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Avaliação do acolhimento com classificação de risco em serviços de emergência hospitalar

Resumos

Estudo transversal, quantitativo, realizado em 2013, com o objetivo de avaliar a implantação do Acolhimento com Classificação de Risco (ACCR) em quatro Serviços Hospitalares de Emergência. Participaram 156 profissionais de enfermagem, os quais responderam ao questionário Instrumento para Avaliação do Acolhimento com Classificação de Risco. Os dados foram tratados por meio de estatística descritiva e inferencial, a partir do teste Kruskal-Wallis. A implantação do ACCR foi avaliada como Precária, devido, principalmente, à falta de encaminhamento dos casos de baixa complexidade à rede básica de saúde, ao espaço físico inadequado para acompanhantes e à falta de discussão/avaliação periódica sobre o fluxo de atendimento no ACCR. A dimensão Resultado da implantação obteve avaliação um pouco melhor e a Estrutura foi a dimensão que obteve a maior pontuação. Concluiu-se que, nos locais investigados, a avaliação negativa dos profissionais sugere que há necessidade de se investir em melhorias, com destaque para a dimensão Processo.

Classificação; Acolhimento; Enfermagem em emergência


Cross-sectional and quantitative study, conducted in 2013, aiming to evaluate the implementation of User Embracement with Risk Rating (ACCR) in four Emergency Hospital Services. One hundred fifty six nurses participated and answered the questionnaire "User Embracement with Risk Rating". The data were treated through descriptive and inferential statistics, from the Kruskal-Wallis test. The implementation of ACCR was assessed as precarious, mainly due to the lack of referral of low complexity cases to the basic health system, the inadequate physical space for companions and the lack of discussion and periodic assessment of the flow of care in ACCR. The dimension Result of Implementation obtained a slightly higher score and Structure was the dimension with the lowest score. It was concluded that the negative assessments by nursing professionals of the referred dimensions in the investigated sites suggests the need for improvements, especially in the dimension Structure.

Rating; User embracement; Emergency nursing


Estudio transversal, cuantitativo, realizado en 2013, con el objetivo de evaluar la implantación del Acogimiento con Clasificación de Riesgo (ACCR) en cuatro servicios hospitalarios de emergencia. Participaron 156 profesionales de enfermería, que respondieron al cuestionario de instrumento para el Acogimiento con Clasificación de Riesgo. Los datos fueron analizados utilizando estadística descriptiva e inferencial de la prueba de Kruskal-Wallis. La aplicación de la ACCR fue evaluada como precaria, debido principalmente a la falta de remisión de los casos de baja complejidad en el sistema básico de salud; al espacio físico inadecuado de compañeros y, a la falta de discusión y revisión periódica del flujo de servicio en ACCR. La dimensión Resultado de la implantación obtuvo evaluación mediana y; la Estructura obtuvo la puntuación más baja. Se concluyó que en los sitios investigados, hubo una evaluación negativa por los profesionales, lo que sugiere la necesidad de invertir en mejoras, destacando dimensión Estructura.

Clasificación; Acogimiento; Enfermería de urgencia


INTRODUÇÃO

O Serviço Hospitalar de Emergência (SHE) tem como finalidade atender pessoas com comprometimento grave de saúde e acolher casos não urgentes para direcioná-los a outros serviços de menor complexidade( 11. Souza CC, Toledo AD, Tadeu LFR, Chianca TCM. Classificação de risco em pronto-socorro: concordância entre um protocolo institucional brasileiro e Manchester. Rev Latino-Am Enfermagem. 2011;19(1):1-8. ). Desse modo, o pressuposto fundamental dos SHE é a garantia de acesso e acolhimento às pessoas com necessidades emergenciais de saúde, de forma organizada, a fim de prevenir iatrogenias por manipulação ou tratamentos incorretos, evitando-se morte ou incapacidade física, seja esta temporária ou permanente(2).

Mesmo com avanços na consolidação das unidades de emergência, ainda se nota a fragilidade dos SHE, principalmente em relação à superlotação decorrente da alta demanda para o atendimento( 33. Garlet ER, Lima MADS, Santos JLG, Marques GQ. Finalidade do trabalho em urgências e emergências. Rev Latino-Am Enfermagem. 2009;17(4):535-40. ). E, na tentativa de reestruturar o processo de trabalho nesse ambiente, bem como consolidar as diretrizes instituídas pelo Programa Nacional de Humanização Hospitalar( 44. Ministério da Saúde (BR), Secretaria Executiva. Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização (Humaniza SUS). Política nacional de humanização: a humanização como eixo norteador das práticas de atenção e gestão em todas as instâncias do SUS. Brasília (DF); 2004. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/humanizasus_2004.pdf.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
), em 2004, foi proposto o Acolhimento com Avaliação e Classificação de Risco (ACCR), cujo dispositivo pertencente à Política Nacional de Humanização (PNH)(4).

O ACCR se fundamenta em conceitos internacionais estabelecidos pelo protocolo de Manchester, de modo a substituir o modelo biomédico caracterizado pelo atendimento por ordem de chegada( 55. Hiestand B, Moseley M, MacWilliams B, Southwick J. The influence of emergency medical services transport on emergency severity index triage level for patients with abdominal pain. Acad Emerg Med. 2011;18(3):261-6. ). Com isso, aqueles que chegam ao SHE são atendidos mediante critérios clínicos, por um processo dinâmico em saúde, no qual a prioridade para o cuidado tem como base a gravidade clínica, potencial de risco e/ou; grau de sofrimento das pessoas, com vistas a garantir maior qualidade no atendimento dos serviços de emergência( 55. Hiestand B, Moseley M, MacWilliams B, Southwick J. The influence of emergency medical services transport on emergency severity index triage level for patients with abdominal pain. Acad Emerg Med. 2011;18(3):261-6. ).

A implantação do ACCR, objetiva reduzir a superlotação e os índices de mortalidade nos SHE, por meio da redução do tempo de espera, a partir da classificação do risco dos pacientes, da integração da rede de atenção em saúde e; encaminhamento dos casos não urgentes às unidades básicas( 66. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção à Saúde. Acolhimento e classificação de risco nos serviços de urgência. Brasília (DF); 2009. - 77. Santos AE. Humanização em serviços de emergência. In: Calil AM, Paranhos WY, organizadoras. O enfermeiro e as situações de emergência. São Paulo: Atheneu; 2010. p. 139-48. ). O ACCR, portanto, representa uma estratégia para maior eficiência e efetividade organizacional, mediante a reorganização do sistema de atenção em saúde no Brasil( 33. Garlet ER, Lima MADS, Santos JLG, Marques GQ. Finalidade do trabalho em urgências e emergências. Rev Latino-Am Enfermagem. 2009;17(4):535-40. , 77. Santos AE. Humanização em serviços de emergência. In: Calil AM, Paranhos WY, organizadoras. O enfermeiro e as situações de emergência. São Paulo: Atheneu; 2010. p. 139-48. ).

Destaca-se que, à consolidação do ACCR, a equipe de enfermagem pode contribuir como articuladora central da organização nesta nova dinâmica de atendimento. Isso porque, por meio do gerenciamento da classificação de risco, os profissionais podem ampliar a sua atuação em prol do cuidado integral e humanizado, no sentido de fortalecer a ideia de integralidade na assistência à saúde e melhorar o acesso dos usuários( 33. Garlet ER, Lima MADS, Santos JLG, Marques GQ. Finalidade do trabalho em urgências e emergências. Rev Latino-Am Enfermagem. 2009;17(4):535-40. , 77. Santos AE. Humanização em serviços de emergência. In: Calil AM, Paranhos WY, organizadoras. O enfermeiro e as situações de emergência. São Paulo: Atheneu; 2010. p. 139-48. ).

Reconhece-se, todavia, que a consolidação do ACCR nos SHE apresenta-se como um desafio, uma vez que esse processo não depende somente do desejo de cada trabalhador, gestor e/ou usuário porque, o produto da ação do trabalhador, dependerá do rearranjo dos diferentes elementos estruturais, de recursos humanos e também, do processo assistencial estabelecido nas instituições de saúde( 88. Bittencourt RJ, Hortale VA. Intervenções para solucionar a superlotação nos serviços de emergência hospitalar: uma revisão sistemática. Cad Saúde Pública. 2009;25(7):1439-54. - 99. Shiroma LMB, Pires DEP. Classificação de risco em emergência: um desafio para as/os enfermeiras/os. Enferm Foco. 2011;2(1):14-7. ).

Com base no exposto, faz-se necessário reconhecer quais as lacunas existentes na consolidação do ACCR em SHE, para que seja possível refletir sobre ações que promovam a aproximação dessa prática aos pressupostos da PNH. Para isso, é importante utilizar instrumentos de avaliação construídos e validados para tal fim, como aquele proposto por Bellucci Júnior e Matsuda( 1010. Bellucci Júnior JA, Matsuda LM. Construção e validação de instrumento para avaliação do acolhimento com classificação de risco. Rev Bras Enferm. 2012;65(5):751-7. ) e que se pauta nas dimensões donabedianas.

As dimensões de avaliação da qualidade em saúde, propostas por Donabedian, incluem a Estrutura dos serviços de saúde, que verifica pontos relacionados aos recursos humanos, físicos, materiais, equipamentos e aspectos financeiros necessários à assistência; o Processo, que avalia o modo de trabalho dos profissionais; e o Resultado, que corresponde à condição de saúde da pessoa que recebeu cuidado no serviço assistencial( 1111. Donabedian A. Criteria and standards for quality assessment and monitoring. QRB Qual Rev Bull. 1986;12(3):99-108. ). Nesse sentido, estudos relacionados à avaliação da qualidade dos SHE fazem-se prementes porque, os seus resultados podem subsidiar melhorias nesses locais e direcionar as tomadas de decisões referentes ao ACCR, com vistas ao atendimento de qualidade.

Diante ao contexto apresentado, questiona-se: Como os profissionais de saúde percebem a qualidade dos SHE após implantação do ACCR? E, para responder a essa questão, o presente estudo objetivou avaliar a implantação do Acolhimento com Classificação de Risco (ACCR) em quatro Serviços Hospitalares de Emergência do Paraná.

METODOLOGIA

Pesquisa descritiva e exploratória, prospectiva, multicêntrica, com abordagem quantitativa, realizada no período de março a maio de 2013, em quatro SHE, designados aleatoriamente como I, II, III e IV.

O SHE I e II pertence a hospitais beneficentes, sem fins lucrativos, situados no município de Maringá-PR, com atendimento à demanda particular, de operadoras de planos privados de saúde e do Sistema Único de Saúde (SUS), dispondo respectivamente, de 225 e 200 leitos.

O SHE III e IV é integrante de hospitais gerais públicos estaduais, situados na cidade de Londrina-PR, disponibilizam 100% dos leitos ao SUS, com atendimento de média complexidade. Em relação à capacidade operacional, o SHE III possui 117 leitos e, destes, 63 são destinados à urgência e emergência. Já o SHE IV, dispõe de 130 leitos, dos quais 34 são determinados ao atendimento de urgência e emergência.

Com relação à implantação do ACCR, no SHE I ocorreu em 2011; no SHE II em 2010; no SHE III em 2009 e; no SHE IV, em 2007.

Para o desenvolvimento do estudo, como critérios de inclusão adotaram-se: ser profissional de enfermagem, com atuação direta no SHE, por um período de, no mínimo, 01(um) mês.

A amostragem da pesquisa foi realizada de forma aleatória, estratificada, de alocação proporcional, do quadro de técnicos/auxiliares de enfermagem e de enfermeiros, de cada serviço avaliado.

Para a coleta de dados, os profissionais foram sorteados, a partir de uma listagem prévia de nomes. A seguir, foram convidados, em seus locais de trabalho, a participar da pesquisa. Mediante a expressão formal de consentimento do participante, em local privativo, os pesquisadores forneceram as orientações necessárias e, o instrumento de coleta de dados para ser preenchido.

O estudo contemplou 156 profissionais de enfermagem, sendo 19 (12,2%) do SHE I; 28 (19,9%) do SHE II; 38 (24,4%) do SHE III e; 71 (45,5%) do SHE IV.

Utilizou-se para coleta dos dados o questionário "Instrumento para Avaliação do ACCR", construído e validado por Belluci em 2010, por meio de validação de conteúdo, na qual foi utilizada a técnica Delphi, que consiste no julgamento do instrumento por juízes renomados na temática( 1010. Bellucci Júnior JA, Matsuda LM. Construção e validação de instrumento para avaliação do acolhimento com classificação de risco. Rev Bras Enferm. 2012;65(5):751-7. ). O referido instrumento é composto de duas partes: Parte I, que contém itens relacionados aos dados sociodemográficos dos sujeitos e a Parte II, que possui itens específicos para obtenção de dados referentes à avaliação do ACCR.

Ressalta-se que a Parte II é subdividida nas dimensões da tríade donabediana de avaliação em saúde: Estrutura, Processo e Resultado. Às respostas a esses itens são enunciadas na forma de escala do tipo Likert em cinco níveis: Discordo Totalmente (1 ponto); Discordo (2 pontos); Não Discordo Nem Concordo (3 pontos); Concordo (4 pontos) e Concordo Totalmente (5 pontos)( 1010. Bellucci Júnior JA, Matsuda LM. Construção e validação de instrumento para avaliação do acolhimento com classificação de risco. Rev Bras Enferm. 2012;65(5):751-7. ).

No Quadro 1 consta a descrição geral das 21 variáveis que compõe cada dimensão do instrumento( 1010. Bellucci Júnior JA, Matsuda LM. Construção e validação de instrumento para avaliação do acolhimento com classificação de risco. Rev Bras Enferm. 2012;65(5):751-7. ).

Quadro 1
Descrição geral das variáveis de cada dimensão do Instrumento para Avaliação do ACCR(10).

Gráfico 2
Distribuição da pontuação média (vertical) sobre avaliação do ACCR por item avaliado (horizontal). Maringá-PR, Londrina-PR, 2014.

Os dados foram compilados e tratados em planilhas eletrônicas do programa Microsoft Office Excel (r) e importados, posteriormente, para o programa Statistica 8.0. Aos resultados da Parte I, realizou-se análise estatística descritiva. Para a Parte II (Avaliação do ACCR) verificou-se a Moda de pontuação de cada item, a avaliação das dimensões e, estatística inferencial, com teste de medianas (Teste Kruskal-Wallis).

Destaca-se que a avaliação de cada dimensão da Parte II do instrumento foi baseada na classificação( 1010. Bellucci Júnior JA, Matsuda LM. Construção e validação de instrumento para avaliação do acolhimento com classificação de risco. Rev Bras Enferm. 2012;65(5):751-7. ) contida na Tabela 1, a seguir.

Tabela 1
Escores para pontuação das dimensões de avaliação do ACCR. Maringá-PR, 2014(10).

Esta pesquisa cumpriu todas as exigências éticas e legais vigentes( 1212. Ministério da Saúde (BR). Conselho Nacional de Saúde. Resolução n° 466, de 12 de dezembro de 2012. Diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Brasília (DF):a; 2012 [citado 2013 out 02]. Disponível em: http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2012/Reso466.pdf
http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/...
) e o seu projeto está registrado no Comitê Permanente de Ética em Pesquisas Envolvendo Seres Humanos (COPEP) da Universidade Estadual de Maringá, sob o Parecer de no. 248.339/2013.

RESULTADOS

Na Tabela 2 constam algumas características sociodemográficas dos participantes.

Tabela 2
Características sociodemográfi cas de profi ssionais de enfermagem que atuam em SHE. Maringá-PR, Londrina- -PR, 2014.

Com relação à avaliação da qualidade dos SHE após implantação do ACCR, na Tabela 3, constam a pontuação geral das dimensões avaliadas.

Tabela 3
Escores de avaliação do ACCR, por dimensão. Maringá-PR, Londrina-PR, 2014.

O Gráfico 1 a seguir apresenta a distribuição de pontuação média de avaliação dos trabalhadores (linha vertical) em relação aos 21 itens do instrumento (linha horizontal).

DISCUSSÃO

Conforme evidenciam os dados da Tabela 2, os profissionais dos SHE investigados são, na maioria, mulheres (69,2%), casadas (44,9%), jovens (média de 34,9 anos), com nível médio de escolaridade (55,8%) e cuja categoria profissional é a de Técnico em Enfermagem (67,3%).

No que se refere ao sexo, o percentual de prevalência feminina corrobora o perfil histórico da profissão da enfermagem, marcado pela presença do sexo feminino e pela inserção da mulher no mercado de trabalho( 1313. Versa GLGS, Murassaki ACY, Inoue KC, Melo WA, Faller JW, Matsuda LM. Estresse ocupacional: avaliação de enfermeiros intensivistas que atuam no período noturno. Rev Gaúcha Enferm. 2012;33(2):78-85. ). A faixa etária média de 35 anos dos trabalhadores participantes da pesquisa condiz com o local de trabalho, visto que, em SHE, é apropriado que os profissionais sejam relativamente jovens para atender às necessidades impostas pelo ritmo intenso de trabalho, comum em unidades críticas e de emergência( 1313. Versa GLGS, Murassaki ACY, Inoue KC, Melo WA, Faller JW, Matsuda LM. Estresse ocupacional: avaliação de enfermeiros intensivistas que atuam no período noturno. Rev Gaúcha Enferm. 2012;33(2):78-85. - 1414. Silva LG, Matsuda LM. Um olhar para a qualidade no processo de atendimento em um serviço de urgência público. Cienc Cuid Saude 2012;11(Supl.):121-8. ).

De acordo com outro estudo realizado em unidades de emergências brasileiras, estes locais de trabalho tendem a concentrar profissionais mais jovens, menos experientes e sem formação especifica( 1414. Silva LG, Matsuda LM. Um olhar para a qualidade no processo de atendimento em um serviço de urgência público. Cienc Cuid Saude 2012;11(Supl.):121-8. ). Os dados do atual estudo correspondem em parte com o exposto, pois se obteve maior freqüência de profissionais com formação em nível médio completo, mínimo exigido para o cargo de técnico de enfermagem, que correspondeu à categoria de maior número (67,3%) nas instituições investigadas.

No tocante à avaliação da qualidade do serviço dos SHE, conforme consta na Tabela 3, a dimensão Resultado apresentou a melhor avaliação (26 pontos) e a Estrutura, a pior (23 pontos). No que tange aos escores de qualidade, todos os SHE se classificaram como Precários.

A avaliação Precária da qualidade dos SHE pode ter relação com a realidade das instituições de saúde brasileiras, muitas vezes caracterizadas por superlotação, estrutura física inadequada, carência de recursos humanos e sobrecarga de trabalho( 22. Ministério da Saúde (BR). Política nacional de atenção as urgências. Brasília (DF); 2006. ), corroborando com as avaliações baixas obtidas nesta pesquisa para com os itens: Falta de encaminhamento dos casos de baixa complexidade à rede básica de saúde; Espaço físico inadequado para os acompanhantes e; Falta de discussão/avaliação periódica do fluxo do ACCR (Gráfico 1).

A ausência e o cumprimento de protocolos de encaminhamento dos pacientes de baixa complexidade é um grande empecilho para o sucesso do ACCR, pois a falta de pactuação entre os diversos níveis da atenção resulta em aumento da demanda aos SHE e; longos períodos de espera por atendimento, de agravos que poderia ser resolvido na rede básica(14).

A melhoria no processo de referência e contrarreferência entre os hospitais e as redes básicas é uma necessidade premente, porém é preciso considerar que esse procedimento ainda encontra-se em fase de adaptação e melhoramento, pois é uma estratégia relativamente recente, que foi instituída em 1990 pelo MS, como diretriz operacional da Política Nacional de Humanização (PNH)( 1515. Bellucci Júnior JA, Matsuda LM. Implantação do acolhimento com classificação de risco e uso do fluxograma analisador. Texto Contexto-Enferm. 2012;21:217-25. - 1616. Dal Pai D, Lautert L. Sofrimento no trabalho de enfermagem: reflexos do "discurso vazio" no acolhimento com classificação de risco. Esc Anna Nery. 2011;15(3):524-30. ).

Ao exemplo da afirmativa anterior, pesquisa realizada no Rio Grande do Sul, em 2005, com objetivo de conhecer a realidade laboral do atendimento em emergência, constatou que o SHE estudado ainda se caracterizava como porta de entrada para o atendimento, pois mesmo com os avanços na reorganização do modelo de saúde, a atenção primária ainda não era suficientemente capaz de atender às necessidades de saúde da população(16).

Vale ressaltar que o acesso indiscriminado de pacientes nos SHE ocasiona demanda além da capacidade e, com isso, a estrutura física torna-se insuficiente para proporcionar um atendimento de qualidade para o usuário e seu acompanhante( 1515. Bellucci Júnior JA, Matsuda LM. Implantação do acolhimento com classificação de risco e uso do fluxograma analisador. Texto Contexto-Enferm. 2012;21:217-25.

16. Dal Pai D, Lautert L. Sofrimento no trabalho de enfermagem: reflexos do "discurso vazio" no acolhimento com classificação de risco. Esc Anna Nery. 2011;15(3):524-30.
- 1717. Cavalcante RB, Rates HF, Silva LTC, Mello RA, Dayrrel KMB. Acolhimento com classificação de risco: proposta de humanização nos serviços de urgência. Rev Enferm Cent O Min. 2012;2(3):428-37. ). Essa problemática também foi constatada no presente estudo, o qual apontou o item "Espaço físico acolhedor ao acompanhante" com o segundo pior resultado (Gráfico 1, item 05).

Considera-se que a estrutura física dos SHE deveria proporcionar condições adequadas ao atendimento dos pacientes e seus acompanhantes, pois este é um dos requisitos essenciais propostos pelo PNH( 1515. Bellucci Júnior JA, Matsuda LM. Implantação do acolhimento com classificação de risco e uso do fluxograma analisador. Texto Contexto-Enferm. 2012;21:217-25.

16. Dal Pai D, Lautert L. Sofrimento no trabalho de enfermagem: reflexos do "discurso vazio" no acolhimento com classificação de risco. Esc Anna Nery. 2011;15(3):524-30.
- 1717. Cavalcante RB, Rates HF, Silva LTC, Mello RA, Dayrrel KMB. Acolhimento com classificação de risco: proposta de humanização nos serviços de urgência. Rev Enferm Cent O Min. 2012;2(3):428-37. ). Logo, o resultado "Precário" constatado neste estudo perpassa pela necessidade de se tratar o espaço físico na lógica da dignidade, caracterizada por uma relação de simbiose, pertinente e eficaz.

No que concerne ao terceiro pior resultado deste estudo, o item "O fluxograma do ACCR é discutido/avaliado periodicamente", da dimensão Processo (Gráfico 1, item 12), ressalta-se que a ausência dessas atividades prejudica todo o processo do ACCR, pois é por meio delas que os profissionais redirecionam e aperfeiçoam o seu trabalho, de acordo com a proposta do ACCR. Coadunando com essa afirmação, autores( 1717. Cavalcante RB, Rates HF, Silva LTC, Mello RA, Dayrrel KMB. Acolhimento com classificação de risco: proposta de humanização nos serviços de urgência. Rev Enferm Cent O Min. 2012;2(3):428-37. ) apontam que as equipes de saúde que realizam aperfeiçoamentos e discussões constantes sobre o fluxograma de atendimento no ACCR, alcançam melhores padrões de qualidade no gerenciamento do cuidado.

Referente às melhores avaliações atribuídas pelos trabalhadores, o item "Priorização dos pacientes graves para o atendimento" (Gráfico 1, item 19), da dimensão Resultado, foi aquele que obteve escore mais elevado. Esse dado indica que a finalidade principal do ACCR tem sido alcançada e que, no que se refere ao atendimento inicial aos usuários que procuram pelos SHE investigados, se observa que o método tradicional de atendimento por ordem de chegada, foi substituído.

O segundo item melhor avaliado "Os pacientes não graves passam pelo ACCR" (Gráfico 1, item 9) se refere à dimensão Processo. Esse dado aponta que há comprometimento profissional em cumprir os pressupostos do PNH o qual propõe a realização do acolhimento a todos os usuários que procuram pelo serviço de saúde( 44. Ministério da Saúde (BR), Secretaria Executiva. Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização (Humaniza SUS). Política nacional de humanização: a humanização como eixo norteador das práticas de atenção e gestão em todas as instâncias do SUS. Brasília (DF); 2004. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/humanizasus_2004.pdf.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
). Com isso, cabe ressaltar que, mesmo diante do cenário de caos, observado nas portas dos SHE, causados pela alta demanda de usuários com problemas de saúde/doença, que poderiam ser resolvidos na atenção primária, prestar assistência por meio do ACCR, mesmo em casos não graves, parece ser a conduta mais assertiva para se efetivar o cuidado humanizado nesses Serviços.

No que tange ao atendimento de usuários não graves por meio da classificação de risco, ressalta-se a importância do conhecimento científico do enfermeiro para identificar as reais necessidades de saúde nos serviços emergenciais, sem perder o foco na humanização como fator inerente ao processo de cuidado. Essa é uma conduta importante porque, ao atuar de acordo com os seus conhecimentos e habilidades específicas para definição da prioridade de atendimento, o enfermeiro se utiliza da intuição, da cientificidade e da comunicação(17-18) que consistem em ferramentas essenciais ao cuidado humanizado e efetivo.

Faz-se mister (re)lembrar que nem todos os casos que chegam aos SHE são urgências/emergências. Nesse contexto, é preciso que se utilizem meios para organizar o atendimento de modo que os pacientes mais graves tenham prioridade e a assistência não dependa da ordem de chegada( 77. Santos AE. Humanização em serviços de emergência. In: Calil AM, Paranhos WY, organizadoras. O enfermeiro e as situações de emergência. São Paulo: Atheneu; 2010. p. 139-48. ). No presente estudo, o item "Ordem do atendimento conforme a gravidade" (Gráfico 1, item 15) apresentou o terceiro melhor resultado, indicando que este pressuposto do ACCR tem sido realizado adequadamente nos Serviços investigados.

Historicamente, o atendimento à saúde em instituições públicas tem sido determinado pela ordem de chegada do usuário, sem avaliação prévia dos casos( 1717. Cavalcante RB, Rates HF, Silva LTC, Mello RA, Dayrrel KMB. Acolhimento com classificação de risco: proposta de humanização nos serviços de urgência. Rev Enferm Cent O Min. 2012;2(3):428-37. - 1818. Acosta AM, Duro CLM, Lima MADS. Atividades do enfermeiro nos sistemas de triagem/classificação de risco nos serviços de urgência: revisão integrativa. Rev Gaúcha Enferm. 2012;33(4):181-90. ). Essa conduta, sem dúvida, é preocupante, pois resulta em demora do atendimento e faz com que os pacientes sejam expostos, desnecessariamente, a riscos e/ou complicações, perdendo-se a possibilidade de intervenção precoce e manejo adequado da sua condição patológica( 44. Ministério da Saúde (BR), Secretaria Executiva. Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização (Humaniza SUS). Política nacional de humanização: a humanização como eixo norteador das práticas de atenção e gestão em todas as instâncias do SUS. Brasília (DF); 2004. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/humanizasus_2004.pdf.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
, 66. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção à Saúde. Acolhimento e classificação de risco nos serviços de urgência. Brasília (DF); 2009. ). No sentido de minimizar esta distorção e ineficácia do sistema, a implantação de uma praxis que organiza e orienta o cuidado nos SHE, como o ACCR, torna-se urgente, como forma a garantir uma assistência de qualidade e segurança para os usuários dos serviços.

Diante dos resultados desse estudo e de outros que abordam temas semelhantes, é possível afirmar que, ainda há muito por fazer nos SHE. Desse modo, estudos avaliativos, como este aqui apresentado, são necessários para que gestores, profissionais de saúde e também; usuários detectem os pontos-chave dos SHE que necessitam de intervenção e aprimoramento, para que o ACCR se efetive não somente como estratégia de humanização do atendimento, mas também, como recurso para a gestão eficiente/eficaz em saúde.

CONCLUSÕES

Os profissionais atuantes nos SHE investigados avaliaram o resultado da implantação do ACCR como "Precário" principalmente porque existem dificuldades para se encaminhar os casos de baixa complexidade à rede básica de saúde, falta de discussão/avaliação periódica do fluxo de atendimento do ACCR e também, porque o espaço físico é inadequado para acomodar os acompanhantes.

Dentre as três dimensões avaliadas, aquela referente ao Resultado foi a que obteve melhor pontuação pelos trabalhadores investigados.

Com base nos resultados foi possível notar que, embora o ACCR tenha sido idealizado e implantado na perspectiva da PNH, com vistas à reorganização do sistema de atenção à saúde, nos serviços avaliados ainda existem quesitos referentes ao âmbito da estrutura e do processo, que necessitam de melhorias imprescindíveis.

Depreende-se que os Serviços avaliados, apesar das dificuldades inerentes ao sistema de saúde brasileiro, acreditaram na proposta do ACCR e a implantaram, mas ainda é preciso investir em muitos aspectos para que se cumpram as suas diretrizes. Além disso, a constatação da não reavaliação do fluxograma de atendimento também deve ser objeto de preocupação por parte dos gestores dessas instituições, pois nos leva a questionar se o ACCR se desenvolve mecanicamente, sem inquietudes, discussões e reflexões.

Considera-se que os resultados desse estudo podem contribuir para novos processos de implantação e/ou monitoramento do ACRR, no sentido de promover melhorias à atuação da equipe e, consequentemente, à qualidade do atendimento ao usuário.

Para o ensino, destaca-se a importância da inclusão desta temática nos currículos dos cursos da área da saúde, como estratégia de sensibilização dos futuros profissionais e de mudanças no mundo do trabalho.

No que se refere à enfermagem, esta tem papel importante no sucesso do ACCR porque, é o grupo que articula as diversas categorias profissionais as quais compõem a equipe de saúde dos serviços. Destarte, informações resultantes de pesquisas de avaliação, como as apresentadas neste estudo, podem subsidiar ações gerenciais de enfermagem, voltadas à implantação e monitoramento do ACCR em SHE, com mais assertividade.

Quanto à contribuição para a comunidade científica, esta pesquisa, por tratar de um tema ainda em desenvolvimento na praxis dos SHE, fornece dados importantes para a realização de futuras investigações relacionadas ao tema, bem como ao ensino em enfermagem, pautado no cuidado humanizado, acolhedor e integral.

Como limitação metodológica, por ser um estudo de corte transversal, que possibilita apenas uma visão instantânea/parcial da realidade investigada, sugere-se estudos com delineamentos diferenciados, como por exemplo, com abordagem qualitativa e/ou do tipo longitudinal, que contemplem às variáveis de tempo e profundidade do fenômeno estudado.

REFERENCES

  • 1
    Souza CC, Toledo AD, Tadeu LFR, Chianca TCM. Classificação de risco em pronto-socorro: concordância entre um protocolo institucional brasileiro e Manchester. Rev Latino-Am Enfermagem. 2011;19(1):1-8.
  • 2
    Ministério da Saúde (BR). Política nacional de atenção as urgências. Brasília (DF); 2006.
  • 3
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep 2014

Histórico

  • Recebido
    07 Mar 2014
  • Aceito
    08 Ago 2014
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