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Segurança do paciente: comparação entre notificações voluntárias manuscritas e informatizadas sobre incidentes em saúde

Seguridad del Paciente: comparación entre la notificación espontánea manuscrita y computadorizada de incidentes en la salud

Resumos

O objetivo do trabalho foi comparar dois tipos de notificação voluntária sobre incidentes que afetam a segurança dos pacientes, manuscrita (NM) e informatizada (NI) quanto ao número, ao tipo de incidente relatado, notificador e qualidade dos relatos. Tratou-se de um estudo descritivo, retrospectivo transversal. Das 1089 notificações analisadas, NI foram mais frequentes que NM (61,2% vs 38,6%), sendo realizadas em todos os dias dos meses, e as NM apenas em dias úteis. O maior número de notificações referiu-se aos medicamentos, seguidos de problemas relacionados aos artigos médico-hospitalares, e o profissional que mais relatou foi o enfermeiro, em ambos os casos. No geral, NI tinham mais qualidade que NM (86,1% vs 61,7%), sendo que 36,8% das NM eram ilegíveis, problema que foi eliminado com a informatização da notificação. Portanto, o uso de notificações informatizadas sobre incidentes em saúde nos hospitais favorece relatos espontâneos qualificados, ampliando a segurança dos pacientes.

Notificação; Gerenciamento de segurança; Segurança do paciente


Estudio con el objetivo fue comparar dos tipos de notificación voluntaria de incidentes que afectan a la seguridad del paciente, manuscrita (NM) y computarizada (NC), por las variables: número de notificaciones, el tipo de incidente reportado, el notificador y la calidad de los informes. Este era un estudio descriptivo, retrospectivo, transversal. De un total de 1089, las NC fueron más frecuentes que el NM (61,2% vs 38,6%), notificado todos los días del mes. El mayor número de notificaciones se refiere a los medicamentos, seguidos por problemas relacionados con los medicamentos y las enfermeras han notificado más en ambos casos. En general, NC tenía una calidad superior a la NM (61,7% vs 86,1%), con el 36,8% de NM eran ilegibles, problema que fue eliminado con la informatización. Por lo tanto, el uso de las notificaciones computadorizadas de incidentes en la asistencia en los hospitales favorece informes espontáneos cualificados, y, consecutivamente, una mayor seguridad de los pacientes.

Notificación; Administración de la seguridad; Seguridad del paciente


This study's objective was to compare two types of voluntary incident reporting methods that affect patient safety, handwritten (HR) and computerized (CR), in relation to the number of reports, type of incident reported, the individual submitting the report, and quality of reports. This was a descriptive, retrospective and cross-sectional study. CR were more frequent than HR (61.2% vs. 38.6%) among the 1,089 reports analyzed and were submitted every day of the month, while HR were submitted only on weekdays. The highest number of reports referred to medication, followed by problems related to medical-hospital material, and the professional who most frequently submitted reports were nurses in both cases. Overall, CR presented higher quality than HR (86.1% vs. 61.7%); 36.8% of HR were illegible, a problem that was eliminated in CR. Therefore, the use of computerized incident reporting in hospitals favors qualified voluntary reports, increasing patient safety.

Reporting; Safety management; Patient safety


ARTIGO ORIGINAL

Segurança do paciente: comparação entre notificações voluntárias manuscritas e informatizadas sobre incidentes em saúde

Seguridad del Paciente: comparación entre la notificación espontánea manuscrita y computadorizada de incidentes en la salud

Helaine Carneiro CapuchoI; Emilly Rasquini ArnasII; Silvia Helena De Bortoli CassianiIII

IDoutora, Assessora Técnica junto ao Departamento de Gestão e Incorporação de Tecnologias em Saúde do Ministério da Saúde, Brasília, Distrito Federal, Brasil

IIGraduanda, Estudante de Enfermagem da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (EERP-USP), Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil

IIIDoutora, Livre-Docente, Diretora e Professora Titular da EERP-USP, Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil

Endereço para correspondência / Dirección del autor / Author's address Endereço do autor Helaine Carneiro Capucho Esplanada dos Ministérios, bl. G, ed. sede, 9º andar, sl. 949 70058-900, Brasília, DF E-mail: helaine.capucho@saude.gov.br

RESUMO

O objetivo do trabalho foi comparar dois tipos de notificação voluntária sobre incidentes que afetam a segurança dos pacientes, manuscrita (NM) e informatizada (NI) quanto ao número, ao tipo de incidente relatado, notificador e qualidade dos relatos. Tratou-se de um estudo descritivo, retrospectivo transversal. Das 1089 notificações analisadas, NI foram mais frequentes que NM (61,2% vs 38,6%), sendo realizadas em todos os dias dos meses, e as NM apenas em dias úteis. O maior número de notificações referiu-se aos medicamentos, seguidos de problemas relacionados aos artigos médico-hospitalares, e o profissional que mais relatou foi o enfermeiro, em ambos os casos. No geral, NI tinham mais qualidade que NM (86,1% vs 61,7%), sendo que 36,8% das NM eram ilegíveis, problema que foi eliminado com a informatização da notificação. Portanto, o uso de notificações informatizadas sobre incidentes em saúde nos hospitais favorece relatos espontâneos qualificados, ampliando a segurança dos pacientes.

Descritores: Notificação. Gerenciamento de segurança. Segurança do paciente.

RESUMEN

Estudio con el objetivo fue comparar dos tipos de notificación voluntaria de incidentes que afectan a la seguridad del paciente, manuscrita (NM) y computarizada (NC), por las variables: número de notificaciones, el tipo de incidente reportado, el notificador y la calidad de los informes. Este era un estudio descriptivo, retrospectivo, transversal. De un total de 1089, las NC fueron más frecuentes que el NM (61,2% vs 38,6%), notificado todos los días del mes. El mayor número de notificaciones se refiere a los medicamentos, seguidos por problemas relacionados con los medicamentos y las enfermeras han notificado más en ambos casos. En general, NC tenía una calidad superior a la NM (61,7% vs 86,1%), con el 36,8% de NM eran ilegibles, problema que fue eliminado con la informatización. Por lo tanto, el uso de las notificaciones computadorizadas de incidentes en la asistencia en los hospitales favorece informes espontáneos cualificados, y, consecutivamente, una mayor seguridad de los pacientes.

Descriptores: Notificación. Administración de la seguridad. Seguridad del paciente.

INTRODUÇÃO

Um em cada seis pacientes internados em hospitais é vítima de algum tipo de incidente relacionado à segurança do paciente, que na maioria das circunstâncias são passíveis de prevenção. No Brasil, foi identificada incidência de 7,6% de pacientes internados acometidos por eventos adversos, sendo 66,7% destes evitáveis(1). Estes incidentes devem ser informados ou notificados aos gestores do serviço de saúde para que medidas preventivas possam ser tomadas.

O incidente em saúde é definido como uma circunstância que tem potencial para causar danos aos pacientes(2). Os incidentes podem ser: incidentes sem dano, incidente com dano (evento adverso), ou near misses, quando um incidente poderia atingir o paciente, causando danos ou não, mas foi interceptado antes de chegar ao paciente(2), podendo também ser denominado de potencial evento adverso(3).

A notificação voluntária, que consiste na comunicação de eventos adversos e demais incidentes encaminhadas por profissionais de saúde ou pacientes, espontaneamente, é o método mais utilizado ao redor do mundo para coletar informações sobre incidentes, tornando-se mais eficiente com a participação ativa dos funcionários(4). Entretanto a principal dificuldade deste método é a subnotificação, característica comum em vários países, que ocorre por diversos fatores, dentre eles o medo, a culpa, a vergonha, a autopunição, medo da crítica de outras pessoas e do litígio, além da alegação de dificuldade para realizar uma notificação como a extensão e a natureza do que deve ser relatado, o tipo de sistema de notificação, a facilidade para enviá-la, existência de incentivos e obstáculos.

A identificação de incidentes é um desafio, mas é sabido que essa é fundamental para melhorar a segurança do paciente, por isso esforços para superar o problema da subnotificação têm resultado no desenvolvimento de sistemas informatizados que gestores estão utilizando cada vez mais nas unidades de saúde(5), e, dentre elas, estão as notificações informatizadas(6). Por outro lado, há poucos trabalhos que demonstram os critérios de qualidade para uma notificação e tampouco comparam as notificações informatizadas com as manuscritas.

Pelo exposto, este estudo tem o objetivo de comparar dois tipos de notificação voluntária sobre incidentes que afetam a segurança dos pacientes, notificação manuscrita (NM) e notificação informatizada (NI), quanto ao número, ao tipo de incidente relatado, notificador e qualidade dos relatos.

MÉTODOS

Tratou-se de um estudo descritivo, retrospectivo transversal. A amostra foi de conveniência e proposital. Analisaram-se as notificações recebidas pelo Serviço de Gerenciamento de Riscos de dois trimestres do ano de 2010 (abril-maio-junho e setembro-outubro-novembro). Estes meses foram escolhidos porque foram precedidos de campanhas de estímulo à notificação. Notificações encaminhadas por e-mail não foram incluídas no estudo. Apenas as notificações encaminhadas pelos sistemas manuscrito e informatizado foram analisadas.

O estudo foi realizado em um hospital de ensino, de alta complexidade, que possui 869 leitos, o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (HCFMRP-USP). O hospital está localizado no interior do estado de São Paulo, Brasil, e possui Comitê de Segurança do Paciente e Serviço de Gerenciamento de Riscos. Em 1998, informatizou a prescrição médica e vem ampliando a informatização dos diferentes processos assistenciais. Desde 2001, utilizava o método manuscrito de notificações e, em agosto de 2010, foi implementado o informatizado, desenvolvido pela equipe de tecnologia da informação do referido hospital. O sistema é denominado sistema informatizado de gerenciamento de riscos e segurança do paciente.

Neste sistema, há instrumentos de notificação específicos para cada tipo de evento adverso ou queixa técnica a ser notificado. Esses são compostos por campos de livre preenchimento e check list. O preenchimento e o envio das notificações são feitos pela web, sem necessidade de cadastro. Ao concluir, o usuário recebe uma confirmação sobre o envio. O recebimento da notificação pelo Serviço de Gerenciamento de Riscos é imediato e sem intermediários e somente a equipe deste serviço tem acesso ao sistema. Para tanto, é necessário login e senha.

As notificações foram classificadas quanto ao número de notificações, ao motivo de do relato, à categoria profissional de quem relatou e à qualidade das informações. A qualidade foi avaliada segundo a presença dos critérios: descrição do incidente, causalidade, descrição do paciente ou do produto, legibilidade e ausência de rasuras. Para tanto, utilizou-se um instrumento de coleta de dados adaptado(7). Os dados foram coletados e dispostos no Microsoft Excel 2007, sendo realizada análise estatística descritiva.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética do próprio Hospital, processo nº 4872/2009 e foi originado de Tese de Doutorado intitulada "Sistemas manuscrito e informatizado de notificação voluntaria de incidentes em saúde como base para a cultura de segurança do paciente", apresentada à Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo(8).

RESULTADOS

A amostra foi constituída por 1089 notificações, sendo 421 (38,6%) manuscritas (NM) e 668 (61,4%) informatizadas (NI). As notificações informatizadas foram realizadas nas 24 horas do dia, todos os dias da semana e mês, porém em menor quantidade na madrugada e em maior número no meio do dia, incluindo finais de semana e feriados, o que não ocorreu com as manuscritas, que foram realizadas apenas em dias úteis da semana. Pelas características do sistema manuscrito, não foi possível determinar o horário no qual mais se notificava.

Tipos de incidentes relatados nas notificações manuscritas e informatizadas

A Tabela 1 exibe a prevalência dos tipos de incidentes informados. Observa-se que, em ambos os casos, o maior número de notificações referiu-se ao processo de teraia medicamentosa, seguidos de problemas relacionados aos materiais médico-hospitalares.

A baixa freqüência dos problemas relacionados aos equipamentos médico-hospitalares, incidentes relacionados a cirurgias, problemas relacionados aos kits reagentes para diagnóstico, problemas relacionados aos saneantes, cosméticos e produtos de higiene pessoal, problemas relacionados a vacinas e imunoglobulinas e outros incidentes relacionados aos processos assistenciais não se alterou quando comparados os dois métodos. Houve aumento da prevalência da notificação de flebites e de lesões de pele, que passou de 8 (1,9%) para 137 (20,5%) e de 5 (1,1%) para 40 (5,9%) quando utilizado o sistema informatizado, respectivamente. Houve redução dos problemas relacionados aos hemoterápicos, de 60 (14,3%) das notificações.

Profissional que relatou incidentes por notificações manuscritas e informatizadas

O perfil de profissional que relatou por NM e por NI foi semelhante. O número e a frequência de notificações manuscritas e informatizadas por categoria profissional estão demonstradas na Tabela 2.

Em ambos os casos, a maioria das notificações foi feita pelo enfermeiro. Alguns profissionais que não relataram por via manuscrita utilizaram a notificação informatizada, como engenheiro, psicólogo e instrumentador cirúrgico. Outros passaram a relatar ainda mais com a notificação informatizada, como os auxiliares e técnicos de enfermagem, fisioterapeutas, farmacêuticos e oficiais administrativos. Por outro lado, os médicos parecem preferir a notificação manuscrita à informatizada, já que notificaram mais vezes pela notificação impressa.

Qualidade das notificações manuscritas e informatizadas

Este estudo definiu 17 requisitos mínimos para que uma notificação tenha qualidade e os avaliou nas NM e NI (Tabela 3).

Estes dados apontam falhas nas NM, pois 110 (26,1%) destas foram classificadas inadequadamente pelo notificador, ou seja, escolheu erroneamente o formulário de notificação ou assinalou incorretamente o incidente ou queixa técnica a ser notificado. Esse é considerado o primeiro requisito para qualidade da notificação. No caso das NI, apenas 58 (8,6%) dos notificadores classificaram inadequadamente o tipo de incidente.

Observa-se que em 639 (95,6%) das NI continha a gravidade do problema relatado, enquanto que em 210 (49,6%), das NM essa informação não foi incluída. Apesar disso, não houve diferença entre os sistemas quando avaliada a presença da informação sobre o desfecho do problema.

Por fim, a qualidade das notificações ainda foi avaliada quanto à legibilidade e presença de rasuras. Das notificações manuscritas, 155 (36,8%) foram consideradas ilegíveis e 94 (22,3%) continham rasuras, o que prejudica substancialmente a compreensão da informação e, por conseqüência, a análise dos problemas e o desenvolvimento de estratégias de prevenção de incidentes para evitar recorrências. A notificação pelo sistema informatizado elimina qualquer possibilidade de problemas de legibilidade e rasuras, o que demonstra ser uma grande vantagem assim como para a prescrição eletrônica.

DISCUSSÃO

O método de notificações voluntárias não é, isoladamente, o mais adequado para a detecção de incidentes em saúde, porém destacam que o mesmo é essencial e valioso para a cultura organizacional voltada para a segurança dos pacientes, especialmente porque reforça a confiança da organização em seus funcionários(9).

Dificuldade de acesso ao formulário de notificação, formulários mal projetados e a falta de clareza sobre o que pode ser relatado, quem pode relatar, para onde as notificações são encaminhadas, se é possível fazer cópias das mesmas e quem visualiza as informações que nelas constam, são relatadas como barreiras para a notificação(10). A fim de evitar essas barreiras, estão sendo desenvolvidas novas formas de notificar incidentes, como o uso de ferramentas da informatização.

Neste estudo, observa-se que, em períodos de três meses, houve aumento no número de NI em relação à NM, o que corrobora com estudos já realizados em outros países(11-12).

O maior número de NI tem sido explicado porque este método é normalmente visto pela equipe de saúde como livre de punição(12). É possível que tenha havido rápida adesão ao novo método por envolvimento dos profissionais no programa de segurança do paciente e porque o hospital já utiliza diversos sistemas informatizados há mais de 12 anos, facilitando a adaptação dos notificadores ao novo método.

Dentre as notificações, observa-se que o tipo de problema mais relatado está relacionado ao processo de terapia medicamentosa, o que é esperado, pois são frequentemente os mais notificados(13). Nossos resultados apresentam frequência muito semelhante a um estudo espanhol, que detectou 37,4% de notificações sobre medicamentos(14).

Pesquisa brasileira realizada em um hospital de ensino de porte semelhante ao deste estudo indicou que 63% das notificações recebidas pelo Gerenciamento de Riscos daquele hospital eram sobre processos da terapia medicamentosa enquanto que os materiais representavam 26% dos motivos das notificações e os hemoderivados 11%(15). Estes últimos resultados são semelhantes aos encontrados nesta pesquisa.

Torna-se difícil a comparação de resultados sobre motivos de notificações em hospitais entre estudos internacionais e até mesmo entre os nacionais, porque os tipos de incidentes monitorados por cada instituição variam significativamente e não há estudos que demonstrem a prevalência dos incidentes frente aos dois tipos de métodos para notificação, manuscrito e informatizado, em uma mesma pesquisa. É o que faz desta uma pesquisa inovadora que pode vir a contribuir para o avanço do conhecimento na área de segurança do paciente, especialmente na aplicação da tecnologia da informação em saúde para métodos passivos de detecção de incidentes e queixas técnicas.

Quanto ao notificador, os resultados são muito semelhantes a diversos estudos que tratam de notificações voluntárias: a categoria que mais notifica é a enfermagem(15,16). Além de estar em maior número nos hospitais e presente em todo o tempo ao lado do paciente, a enfermagem possui um treinamento rigoroso acerca da importância de registrar todo o processo de assistência.

O número de notificações informatizadas feitas por médicos foi menor do que quando notificadas por meio manuscrito. Apesar de terem um sistema informatizado fácil de notificar, os médicos pouco relatam incidentes: apenas 1,7% dos incidentes avaliados foram relatados por médicos(17). Enfermeiros são mais propensos a relatar incidentes do que os médicos e há várias razões para isso, incluindo o fato de os médicos alegarem não saberem como relatar incidentes, terem limitações de tempo, além da incerteza sobre o que relatar, a expectativa de culpa ou punição, e uma percepção de que a notificação de incidentes possa não resultar em melhorias. A escassez das notificações de médicos é provavelmente, ainda, devido a uma série de razões baseadas por fatores culturais, por alegarem falta de tempo, medo ou falta de consciência (16,17).

Após a implantação de sistema informatizado de notificações voluntárias, os profissionais de saúde tendem a ficarem satisfeitos com o novo método, porém pesquisadores afirmam que isso não muda a freqüência de relatos(18). Nossos resultados contradizem esta informação, pois houve maior número de notificações encaminhadas por sistema informatizado do que pelo manuscrito.

A notificação por vezes tem sido vista como uma prestação de contas, o que também se tem caracterizado como mais uma barreira para o relato voluntário(18). No hospital estudado, as NM, antes de serem encaminhadas ao Serviço de Gerenciamento de Riscos, eram avaliadas pelos supervisores, que encaminhavam, então, o relato ao gestor máximo da Enfermagem. Essas múltiplas etapas verticalizadas no processo de notificação podem ter intimidado os relatos manuscritos da equipe de enfermagem, embora tenha sido a categoria que mais notificou, pois houve aumento no número de notificações feitas pelos enfermeiros, técnicos de enfermagem e, especialmente, dos auxiliares de enfermagem, quando avaliadas as notificações informatizadas.

As características tidas como limitadoras para a notificação voluntária são pertinentes à NM avaliada neste estudo, pois o acesso aos formulários de notificação era difícil. Havia quatro diferentes instrumentos de notificação e o acesso a estes instrumentos era difícil, visto que estavam disponíveis na intranet do hospital, junto à lista de todos os outros documentos que se encontram disponíveis para download. Após abrir o arquivo, o notificador deveria imprimir o formulário, preenchê-lo manualmente, sendo necessário encaminhar o impresso para o Sistema de Gerenciamento de Riscos. Esse processo não se mostrava muito seguro quanto ao sigilo das informações e pode ser fator de menor número de notificações apresentados anteriormente.

O sistema informatizado, ao contrário, está disponível na intranet, o qual os notificadores podem acessar on line e preencher formulários específicos sobre cada incidente, possibilitando o relato anônimo, conforme tem sido implantado em hospitais de diferentes países(4,9).

As notificações, independentemente do sistema utilizado, devem conter informações completas, incluindo: descrição completa do evento; produto envolvido com o incidente ou queixa técnica (quando cabível); outros produtos que o paciente estava utilizando, como medicamentos concomitantes; características do paciente e suas condições clínicas, fatores de risco, exames diagnóstico, dentre outras informações pertinentes ao incidente. Embora requisitadas estas informações, a equipe que avalia os relatos encaminhados costumam encontrar termos muito variados, baixa qualidade da informação, não havendo clareza quanto ao caso relatado(16).

Os relatos devem permitir identificar a cadeia de eventos que levam ao incidente, gerando conhecimento para implantar intervenções efetivas, a fim de impedir que o incidente se repita. Embora seja praxe os estudos requererem mais qualidade das notificações, há carência de pesquisas que definam uma notificação de qualidade. Este estudo veio preencher esta lacuna e propor itens de avaliação de qualidade de notificações.

Nossos resultados apontam que 176 (62,4%) das NM e 293 (69,6%) das NI continham informação sobre a consequência do incidente para o paciente (desfecho), enquanto que em outro estudo esta foi possível identificar essa informação em 79% das notificações(19). Já no item "detalhes sobre o evento", enquanto um estudo americano identificou que as NI tinham maior nível de detalhes do que as NM, nossos resultados mostram semelhança neste aspecto(20).

O nome ou registro do paciente são fundamentais para a avaliação de incidentes, para que se possa avaliar, em prontuários, suas condições clínicas, utilização de produtos concomitantes, procedimentos aos quais foi submetido, resultados de exames diagnósticos. Em respeito a esta importante informação, houve mudança significativa, pois apenas 211 (74%) das NM continham o nome ou registro dos pacientes e em 416 (97,2%) das NI continham esta informação. Idealmente, os dados do paciente devem estar em 100% das notificações sobre incidentes, ainda que os potenciais eventos adversos (near misses). O mesmo ocorre para incidentes e queixas técnicas que envolvem produtos, como medicamentos, pois, sem informações básicas, dificulta a análise e tomada de decisões quanto ao problema.

O nome do produto foi informado mais vezes na NM (347; 98,9%) do que na NI (346; 95,5%), porém para todos os outros aspectos (apresentação do produto, data de validade, lote, dose ou via de administração) houve melhora significativa quando analisadas as NI. Informações como lote do produto, neste hospital, é suficiente para a busca pelo produto correspondente, já que existe cadastro do mesmo em sistema informatizado de gestão de materiais. Em hospitais em que não há este cadastro de fácil acesso, pode haver limitação da investigação e ações das equipes de gerenciamento de riscos, quando não informados todos os dados sobre os produtos.

Em 100% das NI foi informada a data da ocorrência do problema, queixa técnica ou incidente, e em 113 (26,7%) das NM não constava essa informação. Isso ocorre porque, apesar de constar campo específico para data da ocorrência no formulário impresso, no sistema informatizado era requisito obrigatório para a conclusão da notificação, o que, mais uma vez, demonstra ser vantajosa a aplicação da tecnologia da informação em saúde para o método de notificações voluntárias.

Apesar de as notificações manuscritas serem de fácil manuseio pelo notificador, provocam maior interrupção no expediente para o preenchimento, aumentam o medo de o notificador se expor, podem prejudicar a qualidade e dificultar o armazenamento das informações e podem ser ilegíveis, podendo comprometer os arquivos e, desta forma, prejudicar a organização e a tomada de decisões(4,6).

As notificações informatizadas, por sua vez, permitem melhor sistematização das informações, avaliação, eficácia e eficiência na análise dos dados necessários para a definição de problemas e riscos para a saúde, otimizando a organização das informações, além de contribuir para a produção de conhecimento acerca da saúde e dos assuntos à ela relacionados. Além disso, o envio destas notificações é imediato e sem intermediários(4).

A informatização do processo de informações sobre incidentes em saúde nos hospitais parece favorecer os relatos espontâneos, otimizando o processo de investigação e agilizando as decisões para ampliar a segurança dos pacientes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sendo as notificações voluntárias sobre incidentes em saúde imprescindíveis para uma cultura organizacional de segurança do paciente, estas devem ter qualidade para que possam ser fontes de informações no ambiente hospitalar. Neste estudo, comparou-se a qualidade e informações contidas nas notificações manuscritas e informatizadas de um hospital. Seus resultados sugerem que, para o desenvolvimento de uma cultura de notificação voluntária de incidentes em saúde nas organizações que desejam trabalhar com a segurança do paciente, é desejável que haja a informatização das notificações, favorecendo o relato, reduzindo o tempo do profissional ao relatar, fomentando o desenvolvimento de ações mais efetivas e rápidas para redução de incidentes, de riscos e danos aos pacientes, trazendo segurança aos usuários do sistema de saúde.

O presente estudo foi realizado apenas por análise documental, dificultando a determinação de hipóteses para os resultados encontrados, por isso outros estudos sobre o uso de NI em detrimento das NM devem ser realizados. As razões pelas quais as pessoas acessam, mas não finalizam a NI e a satisfação dos usuários da NI em relação à NM devem ser investigados em pesquisas futuras.

Recebido em: 19.03.2012

Aprovado em: 16.01.2013

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Abr 2013
    • Data do Fascículo
      Mar 2013

    Histórico

    • Recebido
      19 Mar 2012
    • Aceito
      16 Jan 2013
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