estima e QV(6).

Como a satisfação com a QV aumenta as chances da pessoa com lesão medular aceitar melhor a prevenção e terapêutica de possíveis problemas de saúde(7), neste estudo tomou-se como objeto a QV dos adultos com lesão medular, considerando-se que o indivíduo satisfeito com a QV é aquele que tem saúde física e psicológica, relaciona-se bem com a família e o seu grupo social, usufrui de ambiente saudável, desenvolve estilo de vida salutar, é independente para as atividades da vida diária e sabe se autocuidar.

A inexistência de um instrumento para a avaliação da QV per se, com uma perspectiva internacional, motivou que um grupo de pesquisadores elaborasse o World Health Organization Quality of Life Instrument (WHOQOL-100), um instrumento validado para medir qualidade de vida, com perspectiva transcultural e características psicométricas estabelecidas a partir de uma amostra proveniente de 19 centros de pesquisa(4). Esse instrumento contém 100 perguntas referentes a seis domínios: físico, psicológico, nível de independência, relações sociais, meio ambiente e espiritualidade/religiosidade/crenças pessoais. Esses domínios são divididos em 24 facetas, sendo cada uma delas composta por quatro perguntas. Por fim, o instrumento tem uma 25a faceta composta de perguntas gerais sobre QV. As respostas a essas perguntas são dadas em uma escala do tipo Likert(4).

Por considerar o WHOQOL-100 muito extenso para aplicação em estudos epidemiológicos, nos quais a avaliação de QV é apenas uma das variáveis investigadas, o grupo de pesquisadores desenvolveu o WHOQOL-bref, uma versão abreviada do WHOQOL-100(4). Ambos os instrumentos já foram validados.

O WHOQOL-bref é composto por quatro domínios, com os respectivos indicadores: Domínio Físico - dor e desconforto, dependência de medicamentos e de tratamentos, energia e fadiga, sono e repouso, atividades da vida diária, capacidade de trabalho; Domínio Psicológico - sentimentos negativos, auto-estima, imagem corporal e aparência; Domínio Relações Sociais - relações pessoais, vida sexual e apoio social; Domínio Ambiental - segurança física e proteção, ambiente doméstico, recursos financeiros, serviços de saúde e sociais, participação e oportunidades de recreação/lazer, ambiente físico e transporte. As respostas a esse instrumento são pontuadas obedecendo a uma escala do tipo Likert com variação de 1 a 5: (1) muito insatisfeito, (2) insatisfeito, (3) nem insatisfeito/nem satisfeito, (4) satisfeito e (5) muito satisfeito(8).

Assim, partindo-se do pressuposto de que as pessoas com lesão medular enfrentam dificuldades de caráter biológico, psicológico e emocional que comprometem a sua QV, objetivou-se medir a QV de adultos com lesão medular e identificar os domínios que prejudicam a QV desses sujeitos.

O estudo justifica-se pelo importante e oneroso problema de saúde pública que a lesão medular representa, devido às dificuldades vivenciadas pelas pessoas com esse tipo de agravo; pela necessidade de ampliar a produção de enfermagem nessa abordagem; e de contribuir com o conhecimento acerca dos domínios que mais comprometem a QV das pessoas com lesão medular, possibilitando o fortalecimento de políticas públicas de saúde e o consequente planejamento da assistência centrada em intervenções específicas para melhorar os hábitos de vida e a QV dessas pessoas.

MATERIAL E MÉTODO

Estudo epidemiológico, transversal, com abordagem quantitativa, realizado no período de agosto de 2007 a julho de 2008 nas Unidades Básicas de Saúde da Família (UBSF's) de Campina Grande/PB, com todas as pessoas com lesão medular cadastradas nessas UBSF's.

A prevalência de lesão medular nessa população era desconhecida. Por isso, optou-se por uma amostra censitária na qual não se calcula um "N" amostral. Assim, com a ajuda dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) das UBSF's foram identificadas todas as pessoas adultas com lesão medular da cidade, obtendo-se um total de 47 respondentes que foram incluídos na amostra, pois atenderam os critérios de inclusão: apresentar lesão medular completa ou incompleta por qualquer etiologia, diagnosticada por especialista, ter 18 anos ou mais, função cognitiva preservada, residir em Campina Grande, estar cadastrado nas UBSF's, ter participado de programa de reabilitação e aderir ao estudo.

Foram utilizados dois instrumentos: um Questionário construído pelos pesquisadores, contendo questões fechadas sobre dados sociodemográficos e etiologia da lesão medular e o WHOQOL-bref.

A estratégia para aproximação dos sujeitos e coleta de dados foi a visita domiciliar em companhia dos ACS's da Estratégia Saúde da Família (ESF), responsáveis por cada micro-área específica. Foram feitas duas visitas: uma para explicar a pesquisa, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e obter a assinatura do participante. Nesse encontro, foi agendada uma segunda visita para aplicação dos questionários.

Os dados coletados foram processados e analisados no software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) base para Windows 15.0 e apresentados em tabelas. Para reduzir a probabilidade de erros a digitação foi efetivada em dupla entrada e, em seguida, ocorreu o cruzamento das informações.

Verificou-se a consistência interna do WHOQOL-bref com a realização do teste Alfa de Cronbach, considerando como variáveis todas as perguntas do questionário e obtendo os valores: Item de Correlação Total, Alfa de Cronbach com Item Deletado e Alfa de Cronbach Total. Utilizou-se a estatística descritiva para analisar os dados, sendo calculadas as frequências absolutas e simples, média, mediana, desvio padrão e amplitude da idade. Foi verificado o valor de cada faceta presente nos quatro domínios: Físico, Psicológico, Relações Sociais e Ambiental, permitindo obter as médias das respostas e o conhecimento das facetas consideradas como satisfatória ou insatisfatória.

O manuscrito originou-se de monografia de conclusão de curso(9) vinculada ao projeto matriz "Qualidade de vida e promoção da saúde de adultos com lesão medular" cujo projeto foi aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual da Paraíba com o protocolo Nº 0228.0.133.000-07, respeitando-se os princípios éticos: privacidade, sigilo e autonomia.

RESULTADOS

A média de idade dos participantes no momento da lesão foi 31,70 anos (±14,12; xmín=13, xmáx=61) e, no momento da pesquisa 42,95 anos (±14,12; xmín=19, xmáx=73), com medianas 31 e 44, respectivamente. Conforme apresentado na Tabela 1, a maioria dos participantes é do sexo masculino (91,5%), sendo importante salientar que 55,3% sofreram a lesão medular por meio de acidente com arma de fogo ou queda.

A consistência interna do questionário WHOQOL-bref foi assegurada com o resultado total de 0,73 obtido com o teste Alfa de Cronbach, indicando que a escala desse instrumento refletiu, confiavelmente, a medição da qualidade de vida dos participantes. Na Tabela 2 são apresentados valores aceitáveis de confiabilidade pelo coeficiente de fidedignidade de Cronbach para cada faceta. Esses valores comprovam que todos os itens do instrumento estão adequados, pois a retirada de algum não iria alterar de forma significativa o resultado total do teste e, consequentemente, a confiabilidade total da escala.

Domínios Físico e Psicológico

Os domínios Físico e Psicológico apresentaram escores de pontuação de 58,59 e 63,82, respectivamente. Na Tabela 3, são apresentadas as frequências absolutas e relativas da medição de cada faceta desses domínios.

Verificou-se que as facetas que apresentaram maior comprometimento no domínio Físico foram: locomoção (55,3%), trabalho (55,3%) e atividades diárias (42,5%). As facetas menos comprometidas foram: tratamento médico (68,1%), sono (48,9%), dor (40,5%) e energia (34,1%).

No Domínio Psicológico a faceta aproveitar a vida (34,1%) foi a mais comprometida. As facetas menos comprometidas foram: sentido da vida (63,8%), satisfação pessoal (55,3%) e sentimentos (61,7%).

Domínios Relações Sociais e Ambiental

Os domínios Relações Sociais e Ambiental apresentaram escores de pontuação de 68,79 e 55,20, respectivamente. Na Tabela 4, são apresentadas as frequências absolutas e relativas da medição de cada faceta desses domínios.

No tocante ao domínio Relações Sociais, verificou-se baixo comprometimento das facetas: relações pessoais (17%) e apoio dos amigos (21,3%). A faceta mais comprometida foi a vida sexual (34%).

Todas as facetas do domínio Ambiental apresentaram percentuais significativos de insatisfação: dinheiro (80,9%), informações (51%), lazer (68,1%), moradia (68,1%), serviços de saúde (44,7%) e transporte (38,3%).

DISCUSSÃO

Na Tabela 1, a caracterização básica das vítimas de lesão medular apontou para maior vulnerabilidade de homens jovens, sendo a violência externa a etiologia prevalente, principalmente, na zona urbana das metrópoles. Em estudo(5) realizado na cidade de Fortaleza/Ceará com 32 pessoas com lesão medular, identificaram-se resultados semelhantes: indivíduos do sexo masculino, jovens e vítimas de arma de fogo. Em outro estudo(10) desenvolvido em Ontário no Canadá com dois grupos de pessoas com lesão medular, também verificou-se maior prevalência do sexo masculino. Entretanto, a etiologia de maior percentual foi o acidente automobilístico, ficando a arma de fogo em terceiro lugar.

As médias de idade na época da lesão e no momento da coleta encontradas no presente estudo foram similares aos resultados encontrados em uma pesquisa desenvolvida nos Estados Unidos, que apresentou média no momento da lesão de 31,8 anos e 41,6 anos de idade no momento do estudo(11).

Na Tabela 3, a faceta dor aparece com o percentual (29,7%) confirmando relato de outras pesquisas acerca da prevalência de algia em pessoas com lesão medular. A dor pode aparecer até 48 meses pós-trauma, podendo decorrer das próprias sequelas, da posição no leito, espasticidade, extensão e flexão de membros superiores e inferiores ou das atividades físicas, hipersensibilidade ao toque e uso de vestuário. A dor afeta a capacidade de realização das atividades cognitivas, sociais, recreativas e laborativas(12).

A insatisfação dos participantes com a locomoção corrobora com relato de estudo em que essa faceta foi aquela de menor média(13). Para alguns autores a lesão medular acarreta agravos músculo-esqueléticos que resultam em prejuízo sensório-perceptivo, intolerância ao esforço físico e limitação da capacidade de deambulação. A locomoção é prejudicada quando a arquitetura urbana não oferece acesso seguro em decorrência da desobediência às regras e normas destinadas a definir e regulamentar a prevenção e a segurança de todas as pessoas que ali convivem(14).

Neste estudo, destacou-se o fato de 20 participantes (42,5%) afirmarem insatisfação com o desempenho das atividades da vida diária, exemplificada com as desvantagens e limitações que resultam no desenvolvimento da dependência e na perda da autonomia para vestir-se, higienizar-se e alimentar-se.

A insatisfação com a situação laboral (55,3%) assemelha-se àquela de uma investigação realizada no âmbito nacional em que o desemprego das pessoas com deficiência foi identificado como um elemento desencadeador de insatisfação e de rejeição social(14), apesar dessas pessoas terem a seu favor a Lei nº 8.213/91 que recomenda às empresas a preencherem de 2% a 5% dos seus cargos com beneficiários reabilitados. Mesmo assim, pesquisa realizada em 2007(15) apontou que a maioria das pessoas com deficiência são inativas e muitas vivem em situação de miséria.

No domínio psicológico se identificou comprometimento da faceta aproveitar a vida (34,1%), aparência física (25,5%), satisfação pessoal (23,4%) e sentimentos (19,1%). Estas facetas se relacionam com as representações do próprio indivíduo no concernente a sua deficiência e estão relacionadas com o sentido atribuído à deficiência, por ele e por seu meio social(16).

Na Tabela 4, a maioria (72,4%) dos participantes relatou estar muito satisfeita com o apoio dos amigos, entretanto, no domínio relações sociais, a faceta vida sexual (34%) apresentou significativa insatisfação. Explica-se que a disfunção sexual decorre de lesão a nível C2 a C5, T2, T3, T5 a T7, T9, T11, T12, S2 e S4, ficando a ejaculação mais comprometida do que a ereção. Quando a lesão ocorre no cone medular e nos nervos que compõem a cauda equina, são bem maiores os riscos de alterações na excitação, ereção, emissão, ejaculação e, inclusive, da experiência psicofísica correspondente ao orgasmo(17).

No domínio ambiental, as facetas com maior percentual de insatisfação foram: dinheiro (80,9%), informações (51%), lazer (68,1%) e transporte (46,8%). Nesse contexto, é relevante salientar que todas estas facetas se relacionam com uma vida independente e participativa dentro da comunidade.

A análise da faceta transporte (46,8%) demonstrou prejuízo dos participantes em relação ao direito de ir e vir, devido a insuficiência de transporte urbano adaptado. Este resultado aproximou-se daquele de outra pesquisa em que os participantes dependem de transporte da família, de amigos, de ambulância, táxi ou de carroça(18).

Os resultados deste estudo confirmam o pensamento de autores acerca da necessidade de se reformular as políticas públicas e se reorganizar os serviços de saúde(19), de modo a oferecer cuidados que possibilitem melhorar os domínios e facetas que interferem na QV das pessoas com deficiência física.

Implicações do estudo para os profissionais de enfermagem

A atuação do enfermeiro na reabilitação e re-inclusão social da pessoa com lesão medular pode ocorrer por meio do desenvolvimento de ações e procedimentos centrados no respeito às suas limitações, enfatizando seu potencial remanescente e sua capacidade para o autocuidado, além do desenvolvimento de processo educativo com o indivíduo acometido pela lesão medular e seus familiares, tendo como finalidade a sua independência funcional, a prevenção de complicações secundárias, sua adaptação e da família à situação.

A lesão medular desencadeia uma resposta emocional que, inicialmente, se manifesta por meio de sentimentos negativos. O enfermeiro desempenha papel importante ajudando a pessoa acometida a enfrentar a crise existencial, demonstrando empatia e compreensão pela sua experiência vivenciada, estabelecendo confiança e atenção positiva, escutando suas queixas, auxiliando a reconhecer e expressar os seus sentimentos negativos, e encorajando-a a substituí-los por sentimentos positivos. É fundamental apoiar esses sujeitos nas fases de sofrimento e nas tomadas de decisão por meio da discussão de suas experiências emocionais e reconhecendo a influência da espiritualidade no seu estado de saúde, notadamente naqueles casos em que surgem expressões de preocupação, de solidão e de impotência(20).

Esse tipo de assistência requer o incremento de uma rede social de apoio, um suporte fundamental para o enfermeiro, para o indivíduo e a sua família. Essa rede social é um sistema composto por diversas pessoas, dentre elas, destacam-se os próprios familiares, amigos, companheiros, vizinhos e profissionais, que podem auxiliar de diversas maneiras para melhorar a QV da pessoa assistida.

CONCLUSÃO

Os resultados do estudo mostraram que a QV das pessoas acometidas pela lesão medular não é satisfatória. As limitações decorrentes desse agravo repercutem negativamente na vida dos acometidos e os domínios de maior influência negativa para a QV são o Físico e o Ambiental. Verificou-se que os itens mais significativos no comprometimento dos domínios foram: locomoção, trabalho, dinheiro, informações, lazer, vida sexual e aproveitamento da vida.

Com a confirmação da consistência interna do WHOQOL-bref, considera-se o instrumento confiável, sendo uma boa ferramenta que pode ser utilizada para quantificar a QV de pessoas com deficiência e de outros segmentos sociais. O enfermeiro pode lançar mão desse instrumento em sua rotina de assistência, pois a aplicação demanda poucos recursos financeiros e reduzido tempo.

Apesar do WHOQOL-bref apresentar-se como uma boa ferramenta, recomenda-se que os enfermeiros pesquisadores desenvolvam, testem e validem um instrumento de avaliação da QV específico para pessoas que sofreram lesão medular, incorporando-o como possibilidade de aplicação no processo sistemático de enfermagem.

Conclui-se que apesar da Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência assegurar direitos no campo da saúde, educação, profissionalização, trabalho, cultura, turismo e lazer, as pessoas com deficiência, principalmente aquelas com lesão medular, ainda enfrentam dificuldades para melhorar a QV.

Recebido em: 28.09.2011

Aprovado em: 22.01.2013

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Abr 2013
    • Data do Fascículo
      Mar 2013

    Histórico

    • Recebido
      28 Set 2011
    • Aceito
      22 Jan 2013
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