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Cuidando de mulheres com HIV/AIDS: uma análise interacionista na perspectiva de mulheres profissionais de saúde

Resumos

Este estudo buscou conhecer os significados atribuídos por mulheres, profissionais de saúde, ao processo de cuidar de mulheres com HIV, considerando a vulnerabilidade no contexto da feminização do HIV/AIDS. Estudo qualitativo baseado nos pressupostos da Grounded Theory e do Interacionismo Simbólico, realizado em duas maternidades públicas do Rio de Janeiro, de novembro de 2009 a abril de 2010. Para coleta de dados utilizou-se a entrevista semiestruturada. Foram entrevistadas doze mulheres profissionais de saúde. Como categoria central emergiu "Falando como Profissional e Pensando no Cuidar", cujo foco foi o significado do cuidado, integrando duas categorias: a primeira traduz as inquietações do ser mulher/profissional cuidando de mulheres com HIV, e a segunda traz os significados dados por essas profissionais ao cuidado prestado às mulheres com o vírus. Conclui-se que as profissionais ainda trazem consigo a antiga visão do HIV/AIDS, contribuindo para o aumento da vulnerabilidade de gênero para o HIV, discriminação e preconceito.

Saúde da mulher; Síndrome de imunodeficiência adquirida; Vulnerabilidade em saúde; Identidade de gênero


The aim of this study was to know the meanings attributed by female health professionals to the process of caring for women with HIV, considering their vulnerability in the context of feminization of HIV/AIDS. It is a qualitative study based on the grounded theory method and symbolic interactionism, conducted in two public maternity hospitals in Rio de Janeiro, from November 2009 to April 2010. Data were collected by means of semi-structured interviews with twelve female health professionals. The core category that emerged was "Speaking as a Professional and Thinking about Caring", which focused on the meaning of care, and the integration of two categories, the first being the concerns of being a woman/professional caring for women with HIV and the second being the meanings of professional care provided to women with the virus. It was concluded that the professionals still maintained the former perception of HIV/AIDS, contributing to increased gender vulnerability to HIV, discrimination and prejudice.

Women's health; Acquired immunodeficiency syndrome; Health vulnerability; Gender identity


Este estudio buscó conocer los significados atribuidos por mujeres profesionales de salud, al cuidado de mujeres con VIH, teniendo en cuenta la vulnerabilidad en el contexto de la feminización del VIH/SIDA. Estudio cualitativo basado en la Grounded Theory y el interaccionismo simbólico, realizado en dos maternidades gubernamentales, en Río de Janeiro, desde noviembre/2009 hasta abril/2010. Los datos fueron obtenidos a través de entrevista semiestructurada. Se entrevistó a doce mujeres profesionales de salud. "Hablando como profesional y Pensando en el Cuidado" surgió como categoría central, cuyo foco fue el significado del cuidado, con la integración de dos categorías: la primera refleja las preocupaciones de ser una mujer/profesional que cuida a mujeres con VIH, la segunda trae los significados del cuidado profesional prestado a las mujeres con el virus. Se concluye que los profesionales conservan la antigua percepción del VIH/SIDA, contribuyendo a aumentar la vulnerabilidad de género, la discriminación y prejuicios.

Salud de la mujer; Síndrome de inmunodeficiencia adquirida; Vulnerabilidad en salud; Identidad de género


INTRODUÇÃO

O HIV/AIDS é uma pandemia que no decorrer dos anos vem apresentando mudanças no seu perfil sócio-epidemiológico. Apesar disso, os portadores desse vírus ainda sofrem preconceitos e são rotulados pela sociedade como seres condenados por transgredirem as regras sociais( 11. Almeida MRC, Labronice LB de. A trajetória silenciosa de pessoas portadoras do HIV contada pela história oral. Cienc. Saúde Colet. 2007;12(1):263-74. ). As mulheres já sofrem o preconceito relacionado ao gênero feminino, logo as portadoras HIV são julgadas duplamente.

Isso ocorre, porque a sociedade ainda reproduz os símbolos que atribuiu à AIDS na década de 1980, que reproduzem representações apoiadas no conceito de 'peste' que castigava os transgressores da moral e do bom costume( 11. Almeida MRC, Labronice LB de. A trajetória silenciosa de pessoas portadoras do HIV contada pela história oral. Cienc. Saúde Colet. 2007;12(1):263-74. - 22. Rangel TSA. Vivendo a contradição entre ser mulher e ser profissional no processo de cuidar de mulheres soropositivas para o HIV [dissertação]. Rio de Janeiro: Faculdade de Enfermagem, Universidade do Estado do Rio de Janeiro; 2010. ).

Pesquisadores apontam, como mudanças no perfil sócio-epidemiológico, o crescimento dessa pandemia em grupos populacionais menos privilegiados economicamente, em cidades do interior, e em mulheres devido, principalmente, à vulnerabilidade de gênero, caracterizando a feminização do HIV/AIDS( 33. Silva CM, Vargens OMC. A percepção de mulheres quanto à vulnerabilidade feminina para contrair DST/HIV. Rev Esc Enferm USP. 2009;43(2):401-6. - 44. Anjos RHD dos, Silva JAS, Val LF do, Rincon LA, Nichiata LYI. Diferenças entre adolescentes do sexo feminino e masculino na vulnerabilidade individual ao HIV. Rev Esc Enferm USP. 2012;46(4):829-37. ).

A razão entre os sexos, que era de 40 homens para cada mulher com AIDS em 1983, chega a 1,7 homens para cada mulher em 2010( 66. Silva CM, Lopes FMVM, Vargens OMC. A vulnerabilidade da mulher idosa em relação à AIDS. Rev Gaúcha Enferm. 2010;31(3):450-7. ). Alguns autores explicam que devido à vulnerabilidade de gênero a mulher não consegue convencer o parceiro do uso do preservativo, e por ainda ser submissa aceita a imposição do homem, quando o mesmo opta por não utilizar o método( 22. Rangel TSA. Vivendo a contradição entre ser mulher e ser profissional no processo de cuidar de mulheres soropositivas para o HIV [dissertação]. Rio de Janeiro: Faculdade de Enfermagem, Universidade do Estado do Rio de Janeiro; 2010.

3. Silva CM, Vargens OMC. A percepção de mulheres quanto à vulnerabilidade feminina para contrair DST/HIV. Rev Esc Enferm USP. 2009;43(2):401-6.

4. Anjos RHD dos, Silva JAS, Val LF do, Rincon LA, Nichiata LYI. Diferenças entre adolescentes do sexo feminino e masculino na vulnerabilidade individual ao HIV. Rev Esc Enferm USP. 2012;46(4):829-37.

5. Boletim Epidemiológico Aids/DST [Internet]. 2011 [citado 2012 out];8(1):1-159. http://www.aids.gov.br/sites/default/files/anexos/publicacao/2011/50652/boletim_aids_2011_final_m_pdf_26659.pdf
http://www.aids.gov.br/sites/default/fil...
- 66. Silva CM, Lopes FMVM, Vargens OMC. A vulnerabilidade da mulher idosa em relação à AIDS. Rev Gaúcha Enferm. 2010;31(3):450-7. ).

Isso ocorre porque quando se trata de gênero é dado um tratamento desigual em termos políticos, sociais, econômicos e culturais, gerando relações desiguais de poder e direitos, e acesso diferenciado a bens materiais e simbólicos( 77. Facchini R, Ferreira CBC. Medicalização, sexualidade e gênero: sujeitos e agenciamentos. Sex Salud Soc. 2013;(14):164-71. ).

Essa desigualdade nas relações de poder também está presente na sexualidade feminina, construída na perspectiva de gênero como impura e passiva, a ser exercida a partir do sentimento de amor e não de desejo, com enfoque maternal( 44. Anjos RHD dos, Silva JAS, Val LF do, Rincon LA, Nichiata LYI. Diferenças entre adolescentes do sexo feminino e masculino na vulnerabilidade individual ao HIV. Rev Esc Enferm USP. 2012;46(4):829-37. , 88. Meyer DEE, Klein C, Andrade SS. Sexualidade, prazeres e vulnerabilidade: implicações educativas. Educ Rev. 2007 dez [citado 2012 nov 27];(46):219-39. Available in: http://dx.doi.org/10.1590/S0102-46982007000200009.
http://dx.doi.org/10.1590/S0102-46982007...

9. Wiese IRB, Braga LNG, Saldanha AAW. Representações de gênero e situações de vulnerabilidade às DST/aids na adolescência. In: [Anais do] 2º Seminário Nacional Gênero e Práticas Culturais: Culturas, Leituras e Representações; 2009 out. 28-30; João Pessoa, BR [Internet]. [citado 2011 mar 1]. Available in: http://itaporanga.net/genero/gt6/7.pdf.
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- 1010. Martins CBG, Alencastro LCS, Mato KF de, Almeida FM de, Souza SPS de, Nascimento SCF. As questões de gênero quanto à sexualidade dos adolescentes. Rev Enferm UERJ. 2012;20(1):98-104. ). As mulheres ainda se deparam com as antíteses do amor puro e eterno, pois ao negociar o uso do preservativo ou negociar o sexo sempre foi visto como uma atitude de prostitutas. Essa falta de poder para negociar o uso do preservativo as torna mais vulneráveis ao HIV( 22. Rangel TSA. Vivendo a contradição entre ser mulher e ser profissional no processo de cuidar de mulheres soropositivas para o HIV [dissertação]. Rio de Janeiro: Faculdade de Enfermagem, Universidade do Estado do Rio de Janeiro; 2010. , 1111. Carvalho FT de, Piccinini CA. Aspectos históricos do feminino e do maternal e a infecção pelo HIV em mulheres. Cienc Saúde Colet. 2008 dez [citado 2009 set 24];13(6):1889-98. Available in: http://www.scielo.br/pdf/csc/v13n6/a24v13n6.pdf.
http://www.scielo.br/pdf/csc/v13n6/a24v1...
).

Existem diferentes perspectivas para análise e interpretação deste fenômeno. Neste estudo escolhemos o interacionismo simbólico.

O interacionismo simbólico influencia nos significados que mulheres profissionais de saúde atribuem ao processo de cuidar de mulheres soropositivas para o HIV, pois concebe a "sociedade" como uma entidade composta de indivíduos em interação, tendo como base o compartilhar de sentidos ou significados sob a forma de compreensão e expectativas comuns( 1212. Cassiani SHB, Caliri MHL, Pela NTR. A Teoria fundamentada em dados como abordagem da pesquisa interpretativa. Rev Latino-Am Enferm. 1996;4(3):75-8. ).

A construção do sentido da AIDS e a elaboração do seu conhecimento comum, aconteceram paralelamente à codificação médica( 11. Almeida MRC, Labronice LB de. A trajetória silenciosa de pessoas portadoras do HIV contada pela história oral. Cienc. Saúde Colet. 2007;12(1):263-74. ). Desta forma, a sociedade produziu significados apoiados na idéia de doença contagiosa, incurável e mortal. Além disso, a AIDS estava associada a grupos considerados discriminados e marginalizados( 11. Almeida MRC, Labronice LB de. A trajetória silenciosa de pessoas portadoras do HIV contada pela história oral. Cienc. Saúde Colet. 2007;12(1):263-74. - 22. Rangel TSA. Vivendo a contradição entre ser mulher e ser profissional no processo de cuidar de mulheres soropositivas para o HIV [dissertação]. Rio de Janeiro: Faculdade de Enfermagem, Universidade do Estado do Rio de Janeiro; 2010. ).

Na perspectiva interacionista o ser humano age em relação às coisas com base nos sentidos que tais coisas têm para ele, e assim também será com relação ao HIV/AIDS( 1212. Cassiani SHB, Caliri MHL, Pela NTR. A Teoria fundamentada em dados como abordagem da pesquisa interpretativa. Rev Latino-Am Enferm. 1996;4(3):75-8. ). Por se caracterizar como uma doença carregada de tabus e preconceitos leva a pensar em transgressão das normas sociais.

Tal fato ocorre devido à interação que se dá através de memórias e informações prévias que temos sobre determinado assunto. Quando os resgatamos em nossa mente trazemos os símbolos atribuídos a estes, as opiniões que temos e que outros indivíduos expressam a respeito do assunto, pois os sentidos das coisas também são derivados da interação social( 1212. Cassiani SHB, Caliri MHL, Pela NTR. A Teoria fundamentada em dados como abordagem da pesquisa interpretativa. Rev Latino-Am Enferm. 1996;4(3):75-8. ).

Desse modo este estudo tem como questão de pesquisa: qual o significado atribuído por mulheres profissionais de saúde ao cuidado de mulheres com sorologia positiva para o HIV. Acredita-se que profissionais de saúde têm conhecimento sobre as implicações biológicas e sociais da AIDS e carregam consigo uma perspectiva de gênero. Logo, tal pesquisa justifica-se pelas profissionais da saúde, que cuidam dessas mulheres, atribuírem a si mesmas uma identidade de gênero, reconhecendo em si ou para si o mesmo risco.

Assim, este estudo buscou conhecer os significados atribuídos por mulheres, profissionais de saúde, ao processo de cuidar de mulheres com HIV, considerando a vulnerabilidade no contexto da feminização do HIV/AIDS

METODOLOGIA

Trata-se de estudo qualitativo subsidiado pela Grounded Theory, e pelo Interacionismo Simbólico( 1313. Glaser BG. Doing grounded theory: issues and discussions. Mill Valley: Sociology Press; 1998. 254 p. ). Originou-se de uma dissertação( 1414. Rangel TSA. Vivendo a contradição entre ser mulher e ser profissional no processo de cuidar de mulheres soropositivas para o HIV [dissertação]. Rio de Janeiro: Faculdade de Enfermagem, Universidade do Estado do Rio de Janeiro; 2010. ) realizada em duas maternidades da rede municipal do Rio de Janeiro.

A coleta de dados ocorreu de novembro de 2009 a abril de 2010. Foram escolhidas estas unidades por serem maternidades de referência para o atendimento à gestante com HIV e pela certeza de se encontrar mulheres profissionais de saúde cuidando de mulheres com sorologia positiva para o HIV.

Como critérios de inclusão optou-se por profissionais da área da saúde do sexo feminino, com idade mínima de dezoito anos, que trabalhavam com mulher soropositivo para o HIV há no mínimo ano. Tal critério visou assegurar que a profissional já tivesse prestado assistência à mulher com HIV e que tivesse tido tempo e oportunidade para agir e reagir socialmente em relação a esse cuidado. Constituiu de critério de exclusão o fato de ser mulher profissional de saúde portadora do HIV. Atenderam a estes critérios, constituindo sujeitos do estudo, 12 mulheres/profissionais, dentre elas médicas, enfermeiras, técnicas e auxiliares de enfermagem. A definição do número final de entrevistadas se deu por saturação de informação( 1313. Glaser BG. Doing grounded theory: issues and discussions. Mill Valley: Sociology Press; 1998. 254 p. ).

A participação foi voluntária e todas assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. As entrevistadas são codificadas por algarismos arábicos em ordem crescente de participação.

Foram utilizadas entrevistas semiestruturadas, gravadas em equipamento mp3 e transcritas na íntegra para análise. Estas aconteceram em horário e local escolhidos pelas participantes. A questão que desencadeou as entrevistas, após a ambientação entre entrevistadora e entrevistada, abordou o significado do cuidar de uma mulher com HIV.

As entrevistas foram analisadas seguindo os passos da Grounded Theory: a) codificação: quando o pesquisador examina os dados realizando a codificação substantiva; b) categorização: quando os dados codificados são comparados entre si e são agrupados em categorias; c) construção de conceitos: o pesquisador identifica, através da comparação dos dados na medida em que vão sendo obtidos, os problemas principais na cena social. d) desenvolvimento de conceitos: procura-se expandir e densificar a teoria emergente através da comparação entre si das várias categorias desenvolvidas, na busca de inter-relações entre estas, e na busca de dados adicionais, coletados de forma dirigida para propósitos específicos de desenvolvimento de hipóteses ou de propriedades de categorias principais através da amostra seletiva/teórica; e) modificação e integração de conceitos: o pesquisador compara os conceitos emitidos ao longo do estudo a fim de descobrir sua relação, mais uma vez os conceitos relatados são comparados com os dados para sua avaliação( 1313. Glaser BG. Doing grounded theory: issues and discussions. Mill Valley: Sociology Press; 1998. 254 p. ).

De acordo com o disposto na Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde( 1515. Ministério da Saúde (BR). Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 466, de 12 dedezembro de 2012. Diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil. 2013 jun 13;150(112 Seção 1):59-62. ) a pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil do Rio de Janeiro (nº 191/09).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Buscando conhecer os significados atribuídos por mulheres profissionais de saúde ao processo de cuidar de mulheres soropositivas para o HIV, e considerando a vulnerabilidade no contexto da feminização do HIV/AIDS, foi necessário identificar os significados do HIV/AIDS para as profissionais. Estes surgiram de acordo com os diversos conceitos que o vírus e a doença têm para cada participante da pesquisa.

A necessidade de identificar os significados do HIV/AIDS para as participantes se dá, pois seguindo uma perspectiva interacionista, as profissionais entram em contato com a situação definida como cuidar de mulheres com HIV. Neste momento, se deparam com símbolos, perspectivas, referências de grupo, experiências passadas, que tenham realizado ou presenciado. Olham a si mesmas na situação e tomam o lugar do outro na situação. Passam a ter um conjunto de conceitos que serão manipulados e utilizados para atribuir sentidos a objetos, e definir as suas ações( 1313. Glaser BG. Doing grounded theory: issues and discussions. Mill Valley: Sociology Press; 1998. 254 p. ).

Identificaram-se conceitos atribuídos ao HIV/AIDS que variaram desde suas antigas características, como a associação ao adultério, aos antigos grupos de risco, à promiscuidade e ao uso de drogas, até as atuais expectativas, como solidariedade e qualidade de vida. Estes são oriundos do histórico do vírus, das experiências passadas com outras pacientes, do ciclo social com suas concepções, do ambiente de trabalho, da formação acadêmica, dentre outros. Através destes, foi possível entender como as mulheres-profissionais se vêem diante desse processo e atribuem significados a esse cuidado.

Durante o processo de entrevistar, transcrever e analisar pôde-se perceber que as mulheres, ao falarem como profissionais, incorporam toda a questão teórica que envolve os aspectos fisiopatológicos e/ou sociais do HIV/AIDS, dando origem à categoria central "Falando como Profissional e Pensando no Cuidar". Nessa categoria o foco do estudo foi "significando o cuidado" (Figura 1).

Figura 1
Falando como profissional/Cuidando do outro.

Da análise dos dados surgiram duas categorias: "Sendo profissionais cuidando de mulheres soropositivas para o HIV" e "Atribuindo significados ao cuidado da mulher soropositivas para o HIV". Nestas, a mulher/profissional fala do cuidado em duas dimensões: uma quando se vê como profissional de saúde que cuida da mulher com HIV/AIDS e se preocupa consigo mesma, o ser cuidador; e outra, quando pensa na mulher e se preocupa com as questões relacionadas às mulheres com sorologia positiva para o HIV, o ser cuidado.

Sendo profissional cuidando de mulheres soropositivas para o HIV

Algumas participantes apontaram inquietações relacionadas a si mesmas durante o cuidado, quando expressam o temor ao acidente com material biológico. Outras manifestaram suas preocupações com o outro, o ser cuidado, sendo este "outro" a criança que nasce de uma mulher com HIV, ou a própria mulher. Estas formam as três subcategorias: "Temendo o acidente com material biológico", "Preocupando-se com a criança" e "Preocupando-se com o sentimento da mulher como mãe" (Ver Figura 1).

Temendo o acidente com material biológico

As participantes se consideram vulneráveis ao risco de infecção pelo HIV devido à profissão que exercem. Algumas relembram suas experiências e expectativas diante de um acidente de trabalho com material biológico no decorrer de sua vida profissional.

Eu me considero pela profissão, porque eu tenho medo, porque eu já me cortei, [...] tive dois acidentes. (E02)

[...] já tive que tomar antiretroviral por um tempo, um ano, e ai depois fiz um teste e ficou tudo bem [...] Foi uma época bem difícil, porque vomitava o tempo todo, emagreci quatro quilos, foi em um mês, mas eu não consegui manter o tratamento todo, por todo o tempo [...] (E12)

As entrevistadas, por uma clássica questão de gênero, não se vêem vulneráveis ao HIV sexualmente, mas sim profissionalmente. Por isso o medo do acidente com material biológico, tão intenso que aparece nas diferentes categorias descritas.

Isso ocorre porque, com o diagnóstico do HIV, a mulher entra em contato com as implicações sociais e morais que a soropositividade traz para o indivíduo e passa a viver seu cotidiano temendo ser abandonada( 1616. Padoin SMM, Souza IEO. A compreensão do temor como modo de disposição da mulher com HIV/AIDS diante da (im)possibilidade de amamentar. Texto & Contexto Enferm. 2008;17(3):510-8. ). A preocupação do acidente com material biológico leva a profissional a pensar que será julgada em decorrência da soropositividade, e será abandonada pelos amigos, familiares e companheiros( 22. Rangel TSA. Vivendo a contradição entre ser mulher e ser profissional no processo de cuidar de mulheres soropositivas para o HIV [dissertação]. Rio de Janeiro: Faculdade de Enfermagem, Universidade do Estado do Rio de Janeiro; 2010. , 1616. Padoin SMM, Souza IEO. A compreensão do temor como modo de disposição da mulher com HIV/AIDS diante da (im)possibilidade de amamentar. Texto & Contexto Enferm. 2008;17(3):510-8. ).

Preocupando-se com a criança

As entrevistadas falam sobre a preocupação com a saúde da criança que fica na expectativa de soroconversão ou não. Demonstram preocupação com o futuro da criança reconhecendo a existência de preconceito e discriminação por parte dos colegas. Falam ainda da possibilidade dessa criança crescer sem a presença materna, pois acreditam na curta vida da mãe. Estas preocupações são oriundas dos significados que o HIV tem, como discriminação, preconceito, morte, entre outros.

A pessoa fica propensa [...] aí tem um bebê que está ali à mercê da sorte. [...] Nós que trabalhamos na saúde [...] a partir do momento que surge a doença oportunista eles ficam mal. (E03)

É na criança [...] como seria na escola, com os coleguinhas, ainda tem muita discriminação, né? (E10)

Isto demonstra um despreparo por parte das profissionais, uma vez que há protocolos a serem seguidos com medidas que diminuem significativamente o risco da contaminação vertical. Porém, esse despreparo nem sempre se dá por falta de informações, mas por preconceito construído nos sentidos que cada um confere ao HIV( 22. Rangel TSA. Vivendo a contradição entre ser mulher e ser profissional no processo de cuidar de mulheres soropositivas para o HIV [dissertação]. Rio de Janeiro: Faculdade de Enfermagem, Universidade do Estado do Rio de Janeiro; 2010. ).

O receio pela exclusão e discriminação é descrito em estudo em que os pais de crianças com HIV relatam esconder a condição sorológica dos amigos e de alguns familiares, e como as crianças precisam ser medicadas só são cuidadas por pessoas muito próximas, como os pais ou as avós e têm pouco convívio social para que ninguém desconfie( 1717. Gomes GC, Pintanel AC, Strasburg A, Xavier DM. Face singular do cuidado familiar à criança portadora do vírus HIV/AIDS. Acta Paul Enferm. 2012;25(5):749-54. ).

O fato das entrevistadas temerem o futuro das crianças e a morte da mãe se dá em função da forte e estigmatizada imagem da uma doença incurável, que debilita, enfraquece e mata em pouco tempo, apesar dos avanços no tratamento( 1616. Padoin SMM, Souza IEO. A compreensão do temor como modo de disposição da mulher com HIV/AIDS diante da (im)possibilidade de amamentar. Texto & Contexto Enferm. 2008;17(3):510-8. ).

Preocupando-se com o sentimento da mulher como mãe

Esta subcategoria fala da não amamentação pelas mulheres portadoras do HIV e de suas inquietações. Mostraram-se preocupadas quanto ao conflito de sentimentos da mulher ao querer amamentar seu filho e não poder. É um conflito que atinge também as profissionais por se colocarem nesta mesma situação.

E uma coisa também que me incomoda muito [...] é que essa mãe não pode amamentar, e essa mãe às vezes tem vontade de amamentar, entendeu? [...] (E01)

É [...] é triste viu. Querer amamentar o filhote, e não pode? (E02)

As participantes se preocupam com o sentimento dessas mulheres por elas não poderem amamentar seus filhos, mesmo estando conscientes de que se trata de uma medida de proteção ao recém-nascido. Porém, tal preocupação procede devido aos significados que a mulher atribui à amamentação, pois além dos benefícios à saúde do binômio, amamentar ainda comporta um valor simbólico, compreendido pelas mulheres como um ato de amor( 1616. Padoin SMM, Souza IEO. A compreensão do temor como modo de disposição da mulher com HIV/AIDS diante da (im)possibilidade de amamentar. Texto & Contexto Enferm. 2008;17(3):510-8. ). Sendo assim, a contraindicação da amamentação pode ser entendida como privação de vivenciar plenamente a maternidade( 1616. Padoin SMM, Souza IEO. A compreensão do temor como modo de disposição da mulher com HIV/AIDS diante da (im)possibilidade de amamentar. Texto & Contexto Enferm. 2008;17(3):510-8. , 1818. Cartaxo CMB, Nascimento CAD, Diniz CMM, Brasil DRPA, Silva IF. Gestantes portadoras de HIV/AIDS: aspectos psicológicos sobre a prevenção da transmissão vertical. Estud. Psicol. 2013;18(3):419-27. ).

Estudos com mulheres com HIV que descobriram a soropositividade na gravidez apontam que a impossibilidade de amamentar mexe com a mulher em vários sentidos( 1616. Padoin SMM, Souza IEO. A compreensão do temor como modo de disposição da mulher com HIV/AIDS diante da (im)possibilidade de amamentar. Texto & Contexto Enferm. 2008;17(3):510-8. , 1818. Cartaxo CMB, Nascimento CAD, Diniz CMM, Brasil DRPA, Silva IF. Gestantes portadoras de HIV/AIDS: aspectos psicológicos sobre a prevenção da transmissão vertical. Estud. Psicol. 2013;18(3):419-27. ). Além disso, o fato de não poder amamentar, a lembra constantemente da presença do HIV em seu organismo. Assim, ao proteger a criança com a privação do aleitamento materno, se expõe correndo o risco de ser discriminada, pois pessoas próximas acabam desconfiando da sua condição sorológica e se afastando( 1818. Cartaxo CMB, Nascimento CAD, Diniz CMM, Brasil DRPA, Silva IF. Gestantes portadoras de HIV/AIDS: aspectos psicológicos sobre a prevenção da transmissão vertical. Estud. Psicol. 2013;18(3):419-27. ).

Atribuindo significados ao cuidado da mulher com HIV

Aqui, as profissionais também falam do cuidado à mulher com HIV em duas dimensões. Estas formam as três subcategorias que são compreendidas dentro do que é cuidar de uma mulher com HIV (Ver Figura 1).

Percebendo a necessidade de igualdade no tratamento

As entrevistadas ressaltam a necessidade de igualdade no tratamento, sem rotular e sem discriminar, e ainda, a importância do acolhimento a essa mulher, sendo necessário colher o histórico para saber sobre o conhecimento da família e do parceiro a respeito da condição sorológica, do número de consultas no pré-natal, sobre o tratamento do HIV, da prevenção deste para o recém nascido e do seu comportamento diante da infecção.

Você faz a primeira abordagem [...] na verdade a primeira abordagem é nossa, é da enfermagem [...] conversamos com ela, e fazemos pergunta assim, se é o primeiro filho, entendeu? (E11)

A gente não tem que fazer discriminação na verdade, né? (E08)

Ao se perguntar sobre o significado do cuidar de mulheres com HIV, algumas informaram perceber a necessidade de igualdade no tratamento para todos, independentemente da sua condição sorológica. Essa necessidade é compreendida pelas participantes porque já presenciaram, ouviram relatos, ou agiram de forma discriminatória com alguma mulher portadora do HIV( 22. Rangel TSA. Vivendo a contradição entre ser mulher e ser profissional no processo de cuidar de mulheres soropositivas para o HIV [dissertação]. Rio de Janeiro: Faculdade de Enfermagem, Universidade do Estado do Rio de Janeiro; 2010. , 1111. Carvalho FT de, Piccinini CA. Aspectos históricos do feminino e do maternal e a infecção pelo HIV em mulheres. Cienc Saúde Colet. 2008 dez [citado 2009 set 24];13(6):1889-98. Available in: http://www.scielo.br/pdf/csc/v13n6/a24v13n6.pdf.
http://www.scielo.br/pdf/csc/v13n6/a24v1...
, 1818. Cartaxo CMB, Nascimento CAD, Diniz CMM, Brasil DRPA, Silva IF. Gestantes portadoras de HIV/AIDS: aspectos psicológicos sobre a prevenção da transmissão vertical. Estud. Psicol. 2013;18(3):419-27. ).

O histórico do HIV/AIDS contribui para que a AIDS seja uma doença marcada por estigmas e preconceito. Como o surgimento da doença estava ligado aos grupos de riscos, uma mulher dita de família, nunca estaria exposta ao HIV, um vírus que acomete os transgressores de normas sociais( 11. Almeida MRC, Labronice LB de. A trajetória silenciosa de pessoas portadoras do HIV contada pela história oral. Cienc. Saúde Colet. 2007;12(1):263-74. , 1919. Rodrigues LSA, Paiva MS, Oliveira JF, Nóbrega SM. Vulnerabilidade de mulheres em união heterossexual estável à infecção pelo HIV/AIDS: estudo de representações sociais. Rev Esc Enferm USP. 2012;46(2):349-55. ). A mulher soropositiva é rotulada de promíscua ou usuária de drogas, comportamentos inaceitáveis pela sociedade, gerando discriminação e exclusão( 11. Almeida MRC, Labronice LB de. A trajetória silenciosa de pessoas portadoras do HIV contada pela história oral. Cienc. Saúde Colet. 2007;12(1):263-74. ).

Pensando na forma de contaminação da paciente

Ao relatarem suas experiências no cuidado as participantes colocaram que vivem experiências diferentes dependendo da história de cada mulher.

Na verdade você vê que é um ponto difícil, porque cada uma tem uma história, né [...] São experiências tão diferentes [...] (E03)

Eu penso... como elas contaminaram, que elas sabem os riscos, né? Ah, as mais novas, como disse, são muitas vezes de rua, tiveram vários homens. (02)

Relataram ainda experiências diferentes no cuidado, dependendo da maneira como a mulher contraiu o vírus. Ou seja, cuidar de uma mulher com HIV pode ter significados diferentes dependendo da forma como se adquiriu o vírus. A mulher é considerada "culpada" ou "coitada". Isso nos faz refletir sobre como os portadores do HIV/AIDS, principalmente as mulheres, ainda são rotuladas, julgadas e condenadas pela sociedade, inclusive por profissionais que estão na mesma condição de gênero( 22. Rangel TSA. Vivendo a contradição entre ser mulher e ser profissional no processo de cuidar de mulheres soropositivas para o HIV [dissertação]. Rio de Janeiro: Faculdade de Enfermagem, Universidade do Estado do Rio de Janeiro; 2010. ).

Seguindo uma perspectiva interacionista, as profissionais de saúde, ao assistirem essas mulheres, entram em contato com os símbolos atribuídos ao HIV/AIDS na década de 1980, aplicam experiências passadas e definem sua ação, seus sentimentos e significados. Esses ainda são cobertos de preconceito, rotulando a mulher portadora do vírus de prostituta. Como se a infecção pelo HIV fosse um castigo pelo comportamento dito promíscuo( 22. Rangel TSA. Vivendo a contradição entre ser mulher e ser profissional no processo de cuidar de mulheres soropositivas para o HIV [dissertação]. Rio de Janeiro: Faculdade de Enfermagem, Universidade do Estado do Rio de Janeiro; 2010. , 33. Silva CM, Vargens OMC. A percepção de mulheres quanto à vulnerabilidade feminina para contrair DST/HIV. Rev Esc Enferm USP. 2009;43(2):401-6. , 88. Meyer DEE, Klein C, Andrade SS. Sexualidade, prazeres e vulnerabilidade: implicações educativas. Educ Rev. 2007 dez [citado 2012 nov 27];(46):219-39. Available in: http://dx.doi.org/10.1590/S0102-46982007000200009.
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- 99. Wiese IRB, Braga LNG, Saldanha AAW. Representações de gênero e situações de vulnerabilidade às DST/aids na adolescência. In: [Anais do] 2º Seminário Nacional Gênero e Práticas Culturais: Culturas, Leituras e Representações; 2009 out. 28-30; João Pessoa, BR [Internet]. [citado 2011 mar 1]. Available in: http://itaporanga.net/genero/gt6/7.pdf.
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, 1919. Rodrigues LSA, Paiva MS, Oliveira JF, Nóbrega SM. Vulnerabilidade de mulheres em união heterossexual estável à infecção pelo HIV/AIDS: estudo de representações sociais. Rev Esc Enferm USP. 2012;46(2):349-55. ).

O cuidado significando riscos e medo

Segundo as participantes, cuidar de uma mulher com HIV significa correr riscos, e por isto, algumas intensificam as medidas de proteção. Outras chamam a atenção para a importância de se manter os mesmos cuidados com todas, tanto por medidas de prevenção quanto para evitar a discriminação. O risco também estaria presente na aparência saudável da portadora do HIV. Diminuídos os sinais que despertam a atenção do profissional para a condição sorológica daquela mulher, estariam expostas ao risco.

Porque o cuidado, meu tratamento com elas, eu tenho com todas. Até porque uma é declarada, já com o exame positivo. E a que não é? (E03)

Olha, é assim, [...] atenção redobrada, né? [...] Mas eu oriento [...] procuro não ficar assim [...] é rotular, né. (E09)

Mais cuidado, riscos [...] pra gente [...] Às vezes tão nova e com risco e não aparenta que é [...] entendeu? (E02)

As profissionais de saúde trazem consigo um discurso de não discriminar, mas não se pode esquecer que também trazem costumes e valores sociais, que vão influenciar no cuidado prestado( 22. Rangel TSA. Vivendo a contradição entre ser mulher e ser profissional no processo de cuidar de mulheres soropositivas para o HIV [dissertação]. Rio de Janeiro: Faculdade de Enfermagem, Universidade do Estado do Rio de Janeiro; 2010. ). Quando percebem a necessidade de igualdade no tratamento, admitem a possibilidade da existência do preconceito no cuidado à mulher com HIV, como conseqüência de suas ações e reações.

Ao significar esse cuidado como "atenção redobrada", "riscos e medo", essas profissionais estão mais uma vez temendo o acidente com material biológico e agindo de forma discriminatória e preconceituosa( 22. Rangel TSA. Vivendo a contradição entre ser mulher e ser profissional no processo de cuidar de mulheres soropositivas para o HIV [dissertação]. Rio de Janeiro: Faculdade de Enfermagem, Universidade do Estado do Rio de Janeiro; 2010. ). Neste momento reproduzem nas mulheres com HIV os mesmos julgamentos que temem enfrentar em caso de soropositividade( 22. Rangel TSA. Vivendo a contradição entre ser mulher e ser profissional no processo de cuidar de mulheres soropositivas para o HIV [dissertação]. Rio de Janeiro: Faculdade de Enfermagem, Universidade do Estado do Rio de Janeiro; 2010. , 1616. Padoin SMM, Souza IEO. A compreensão do temor como modo de disposição da mulher com HIV/AIDS diante da (im)possibilidade de amamentar. Texto & Contexto Enferm. 2008;17(3):510-8. ).

Assim, apesar da existência do conhecimento técnico-científico e do discurso de assistência igualitária, observa-se um cuidado distanciado e mecanicista, influenciado pelo preconceito e discriminação. Isto, muitas vezes, significa para as profissionais um risco à sua saúde, em vez da possibilidade de exercer um cuidado humanizado, pautado na integralidade do cuidado à essa família.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Analisando os significados atribuídos por mulheres, profissionais de saúde, ao processo de cuidar de mulheres soropositivas para o HIV, considerando a vulnerabilidade de gênero no contexto da feminização do HIV/AIDS, percebe-se, que o HIV/AIDS está associado a estigmas muito fortes, que até hoje traçam o perfil dos portadores do HIV, e influenciam no significado do cuidado para as profissionais da saúde.

Sendo assim, conclui-se que, mesmo que as profissionais de saúde tenham ciência sobre as mudanças no perfil sócio-epidemiológico e conhecimento técnico-científico do processo de prevenção e tratamento do HIV/AIDS, o significado do cuidado às mulheres com HIV se dá dentro de um processo de interação social. Logo, sofre influência de conceitos, sentidos e símbolos, que essas profissionais trazem do seu contexto social. Estes irão agir e reagir com o seu dia a dia, sendo reproduzidos ou alterados, dependendo da forma como tais profissionais definirem a situação para si.

Tal mudança se traduz na desconstrução dos tabus e estigmas da AIDS, para que a sociedade passe a compreender a portadora do HIV como uma mulher tão digna quanto qualquer outra, o que não justifica sentimentos diferentes durante o cuidado. A transformação desses símbolos também deve ocorrer em relação à imagem e às conseqüências da doença, uma vez que os tratamentos são eficazes e estão diminuindo a morbimortalidade pela AIDS de forma significativa no Brasil e no mundo.

Cabe ressaltar que esse estudo não buscou os significados do cuidado considerando o binômio mãe-filho. Apesar das depoentes terem feito referência à preocupação com o recém-nascido, o foco de seus depoimentos foi o cuidado à mulher. Tal situação pode representar limitação do estudo, para o que se recomenda o desenvolvimento de estudos que se ocupem do cuidado ao binômio, nesta mesma perspectiva.

Entende-se que a pesquisa em questão traz fundamentos que estimulam a reflexão para todos os profissionais de saúde, principalmente às mulheres, quanto ao discurso profissional, que é construído academicamente, e a prática assistencial, que sofre influência das interações sociais de toda uma vida.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2014

Histórico

  • Recebido
    19 Jul 2013
  • Aceito
    04 Abr 2014
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