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Vivências da família após infarto agudo do miocárdio

Experiencias de la familia después de infarto agudo del miocario

Resumos

Objetivou-se descrever as vivências da família no pós-infarto. Pesquisa qualitativa, descritiva e exploratória, realizada com seis famílias de pacientes pós-infarto. A coleta de dados ocorreu no domicílio das famílias, no período de fevereiro a maio de 2012, por meio de observação e entrevista com a família. Foi utilizado o software Atlas Ti 6.2 na codificação das entrevistas e os dados foram explorados com a análise temática. Surgiram duas categorias: "Tempos difíceis": consequência imediata do infarto agudo do miocárdio para as famílias; e "Nos reeducamos - a gente se adapta", vivência atual das famílias. A vivência imediata pós-infarto é permeada por variados sentimentos, necessitando adaptação das famílias para adequação às necessidades. A vivência atual demonstra modificações nas famílias devido à enfermidade. A família é a principal responsável pelas práticas de cuidado, porém a Enfermagem deve atuar na troca e no compartilhamento de saberes.

Enfermagem; Família; Saúde da família; Infarto do miocárdio; Doença crônica


Se objetivó describir las experiencias de la familia en el postinfarto. Estudio cualitativo, descriptivo y exploratorio, realizado con seis familias de pacientes postinfarto. La recolección de datos se la realizó en los hogares de las familias, de febrero a mayo de 2012 a través de observación y entrevista con la familia. Se utilizó el software Atlas Ti 6.2 en la codificación de las entrevistas y los datos fueron explorados con el análisis temático. Emergieron dos categorías: "Tiempos difíciles": consecuencia inmediata del infarto agudo del miocardio para las familias y "Hacemos una reeducación - Nosotros nos adaptamos": experiencia actual de las familias. La experiencia inmediata postinfarto es permeada por diversos sentimientos que requiere adaptación para adecuación a las necesidades. La experiencia actual muestra los cambios en las familias debido a la enfermedad. La familia es la principal responsable por las prácticas de cuidado, pero la Enfermería debe actuar en el cambio y compartimiento de conocimientos.

Enfermería; Familia; Salud de la familia; Infarto del miocardio; Enfermedad crónica


This study aimed to describe the family experiences post-infarction. Qualitative, descriptive and exploratory research, carried out with six families of post-infarction patients. Data collection was conducted in families' homes, in the period of February to May of 2012, through observation and interviews with the family. The software Atlas Ti 6.2 was used to code the interviews and the data were explored with thematic analysis. Two categories emerged "Difficult times": immediate consequence of acute myocardial infarction for the families; and "We reeducate ourselves - we can adapt ourselves": current experience of families. The immediate post-infarction experience is permeated by several feelings, with the need for families to adapt to fit into the needs. The current experience shows changes in families due to the disease. The family is the main responsible for the care giving, although Nursing should exchange and share knowledge.

Nursing; Family; Family health; Myocardial infarction; Chronic disease


ARTIGO ORIGINAL

Vivências da família após infarto agudo do miocárdio

Experiencias de la familia después de infarto agudo del miocario

Raquel Pötter GarciaI; Maria de Lourdes Denardin BudóII; Bruna Sodré SimonIII; Simone WünschIV; Stefanie Griebeler OliveiraV; Mariane da Silva BarbosaVI

IEnfermeira. Mestre em Enfermagem. Doutoranda da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Pelotas, RS, Brasil

IIEnfermeira. Doutora em Enfermagem. Professora Associada II do Departamento de Enfermagem e do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem (PPGEnf) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Santa Maria, RS, Brasil

IIIEnfermeira. Mestranda do PPGEnf da UFSM. Professora Substituta do Departamento de Enfermagem da UFSM. Bolsista CAPES. Santa Maria, RS, Brasil

IVEnfermeira da Secretaria Municipal de São Luiz Gonzaga. Mestre em Enfermagem. São Luiz Gonzaga, RS, Brasil

VEnfermeira. Mestre em Enfermagem. Doutoranda em Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professora Assistente I da Faculdade de Enfermagem da UFPel. Pelotas, RS, Brasil

VIGraduanda do 6º semestre de Enfermagem da UFSM. Santa Maria, RS, Brasil

Endereço do autor Endereço do autor Raquel Pötter Garcia Campus Porto, Faculdade de Enfermagem, UFPel Rua Gomes Carneiro, 1, Centro 96010-610, Pelotas, RS E-mail: raquelpottergarcia@gmail.com

RESUMO

Objetivou-se descrever as vivências da família no pós-infarto. Pesquisa qualitativa, descritiva e exploratória, realizada com seis famílias de pacientes pós-infarto. A coleta de dados ocorreu no domicílio das famílias, no período de fevereiro a maio de 2012, por meio de observação e entrevista com a família. Foi utilizado o software Atlas Ti 6.2 na codificação das entrevistas e os dados foram explorados com a análise temática. Surgiram duas categorias: "Tempos difíceis": consequência imediata do infarto agudo do miocárdio para as famílias; e "Nos reeducamos – a gente se adapta", vivência atual das famílias. A vivência imediata pós-infarto é permeada por variados sentimentos, necessitando adaptação das famílias para adequação às necessidades. A vivência atual demonstra modificações nas famílias devido à enfermidade. A família é a principal responsável pelas práticas de cuidado, porém a Enfermagem deve atuar na troca e no compartilhamento de saberes.

Descritores: Enfermagem. Família. Saúde da família. Infarto do miocárdio. Doença crônica.

RESUMEN

Se objetivó describir las experiencias de la familia en el postinfarto. Estudio cualitativo, descriptivo y exploratorio, realizado con seis familias de pacientes postinfarto. La recolección de datos se la realizó en los hogares de las familias, de febrero a mayo de 2012 a través de observación y entrevista con la familia. Se utilizó el software Atlas Ti 6.2 en la codificación de las entrevistas y los datos fueron explorados con el análisis temático. Emergieron dos categorías: "Tiempos difíciles": consecuencia inmediata del infarto agudo del miocardio para las familias y "Hacemos una reeducación – Nosotros nos adaptamos": experiencia actual de las familias. La experiencia inmediata postinfarto es permeada por diversos sentimientos que requiere adaptación para adecuación a las necesidades. La experiencia actual muestra los cambios en las familias debido a la enfermedad. La familia es la principal responsable por las prácticas de cuidado, pero la Enfermería debe actuar en el cambio y compartimiento de conocimientos.

Descriptores: Enfermería. Familia. Salud de la familia. Infarto del miocardio. Enfermedad crónica.

ABSTRACT

This study aimed to describe the family experiences post-infarction. Qualitative, descriptive and exploratory research, carried out with six families of post-infarction patients. Data collection was conducted in families' homes, in the period of February to May of 2012, through observation and interviews with the family. The software Atlas Ti 6.2 was used to code the interviews and the data were explored with thematic analysis. Two categories emerged "Difficult times": immediate consequence of acute myocardial infarction for the families; and "We reeducate ourselves – we can adapt ourselves": current experience of families. The immediate post-infarction experience is permeated by several feelings, with the need for families to adapt to fit into the needs. The current experience shows changes in families due to the disease. The family is the main responsible for the care giving, although Nursing should exchange and share knowledge.

Descriptors: Nursing. Family. Family health. Myocardial infarction. Chronic disease.

INTRODUÇÃO

As doenças crônicas caracterizam-se, atualmente, como um problema de saúde pública, já que são as principais causas de morte no mundo(1). Ocorrem, sobretudo, devido ao aumento da longevidade e grande parte delas corresponde às doenças cardiovasculares. As estatísticas projetam que o número total de óbitos por essas doenças aumentará de 17 milhões, no ano de 2008, para 25 milhões no ano de 2030(2).

Dentre os acometimentos cardiovasculares, o Infarto Agudo do Miocárdio (IAM), é uma isquemia resultante da falta de aporte sanguíneo para as artérias coronárias e que pode acarretar na necrose do músculo cardíaco. Origina-se por uma complicação da doença aterosclerótica crônica(3). Suas consequências perpetuam-se no decorrer da vida, fazendo com que as pessoas necessitem de cuidados permanentes.

Dessa forma, o adoecimento do coração pode desencadear no paciente e sua família sofrimento emocional pelo medo da morte, da invalidez e do desconhecido(4). Torna-se necessário que o sistema familiar se organize, por meio de negociações internas, as quais têm a finalidade de redefinição e troca de papéis para garantir os cuidados, sua manutenção e funcionalidade estrutural. Essas mudanças podem ser influenciadas pelo tipo de doença, a maneira como se manifesta e o significado que o doente e a família atribuem à condição crônica(5).

Nesse sentido, o cuidado familial(6) se concretiza nas ações e interações presentes na família e se direciona a cada um dos seus membros, individualmente, ou ao grupo todo. É definido a partir das significações de cada família, objetivando crescimento, desenvolvimento, saúde e bem-estar(6).

Estudos realizados recentemente com doentes crônicos destacam aspectos pontuais do cuidado familial, como a hospitalização(4,7), espiritualidade e sofrimento psíquico(8-9), situações relativas aos cuidadores(10-11), dentre outros. No entanto, salienta-se que a família é um grupo permeado por diversas questões, sendo, portanto, relevante transparecer suas reais experiências por meio de uma visão dos fatores que podem surgir após a condição de cronicidade, fato que pode ser visualizado com a realização desta pesquisa.

Diante dessas considerações, torna-se possível aprofundar o conhecimento sobre a família e suas estratégias de cuidado no momento pós-infarto, o que pode colaborar para que a Enfermagem compreenda com maior precisão as questões que permeiam a família e, desse modo, possam ser elaboradas práticas que atendam as necessidades de quem vivencia essa enfermidade. Assim, a questão norteadora foi: Como são as vivências da família de pacientes que tiveram IAM? Para responder esse questionamento objetivou-se descrever as vivências da família no pós-infarto.

PERCURSO METODOLÓGICO

Pesquisa de campo qualitativa, descritiva e exploratória, originada a partir de uma dissertação de mestrado(12). Realizou-se com seis famílias de pacientes pós-infarto, totalizando 18 pessoas. Os familiares foram indicados pela pessoa que teve o infarto e poderiam ultrapassar laços de consanguinidade, adoção ou matrimônio(13).

Inicialmente, a seleção das famílias ocorreu a partir dos pacientes pós IAM que estavam em acompanhamento no Ambulatório de Cardiologia (AC) de um hospital do sul do Brasil, sendo lidos os seus prontuários para detectar aqueles que estavam em período pós IAM e que pudessem se adequar aos critérios de inclusão da pesquisa, caracterizando uma amostra intencional.

Como critérios de inclusão, a família deveria ter uma pessoa com diagnóstico médico de IAM pregresso por aterosclerose em um tempo mínimo de seis e máximo de 24 meses e, estar em acompanhamento médico no AC. Foram incluídos os familiares indicados pelo paciente, no momento da conversa informal no AC, ou convidados por ele na primeira visita no domicílio. Salienta-se que, para configurar a representação da família, foi necessária a presença de pelo menos duas pessoas, e o paciente poderia ser uma delas(13). Delimitaram-se como critério de exclusão: familiares que apresentassem limitações cognitivas significantes, como atenção, raciocínio, fala, dentre outros.

A coleta de dados ocorreu no período de fevereiro a maio de 2012 e realizou-se por meio de observação no AC e domicílio, bem como por entrevista com a família. Esta foi composta de duas etapas: inicialmente foi construído o genograma(13) e, posteriormente, realizadas perguntas abertas estabelecidas por um roteiro. Observaram-se comportamentos e cuidados dos integrantes da família, uns para com os outros, bem como aspectos expressivos do funcionamento familiar.

As entrevistas foram transcritas e salvas em arquivo de computador para a análise dos dados e as anotações do diário de campo foram registradas após a observação no AC e domicílio. A etapa de coleta de dados finalizou quando as questões de pesquisa foram respondidas e os objetivos do estudo alcançados. Para auxiliar na codificação das entrevistas utilizou-se o software Atlas Ti 6.2 (Qualitative Data Analysis). Os dados foram explorados com a análise temática(14), constituindo-se de três etapas: pré-análise, exploração do material, e tratamento dos resultados obtidos e interpretação.

Os sujeitos que aceitaram participar foram informados sobre a pesquisa e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Preservou-se o sigilo por meio da adoção de nomes fictícios determinados pelo pesquisador. Para identificar a família como grupo, utilizou-se a letra F, que significa "família", e números sequenciais que correspondem à ordem de realização da coleta de dados.

A pesquisa foi registrada pelo Comitê de Ética da universidade vinculada ao projeto, sob o nº 0372.0.243.000-11, sendo respeitados os preceitos éticos de pesquisa com seres humanos.

RESULTADOS

Inicialmente, expõe-se a caracterização das famílias e após estão apresentadas as categorias que surgiram por meio da análise dos dados, sendo elas: "Tempos difíceis": consequência imediata do IAM para as famílias; e "Nos reeducamos – a gente se adapta": vivência atual das famílias.

Caracterização das famílias

Os dados a seguir, apresentados no Quadro 1, foram extraídos dos genogramas das famílias participantes.


"Tempos difíceis": consequência imediata do infarto agudo do miocárdio para as famílias

As famílias relataram que logo após o episódio de infarto surgiram vários sentimentos, como incertezas e angústias.

[...] eu trabalhava o dia inteiro [...] eu fui firme, eu chorava no serviço, fazia comida e chorava. [...] é uma situação difícil sabe, foi muito difícil para mim (F1-Cleusa).

[...] o impacto foi grande nos primeiros dias, principalmente, ali que fica naquela incerteza, foi horrível [...] A gente ia lá [no hospital] ver ele, vinha para casa, ficava naquela angústia, não sabia se ia recuperar, não ia recuperar, aquela função (F5-Ana).

Conforme as falas, se pôde observar que o IAM afetou a dinâmica da família, pois, mesmo que tivessem havido relatos de sinais e sintomas anteriores, estes foram desconsiderados, fazendo com que após o evento os sentimentos de angústia, medo e aflição perpassassem o cotidiano da família. Estes sentimentos geraram impactos na dinâmica familiar, pois as atividades de seus integrantes ficaram prejudicadas, uma vez que todos os pensamentos voltavam-se ao doente.

Entretanto, esse sofrimento inicial permite que a família encontre recursos para enfrentar os problemas e dar sentido ao que está acontecendo(8). Os sentimentos são responsáveis, por, de certa forma, auxiliar no restabelecimento do equilíbrio familiar, permitindo que seus integrantes saiam da região de conforto e sejam motivados para adequar as dificuldades às suas possibilidades internas. Ressalta-se, porém, que a exposição contínua ao estresse da doença pode esgotar os recursos da família, dificultando a elaboração de formas para enfrentar as circunstâncias que se apresentam(9).

Essas questões repercutem no trabalho dos profissionais de saúde, tornando-se um desafio, os quais devem atuar na tentativa de incluir a família em suas práticas e assim colaborar para que novas possibilidades sejam desenvolvidas frente o adoecimento(7). Tal desafio pode estar relacionado à complexidade da estrutura e funcionalidade da família.

A morte, como possível acontecimento e com sentimento de desespero apareceu na voz da família:

[...] eu achei, por Deus, que eu achei que ele iria morrer (F1-Cleusa).

Foi horrível, eu estava trabalhando em São Lourenço [...] meu cunhado ligou e falou [o que o médico disse] [...] para minha irmã: não adianta, não vai dar tempo mais, não tem como salvar. [...] eu vim de lá [do emprego] até aqui chorando, sabe, parece que não sentia minhas pernas, achei que eu ia morrer, é muito horrível (F6-Juliana).

Ao visualizar as falas, detecta-se que a perspectiva da morte perpassava os momentos posteriores ao episódio da doença, o que ocorria devido ao simbolismo do coração como centro da vida(15). Com a possibilidade iminente do fim da vida, ocorreu uma reorganização familiar, retirando os membros da família de seus afazeres cotidianos, mobilizando-os para a tentativa de controlar a situação e ficarem próximos do ente querido. Ainda, isso desencadeou nos familiares próximos angústia e desespero devido à impossibilidade de resolver a situação, fazendo com que assim passassem a acreditar que não iriam conseguir viver também se o familiar morresse.

A possibilidade da perda de um familiar faz com que o medo seja o foco da experiência pela qual a família passa(7), fazendo com que o funcionamento inadequado do coração, em decorrência da doença, desencadeie sofrimento psíquico(4). O sentimento de angústia é usual em indivíduos com problemas cardiovasculares, sendo que as intervenções de educação em saúde que visem reduzir a ansiedade têm sido resolutivas(16). Estas podem ser realizadas pelos enfermeiros, a fim de desenvolver ações esclarecedoras junto às famílias que se perpetuem para o bem-estar de todos.

As famílias também relataram preocupações ocasionadas pela ausência do paciente no ambiente familiar.

[...] ele se operou, fazia falta para os filhos, para nós, para mim, porque ele é um pai maravilhoso, bom para os meus filhos, não tenho queixa (F1-Cleusa).

Eu passo o dia a dia junto, os filhos já tão casados, cada um num canto, não acompanham, então tu ficas mais apreensiva [...] claro que eu ficava mais preocupada (F3- Regina).

Independente da configuração familiar, a ausência do indivíduo doente afetou a todos integrantes, desenvolvendo uma sensação de carência no ambiente familiar. Por isso, nesse momento, os conflitos foram esquecidos e as forças da família vislumbraram auxiliar no restabelecimento do doente e seu retorno para casa, por meio do cuidado familial. Destaca-se que, embora isso seja direcionado a toda família, em algumas situações pode assumir especificidades que objetivam assegurar as necessidades individuais do membro que passa por adversidades(6).

A união possibilita a preservação da família, comprometendo a todos envolvidos(17). Destaca-se que, nas famílias que possuíam vínculos fortes entre seus integrantes, a união tornou-se facilitada, o que foi observado pelas afinidades expostas durante as entrevistas.

Nesse contexto, a estrutura e dinâmica da família podem se assemelhar a um quebra-cabeça, pois, na falta de uma peça ou de um integrante, elas se modificam, pela ausência da pessoa, e do papel que ela ocupa ou desempenha no grupo. Observou-se então um movimento para a recuperação do doente, facilitando seu retorno o mais breve possível para o seio familiar e reestabelecendo o equilíbrio com o encaixe da peça que faltava no quebra-cabeça.

Ao ver o sofrimento de quem teve o infarto, a família buscava auxiliar, organizando o domicílio, para que, de alguma forma, isso pudesse trazer conforto e amenizar a situação.

Foi o que eu falei, fui lá para [a casa] minha filha, sete dias, ela fazia os curativos [...] Eu sentia muita dor [...] daí a minha filha deu a cama da filha dela para mim (F4-Carmen).

Adaptações foram realizadas no domicílio, a fim de promover a melhora do doente e estabilizar a família. Na fala, a filha levou a mãe para sua residência, fato que exigiu alguns ajustes do ambiente e dos outros integrantes para facilitar o cuidado e promover tranquilidade por ter o familiar próximo.

No período do adoecimento há um empenho da família para estar próxima do doente e compartilhar seus problemas(17), mesmo que seja preciso uma mudança temporária que modifique o cotidiano. Percebeu-se que ocorreu um aprofundamento na convivência dos familiares devido às preocupações que surgiram e também pela busca de resolver a situação no menor espaço de tempo, pois todos precisavam restabelecer novamente suas vidas. Assim, um movimento de enfrentamento é realizado para atender as necessidades existentes e garantir o funcionamento do sistema familiar(17).

As famílias fizeram referência à divisão de tarefas necessária entre seus membros no período imediato após o IAM, demonstrando cuidado, na tentativa de assegurar o bem-estar de todos.

Nós nos revezávamos [...] quando uma não estava, uma sempre estava. Nunca deixava ele sozinho, sempre estava junto com ele (F1-Cleusa).

Ele tinha sempre um ou outro que ia lá, ele não ficava sozinho e às vezes ele almoçava lá na minha filha nesse período da recuperação. Mas assim com mais cuidado (F3-Regina).

Percebeu-se, nas falas, a união familiar consistente, na qual os integrantes buscaram prover melhores cuidados ao enfermo. No entanto, foi necessária uma dinâmica diferente, bem como redefinição de papéis e boa relação entre todos, para que o cuidado familial pudesse ocorrer de forma efetiva.

O papel da família é essencial para o enfrentamento da enfermidade, facilitando seu manejo, bem como promovendo adequação às alterações e às dificuldades(18). Para que isso ocorra, os seus integrantes devem estabelecer articulações internas que objetivem a garantia de cuidados para manter a harmonia de todos e a funcionalidade estrutural da família(5).

Mesmo que os papéis sejam modificados devido à doença, a tentativa é fazer com que as alterações sejam parciais e o andamento da vida cotidiana se reestabeleça com adaptação satisfatória. Um estudo com familiares de doentes crônico-degenerativos também diz que houve uma adaptação boa às mudanças que ocorreram na família após o aparecimento da enfermidade(18).

Apesar disso, os conflitos familiares existem, o que pode gerar novas demandas para o núcleo que vivencia a enfermidade crônica. Isso confirma que os papéis não são estáticos(13), pois se desenvolvem em situações específicas, neste caso o acometimento cardiovascular, e nas relações entre os indivíduos(13) no ambiente familiar. Nesse contexto, o enfermeiro deve estar atento, preconizando práticas interativas entre os membros da família, que amenizem os confrontos e possam favorecer um ambiente adequado que proporcione qualidade de vida. Essas práticas podem ser exemplificadas pela realização de encontros coletivos entre o enfermeiro e os integrantes da família, tanto no ambiente domiciliar, quanto nos serviços de saúde, articulando as necessidades de cada um e estimulando a troca de experiências para que os conflitos sejam mais bem resolvidos.

"Nos reeducamos – a gente se adapta": vivência atual das famílias

Percebeu-se nas falas que, após algum tempo do evento, que as famílias já haviam readequado seu cotidiano, demonstrando, por vezes, potencialidades que surgiram das mudanças após o episódio da doença.

Agora Deus deu uma alegria, uma paz para a gente. [...] a gente se une mais [...] Aquela dor que a gente tinha parece que passou sabe? A gente divide melhor (F1-Cleusa).

[...] mas agora eu faço tudo, tudo que precisa fazer dentro de uma casa (F2-Jorge).

As mudanças de alguns hábitos das pessoas que tiveram IAM afetam todo o grupo familiar, auxiliando na promoção de uma vida mais saudável. As atitudes desenvolvidas pelas famílias acontecem a partir de suas crenças e valores(13), que são construídas por meio dos processos comunicacionais solidificados no ambiente familiar e que influenciam as ações de saúde/doença dos seus membros(19).

Ainda como potencialidades experienciadas pelas famílias, salientam-se as mudanças de hábitos, sejam alimentares ou de vida.

Eu não me cuidava, vou ser bem sincera, eu só trabalhava noite e dia sem parar [...] eu virava a noite inteira fazendo massa e o dia também [...] (F4-Carmen).

[...] a nossa parte da alimentação mudou, é outra agora, teve uma transformação muito grande, pelo menos a gente se reeducou para se alimentar (F5-Luiz).

A alimentação aparece como principal item modificável destacado pelas famílias e, ao contrário do que uma pesquisa(18) relacionada aos aspectos culturais dos doentes crônicos traz, esses hábitos saudáveis permaneceram com o passar do tempo, não se restringindo somente ao período de cuidados imediatos. Esse dado leva novamente à reflexão da representatividade do coração para as pessoas, órgão que, portanto, deve ser protegido, pois uma vez que falhe pode não ter recuperação viável, confirmando a crença cultural de que o coração é o centro da vida(20).

Por outro lado, pode-se refletir que o tempo médio pós-infarto dos participantes desta pesquisa foi de 9,5 meses, considerado pequeno se comparado ao tempo de outro estudo(17) desenvolvido com doentes crônicos. Dessa forma, pode-se inferir que as famílias poderiam ainda manter práticas saudáveis devido ao impacto recente da doença.

Além disso, ocorreram mudanças que comprometeram as atividades de lazer que anteriormente ao IAM eram realizadas pela família:

Antes a gente passeava mais, agora não passeia mais (F5-Ana).

Viajar, por exemplo, de carro, agora, já faz um ano. Não sei, ainda não peguei aquela confiança de sair para longe de carro (F5-Luiz).

O que nós não fizemos mais há muito tempo [...] foi ir num baile (F3-Regina).

Segundo as falas, o adoecimento interferiu nas práticas de lazer e integração social, dificultando as interações entre os integrantes da família e destes para com o restante de sua rede social.

As restrições que a doença impõe prejudicam a retomada da rotina de vida, o que exige um processo de adaptação do doente e dos familiares(20). É como se o coração, abalado fisicamente pela doença, e o paciente e a família, emocionalmente afetados pelos reflexos dela, impedissem as pessoas de prosseguirem suas vidas. Assim, a Enfermagem pode estimular a retomada das relações sociais, possibilitando a (re)inclusão do indivíduo nas atividades da sociedade, bem como fortalecendo os vínculos que poderão auxiliar na promoção da saúde de todos.

Em outro momento, uma filha referiu as dificuldades de relacionamento com o pai após o surgimento da doença.

É, um pouco [mudou], ele [pai] era mais... Agora ele ficou um pouquinho mais chato. [...] Qualquer coisinha que eu pergunto: a mãe já chegou? e ele [responde]: tu tá vendo ela aqui por acaso? (F1-Mariana).

Ter um enfermo no domicílio desencadeou situações estressoras no ambiente familiar, geradoras de conflitos que antes não ocorriam, porque o convalescente, previamente ao infarto, possuía uma rotina de trabalho. Agora, devido às debilidades da doença, viu-se afastado de seus afazeres laborais e sujeito a uma série de cuidados, dentre eles o repouso, que exigiu a permanência no domicílio. Estudo realizado com cuidadores familiares de doentes crônicos revelou que os enfermos apresentam irritabilidade e reclamam com mais frequência, principalmente, devido às imposições da doença(11).

Outra situação causada na família pelo IAM é a preocupação contínua com os efeitos da enfermidade, mesmo após algum tempo do episódio agudo.

Claro que a gente passou a se preocupar [...] todo cuidado [...] a gente sempre tem uma preocupação que não se tinha antes. E com os filhos a mesma coisa, se preocupam, todo mundo se preocupa [...] (F3-Regina).

A família sofreu modificações, conforme as falas demonstram, pois o problema cardiovascular apareceu como algo amedrontador. A situação tende a retornar ao equilíbrio, porém algumas lembranças, sobretudo devido às imposições do processo saúde/doença, ficarão presentes no ambiente familiar, emanando novas condutas e readequações.

Nesse contexto, a Enfermagem, por estar próxima das famílias, deve buscar atender às suas demandas, auxiliando nesse processo peculiar de readaptação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A família, independente de suas configurações, se caracteriza como fonte de cuidado às pessoas e, no momento de agudização de uma doença crônica, diversas estratégias são desenvolvidas, a fim de buscar o restabelecimento do equilíbrio. Assim, no período imediato após o IAM percebeu-se uma forte união do núcleo familiar, onde se apresentaram o medo da morte, bem como sentimentos de angústia e aflição frente às adversidades impostas pela doença.

Nesse momento, a família visa retomar logo o convívio com o enfermo, utilizando-se de táticas de manejo e enfrentamento da doença, tanto no domicílio, quanto no hospital. Destaca-se que os vínculos são fortalecidos diante do adoecimento, a fim de prestar o auxílio necessário para a situação ser normalizada.

Por outro lado, a vivência atual das famílias cujo um dos membros teve IAM demonstrou que, a partir do episódio da doença, algumas relações se tornaram conflituosas, devido à presença constante do doente no domicílio. Também as atividades da vida cotidiana foram prejudicadas, dificultando as interações e a manutenção das relações sociais.

Sugere-se que a Enfermagem atue como mediadora do saber profissional e familiar, objetivando proporcionar uma aproximação e troca mútua de conhecimentos para que a família consiga se readequar frente à situação de cronicidade que se apresenta. Além disso, faz-se necessário que os enfermeiros planejem o cuidado de forma congruente com as limitações e capacidades de cada família, para que estas sejam capazes de enfrentar e desenvolver autonomamente o cuidado ao seu familiar no domicílio.

Recebido em: 08.04.2013

Aprovado em: 21.08.2013

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    Raquel Pötter Garcia
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Dez 2013
    • Data do Fascículo
      Set 2013

    Histórico

    • Recebido
      08 Abr 2013
    • Aceito
      21 Ago 2013
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