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Mães de crianças com deficiência visual: dificuldades e facilidades enfrentadas no cuidado

Dificultades y facilidades enfrentadas por la familia para cuidar a niños con discapacidad visual

Resumos

Objetivou-se conhecer as dificuldades e facilidades enfrentadas pelas mães de crianças com deficiência visual (DV) no cuidado. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, descritiva, realizada no segundo semestre de 2011, com dez mães de crianças com deficiência visual, de um Centro de Educação para deficientes visuais, no sul do Brasil. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas e análise de conteúdo temática das informações. Foram verificados como dificuldades o desconhecimento acerca da doença e da forma de cuidar da criança, a falta de acesso aos serviços de saúde, a sobrecarga pela dependência da criança, a falta de apoio e o preconceito na própria família. Quanto às facilidades, foram referidos a vontade do desenvolvimento saudável das crianças, a convivência com profissionais qualificados para sua educação e o contato com outras crianças com DV. Faz-se importante a instrumentalização da família para o cuidado à criança com DV como forma de garantir a aquisição de habilidades e competências, possibilitando-a um viver com qualidade.

Família; Criança; Cegueira; Enfermagem


Se objetivó conocer las dificultades y facilidades enfrentadas por las madres de niños con discapacidad visual (DV) en el cuidado. Estudio cualitativo descriptivo, realizado en el segundo semestre de 2011, con diez madres de niños con discapacidad visual, de un Centro de Educación para discapacitados visuales en el sur de Brasil. Se realizaron entrevistas semiestructuradas y análisis del contenido temático de las informaciones. Como dificultades se tuvo el desconocimiento sobre la enfermedad y la forma de cuidar del niño, la falta de acceso a los servicios de salud, la carga por la dependencia del niño y la falta de apoyo y prejuicio familiar. Como facilidades se refieren la ganancia del desarrollo saludable del niño, la convivencia con profesionales cualificados para su educación y contacto con otros niños con elmismo problema. Es importante la instrumentalización del familiar para el cuidado de niños con DV para asegurar la adquisición de habilidades y competencias que les permitan vivir con calidad.

Familia; Niño; Ceguera; Enfermería


This study aimed to identify the difficult and easy aspects faced by mothers of visually impaired (VI) children in their care. It is a descriptive qualitative study, developed in the second semester of 2011, with ten mothers of children with visual impairment from an Educational Center for the Visually Impaired, located in southern Brazil. Data were collected by means of semistructured interviews and submitted to thematic content analysis. The identified difficulties were the lack of knowledge regarding the disease and how to take care of the child, the lack of access to health services, overload generated by the dependence of the child and lack of support and prejudice within their own family. The easy aspects involved the desire for the child´s healthy development, the chance of being in touch with qualified professionals for their education, and the contact withother VI children. Therefore, it is important to qualify the family for the care of VI children so as to ensure the development of skills and competencies enabling them to live with quality.

Family; Child; Blindness; Nursing


ARTIGO ORIGINAL

Mães de crianças com deficiência visual: dificuldades e facilidades enfrentadas no cuidado

Dificultades y facilidades enfrentadas por la familia para cuidar a niños con discapacidad visual

Aline Campelo PintanelI; Giovana Calcagno GomesII; Daiani Modernel XavierIII

IDoutoranda do Programa de Pós-graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande - FURG. Bolsista FAPERGS. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Enfermagem e Saúde da Criança e do Adolescente - GEPESCA/FURG. Rio Grande/RS/Brasil

IIDoutora em Enfermagem. Docente da Escola de Enfermagem da FURG. Líder do GEPESCA/ FURG. Rio Grande/ RS/ Brasil

IIIMestranda do Programa de Pós-graduação em Enfermagem da FURG. Bolsista FAPERGS. Membro do GEPESCA/ FURG. Rio Grande/RS/Brasil

Endereço do autor Endereço do autor: Daiani Modernel Xavier Av. Cidade de Pelotas, 1443, Rural 96212-114, Rio Grande, RS E-mail: daiamoder@ibest.com.br

RESUMO

Objetivou-se conhecer as dificuldades e facilidades enfrentadas pelas mães de crianças com deficiência visual (DV) no cuidado. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, descritiva, realizada no segundo semestre de 2011, com dez mães de crianças com deficiência visual, de um Centro de Educação para deficientes visuais, no sul do Brasil. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas e análise de conteúdo temática das informações. Foram verificados como dificuldades o desconhecimento acerca da doença e da forma de cuidar da criança, a falta de acesso aos serviços de saúde, a sobrecarga pela dependência da criança, a falta de apoio e o preconceito na própria família. Quanto às facilidades, foram referidos a vontade do desenvolvimento saudável das crianças, a convivência com profissionais qualificados para sua educação e o contato com outras crianças com DV. Faz-se importante a instrumentalização da família para o cuidado à criança com DV como forma de garantir a aquisição de habilidades e competências, possibilitando-a um viver com qualidade.

Descritores: Família. Criança. Cegueira. Enfermagem.

RESUMEN

Se objetivó conocer las dificultades y facilidades enfrentadas por las madres de niños con discapacidad visual (DV) en el cuidado. Estudio cualitativo descriptivo, realizado en el segundo semestre de 2011, con diez madres de niños con discapacidad visual, de un Centro de Educación para discapacitados visuales en el sur de Brasil. Se realizaron entrevistas semiestructuradas y análisis del contenido temático de las informaciones. Como dificultades se tuvo el desconocimiento sobre la enfermedad y la forma de cuidar del niño, la falta de acceso a los servicios de salud, la carga por la dependencia del niño y la falta de apoyo y prejuicio familiar. Como facilidades se refieren la ganancia del desarrollo saludable del niño, la convivencia con profesionales cualificados para su educación y contacto con otros niños con elmismo problema. Es importante la instrumentalización del familiar para el cuidado de niños con DV para asegurar la adquisición de habilidades y competencias que les permitan vivir con calidad.

Descriptores: Familia. Niño. Ceguera. Enfermería.

INTRODUÇÃO

A Deficiência Visual (DV) é entendi da como qualquer forma de impedimento de caráter orgânico ligado a enfermidades oculares que comprometam o funcionamento ideal da visão. Este comprometimento, uma vez presente, pode levar à ausência total da capacidade visual no indivíduo. Esta pode dar-se com ou sem a percepção de luz, podendo ser herdada ou adquirida, devido a diversas causas, tais quais: glaucoma congênito ou catarata congênita, retinopatia, sífilis entre outras(1).

Dessa forma, são entendidos como deficientes visuais aqueles indivíduos que apresentam visão nula ou diminuída que limitam as atividades diárias(2). No mundo, em torno de 500.000 crianças desenvolvem DV anualmente(3). No Brasil, 16,6 milhões de brasileiros apresentam algum grau de DV, total ou parcial, afetando todas as idades. Destes, 150 mil são classificados e declaram-se cegos(4).

Diante dessa realidade, a DV passa a apresentar influência no desenvolvimento funcional das crianças afetando suas capacidades de autocuidado e mobilidade, dificultando suas interações sociais e comprometendo a aquisição da sua independência(5). Dentre as limitações mais frequentes estão as restrições quanto à locomoção, exploração de locais e objetos que levam os portadores de DV a serem considerados incapazes de participar de atividades em grupo e contribuir ou desenvolver sua empregabilidade(6).

Assim, crianças portadoras de necessidades especiais, como a DV são, frequentemente, isoladas de contatos e da criação de vínculos com parceiros, tendo suas interações restritas à relação apenas com adultos e familiares. Esse isolamento pode acarretar comprometimento na independência infantil, uma vez que a DV é entendida como um fator limitante à vida e ao desenvolvimento de potencialidades.

O papel da família no cuidado e no desenvolvimento da criança é de fundamental importância, uma vez que o núcleo familiar compreende sua primeira rede de apoio social. A interação familiar é vista como base e suporte de promoção a diversas formas de desenvolvimento infantil(7).

É no meio familiar que ocorrem as relações de cuidado mais importantes através de ações de proteção, acolhimento, respeito e potencialização do outro. Quando esta família vive uma situação de deficiência são necessárias inúmeras estratégias para o enfrentamento da situação e estimulação da criança para a independência(8).

O meio familiar é considerado como o primeiro espaço de interação e socialização infantil. No entanto, este ambiente é afetado pelo nascimento de uma criança com deficiência, não somente nas questões relativas aos sentimentos de seus membros, mas também em função das alterações estruturais e funcionais da família(5). Este fato torna necessário o auxílio profissional à família para sua instrumentalização para o cuidado à criança com DV.

Nesse sentido, cabe aos profissionais da saúde o delineamento de ações voltadas a estas crianças e suas famílias, assim como, a estimulação ao autocuidado e independência(5). Com o intuito de facilitar o cuidado familiar à criança com DV destaca-se a importância da intervenção precoce baseada na orientação da criança portadora de DV e na manutenção dos estímulos positivos que a levem ao desenvolvimento de capacidades e do autocuidado(9).

Por se entender como fundamental o cuidado familiar à criança com DV a questão que norteia este estudo é: quais dificuldades e facilidades enfrentadas pelas mães de crianças com deficiência visual no cuidado? A partir desta o objetivo deste estudo foi conhecer as dificuldades e facilidades enfrentadas pelas de crianças com deficiência visual no cuidado. O conhecimento produzido neste estudo auxilia os profissionais da saúde/ enfermagem na instrumentalização das famílias que possuem crianças com DV no seu cuidado.

MÉTODOS

Trata-se de uma pesquisa qualitativa descritiva. É descritiva porque descreve o fenômeno como este é vivenciado(10), enquanto que sua abordagem qualitativa permite entender os sentimentos e valores de cada indivíduo a partir de suas percepções(11).

Foi realizada no segundo semestre de 2011, em um Centro de Educação Complementar para Deficientes Visuais, do sul do Brasil. A escola conta com salas de aula, nas quais os alunos têm o ensino do primeiro ao quarto ano do ensino fundamental, além de salas de recursos, estimulação sensorial, informática, biblioteca, artesanato, cerâmica e educação física, com a prática de esportes como futsal e judô, dança e de ensino na realização de atividades de vida diária (AVDs), como arrumar a cama, cozinhar e outras. Possui, ainda, pátio, banheiros, secretaria e sala dos professores.

Por tratar-se de uma instituição para deficientes visuais, alguns símbolos são facilmente observados como: corrimãos para facilitar o deslocamento pela escola; trabalhos didáticos executados todos em alto relevo; salas onde são realizadas a estimulação das pessoas com limitações visuais, que possuem sinaleiras; softwares e maquinários diferenciados, como tradutor para braille, impressão e xerox em braille e uma sala de informática adaptada.

Participaram do estudo dez mães cuidadoras de crianças portadoras de DV, que, após, orientadas acerca do objetivo e metodologia do estudo assinaram em duas vias o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, ficando uma cópia com cada participante.

As informações foram obtidas por entrevista semiestruturada, operacionalizada por meio e um roteiro, com perguntas acerca do cuidado familiar à criança portadora de DV e analisados pela técnica de análise de conteúdo temática proposta por Minayo(11). Esta técnica foi operacionalizada em três etapas: Pré-análise na qual foram identificadas as unidades de registro que orientaram a análise; Exploração do Material na qual as informações iniciais obtidas foram classificadas e agregadas em temas e Tratamento dos resultados obtidos na qual realizou-se a interpretação das informações correlacionando-as com autores estudiosos da temática.

Todos os preceitos da resolução 196/96 do Conselho Nacional de Ética em Saúde para a pesquisa com seres humanos foram levados em consideração(12). O projeto foi encaminhado ao comitê de ética em pesquisa na área da saúde - CEPAS - FURG sendo aprovado sob parecer de número 105/2011. As falas das participantes no estudo foram identificadas pela letra F, seguida do número da entrevista, com vistas a garantir o anonimato.

RESULTADOS

Surgiram como temas: dificuldades da família para cuidar a criança com DV e as facilidades da família para cuidar a criança com DV.

Dificuldades da família para cuidar a criança com DV

Após o recebimento do diagnóstico da DV na criança verifica-se que, algumas famílias, enfrentam o desconhecimento da patologia que levou a DV, a falta de acesso aos serviços de saúde e a falta de informações dos profissionais da saúde que dêem sustentação familiar ao cuidado à criança. O desconhecimento acerca da situação vivenciada pode levar ao medo de não saber cuidar, gerando dificuldades.

Uma das coisas que acho que dificulta a gente é que a gente não tem muito acesso para as coisas [...] assim médicos, pessoas que expliquem as coisas. Eu tive que aprender na marra. Não teve quem me ensinou como era o colírio [...] os exames dela. Fiquei com muito medo de não saber [...]. A dificuldade é essa: gente da tua área (da saúde) que nos explique as coisas. (F1)

Constata-se que o ato de cuidar uma criança com necessidades especiais leva a família ao desenvolvimento de diversos sentimentos(13). Até que a família aprenda a cuidar são comuns sentimentos de medo e incapacidade. Os projetos frente à chegada de um novo membro são interrompidos, frente ao diagnóstico de DV, podendo causar a sensação de luto pela perda da criança perfeita que foi idealizada. Assim, para prestar cuidados básicos à criança e facilitar sua adaptação à limitação visual essa precisa ser auxiliada pelos profissionais da saúde e da educação, de forma a poder desempenhar seu papel de forma instrumentalizada(13).

O desconhecimento da patologia que levou a DV, a falta de acesso aos serviços de saúde e a falta de informações dos profissionais da saúde que dêem sustentação familiar ao cuidado à criança podem ser desestruturantes, tornando o cuidado à criança com DV penoso e a família vulnerável. Ressalta-se a necessidade da criação de programas de acompanhamento dessas famílias, tais como grupos de apoio e educação em saúde bem como a necessidade de fomentar a rede de suporte social como forma de subsidiar o cuidado familiar(14).

Além disso, a família refere à sobrecarga gerada pela dependência contínua de atenção ao cuidado à criança.

Eu tenho que deixar os outros em casa para trazer ela [...]. Fica difícil porque se ela não fosse cega ela poderia aprender a andar sozinha e eu podia cuidar mais dos outros filhos. O meu pequeno teve convulsão. Fica difícil procurar ajuda para ele porque tenho ela cega e os outros em casa. O pior que ela é a mais velha, podia me ajudar a cuidar dos outros, mas não dá. Acho cansativo, porque tenho a casa, as outras crianças e, ainda, correr atrás de exames. (F2)

Evidencia-se a sobrecarga gerada pela dependência contínua de atenção à criança para a mãe cuidadora. Entende-se a singularidade do cuidado a essas crianças em virtude de sua fragilidade, requerendo das mulheres cuidadoras uma prática de cuidar fundamentada em conhecimento que subsidiem o cuidar(14).

Esta sobrecarga para cuidar, em algumas situações, deve-se à falta de apoio familiar, refletida na figura paterna.

Ainda mais que eu não tenho ajuda de ninguém em casa para cuidar dela. Nem o pai dela me dá força. Ele acha que porque ela é cega é a mãe que tem que cuidar. (F2)

Quando há dificuldades no processo de cuidar é necessária uma rede de apoio que estimule a confiança e a adoção de habilidades que favoreçam o cuidado da criança. Assim, os profissionais da enfermagem devem ver a família como uma unidade a ser cuidada, o que aumenta as chances de bem estar da criança. A deficiência visual exige da família atitudes de cuidado diferentes das empregadas com os filhos videntes, evidenciando a dependência da criança com DV. Este fato causa frustração e estresse na família, pelo medo de não saber cuidar a criança.

Minha filha tem várias dificuldades. Uma que ela menstrua. E para alcançar e trocar o absorvente ela depende de mim para ajudar. Ela é uma mocinha e precisa de mim para tudo. Ela não pode ficar sozinha. Tenho medo quando ela tem que tomar remédios. Nunca deixo ela pegar e tomá-los. É muito estressante. (F3)

Cada hora é uma dificuldade nova. Quando ela era pequena era o banho. Ela não enxergava e era um griteiro para tomar o banho. Depois veio o período de caminhar. Quando caía era um horror. Na situação dela temos dificuldades, que nunca param de aparecer. É frustrante! (F4)

Apesar do desafio e das dificuldades de cuidar uma criança com DV os familiares cuidadores são capazes de desempenhar de forma eficaz o importante papel de cuidador, mostrando-se adaptados e seguros nas ações de cuidado, podendo perceber as mudanças e avanços da criança(15). Para cuidar a criança com DV de forma eficiente precisam ser auxiliados, adquirindo conhecimentos que os instrumentalize para o cuidado.

Referem a necessidade de lutar contra a tendência à superproteção e contra a infantilização da criança, principalmente, quando além da DV a criança possui outras demandas de cuidados.

Eu perguntava para ele se ele queria ir ao banheiro. Se ele estava com sede, como se ele não soubesse falar! Eu tinha a impressão de que ele não iria se atinar a fazer as coisas. A superproteção. No início, lá pelos cinco anos de idade, eu não deixava ele nem pensar as coisas porque eu achava que como ele tinha ficado cego iria ter dificuldades para tudo. Hoje ele vai à padaria sozinho, mas eu achava que nunca iria ser assim. (F5)

Eu sempre criei ela como uma criancinha. Eu acho que superprotegi. Muita coisa nela não se desenvolveu porque eu tratei ela como a pequenininha. Aqui na escola as professoras falam da necessidade de estimular a independência, mas ela é filha única. (F6)

Estudo revela que ações superprotetoras podem diminuir as possibilidades de independência da criança com DV. Alguns receios como o medo da criança se machucar fazem com que os pais protejam a criança dentro de casa, guiando e conduzindo cada passo dela. Evidencia-se o medo de ver a criança com DV brincar com crianças normovisuais e há casos em que os pais falam pela criança, procuram resolver seus problemas e até destinam um tempo para brincar com estas para evitar o contato com outras que enxergam(16). Estas atitudes de superproteção dificultam a interação da criança com o mundo a sua volta e fazem com que esta não desenvolva suas potencialidades.

Revelaram, ainda, o preconceito contra a criança com DV pelos membros da própria família.

Eu fui com a avó dela para comprar umas coisas e a avó dela comprou um urso de pelúcia para minha filha que é gêmea com ela. Quando eu vi que a avó não iria comprar para ela eu entrei na fila para comprar. A minha sogra me olhou e disse: - Para que tu vais comprar um urso de pelúcia para ela que nem enxerga? Eu respondi que ela não enxerga, mas tem o direito de brincar como a irmã. As mãos dela são como se fossem os olhos. Ela podia agarrar o urso. Isso me doeu muito porque imagina se eu não estivesse junto. (F7)

Os irmãos têm vergonha dela, por isso, não me ajudam a cuidá-la. Têm preconceito, não saem com ela. Se puderem nem dizem que tem uma irmã que é cega. Já vi até meu filho mais velho ajudando os outros guris da rua a debochar dela. São várias as dificuldades. (F3)

Em relação ao preconceito vivido na própria família, é necessário estudar os sentimentos de outros familiares e filhos videntes, quando os há. Os familiares podem temer serem chamados a ajudar a cuidar a criança sentindo medo de assumir a responsabilidade. Já os irmãos normovisuais podem sentir ciúmes do irmão com DV, pelo fato deste obter as atenções dos outros familiares e vergonha pela aparência do mesmo. Desta forma, existiriam simultaneamente sentimentos de raiva, ciúme, sensação de abandono e rejeição com os de culpa, sem contar o medo e a tristeza(7).

Facilidades da família para cuidar a criança com DV

Como facilidades para o cuidado da criança com DV, percebem à vontade de que a criança cresça e se desenvolva saudável, o que dá incentivo para o familiar cuidador desempenhar seu papel com paciência e carinho.

Acho que a facilidade que tem em cuidar de uma criança assim é querer. Quando a gente quer nada nos derruba. Para cuidar de uma criança cega, vou ser bem clara, tem que usar a paciência e o carinho. (F8)

Não me entrego nunca. Se vejo uma dificuldade eu sempre dou um jeito de pensar em como vamos passar por ela. Do meu jeito, sem nada de estudo ou coisa assim. Algumas vezes, fico olhando às outras mães e elas dizem: - Teu filho sabe fazer isso? O meu não! Mas, quando pergunto quantas vezes tentaram, me respondem que uma vez. É isso que me refiro. Ser mãe de uma criança cega é ser paciente. Tem que saber que as coisas podem acontecer devagar, mas elas acontecem! (F10)

A família da criança com DV, diante de uma situação que não havia vivenciado e não estava preparada a vivenciar, necessitará de orientações e preparo, tanto emocional como técnico para facilitar a interação da criança na sociedade, ou seja, essa família, também, necessita ser reabilitada(17). A cegueira impõe modificações na vida familiar exigindo readaptações para o seu enfrentamento como forma de satisfazer as necessidades e promover a autonomia da criança com DV.

A família deve ser orientada pelos profissionais da saúde com relação à importância da estimulação infantil, da comunicação família-criança e da sua interação com a criança, adquirindo conhecimentos que a habilite ao cuidado. O estímulo produzido pela família faz com que elas se aproximem do problema visual da criança, tornando-se sensíveis às pistas e necessidades de seus filhos(17).

A DV da criança mobiliza os membros da família que formam uma rede de apoio social em torno dessa, se ajudando mutuamente, para garantir que ela seja cuidada.

A ajuda da minha família. Se não fosse eles eu não teria a calma que eu tenho hoje, em lidar com ele. Graças a Deus, tenho uma família que abraça ele comigo. Na hora que me disseram que ele não iria enxergar minha mãe me deu apoio. Ela esteve sempre comigo. É claro que nenhuma mãe quer saber que o filho é cego, mas eu tive a grande sorte de ter uma família que me ajuda. Minha prima, que é quase uma irmã, fica com ele para mim quando preciso, meus parentes nunca me dizem não. Minha família se uniu depois que aconteceu isso com meu filho. (F5)

Outra fonte de apoio essencial, no auxílio à família para o cuidado à criança com DV é a existência do Centro de Educação Complementar para Deficientes Visuais. Poder contar com um local, no qual a criança com DV vai conviver com profissionais capacitados para a educação especial, com crianças com a mesma deficiência e seus familiares, apresenta-se como importante fonte de apoio e estímulo.

Uma das facilidades foi vir aqui na escola. Aqui tive o apoio que precisava para cuidar dela. Fica fácil porque as mães podem conversar e ensinar umas às outras. A gente que tem medo se acalma. Acho que ver a minha filha bem tratada pelos professores também facilita. Na escola todo mundo se empenha porque é um lugar voltado para isso. Preparado para ensinar a conviver. Acho que essa é uma facilidade. Estou aqui há quase 10 anos. Sou voluntária enquanto a minha filha estuda. Aqui ela convive com outras crianças cegas e convive com profissionais preparados para ensinar crianças cegas. Isto não tem em outras escolas. (F1)

Outra facilidade evidenciada no estudo é a existência e acesso da criança a Centros de Educação Complementar para Deficientes Visuais nos quais estas crianças conviverão com outras crianças com DV e com profissionais especializados na educação de portadores de DV. Sabe-se que há grande importância no convívio dos deficientes visuais com os demais indivíduos da sociedade, já que desta forma estes terão maiores possibilidades de aprendizado e adaptação às limitações diárias.

Verifica-se que a aquisição de conhecimentos relativos à DV apresenta-se como um facilitador para o cuidado familiar à criança.

Eu li muita coisa sobre o câncer dele. Foi o que me ajudou a cuidar dele. Eu corri atrás. Tive que estudar de verdade, nestes seis anos de doença. (F9)

A troca de conhecimentos e de vivências faz com que as dificuldades e limitações sejam discutidas e compartilhadas entre os grupos surgindo ideias e opiniões que favorecem a superação da situação vivida. As estruturas mentais vão ser construídas pelas crianças, através de suas possibilidades de interação e ação sobre o meio e pela qualidade de solicitação do ambiente(18). Assim, através de experiências significativas, sociais, afetivas, cognitivas e adaptativas, a criança pode explorar suas possibilidades interagindo com pessoas de fora do seu círculo familiar e com o mundo que a cerca, favorecendo seu desenvolvimento(18).

A construção da linguagem e o desenvolvimento global ocorrem na relação socioafetiva, por isso a criança necessita relacionar-se com outras de sua idade, videntes ou não, de modo a poder identificar-se, construir sua imagem corporal e testar suas hipóteses perceptivas, simbólicas e pré-lógicas. Desse modo, o convívio com outras crianças de sua faixa etária vai contribuir para a aquisição de conceitos e a construção da linguagem(7).

Essas experiências são, além de estimulantes, um meio onde a criança pode participar de discussões e debates sobre seus problemas e limitações e, assim, conhecer as estratégias usadas pelos outros. Oportuniza-se a realização de novos relacionamentos, de se conhecerem melhor, descobrirem uns nos outros suas habilidades e a contribuição que cada um pode oferecer ao grupo em um processo de aprendizagem e construção de conhecimentos(7).

Para tanto, é relevante que pais, cuidadores e profissionais de saúde se articulem estimulando precocemente a criança, inserindo-a no contexto social, criando um ambiente propício para que esta alcance um desenvolvimento compatível com seu estágio de vida até que possa ter a capacidade de se tornar independente e ativa socialmente(17).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os dados evidenciam que as mães enfrentam o desconhecimento da causa da DV da criança e a falta de acesso aos serviços de saúde. Elas são pouco informadas pelos profissionais da saúde acerca da DV e da melhor forma de cuidar a criança. Ocorre sobrecarga familiar gerada pela dependência contínua da criança com DV. Tal sobrecarga vem da falta de apoio de outros familiares que convivem com a criança. Ressalta-se a pouca participação da figura paterna no cuidado direto às crianças.

As ações de superproteção realizadas em função da piedade para com a criança com DV levam a dificuldades no seu cuidado. Os cuidadores percebem-se infantilizando os filhos com DV, minimizando suas potencialidades, necessitando, assim, de mais cuidados do que o que realmente seriam necessários. Outra dificuldade enfrentada pela família no cuidado à criança com DV foi a existência de preconceitos entre os membros da própria família. Verifica-se que as dificuldades podem ser superadas, pois a convivência entre a família e a criança portadora de deficiência e as experiências adquiridas com o tempo podem fazer com que as mães tenham o medo de cuidar minimizado.

Em função das várias dificuldades vivenciadas pelas mães no cuidado diário à criança com DV muitas desacreditam na existência de facilidades para cuidar. Em contrapartida, a vontade em verem seus filhos se desenvolverem de forma saudável leva a obtenção de forças no desempenho do seu papel de cuidadora de uma criança com DV. Outra facilidade destacada foi a existência do Centro de Educação Complementar para Deficientes Visuais. Neste espaço a criança com DV pode conviver com profissionais qualificados para sua educação tendo atendidas suas necessidades especiais de cuidado e educação. Também, podem ter contato com outras crianças com DV e seus familiares favorecendo a interação entre eles.

Para algumas mães a aquisição de conhecimentos acerca do assunto surge como um fator positivo facilitador do cuidado familiar à criança. Mesmo com as dificuldades, constata-se que a DV da criança pode direcionar os familiares na formação de uma rede de apoio social que trabalha no intuito de garantir o cuidado ideal à criança.

Conclui-se que o trabalho com a família da criança com DV torna-se importante facilitador da adaptação à situação da criança para que ela possa assumir-se plenamente e conviver com sua deficiência de forma segura. A família deve ser orientada pelos profissionais da saúde/ enfermagem com relação à importância da estimulação infantil, da comunicação e da interação família-criança.

Dentre as limitações do estudo pode-se apontar a carência de pesquisas realizadas por enfermeiros com crianças portadoras de DV e as questões que envolvem seu cuidado. Acredita-se que há poucos enfermeiros, atuando junto a crianças com DV e suas famílias, ou os que atuam não publicam suas experiências e conhecimentos, deixando de dar sua contribuição. A DV infantil é um campo de atuação para enfermeiros que tem na educação em saúde um dos pilares do seu fazer.

Recebido em: 16.07.2012

Aprovado em: 08.05.2013

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  • Endereço do autor:

    Daiani Modernel Xavier
    Av. Cidade de Pelotas, 1443, Rural
    96212-114, Rio Grande, RS
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Jul 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 2013

    Histórico

    • Recebido
      16 Jul 2012
    • Aceito
      08 Maio 2013
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