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Experiência de familiares no cuidado à criança exposta ao HIV: o início da trajetória

Resumos

Durante e após a gestação, há cuidados capazes de prevenir a transmissão vertical (TV) do HIV. Objetivou-se analisar a experiência de familiares no cuidado à criança filha de mãe com HIV para reduzir o risco de TV, com ênfase no início dessa trajetória. Utilizaram-se abordagem qualitativa e o Interacionismo Simbólico como referencial teórico. Foram entrevistados 36 familiares cuidadores de criança com idade de até 18 meses, com diagnóstico de HIV a confirmar. Os dados foram coletados num hospital do Nordeste do Brasil, entre dezembro de 2012 e fevereiro de 2013, e examinados através da análise de conteúdo. O cuidado à criança se iniciou durante a gravidez, quando imagina-se a possibilidade dela ter HIV. Alguns cuidadores tinham experiência anterior de cuidado à criança exposta. Compreender esse início do cuidado possibilitará melhor apoiar os cuidadores ao longo da trajetória de confirmação do diagnóstico da criança.

HIV; Transmissão vertical de doença infecciosa; Gravidez; Cuidado da criança; Enfermagem pediátrica


During and after pregnancy, mothers with HIV can undergo treatment that is capable of preventing vertical transmission (VT) to their babies. The purpose of this study was to analyze the experience of family members that provide care for children whose mothers have HIV, to reduce the risk of VT, with emphasis on the beginning of this trajectory. This study was based on the qualitative approach and Symbolic Interactionism was adopted as a theoretical framework. A total of 36 family members participated in the study, all of whom were carers of children aged up to 18 months and waiting for confirmation of the HIV diagnosis. Data were collected in a hospital in north-eastern Brazil, between December 2012 and February 2013, and examined by means of content analysis. Child care began during pregnancy, when the possibility of the child having HIV was expected. Some had previous experience in providing care for exposed children. Understanding the early trajectory of care will help find ways to provide better support for carers during the trajectory of diagnosis confirmation.

HIV; Infectious disease transmission, vertical; Pregnancy; Child care; Paediatric nursing


Durante y después del embarazo, hay cuidados capaces de prevenir la transmisión vertical (TV) del VIH. El objetivo fue analizar la experiencia de familiares con relación al cuidado de niños hijos de madres con VIH para reducir el riesgo de TV, con énfasis en el comienzo de esta trayectoria. Se utilizó un enfoque cualitativo y el Interaccionismo Simbólico como marco teórico. 36 cuidadores familiares de niños de hasta 18 meses y con el diagnóstico para confirmar fueron entrevistados. Los datos fueron recogidos en un hospital en el noreste de Brasil, entre diciembre de 2012 y febrero 2013, y se examinaron mediante análisis de contenido. El cuidado de niños se inició durante el embarazo, durante el cual, se imagina la posibilidad de que tenga VIH. Algunos tenían experiencia previa en el cuidado de niños expuestos. La comprensión del principio de la trayectoria del cuidado infantil permitirá encontrar maneras para mejor ayudar a los cuidadores a lo largo de la trayectoria de la confirmación del diagnóstico.

VIH; Transmisión vertical de enfermedad infecciosa; Embarazo; Cuidado del niño; Enfermería pediátrica


INTRODUÇÃO

No Brasil, a transmissão vertical (TV) configura-se como principal responsável pela infecção de crianças menores de 13 anos pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV)( 11. Ministério da Saúde (BR). Boletim epidemiológico AIDS e DST. 2013; Ano II(1). ). Há medidas preventivas nacionalmente instituídas, durante e após a gestação, capazes de reduzir a possibilidade de transmissão do vírus HIV de mãe para filho( 22. Ministério da Saúde (BR). Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para manejo da infecção pelo HIV em crianças e adolescentes. Brasília (DF); 2014. ).

No exercício da maternidade, a mulher gestante que vive com HIV percorre uma longa trajetória em busca da soronegatividade do filho e já, na gestação, investe em seu autocuidado e tratamento medicamentoso com vistas a proteger o filho da TV. O medo de transmitir o vírus à criança está muito presente e traz desesperança( 33. Oliveira FFD, Wernet M, Silveira AO, Dupas G, Alvarenga WA. Esperança da gestante soropositiva para o vírus da imunodeficiência humana. Cienc Cuid Saúde. 2012 out-dez;11(4):730-8. ). Gestar sob a soropositividade para o HIV caracteriza-se como momento de apreensão e expectativa da contaminação da criança( 33. Oliveira FFD, Wernet M, Silveira AO, Dupas G, Alvarenga WA. Esperança da gestante soropositiva para o vírus da imunodeficiência humana. Cienc Cuid Saúde. 2012 out-dez;11(4):730-8. - 44. Galvão MTG, Cunha GH, Machado MMT. Dilemas e conflitos de ser mãe na vigência do HIV/aids. Rev Bras Enferm. 2010 maio-jun;63(3):371-6. ). Essa expectativa perdura até o resultado do diagnóstico da criança e a mãe convive ainda com incerteza, culpa e demandas relativas ao cuidado para evitar a TV(5-6).

Além das demandas de ser mãe com HIV, é comum que a descoberta da infecção afete a rede social do indivíduo e, no contexto familiar, determine aproximação ou distanciamento de familiares, devido ao estigma da doença( 77. Padoin SMM, Souza IEO, Paula CC. Cotidianidade da mulher que tem HIV/aids: modo de ser diante da (im)possibilidade de amamentar. Rev Gaúcha Enferm. 2010 mar;31(1):77-83. ). O apoio social e as relações familiares são recursos importantes na experiência de viver com HIV e se mostram potentes para proporcionar melhor qualidade de vida a quem vive com o vírus( 55. Galvão MTG, Lima ICV, Cunha GH, Mindêllo MIA. Estratégias de mães com filhos portadores de HIV para conviverem com a doença. Cogitare Enferm. 2013 abr-jun;18(2):230-7. , 88. Li L, Liang LJ, Ding YY, Ji G. Facing HIV as a family: predicting depressive symptoms with correlated responses. J Fam Psychol. 2011 Apr;25(2):202-9. ). O HIV acomete a pessoa infectada e sua família e no processo de interação e de cuidado à criança, sobretudo os pais, mas outros se envolvem( 99. Freitas HMB, Backes DS, Pereira ADA, Ferreira CLL, Souza MHT, Marchiori MRCT et al. Understanding the family member of a child affected by human immunodeficiency virus/acquired immunodeficiency syndrome, from the perspective of complexity. Acta Paul Enferm. 2010;23(5):597-602. ). No entanto, poucos estudos tem abordado a família afetada pelo HIV( 88. Li L, Liang LJ, Ding YY, Ji G. Facing HIV as a family: predicting depressive symptoms with correlated responses. J Fam Psychol. 2011 Apr;25(2):202-9. , 1010. Rotheram-Borus MJ, Swendeman D, Lee SJ, Li L, Amani B, Nartey M. Interventions for families affected by HIV. Transl Behav Med. 2011 jun;1(2):313-26. ) e, principalmente, o cuidado realizado por ela à criança exposta. Aponta-se a necessidade de expandir o foco da doença ou de sua compreensão para os familiares, que são ativos, interagem e adaptam-se à condição de conviver com HIV( 99. Freitas HMB, Backes DS, Pereira ADA, Ferreira CLL, Souza MHT, Marchiori MRCT et al. Understanding the family member of a child affected by human immunodeficiency virus/acquired immunodeficiency syndrome, from the perspective of complexity. Acta Paul Enferm. 2010;23(5):597-602. ).

Há recomendações de ampliação de explorações científicas voltadas à subjetividade da experiência de viver com HIV( 1111. Botti ML, Waidman MAP, Marcon SS, Scochi MJ. Feelings and conflicts of women living with HIV/aids: a literature research. Rev Esc Enferm USP. 2009 mar;43(1):79-86. ). A maioria dos estudos tem investigado a percepção das mães( 33. Oliveira FFD, Wernet M, Silveira AO, Dupas G, Alvarenga WA. Esperança da gestante soropositiva para o vírus da imunodeficiência humana. Cienc Cuid Saúde. 2012 out-dez;11(4):730-8.

4. Galvão MTG, Cunha GH, Machado MMT. Dilemas e conflitos de ser mãe na vigência do HIV/aids. Rev Bras Enferm. 2010 maio-jun;63(3):371-6.
- 55. Galvão MTG, Lima ICV, Cunha GH, Mindêllo MIA. Estratégias de mães com filhos portadores de HIV para conviverem com a doença. Cogitare Enferm. 2013 abr-jun;18(2):230-7. , 77. Padoin SMM, Souza IEO, Paula CC. Cotidianidade da mulher que tem HIV/aids: modo de ser diante da (im)possibilidade de amamentar. Rev Gaúcha Enferm. 2010 mar;31(1):77-83. - 88. Li L, Liang LJ, Ding YY, Ji G. Facing HIV as a family: predicting depressive symptoms with correlated responses. J Fam Psychol. 2011 Apr;25(2):202-9. , 1212. Santos NJS, Barbosa RM, Pinho AA, Villela WV, Aidar T, Filipe EMV. Contextos de vulnerabilidade para o HIV entre mulheres brasileiras. Cad. Saúde Pública 2009;25(Suppl2): s321-33. - 1313. Faria ER, Gonçalves TR,Carvalho FT, Ruschel PP, Lopes RCS, Piccinini CA. Apego materno fetal em gestantes que vivem com HIV/aids. Estud Psicol. 2013 abr-jun;18(2):231-9. ) sobre temas relativos à gestação, ser mãe com HIV e amamentação, ao passo que é preciso considerar que a experiência do HIV/aids não se limita apenas a quem vive com o vírus, mas a quem convive e também assumi o papel de cuidador da criança.

O presente estudo reconhece a importância do apoio profissional à família que convive com HIV e do tratamento preventivo da criança no período pós-natal. Neste sentido, é importante entender a partir de quando esses familiares consideram que estão realizando o cuidado à criança e como eles vivenciam este início. À luz do questionamento 'como mães que vivem com HIV e/ou cuidadores experienciam o início do cuidado à criança exposta ao HIV, o presente artigo objetivou analisar a experiência de familiares no cuidado à criança filha de mãe com HIV para reduzir o risco de TV, com ênfase no início desta trajetória.

PERCURSO METODOLÓGICO

Essa pesquisa é oriunda de um estudo( 1414. Alvarenga WA. Cuidar da criança exposta ao vírus da imunodeficiência humana: uma leitura à luz do interacionismo simbólico [dissertação]. São Carlos (SP): Departamento de Enfermagem, Universidade Federal de São Carlos; 2014. ) maior sobre o cuidado à criança exposta ao HIV, em que foi utilizada uma abordagem qualitativa descritiva e o Interacionismo Simbólico como referencial teórico. A natureza desse referencial tem, basicamente, três premissas: o homem age de acordo com o significado que as coisas têm para ele, incluindo tudo que o ele poderia notar no seu mundo; o significado de tais coisas é derivado da interação com os outros; e os significados são manipulados e modificados através de processos interpretativos usados pela pessoa para lidar com coisas que ela encontra( 1515. Blumer H. Symbolic interacionism: perspective e method. Berkeley: University of California; 1986. ).

Os dados foram coletados em um hospital-escola, fundado na década de 70 e mantido com recursos do Sistema Único de Saúde, localizado no Nordeste do Brasil e considerado referência em assistência, prevenção e tratamento de pessoas vivendo com HIV/aids e crianças expostas, tanto para o Estado como para municípios de Estados circunvizinhos.

A coleta ocorreu no período de dezembro de 2012 a fevereiro de 2013. Participaram da pesquisa 24 mães, cinco pais e sete cuidadores (avós, tias e bisavó), totalizando 36 familiares de crianças nascidas de mães que vivem com HIV. Para serem selecionados, os participantes deveriam ser cuidadores e ter criança com idade de até 18 meses, sem a completa definição do diagnóstico de HIV e estar em acompanhamento no serviço referido. Os critérios de exclusão foram ser cuidador com idade inferior a 18 anos e desconhecer a condição sorológica de HIV da mãe e de exposição vertical da criança. Não houve definição prévia do número de participantes do estudo, interrompendo-se a coleta devido à saturação teórica dos dados, ou seja, quando dados novos não mais emergiram das entrevistas, sendo o objetivo do estudo alcançado, garantindo a compreensão do fenômeno( 1616. Fontanella BJB, Magdaleno Júnior R. Saturação teórica em pesquisas qualitativas: contribuições psicanalíticas. Psicol Estud. 2012;17(1):63-71 ).

O responsável pelo cuidado à criança e pelo acompanhamento no serviço foi abordado na sala de espera para a consulta da criança e convidado a se dirigir a uma sala reservada. Nesse local, havia o esclarecimento sobre os objetivos e a estratégia de coleta de dados, a partir da leitura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), bem como também lhe era assegurado o sigilo e a confidencialidade do relato. Os que aceitavam participar assinaram esse Termo, adentrando a pesquisa. A mãe que concordava em participar e que estava com algum acompanhante (pai, avó ou tia da criança), quase sempre solicitava a participação deles na entrevista. Estes também eram cuidadores e conheciam a condição da criança; portanto, ingressaram na pesquisa e também era solicitada a assinatura do TCLE.

Utilizou-se de entrevista semiestruturada, em um único encontro, áudiogravada, com duração média de 50 minutos. Esta ocorria coletivamente quando havia acompanhante, quando não, individualmente, sendo realizadas pela primeira autora que utilizou as seguintes questões norteadoras: "Como tem sido o cuidado realizado para prevenir à transmissão do HIV à criança? Conte-me quando tudo começou e como você vivenciou esse processo".

Os dados foram examinados, conforme a análise de conteúdo indutiva que consiste nas fases de preparar, organizar e relatar os resultados( 1717. Elo S, Kyngäs H. The qualitative content analysis process. J Adv Nurs. 2008;62(1):107-15. ). Nos primeiros passos da análise, referente à fase de preparação, ocorreu a coleta dos dados, a transcrição e a leitura das mesmas para obter o sentido do todo e posterior seleção das unidades de análise e de significado. Na etapa seguinte, denominada de organização, o caminho indutivo resultou na codificação e criação de categorias que foram agrupadas de modo que uma descrição geral do fenômeno foi formulada. Na última etapa, relataram-se os resultados descritos a partir do conteúdo das categorias, descrevendo-se o fenômeno a partir de uma linha histórica dos acontecimentos. Este estudo irá descrever o início dessa linha histórica, referindo-se ao princípio da trajetória de cuidados à criança.

Para preservar o anonimato, os participantes foram identificados pela posição que ocupavam em relação à criança (mãe, pai, avó, tia), seguido do número representativo da ordem de ingresso no estudo. Para garantir a confiabilidade, citações autênticas dos participantes foram utilizadas para demonstrar como as categorias foram formuladas; no entanto, alguns participantes não tiveram suas citações explicitadas por não trazer contribuições especificas ao recorte temporal deste estudo, mas foram fundamentais para a compreensão e delimitação da trajetória de cuidado à criança.

Essa pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de São Carlos (nº 112.500/2012), e as diretrizes contidas na Resolução CNS196 de 1996, em vigor na ocasião da elaboração e execução do projeto de pesquisa, foram respeitadas.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Este estudo traz o início da trajetória de cuidado à criança exposta ao HIV, a partir da gestação até o nascimento da criança. Dessa forma, as categorias: "Imaginar a criança com HIV", "Ter experiência pregressa" e "Desejar a criança, apesar de tudo" retratam a experiência e estão descritas abaixo.

Imaginar a criança com HIV

Imaginar-se com uma criança com HIV fez emergir sentimentos, principalmente de culpa, na mãe e familiares envolvidos no cuidado à criança, por se sentirem responsáveis ou incapazes de fazer algo por aquele desfecho: ter uma criança com risco de estar infectada.

É muito difícil! Eu fico preocupada o tempo todo com ele, com o neném. Fico pensando, com medo de ele ter o HIV, de passar para ele (Mãe1).

Eu fiquei muito triste quando foi descoberto que ela [neta] estava com aquela doença. Pensei tanta coisa. Eu pensei assim, se ela [neta] estivesse comigo, se ela morasse comigo, nada disso estava acontecendo com ela [bisneta] (Bisavó24).

A autoculpa é uma forma de enfretamento da situação( 55. Galvão MTG, Lima ICV, Cunha GH, Mindêllo MIA. Estratégias de mães com filhos portadores de HIV para conviverem com a doença. Cogitare Enferm. 2013 abr-jun;18(2):230-7. ). Para o Interacionismo Simbólico, a realidade nos é imposta a partir do momento que a interpretamos. É a contínua interação social que interfere no significado das coisas e na ação humana( 1515. Blumer H. Symbolic interacionism: perspective e method. Berkeley: University of California; 1986. ). A presença do vírus se reflete na experiência do cuidador e alicerça o medo e a culpa de ter uma criança com HIV. Apesar dos avanços no tratamento, estudos mostram que o diagnóstico positivo desta doença traz sofrimento para o indivíduo e seus familiares( 88. Li L, Liang LJ, Ding YY, Ji G. Facing HIV as a family: predicting depressive symptoms with correlated responses. J Fam Psychol. 2011 Apr;25(2):202-9. - 99. Freitas HMB, Backes DS, Pereira ADA, Ferreira CLL, Souza MHT, Marchiori MRCT et al. Understanding the family member of a child affected by human immunodeficiency virus/acquired immunodeficiency syndrome, from the perspective of complexity. Acta Paul Enferm. 2010;23(5):597-602. ), por ser relacionado à perda da identidade, morte, isolamento e impossibilidade de interagir socialmente; tudo isso passa a fazer parte do cotidiano de famílias e crianças( 99. Freitas HMB, Backes DS, Pereira ADA, Ferreira CLL, Souza MHT, Marchiori MRCT et al. Understanding the family member of a child affected by human immunodeficiency virus/acquired immunodeficiency syndrome, from the perspective of complexity. Acta Paul Enferm. 2010;23(5):597-602. ).

Outros familiares também se culpabilizaram pela criança estar sob risco e, principalmente, pela mãe ter adquirido HIV, como se o meio familiar estivesse associado à contensão da infecção, demonstrando que a família também é afetada pela doença. Estudos apontam que a família vivencia sentimentos de desordem, incerteza, culpa e impotência que, geralmente, vai se transformando com uma reorganização, embasada no conhecimento da doença( 99. Freitas HMB, Backes DS, Pereira ADA, Ferreira CLL, Souza MHT, Marchiori MRCT et al. Understanding the family member of a child affected by human immunodeficiency virus/acquired immunodeficiency syndrome, from the perspective of complexity. Acta Paul Enferm. 2010;23(5):597-602. - 1010. Rotheram-Borus MJ, Swendeman D, Lee SJ, Li L, Amani B, Nartey M. Interventions for families affected by HIV. Transl Behav Med. 2011 jun;1(2):313-26. ).

Quando a soropositividade é descoberta, antes ou durante a gestação, questiona-se sobre a possibilidade de transferir o HIV à criança, o que gera, além da culpa, medo, preocupação e sofrimento, que muitas vezes são vividos com o uso de drogas, pensamento de morte e desespero. Esses mesmos sentimentos e a insegurança pela possibilidade de transmissão do vírus para o filho, também foram resultados encontrados em outros estudos( 33. Oliveira FFD, Wernet M, Silveira AO, Dupas G, Alvarenga WA. Esperança da gestante soropositiva para o vírus da imunodeficiência humana. Cienc Cuid Saúde. 2012 out-dez;11(4):730-8. , 1818. Leal AF, Roese A, Souza AS. Medidas de prevención de la transmisión vertical del VIH empleadas por madres del ninõs seropositivos. Invest Educ Enferm. 2012 mar;30(1):44-54. ).

Para esquecer, eu bebia muito, saía, passava muito tempo calado. Passava pela minha cabeça ser castigado, dele não nascer saudável; porque eu fiz isso e não me preveni. Queria tirar minha própria vida (Pai26). Ele [marido] bebia muito quando eu estava grávida, porque pensava que iria acontecer alguma coisa com o neném (Mãe26).

Meu companheiro ficou tão ruim ao ver o meu estado, que ele começou a usar "pó" [drogas]. Depois de um período, eu notei e conversei com ele sobre o porquê de estar acontecendo aquilo. 'Porque eu descobri que você tem o vírus e eu não', ele disse. Aquilo para mim foi mais doloroso. Ele estava se culpando por eu ter o HIV e do filho dele poder ter também e ele não ter (Mãe25).

Na experiência da paternidade com e sem a soropositivadade houve diferenciação em relação aos sentimentos de culpa. O pai que vive com o vírus sentiu-se culpado e responsável pelo nascimento de uma criança exposta ao HIV, enquanto que, com o pai soronegativo, a culpa foi por ele não ter o HIV, não "compartilhando" com a companheira o sofrimento de ter o mesmo diagnóstico e a culpa pelo risco do filho.

Através de pesquisa( 88. Li L, Liang LJ, Ding YY, Ji G. Facing HIV as a family: predicting depressive symptoms with correlated responses. J Fam Psychol. 2011 Apr;25(2):202-9. ) realizada com indivíduos que vivem com HIV e seus familiares soronegativos, encontrou-se um maior número de sintomas depressivos em pessoas que vivem com o vírus. Apesar do estresse causado pela doença, para a família, os individuos que vivem com HIV são mais susceptiveis às doenças psicológicas( 88. Li L, Liang LJ, Ding YY, Ji G. Facing HIV as a family: predicting depressive symptoms with correlated responses. J Fam Psychol. 2011 Apr;25(2):202-9. ).

Diante deste diagnóstico e da possibilidade da contaminação do filho, pensamentos de acabar com a própria vida surgiram e foi igualmente encontrado em outras pesquisas( 44. Galvão MTG, Cunha GH, Machado MMT. Dilemas e conflitos de ser mãe na vigência do HIV/aids. Rev Bras Enferm. 2010 maio-jun;63(3):371-6. , 1717. Elo S, Kyngäs H. The qualitative content analysis process. J Adv Nurs. 2008;62(1):107-15. ). O uso de drogas também foi apontado em outro estudo, que mostrou proporções maiores em pessoas que vivem com HIV( 1212. Santos NJS, Barbosa RM, Pinho AA, Villela WV, Aidar T, Filipe EMV. Contextos de vulnerabilidade para o HIV entre mulheres brasileiras. Cad. Saúde Pública 2009;25(Suppl2): s321-33. ). Nos Estados-Unidos, os principais fatores para condições de riscos para famílias afetadas pelo HIV são: abuso drogas, saúde mental e os desafios parentais( 1010. Rotheram-Borus MJ, Swendeman D, Lee SJ, Li L, Amani B, Nartey M. Interventions for families affected by HIV. Transl Behav Med. 2011 jun;1(2):313-26. ).

Ter experiência pregressa

Alguns participantes já vivenciaram o cuidado à outra criança exposta ao HIV; ter experiência pregressa desencadeou sentimentos negativos ou positivos que interferiram no enfrentamento da nova situação. De acordo com o referencial teórico adotado( 1515. Blumer H. Symbolic interacionism: perspective e method. Berkeley: University of California; 1986. ), isso acontece porque o nosso passado entra em nossas ações, pensamos nele para definir a situação presente, apesar da causa da ação ser desdobrada no presente.

Familiaridade com o tratamento, tempo transcorrido desde a descoberta do diagnóstico de HIV, sucesso no tratamento da criança anterior, resultando na soronegatividade, são aspectos que positivamente interferiram no cuidado à criança sob estudo, no sentido de trazer tranquilidade e confiança. Observou-se que estresse, medo e desconhecimento foram mais evidentes no cuidado ao primeiro filho exposto ao HIV.

Desse daqui [segunda criança exposta], até que estou mais tranquila. Agora do outro [primeira criança exposta], eu estava mais agoniada, porque não sabia o que fazer; eu não sabia que estava com HIV. Eu vim saber depois que engravidei. [...] Já na gravidez do segundo filho eu fiz o tratamento completo. Ele foi planejado (Mãe28).

Cuidar dele está sendo mais tranquilo, porque eu já estava sabendo do que eu tinha. Já tinha feito todo o tratamento na minha primeira gravidez. Por isso, eu estou mais confiante. Agora, com a primeira [criança], foi aquela agonia (Mãe26).

Estudo traz que ter ou não experiências anteriores de maternidade de criança exposta parece não diminuir a ansiedade em relação ao diagnóstico de HIV do filho( 66. Goncalves TR, Piccinini CA. Experiencia da maternidade no contexto do HIV/aids aos três meses de vida do bebe. Psicol Teor Pesqui. 2008;24(4):459-70. ). No entanto, mães que descobriram sua sorologia na gestação da primeira criança, expressaram mais claramente o medo pela infecção, devido ao impacto da descoberta da doença estar mais recente e as mães ainda não possuírem muitas informações relativas à doença e ao tratamento( 66. Goncalves TR, Piccinini CA. Experiencia da maternidade no contexto do HIV/aids aos três meses de vida do bebe. Psicol Teor Pesqui. 2008;24(4):459-70. ).

Quando as mulheres conhecem o seu diagnóstico e já vivenciaram o gestar na presença do vírus, este momento parece ser mais brando, pois as experiências passadas lhe mostraram que, com a realização do tratamento preventivo, suas crianças poderiam nascer saudáveis( 1818. Leal AF, Roese A, Souza AS. Medidas de prevención de la transmisión vertical del VIH empleadas por madres del ninõs seropositivos. Invest Educ Enferm. 2012 mar;30(1):44-54. ). Isso aumenta a confiança das mães para o cuidado à outra criança exposta ao HIV, pois elas receberão, gratuitamente, a profilaxia durante a gravidez, parto e amamentação, podendo reduzir a taxa de TV para menos de 1%( 22. Ministério da Saúde (BR). Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para manejo da infecção pelo HIV em crianças e adolescentes. Brasília (DF); 2014. ).

Em contrapartida, a apreensão pelo diagnóstico e o risco de mais uma vez ter uma criança com HIV estão presentes, porém aumentados, quando o resultado da primeira criança foi de soropositividade. Sentimentos de culpa, algumas vezes, são revividos na nova experiência e encarados como castigo divino, por novamente ter exposto outra criança ao HIV.

Eu me senti magoada, até hoje me sinto. No pré-natal, me neguei a fazer teste do HIV. Eu me sinto culpada, se eu não tivesse negado eu não estaria com um filho com esse problema hoje. Já com ela é diferente. Eu fiz o meu pré-natal direitinho (Mãe27).

Eu penso em castigo divino. A menina [criança anterior] escapou, deu negativo; agora, tem o menino, que não foi programado. Era para termos parado na menina e cuidado dela. Por uma falha nossa, ela [esposa] engravidou [...]. Poxa, nós já tínhamos tirado "um peso" porque descobrimos que ela [criança anterior] não tinha [HIV]. Agora, a notícia da gravidez. É como um castigo. Vou ser castigado através de um filho, porque eu fiz muita coisa errada no passado (Pai26).

A mãe se considerou responsável por transmitir o vírus à criança e culpou-se por engravidar novamente ou por não ter realizado o tratamento profilático da criança anterior. Quando isso ocorre, a culpabilização por outras pessoas e sentimentos de vergonha, dor e angústia também estão presentes( 55. Galvão MTG, Lima ICV, Cunha GH, Mindêllo MIA. Estratégias de mães com filhos portadores de HIV para conviverem com a doença. Cogitare Enferm. 2013 abr-jun;18(2):230-7. ). A crença de que o HIV é um castigo de Deus e relacionado às práticas erradas do passado também foi apontado em outro estudo( 1919. Lyon ME, Garvie PA, Kao E, Briggs L, He J, Malow R et al. Spirituality in HIV-infected adolescents and their families: family centered (FACE) advance care planning and medication adherence. J Adolesc Health. 2011 jun;48(6):633-6. ), que afirmou que isso pode surgir junto com sentimentos de raiva, culpa e desejo de cometer suicídio.

Uma nova gestação faz a família reviver sentimentos de medo, culpa e tristeza que pareciam estar esquecidos após a descoberta da soronegativa do filho anterior. Isso porque, a gravidez traz consigo a lembrança constante do diagnóstico, o que gera grande ansiedade e preocupação com a sorologia do filho. Essa é uma interação negativa com a doença que resulta em desesperança, devido ao sofrimento acerca do resultado que irão obter da criança, pelo estigma de viver com o vírus e por considerar-se em risco de adoecimento e morte( 33. Oliveira FFD, Wernet M, Silveira AO, Dupas G, Alvarenga WA. Esperança da gestante soropositiva para o vírus da imunodeficiência humana. Cienc Cuid Saúde. 2012 out-dez;11(4):730-8. ).

Desejar a criança apesar de tudo

Apesar da presença do HIV, do momento da descoberta e do risco da TV, a criança foi tida como querida em todas as situações, mesmo quando não houve planejamento ou sendo o segundo caso de exposição vertical na família.

Meu sonho era ter um filho e Deus me deu [...]. Ela não foi planejada. [...] Às vezes, eu nem acredito que a tenho (Mãe16).

A minha filha foi planejada, nós fizemos todo o esquema porque o meu marido é soronegativo. Para mim, ela é um presente de Deus. Cada dia que eu passo com ela é um dia de vitória (Mãe27).

Quando eu descobri o problema, eu disse: Meu Deus, eu não posso ter filho, queria tanto um bebê!. Com o passar do tempo, eu fui vendo que não era assim! [...] Foi quando eu falei com meu marido: Chegou a hora, vamos ter um bebê! Fiz o tratamento certinho, o pré-natal; tomei a medicação, não faltava nas consultas. Tudo eu fiz, com a certeza de que ele não iria nascer com nenhum problema (Mãe9).

Não tenho nenhum tipo de rejeição. Desde quando eu soube que estava grávida e com a doença, pensei: Vou fazer de tudo para ele vir com saúde. O que eu puder fazer por ele, eu vou fazer. O que tiver ao meu alcance, eu vou fazer, porque ele não tem culpa (Mãe25).

Evidenciou-se que a presença do HIV não interferiu negativamente na maternidade e no vínculo estabelecido com a criança. Isso também foi demonstrado em uma investigação que comparou o apego materno fetal de gestantes que vivem com HIV e de gestantes não portadoras do vírus; tal resultado apontou que a presença da doença não afetou negativamente a relação mãe-bebê( 1313. Faria ER, Gonçalves TR,Carvalho FT, Ruschel PP, Lopes RCS, Piccinini CA. Apego materno fetal em gestantes que vivem com HIV/aids. Estud Psicol. 2013 abr-jun;18(2):231-9. ).

A chegada de uma criança, sendo a gestação planejada ou não, traz alegria para o ambiente, principalmente para a mãe. Apesar do diagnóstico de HIV, estudo aponta que, em geral, a maternidade é um desejo inerente às mulheres ou uma forma de dar continuidade à própria vida que foi interrompida pela presença do vírus( 44. Galvão MTG, Cunha GH, Machado MMT. Dilemas e conflitos de ser mãe na vigência do HIV/aids. Rev Bras Enferm. 2010 maio-jun;63(3):371-6. ). Sendo assim, elas procuram realizar o tratamento preventivo da TV com a expectativa de seus filhos terem uma vida saudável( 33. Oliveira FFD, Wernet M, Silveira AO, Dupas G, Alvarenga WA. Esperança da gestante soropositiva para o vírus da imunodeficiência humana. Cienc Cuid Saúde. 2012 out-dez;11(4):730-8. ). O planejamento de ter filhos também é retratado em outro estudo( 44. Galvão MTG, Cunha GH, Machado MMT. Dilemas e conflitos de ser mãe na vigência do HIV/aids. Rev Bras Enferm. 2010 maio-jun;63(3):371-6. ).

Além disso, neste estudo houve aquelas que não planejaram a gestação. Com isso, surge a dúvida se a questão do planejamento familiar está sendo abordada junto às pessoas que vivem com o HIV. O conceito de planejamento familiar presente nas políticas de saúde, que consiste em apresentar ações com a finalidade de auxiliar os indivíduos quanto à concepção ou prevenção de gravidez não planejada, ainda é um desafio( 22. Ministério da Saúde (BR). Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para manejo da infecção pelo HIV em crianças e adolescentes. Brasília (DF); 2014. ).

Ao saber-se grávida, a mãe faz tudo que está ao seu alcance para evitar a transmissão, pois a criança é vista como vítima na situação. Ela passa a ser bem-vinda em meio ao sofrimento causado pela presença do HIV e das dificuldades vivenciadas no tratamento.

Ela é uma glória. A bisavó da neném diz: "essa menina é um 'doce' que nasceu. Se não fosse ela [neném], iríamos perder minha neta [esposa]". Porque um amigo nosso, quando tomou conhecimento [do HIV], logo morreu. Se não fosse pela criança, talvez, quando nós descobríssemos, iríamos morrer (Pai3).

Evidenciou-se que a criança foi vista como a possibilidade de resgatar a vida dos pais, já que sua vinda ao mundo permitiu-lhes conhecer suas sorologias, proporcionando-lhes a oportunidade de realizar o autocuidado e o tratamento do bebê.

Este aspecto também foi encontrado em estudo( 33. Oliveira FFD, Wernet M, Silveira AO, Dupas G, Alvarenga WA. Esperança da gestante soropositiva para o vírus da imunodeficiência humana. Cienc Cuid Saúde. 2012 out-dez;11(4):730-8. ), cuja descoberta da gestação esteve relacionada à oportunidade de descobrir a soropositividade. A busca pelo entendimento da experiência de sofrimento influencia no processo, nos resultados do adoecimento e no enfretamento da situação( 2020. Caixeta CRCB, Nascimento LC, Pedro ICS, Rocha SMM. Spiritual support for people living with HIV/aids: a Brazilian explorative, descriptive study. Nurs Health Sci. 2012;14:514-9. ).

Neste estudo, a descoberta do HIV foi resignificada com a vinda da criança, que foi fonte de força, alegria e o motivo principal para o enfrentamento da doença. Nesse sentido, a mãe motivou-se para fazer o pré-natal e seguir todas as recomendações recebidas do profissional de saúde, que apareceu neste momento para orientar e dar esperança de que é possível evitar a infecção na criança.

Em relação à criança, eu fiquei muito feliz; ela me deu força. Eu fiquei desesperada, chorava demais. Depois eu parei para pensar nela. Agora, minha única preocupação era o medo de passar para ela; por isso eu fiz tudo direito [...]. O médico disse: "Se você fizer o tratamento direitinho, você só corre dois riscos: se amamentar e na hora do parto. Por isso é que você tem que fazer tudo direitinho, que é para não correr esse risco" (Mãe3).

Eu só não tirei a minha vida porque eu pensei em primeiro lugar nele [criança], mas foi difícil, foi difícil! (Mãe25).

Hoje, eu procuro ter força. Ele me deu uma força, uma alegria a mais, mas ainda tenho uma pequena depressão (Pai 26).

Movida pela esperança da não TV, a mãe fez tudo que esteve ao seu alcance para evitar a transmissão à criança e o sentimento de culpa que isso resultaria. O compromisso materno com os cuidados para não ocorrer a contaminação da criança assemelha-se a de outros estudos( 33. Oliveira FFD, Wernet M, Silveira AO, Dupas G, Alvarenga WA. Esperança da gestante soropositiva para o vírus da imunodeficiência humana. Cienc Cuid Saúde. 2012 out-dez;11(4):730-8. , 1313. Faria ER, Gonçalves TR,Carvalho FT, Ruschel PP, Lopes RCS, Piccinini CA. Apego materno fetal em gestantes que vivem com HIV/aids. Estud Psicol. 2013 abr-jun;18(2):231-9. , 1818. Leal AF, Roese A, Souza AS. Medidas de prevención de la transmisión vertical del VIH empleadas por madres del ninõs seropositivos. Invest Educ Enferm. 2012 mar;30(1):44-54. ), em que as mulheres iniciam seu tratamento medicamentoso o mais breve possível e frequentam as consultas de pré-natal para reduzir a probabilidade de ocorrência da TV. Receberam a informação de que se o tratamento for realizado corretamente, há maior possibilidade da criança soronegativar( 33. Oliveira FFD, Wernet M, Silveira AO, Dupas G, Alvarenga WA. Esperança da gestante soropositiva para o vírus da imunodeficiência humana. Cienc Cuid Saúde. 2012 out-dez;11(4):730-8. , 1818. Leal AF, Roese A, Souza AS. Medidas de prevención de la transmisión vertical del VIH empleadas por madres del ninõs seropositivos. Invest Educ Enferm. 2012 mar;30(1):44-54. ). A recomendação é para que a mulher inicie o esquema da profilaxia da TV entre a 14ª a 28ª semana de gestação( 22. Ministério da Saúde (BR). Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para manejo da infecção pelo HIV em crianças e adolescentes. Brasília (DF); 2014. ), destacando-se a importância da realização do pré-natal e do incentivo do profissional de saúde à mulher, para obter eficácia nessas medidas de prevenção.

O serviço de saúde valoriza o nascimento de crianças saudáveis e isso reforça a decisão da mulher para cuidar de si, na esperança de evitar a TV. Adiciona-se a isto a visão de inocência da criança como não merecedora dessa condição e o não desejo de que ela vivencie o estigma de viver com HIV( 33. Oliveira FFD, Wernet M, Silveira AO, Dupas G, Alvarenga WA. Esperança da gestante soropositiva para o vírus da imunodeficiência humana. Cienc Cuid Saúde. 2012 out-dez;11(4):730-8. ). Focar na criança nesse momento, visando à possibilidade dela não vir a ter o HIV, significa na visão interacionista, o entendimento de que o individuo sabe o que está fazendo e para que, de modo a interpretar as significações dos seus próprios gestos e a reação que suas ações provocam no outro, no caso a criança. Assim, utiliza-se da reação no outro para o controle do seu próprio comportamento( 1515. Blumer H. Symbolic interacionism: perspective e method. Berkeley: University of California; 1986. ).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Foi possível apreender como mães que vivem com HIV e/ou cuidadores experienciam o início do cuidado à criança exposta ao HIV. A experiência de cuidado se iniciou com a luta da mãe pela não transmissão do vírus, ainda durante a gestação. Esse começo foi intenso e houve uma re/significação da doença e gestação. Vários sentimentos perpassaram essa experiência ou eram revividos, principalmente quando houve o nascimento de outra criança exposta ao HIV na família. Evidenciou-se o compromisso com o tratamento, o amor e a dedicação da mãe/cuidador para com a criança, concebida como fonte de alegria e vida para a família.

Como limitações do estudo, considera-se ter sido a estratégia para a coleta de dados, realizada em apenas um encontro e durante a consulta da criança. A sua realização em horário diferente ao da consulta e com outros membros familiares envolvidos no cuidado à criança, que conheçam o diagnóstico da mãe, poderia ampliar a apreensão do objeto de estudo.

Como implicações para pesquisas futuras, sugere-se a inclusão de outros familiares e o contexto domiciliar de cuidado como potentes para expandir o corpo de conhecimento da Enfermagem/Saúde e aprofundar o fenômeno de viver com HIV ou com o risco.

Entender a trajetória de cuidado à criança pode sensibilizar o profissional de saúde, com destaque à Enfermagem, para as necessidades da mãe, criança e família. Acredita-se que compreender com profundidade e clareza este processo de viver o início do cuidado à criança pode reduzir o risco de TV, pois nos possibilitará, inclusive, descobrir caminhos para melhor ajudar nas dificuldades e na implementação do tratamento preventivo ao longo da trajetória de confirmação do diagnóstico.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep 2014

Histórico

  • Recebido
    29 Nov 2013
  • Aceito
    28 Jul 2014
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