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Famílias e o tratamento diretamente observado da tuberculose: sentidos e perspectivas para produção do cuidado

Resumos

O objetivo foi identificar a participação das famílias na gestão do cuidado do doente de tuberculose, o aporte oferecido pelos profissionais de saúde às famílias de doentes em tratamento e a importância atribuída pelas famílias ao Tratamento Diretamente Observado. Trata-se de um estudo descritivo de corte transversal, realizado no município de Ribeirão Preto, SP, junto às famílias dos pacientes diagnosticados de tuberculose. Para coleta de dados, foi elaborado um instrumento que passou pela validação de conteúdo e pré-teste. Foram entrevistados 94 sujeitos. Nos resultados, 64 (68,0%) dos familiares participaram da gestão do cuidado, 81 (86,2%) relataram boa relação com a equipe, 63 (67%) não receberam orientação dos medicamentos e 75 (80,0%) consideraram a estratégia como relevante. Os achados do estudo apontam que o Tratamento Diretamente Observado apresenta ainda limitações quanto às orientações do manejo clínico da doença, a inclusão da família na gestão do cuidado e na compreensão dos seus objetivos.

Relações familiares; Terapia diretamente observada; Tuberculose


The purpose was to identify the families' participation on care management of patients with tuberculosis. Also, to ascertain the contribution offered by health professionals for patients' families with ongoing treatment, and investigate the importance attributed by the families to the directly observed treatment. It is a descriptive, cross-sectional study conducted in the municipality of Ribeirão Preto/SP with families of patients diagnosed with tuberculosis. For data collection, it was developed an instrument that underwent pretesting and content validation. Ninety four subjects were interviewed. According to the results, 64 (68.0%) relatives participated in the care management and 81 (86.2%) reported a good relationship with the staff. Sixty three family members (67%) did not receive any guidance about drugs and 75 (80.0%) of the respondents considered the strategy as relevant. The findings indicate that the Directly Observed Treatment has limitations regarding the guidelines of clinical management of the disease, the inclusion of family in care management and understanding of its goals.

Family relations; Directly observed therapy; Tuberculosis


El objetivo fue identificar la participación de familiares en la gestión del cuidado del enfermo con tuberculosis, averiguar el aporte de los profesionales de la salud para las familias de pacientes en tratamiento e investigar la importancia atribuida por esas familias al tratamiento directamente observado. Estudio descriptivo, corte transversal y realizado en el municipio de Ribeirão Preto/SP con las familias de pacientes diagnosticados con tuberculosis. Para obtener los datos fue elaborado un instrumento que pasó por la validación del contenido y preexamen. Fueron entrevistados 94 sujetos. De acuerdo con los resultados, 64 (68,0%) de los familiares participaron de la gestión del cuidado; 81 (86,2%) relataron una buena relación con el equipo, 63 (67%) no recibieron orientación sobre medicamentos y 75 (80,0%) consideraron la estrategia como relevante. Los resultados señalan que el Tratamiento Directamente Observado presenta limitaciones sobre las orientaciones del manejo clínico de la enfermedad, la inclusión de la familia en la gestión del cuidado y en la comprensión de los objetivos.

Relaciones familiares; Terapia por observación directa; Tuberculosis


INTRODUÇÃO

Considerada como uma das doenças infecciosas mais antigas do mundo a tuberculose (TB) ainda permanece como preocupação global. De acordo com dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), no ano de 2011 foram notificados 5,8 milhões de casos novos e 1,4 milhão de mortes pela doença. Entre os 22 países que concentram 80% da carga mundial, o Brasil ocupa a 17ª posição em relação ao número de casos da doença( 11. World Health Organization. Global tuberculosis report 2013[Internet]. Geneva; 2013. Disponível em: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/91355/1/ 9789241564656_eng.pdf?ua=1.
http://apps.who.int/iris/bitstream/10665...
).

Com o objetivo de impactar significativamente na epidemiologia da doença, diversas medidas foram lançadas pelas autoridades brasileiras e, dentre elas, a ampliação da cobertura e a sustentabilidade do Tratamento Diretamente Observado (TDO) nos sistemas de serviços de saúde. O TDO consiste no monitoramento da ingesta medicamentosa do paciente de TB, seja pelo profissional de saúde, agente comunitário de saúde ou por membros da comunidade e famílias( 22. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológica. Manual de recomendações para o controle da tuberculose no Brasil. Brasília; 2011. ).

Apesar de ser uma importante diretriz política para a organização do controle da doença, verifica-se ainda divergências na literatura científica sobre a efetividade da estratégia no enfrentamento da doença e na quebra da cadeia de transmissão( 33. Pasipanodya JG, Gumbo T. A meta-analysis of self-administered vs directly observed therapy effect on microbiologic failure, relapse, and acquired drug resistance in tuberculosis patients. Clin Infect Dis. 2013;57(1):21-31. - 44. Volmink J, Garner P. Directly oberved therapy for treating tuberculosis. Cochrane Database Syst Rev. 2007;17(4):1-32. ).

De acordo com autores, não foi possível constatar evidências reais sobre o impacto do TDO na redução das falências e da multidrogarresistência (MDR). Além do mais, observou-se nesses estudos que a efetividade da estratégia depende diretamente do seu modus operandi e da sensibilidade para compreender e interagir com o outro, assim, o principal determinante para a adesão ao tratamento da TB tem sido pautado na interação entre profissionais e sujeitos( 33. Pasipanodya JG, Gumbo T. A meta-analysis of self-administered vs directly observed therapy effect on microbiologic failure, relapse, and acquired drug resistance in tuberculosis patients. Clin Infect Dis. 2013;57(1):21-31. - 44. Volmink J, Garner P. Directly oberved therapy for treating tuberculosis. Cochrane Database Syst Rev. 2007;17(4):1-32. ).

Em contrapartida, há atributos notadamente considerados na literatura( 55. Lafaiete RS, Motta MCS, Villa TCS. User Satisfaction in the Tuberculosis Control Program in a City in Rio de Janeiro, Brazil. Rev Latino-Am Enfermagem. 2011;19(3):508-14. - 66. Villa TCS, Ruffino-Netto A. Questionário para avaliação de desempenho de serviços de atenção básica no controle da TB no Brasil. J Bras Pneumol. 2009;35(6):610-2. ) que são inerentes ao sucesso do TDO como vínculo, escuta, corresponsabilização e construção de projetos terapêuticos considerando as famílias. Especialmente quanto a este último atributo, não tem sido observado estudos que tenham focado as famílias ou que se propusessem investigar a interação entre estes atores e os próprios profissionais de saúde.

O mesmo fato ocorre para possíveis variáveis que interferem na qualidade desta interação e, portanto, na legitimidade e reconhecimento das famílias ao TDO. Embora tenham sido traçados marcadores para a qualidade da atenção à TB no Brasil( 66. Villa TCS, Ruffino-Netto A. Questionário para avaliação de desempenho de serviços de atenção básica no controle da TB no Brasil. J Bras Pneumol. 2009;35(6):610-2. ), nenhum outro estudo trouxe a perspectiva de produção do cuidado pelas famílias como um atributo de qualificação das práticas e assim da tecnologia TDO.

Para o estudo, a definição de cuidado está pautada em um trabalho clássico( 77. Junqueira MFPS. Cuidado: as fronteiras da integralidade. Ciênc Saúde Coletiva. 2005;10(3):784-5. ), que entende o mesmo como vetor das relações subjetivas e que agrega muitos componentes, dentre os quais se destacam o protagonismo dos sujeitos e o reconhecimento das necessidades sociais e individuais, buscando equacioná-las na garantia da equidade do cuidado.

Ainda neste contexto, as famílias constituem a ligação entre doentes e o serviço de saúde e a mesma apresenta papel legítimo perante as políticas de saúde sobre os cuidados de saúde e proteção social( 88. Machado ALG, Freitas CHA, Jorge MSB. O fazer do cuidador familiar: significados e crenças. Rev Bras Enferm. 2007;60(5):530-4. ). Pesquisas a respeito da família representam hoje empreendimento de extrema atualidade no campo da saúde coletiva, pois propiciam uma cartografia dos dilemas enfrentados pelo doente após o diagnóstico e também as mudanças no contexto familiar mediante este fenômeno( 99. Leite SN, Vasconcellos MPC. Negociando fronteiras entre culturas, doenças e tratamentos no cotidiano familiar. Hist Cienc Saúde-Manguinhos. 2006;13(1):113-28. ).

Assim, a investigação teve como objetivo identificar a participação das famílias na gestão do cuidado do doente de TB, averiguar o aporte oferecido pelos profissionais de saúde às famílias de doentes com tratamento em curso e investigar a importância atribuída pelas famílias ao TDO. Para a pesquisa, considerou-se na dimensão familiar, gestão do cuidado como o fornecimento ou a concessão de tecnologias de saúde, conforme as necessidades singulares de cada pessoa em diversas ocasiões da vida, visando seu bem estar, segurança e autonomia com intuito de se obter uma vida produtiva( 1010. Cecilio LCO. Apontamentos teórico-conceituais sobre processos avaliativos considerando as múltiplas dimensões da gestão do cuidado em saúde. Interface. 2011;15(37):589-99. ).

MATERIAIS E MÉTODOS

Trata-se de um estudo quantitativo, descritivo de corte transversal realizado junto às famílias de pacientes diagnosticados de TB e residentes no município de Ribeirão Preto (SP), que possui aproximadamente 604.682 mil habitantes e está habilitada como município pólo e referência para os municípios circunvizinhos, nos níveis de média e alta densidade tecnológica, além de ser considerado como município prioritário para as ações de controle de TB no estado de São Paulo.

A população de referência do estudo foi constituída por familiares e coabitantes de pacientes de TB em TDO diagnosticados entre 01 de janeiro de 2010 a 31 de julho de 2011 e identificados a partir do Sistema de Controle de Pacientes com Tuberculose (TBWEB) do município de Ribeirão Preto. Essa população foi escolhida em razão de: a) Estar em contato próximo ao doente de TB, pertencendo, portanto ao seu núcleo familiar; b) Pela facilidade de acesso a população, tomando como base o diagnóstico recente devido às chances de encontrá-los nos endereços referidos na ocasião do preenchimento da ficha de notificação compulsória e outros registros do Programa de Controle da TB (PCT); c) Limitar o viés de recordação (ou de memória), justificando assim a seleção de uma coorte de doentes diagnosticados nos dois últimos anos. Assim, foram selecionadas pessoas de ambos os sexos, comunicante dos pacientes de TB, conforme exposto anteriormente, com idade igual ou superior a 18 anos na ocasião da coleta, com residência em Ribeirão Preto-SP e possibilidade de participação durante a entrevista.

Não foram incluídos na amostra os pacientes que não conviviam com as famílias, os que estivessem na ocasião em instituições de longa permanência ou quando não fossem localizados no domicílio após três tentativas dos pesquisadores.

A amostragem foi do tipo aleatória simples sem reposição, a fim de garantir a representatividade dos dados da pesquisa. A seleção foi proporcional à população de referência. Neste sentido o tamanho da amostra foi estimado para populações finitas, adotando-se nível de confiança de 95% e erro amostral tolerável de 5%, a amostra mínima final calculada foi de 94 sujeitos.

Para a realização da coleta de dados foi elaborado um instrumento com 65 itens de perguntas fechadas e abertas. As questões fechadas continham itens do tipo Likert de cinco pontos (1 = nunca; 2 = quase nunca; 3 = às vezes; 4 =quase sempre e 5 = sempre) com as quais os participantes informaram a frequência com que percebiam a ocorrência de um dado evento; além de variáveis ordinárias e politômicas. Em seguida, o instrumento passou por um processo de validação de conteúdo, em que 10 especialistas puderam apreciá-lo e emitir sugestões em relação a sua estrutura e o conteúdo apresentado. Posteriormente, realizou-se o teste piloto do instrumento com 10 familiares de pacientes de TB que não foram incluídas na pesquisa final. Essas etapas foram importantes para mensurar a sensibilidade cultural do questionário da pesquisa e se ele era de fácil compreensão pela população de referência do estudo.

Em seguida, os pesquisadores listaram todos os pacientes diagnosticados no período da pesquisa a partir do TBWEB e selecionaram os sujeitos aleatoriamente por meio do Statistical Package for Social Sciences (SPSS) até completar uma amostra mínima. Concomitantemente, iniciou-se um processo de localização dos domicílios a partir do referido sistema de informação.

A realização da coleta de dados ocorreu entre 25 de julho a 31 de agosto de 2011. Para a análise dos dados, elaborou-se um banco de dados que procedeu de dupla digitação independente no aplicativo Excel. Após a validação do banco, utilizou-se para a análise dos dados o softwares SPSS para Mac e STATISTICA 9.0 da StatSoft(r).

Foram realizadas análises uni e bivariadas para fins de verificação de associação entre a importância da realização do TDO ou não referidos pelos familiares (variável dependente) e as demais variáveis independentes. Sendo que na análise bivariada, os pesquisadores efetuaram o cruzamento da variável dependente, dicotômica, com cada uma das variáveis independentes, de acordo com sua natureza, por meio de tabelas de contingência (teste qui-quadrado, teste qui-quadrado com correção de Yates ou teste exato de Fischer). Procedeu-se também estatística descritiva, calculando-se medidas de posição (média e mediana) e medidas de dispersão (desvio-padrão).

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (Protocolo número 1292/2011), obedecendo aos aspectos éticos e legais da pesquisa envolvendo seres humanos, preconizados pela Resolução Nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde( 1111. Ministério da Saúde (BR). Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 196, de 10 de outubro de 1996. Diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. 1996 out.16;134(201 Seção1):21082-5. ).

RESULTADOS

Dos 94 familiares entrevistados, 73 (77,7%) eram do sexo feminino e 21 (22,3%) masculino, a idade mínima foi de 18 e a máxima de 84 anos, com média de 49 anos. Quanto à escolaridade, 53 (56,4%) cursaram ensino fundamental, 26 (27,7%) ensino médio, cinco (5,3%) tinham ensino superior e dez (10,6%) não apresentavam nenhum tipo de escolaridade. No que se refere à ocupação, a 19 (20,2%) apresentavam renda por meio de trabalho informal e 63 (67,0%) detinham renda familiar entre dois a quatro salários mínimos.

Referente ao perfil dos familiares, 64 (68,0%) dos familiares participaram da gestão do cuidado, a maioria era do sexo feminino, com idade de 30 a 59 anos, com ensino fundamental, alocados em trabalhados informais e com renda de dois a quatro salários mínimos (Tabela 1).

Tabela 1
Participação das famílias na gestão do cuidado de acordo com características sociodemográficas dos familiares dos doentes de tuberculose em Ribeirão Preto (SP), 2011.

No que tange ao objetivo de averiguar o aporte oferecido pelos profissionais de saúde é válido esclarecer que o mesmo foi avaliado de acordo com duas dimensões, a interação profissional-usuário e atenção recebida dos profissionais de saúde para com os familiares dos doentes de TB.

Na interação profissional-usuário, 81 (86,2%) dos entrevistados relataram boa relação com os profissionais de saúde e 13 (13,8%) categorizaram a relação como insatisfatória. Quanto à variável atenção recebida, 63 (67,0%) do total de familiares não receberam orientação quanto aos tipos de medicamentos considerados no tratamento, bem como sua finalidade e os possíveis efeitos adversos.

Na Tabela 2 pode-se constatar que as variáveis idade acima ou igual a 50 anos, interação equipe-usuário satisfatória e a inclusão da família no plano de cuidado apresentaram associação com significância estatística no tocante à importância dada pelas famílias ao TDO.

Tabela 2
Possíveis variáveis associadas à importância atribuída ao Tratamento Diretamente Observado pelas famílias de doentes de TB. Ribeirão Preto (SP), 2011.

Por fim, ao avaliar a importância da realização do TDO de acordo com a visão dos familiares dos doentes de TB, observou-se que 75 (80,0%) dos entrevistados consideraram esta atividade relevante e 19 (20,0%) relataram o TDO como um fator independente do sucesso do tratamento, além de que, não souberam prestar informações sobre o mesmo e tampouco se sentem valorizados ou envolvidos no desenvolvimento do tratamento.

DISCUSSÃO

A partir da proposta de investigar a participação das famílias no TDO, os aportes oferecidos pelos profissionais de saúde a esses atores e a importância atribuída pelas famílias ao TDO, os resultados evidenciaram que a maioria dos familiares tem se envolvido com a estratégia e a reconhece como importante para a recuperação e reabilitação do seu familiar. Dentre as possíveis variáveis associadas para esta percepção de importante está a idade mais avançada, a interação profissional-usuário satisfatória e a inclusão da família na produção do cuidado.

A análise das características sociodemográficas dos familiares permitiu observar que, assim como na literatura( 1212. Pace AE, Nunes PD, Ochoa-Vigo K. O conhecimento dos familiares acerca da problemática do portador de diabetes mellitus. Rev Latino-Am Enfermagem. 2003;11(3):312-9. ) os cuidadores dos doentes de TB eram predominantemente do sexo feminino, em idade economicamente produtiva.

Trabalho realizado em Maceió - AL( 1313. Oliveira AP. Caracterização epidemiológica dos pacientes que abandonaram o tratamento de tuberculose em Maceió- AL. Rev Bras Pneumol Sanit. 2008;16(2):123-8. ) confirma que há uma provisão feminina no cuidado da família, visto que o assumem baseadas em valores que foram passados de geração em geração. No entanto, autores( 1414. Saraiva KRO, Santos ZMSA, Landim FLP, Lima, HP, Sena VL. O processo de viver do familiar cuidador na adesão do usuário hipertenso ao tratamento. Texto Contexto Enferm. 2007;16(1):63-70. ) apontam que quanto maior o vínculo familiar, maior será a sobrecarga emocional envolvida em todo e qualquer processo de saúde-doença.

Referente à ocupação, os familiares cuidadores em sua maioria eram aposentados, pensionistas ou atuavam em trabalho informal, dados semelhantes foram encontrados em estudo realizado com outro agravo em Fortaleza-CE( 1414. Saraiva KRO, Santos ZMSA, Landim FLP, Lima, HP, Sena VL. O processo de viver do familiar cuidador na adesão do usuário hipertenso ao tratamento. Texto Contexto Enferm. 2007;16(1):63-70. ). A informalidade pode estar diretamente ligada à precarização do trabalho, além de ser considerada uma das principais características do empobrecimento e aumento do desemprego em países periféricos, como o Brasil( 1515. Bowkalowski C, Bertolozzi M. Vulnerabilidades em pacientes com tuberculose no distrito sanitário de Santa Felicidade - Curitiba, PR. Cogitare Enferm. 2010;15(1):92-9. ).

No que se refere à escolaridade, observa-se que os familiares dos doentes de TB assim como os cuidadores de outros agravos cursaram apenas o ensino médio( 1313. Oliveira AP. Caracterização epidemiológica dos pacientes que abandonaram o tratamento de tuberculose em Maceió- AL. Rev Bras Pneumol Sanit. 2008;16(2):123-8. ). A prevalência da TB relaciona-se com o baixo grau de escolaridade e é também o fator de risco que mais concorre para a não adesão ao tratamento ou demora do diagnóstico, acarretando um conjunto de condições socioeconômicas, que aumentam a vulnerabilidade social à TB e são os principais responsáveis pela maior incidência da enfermidade( 1616. Mascarenhas MDM, Araújo LM, Gomes KRO. O Perfil epidemiológico da tuberculose entre casos notificados no município de Piripiri, Estado do Piauí, Brasil. Epidemiol Serv Saúde. 2005;14(1):7-14. ).

Em contrapartida, os resultados evidenciam que as famílias estão participando na gestão do cuidado do doente de TB. Para alguns autores a família é a microestrutura que mais peso tem na constituição das representações e práticas dos sujeitos em relação ao seu processo saúde-doença-atenção( 1010. Cecilio LCO. Apontamentos teórico-conceituais sobre processos avaliativos considerando as múltiplas dimensões da gestão do cuidado em saúde. Interface. 2011;15(37):589-99. ). Na conjuntura da TB a família ultrapassa as questões biológicas de consanguinidade, porque ela assume na maioria dos casos a corresponsabilidade de adesão ao tratamento( 1313. Oliveira AP. Caracterização epidemiológica dos pacientes que abandonaram o tratamento de tuberculose em Maceió- AL. Rev Bras Pneumol Sanit. 2008;16(2):123-8. ).

É neste cenário que se enquadra o TDO, uma vez que o profissional realiza a escuta solidária, identificando as necessidades manifestadas pelo doente e por seus familiares, para, juntos definirem melhores estratégias na perspectiva do tratamento da TB, transformando-o assim, em um processo de corresponsabilização( 1717. Queiroz EM, Dela-La-Torre-Ugarte-Guanilo MC, Ferreira KR, Bertolozzi MR. Tuberculosis: limitations and strengths of directly observed treatment short-course. Rev Latino-Am Enfermagem. 2012;20(2):369-77. ).

Em estudo realizado em Londres, os pacientes demonstraram satisfação com os serviços de TB, principalmente nos aspectos de comunicação e organização de serviços, além disso, notaram motivação na continuidade do tratamento pelo vínculo estabelecido entre eles e os profissionais, pois os pacientes demonstravam medo de decepcionar seus "novos amigos" apesar da grande dificuldade de adesão e pela numerosa quantidade de medicamentos para se ingerir durante o tratamento bem como pelos efeitos adversos( 1818. Boudioni M, McLaren S, Belling R, Woods L. Listening to those on the frontline: service users experiences of London tuberculosis services. Patient Prefer Adherence. 2011;5:267-77. ).

Apesar dos resultados apontarem que a maioria dos familiares considerou a atividade do TDO como satisfatório, 20% dos sujeitos entrevistados relataram o TDO como um fator independente do sucesso do tratamento e que tampouco se sentem valorizados ou envolvidos no tratamento.

Na literatura científica há relatos de medidas arbitrárias, da imposição do TDO, fazendo com que muitos doentes percorressem longas distâncias para chegarem até os serviços de saúde, sofrendo com prejuízos financeiros e sociais. Há casos de doentes que perderam seus empregos em decorrência desta radicalidade e não negociação dos horários de supervisão( 1919. Munro S, Lewin S, Smith H, Engel M, Atle F, Volmink J. Patient adherence to tuberculosis treatment: a systematic review of qualitative research. PLoS Med. 2007;7(4):1230-45. ).

Diante desses resultados, pode-se questionar sobre a efetividade do TDO, pois estar inserido nesta modalidade de tratamento não foi garantia de ações coletivas de educação em saúde, uma vez que os sujeitos da pesquisa relataram não terem recebido orientações quanto ao medicamento utilizado durante o tratamento e alguns durante as entrevistas apresentaram-se bastante receosos e desconfortáveis em discutir este tema, talvez porque alguns aspectos não estejam sendo trabalhados nos encontros com as famílias como o próprio estigma da doença.

Apesar do estudo apresentar marcadores importantes da qualidade do TDO na produção do cuidado do doente de TB e sua família, cabe mencionar que este também apresentou limitações, como a dificuldade dos familiares em compreender a importância do TDO, haja vista que os entrevistadores foram apresentados pelos profissionais de saúde; o viés de memória, de esquecer algum acontecimento no passado, uma vez que as famílias não foram acompanhadas sistematicamente, sendo os resultados pautados de acordo com as respostas do instrumento e, por fim, a limitação do próprio instrumento que foi submetido apenas à validação de conteúdo. No entanto, a realização deste trabalho possibilitou identificar novas perspectivas de estudos e que possivelmente apontaram ações inovadoras para o controle da TB no país.

CONCLUSÃO

A maioria dos familiares que participou da gestão do cuidado do doente de TB apresenta características sociodemográficas semelhantes aos familiares que cuidam de doentes com outros agravos. Sendo o trabalho informal e a baixa renda familiar as principais características sociais desta população.

Constatou-se ainda que existe familiares sem orientações quanto ao manejo clínico da doença, a ser elucidado, pelo alto número de familiares que não receberam informações dos medicamentos utilizados no tratamento.

Observou-se pelas análises estatísticas que as variáveis idade acima ou igual a 50 anos, interação equipe-usuário satisfatória e a inclusão da família na produção de cuidado, apresentaram associação significativa com o reconhecimento/importância dada pelas famílias ao TDO.

Desta forma, os achados do estudo apontam que, apesar da maioria dos familiares compreenderem a importância do TDO, este ainda apresenta limitações quanto às orientações do manejo clínico da doença, a inclusão da família na gestão do cuidado e na compreensão dos seus objetivos.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2014

Histórico

  • Recebido
    19 Set 2013
  • Aceito
    09 Maio 2014
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