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Os profissionais da saúde e a higienização das mãos: uma questão de segurança do paciente pediátricoa a Artigo extraído da tese de doutorado "HM que cuidam da criança hospitalizada: uma questão de segurança", apresentada em 2013 no Programa de Pós-graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Resumos

Estudo qualitativo descritivo com objetivo de analisar como a formação acadêmica sobre a higienização das mãos (HM) contribui para a segurança do paciente pediátrico. Realizado em um hospital universitário do sul do Brasil, nas unidades de internação pediátrica no período de agosto a dezembro de 2012. Participaram 16 profissionais da saúde (médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem e fisioterapeutas). Para a coleta das informações, utilizou-se entrevista semiestruturada. Os dados foram organizados pelo software QSR Nvivo e analisados pela técnica de análise temática de conteúdo. Os resultados permitiram elencar duas categorias temáticas: "A HM e a formação acadêmica do profissional de saúde"; e "A HM e a vida profissional". Neste manuscrito será apresentada a primeira. Constatou-se que a formação acadêmica contribui de forma pouco efetiva para a criação de uma cultura de segurança do paciente. Existem lacunas, sob a ótica dos profissionais, durante o processo formativo quanto a temática da higienização das mãos. A mesma é tratada de forma pouco eficaz e significativa, para o aprendizado como parte inerente da profissão. Recomenda-se que para tal introjeção dos futuros profissionais, seja importante uma abordagem de forma transversal, contínua, sistemática e foco de avaliações sobre a durante toda a formação, assim como tema de reflexões para os formadores em saúde.

Higiene das mãos; Pediatria; Segurança do paciente; Enfermagem; Educação em saúde; Pessoal de saúde


This paper is a qualitative descriptive study, which aims to analyze how the academic education concerning hand hygiene contributes to the pediatric patient safety. This research was developed in an university hospital in Southern Brazil, in the pediatric unit, during the period of August to December, 2012. Sixteen healthcare professionals participated (doctors, nurses and physical therapists). A semi-structured interview was used to gather information. Data was organized by the software QSR Nvivo and analyzed using the content analysis technique. The results allowed us to list two thematic categories: "Hand hygiene and healthcare professionals' academic education"; and "Hand hygiene and professional life". The first thematic category will be presented in this paper. It was identified that the academic education contributes in an ineffective way to the creation of a patient safety culture. According to the professionals, there are gaps during the educational process regarding hand hygiene. The topic is treated in an ineffective and not very significant way to the learning and adhesion of hand hygiene in the professional life. It is recommended that, for the internalization of the practice by future professionals, a transversal, continuous and systematical approach is adopted during the professional's training, evaluations concerning the hand hygiene are done throughout the academic life as well as healthcare professors bethink the topic.

Hand hygiene; Pediatrics; Patient safety; Nursing; Health education; Health personnel


Estudio cualitativo descriptivo con el objetivo de analizar cómo la formación académica en el lavado de las manos contribuye para la conciencia de una seguridad del paciente pediátrico. Fue desarrollado por un hospital universitario en el sur de Brasil, entre agosto y diciembre de 2012, en las unidades de hospitalización pediátrica. Participaron 16 profesionales de la salud. (médicos, enfermeras, técnicos de enfermería y fisioterapeutas). Para recolectar la información, se utilizo de entrevista semiestructurada. Los datos fueron organizados y procesados por el software QSR Nvivo, y analizados mediante la técnica de análisis temático del contenido. Los resultados permitieron enumerar dos categorías temáticas: "El lavado de las manos y la formación académica del profesional de salud"; y "El lavado de las manos y la vida profesional". En este manuscrito se mostrará la primera. Se observó que la formación académica contribuye de forma incipiente para la creación de una cultura de seguridad del paciente. Se observó que existen lagunas en el proceso de formación del profesional de la salud en relación con el tema del lavado de las manos no ser tratado de manera significativa tanto en el aprendizaje y en la introyección como parte inherente de la profesión. Se recomienda que para tal introyección de los futuros profesionales, sea importante un abordaje transversal continuo, sistemático y con enfoque en evaluaciones sobre y durante toda la formación, así como tema de reflexiones para los formadores en salud.

Higiene de las manos; Pediatría; Seguridad del paciente; Enfermería; Educación en salud; Personal de salud


INTRODUÇÃO

A partir de vivências de um hospital universitário de grande porte na área pediátrica observaram-se situações em que uma das medidas básicas para evitar a disseminação de germes - a higienização das mãos (HM) - algumas vezes não era realizada. Apesar do incentivo da instituição à adesão à prática da HM, esta permanece aquém do esperado( 11. Ministério da Educação (BR), Secretaria de Educação Superior, Hospital de Clinicas de Porto Alegre. Relatório de gestão: exercício 2009. Porto Alegre (RS); 2010. ). Acredita-se que as experiências vividas pelos profissionais durante o processo formativo possam influenciar no desempenho dessa prática no cotidiano de trabalho.

Essas questões são preocupantes, principalmente no cuidado à criança pelo fato da hospitalização infantil exigir uma proximidade maior dos profissionais na realização de cuidados e, consequentemente, necessitar frequentemente de HM. Quando a criança está desacompanhada, a demanda aumenta consideravelmente. Além da realização dos cuidados gerais da criança, os cuidados de higiene e conforto exigem intervenções frequentes dos profissionais, tanto nas trocas de fraldas quanto no auxílio para uso do sanitário. Há, ainda, os cuidados com a alimentação, a administração de medicações, a realização de curativos e outros procedimentos que, muitas vezes, necessitam de mais de um profissional envolvido. Também, no cuidado à criança, muitas vezes é necessário o acalento e o colo. Assim, muitas situações da hospitalização infantil podem interferir na garantia de um cuidado seguro ao paciente pediátrico no contexto da transmissão de infecções relacionadas à assistência, por meio das mãos não higienizadas corretamente nos momentos adequados.

No Brasil, a Portaria nº 529, de 1º de abril de 2013, institui o Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP) com o objetivo geral de contribuir para a qualificação do cuidado em todos os estabelecimentos de saúde do território nacional( 22. Ministério da Saúde (BR). Portaria nº 529, de 1º de abril de 2013: institui o Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP) [Internet]. Brasília (DF) ; 2013 [cited 2014 jan 4]. Available in: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2013/prt0529_01_04_2013.html.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis...
). Em nível mundial, desde 2004, a Aliança Mundial para Segurança do Paciente, tem como principal proposta instituir medidas para aumentar a segurança do paciente e a qualidade dos serviços de saúde. A aliança trata a HM como uma prioridade e como um dos componentes básicos da segurança do paciente, frente à contaminação por germes do ambiente hospitalar. Diante das evidências de que as mãos dos profissionais estão envolvidas na disseminação de infecções no ambiente hospitalar, a OMS lançou O Primeiro Desafio Global para a Segurança do Paciente, com o lema Clean Care is Safer Care (Uma assistência limpa é uma assistência segura). A campanha visava reduzir a ocorrência de infecções relacionadas à assistência à saúde (IRAS) por meio da HM( 33. World Health Organization (CH). First global patient safety challenge clean care is safer care save lives: clean your hands - report of country campaigns meeting. Geneva; 2009. ).

Conforme a Classificação Internacional para a Segurança do Paciente (ICPS), a segurança do paciente pode ser definida como a redução, a um mínimo aceitável, do risco de dano desnecessário associado ao cuidado de saúde. Nesse contexto, a HM adequada das mãos deve ser seguida rigorosamente em todas as situações para garantir a segurança do paciente( 44. Proqualis, Centro colaborador para a qualidade do cuidado e a segurança do paciente. Taxonomia: classificação internacional para a segurança do paciente (ICPS) [Internet][slide]. Rio de Janeiro (RJ); 2010 [cited 2014 jan 10]. Available in: http://proqualis.net/sites/proqualis.net/files/000000656WAuTm7.ppt
http://proqualis.net/sites/proqualis.net...
).

Sabe-se que a criança hospitalizada necessita de atenção diferenciada dos profissionais de saúde devido à sua fragilidade e às peculiaridades inerentes ao seu processo de crescimento e desenvolvimento( 55. Schatkoski AM, Wegner W, Algeri S, Pedro EVR. Safety and protection for hospitalized children: literature review. Rev Latino-Am Enfermagem. 2009;17(3):410-6. ). Entretanto, um estudo que descreveu o comportamento de profissionais de saúde de um hospital pediátrico em Botucatu em relação à HM revelou que, em apenas 7% das observações, os participantes higienizaram as mãos antes de realizar o procedimento; e ainda, dentre estes, metade não seguiu os passos corretos da técnica. O estudo concluiu que existe baixa adesão dos profissionais de saúde à higienização antes de procedimentos com crianças( 66. Corrêa I, Nunes, IMM. Higienización de las manos: el cotidiano del profesional de la salud en una unidad de internación pediátrica. Invest Educ Enferm. 2011;29(1):54-60. ).

Infere-se que um dos fatores contribuinte para a baixa adesão, possa ser o processo formativo, uma vez que é durante a formação que o aluno se prepara para a vida profissional. Nos cursos de graduação em saúde, geralmente a temática de HM e controle de infecção é abordada nas fases iniciais, antes de o aluno ingressar nas atividades práticas. Nas fases finais essas questões podem ficar subentendidas e espera-se que o aluno, quando em campo de estágio, já tenha consciência da importância da HM.

Estudos realizados com alunos em diferentes etapas de cursos de graduação da área da saúde observaram falhas e deficiências na abordagem das questões relacionadas à HM, inferindo que o processo formativo interfere na adesão à HM( 77. Felix PCC, Miyadahira AMK. Avaliação da técnica de lavagem das mãos executada por alunos do curso de graduação em enfermagem. Rev Esc Enferm USP. 2009;43(1):139-45.

8. Aires S, Carvalho E, Aires E, Calado E, Aragão E. Avaliação dos conhecimentos e atitudes sobre precauções padrão: controlo de infecção dos profissionais de saúde de um hospital central e universitário português. Acta Med Port. 2010;23:191-202.
- 99. Souza ACS, Neves HCC, Tipple AFV, Santos SLV, Silva CF, Barreto RAS. Conhecimento dos graduandos de enfermagem sobre equipamentos de proteção individual: a contribuição das instituições formadoras. Rev Eletron Enferm. 2008;10(2):428-37. ).

Considerando-se que a temática da segurança do paciente pediátrico representa, ainda, uma lacuna do conhecimento que merece ser explorada, bem como o fato de existir poucas publicações sobre o tema no cenário nacional,( 55. Schatkoski AM, Wegner W, Algeri S, Pedro EVR. Safety and protection for hospitalized children: literature review. Rev Latino-Am Enfermagem. 2009;17(3):410-6. ) realizou-se esse estudo, cujo objetivo foi analisar como a formação acadêmica sobre a HM contribui para a segurança do paciente pediátrico.

METODOLOGIA

Estudo qualitativo descritivo realizado no Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), no Rio Grande do Sul, Brasil. O HCPA é um hospital público e universitário, sendo um dos principais responsáveis pelo atendimento aos pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) na capital gaúcha. Participaram 16 profissionais da equipe de saúde, das Unidades de Internação Pediátrica com atuação direta junto à criança (médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, fisioterapeutas) formados em até 10 anos. Excluiu-se psicólogos, nutricionistas, auxiliares de nutrição, de higienização, entre outros, que não tinham contato direto com a criança.

Convidou-se aproximadamente 40 profissionais para o estudo. Após, foi organizada uma lista dos interessados, separados por categorias profissionais. Posteriormente, sorteou-se os participantes aleatoriamente, totalizando 16 profissionais (quatro de cada categoria profissional dos turnos manhã e tarde).

Os dados foram coletados de agosto a dezembro de 2012, utilizando-se entrevistas semiestruturadas com as questões norteadoras: Fale sobre o que você lembra de sua formação quanto à HM ? Como foi requisitada ou abordada essa técnica durante a formação? Em que momento?

As entrevistas duraram aproximadamente 30 minutos e ocorreram fora do turno de trabalho e foram gravadas e transcritas, sendo submetidas à análise temática de conteúdo( 1010. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 8. ed. São Paulo: Hucitec; 2004. ), seguindo as etapas:

1ª) Pré-análise: seleção do material, conforme os objetivos do estudo, na busca por informações que indicassem o caminho da interpretação.

2ª) Exploração do material: organização e codificação pelo software Qualitative Solutions Research (QSR) Nvivo10. Esse software representa uma ferramenta para operacionalização de pesquisas qualitativas( 1111. Guizzo BS, Krziminski CO, Oliveira DLLC. O software QRS Nvivo 2.0 na análise qualitativa de dados: ferramenta para a pesquisa em ciências humanas e da saúde. Rev Gaúcha Enferm. 2003;24(1):53-60. ). Após, elencou-se as categorias: "Higienização das mãos e formação acadêmica do profissional de saúde"; e "Higienização das mãos e a vida profissional". Neste manuscrito será apresentada apenas a primeira.

3ª) Tratamento e interpretação dos resultados obtidos: inferências e interpretações fundamentadas no referencial teórico.

A pesquisa seguiu a Resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde, e foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do HCPA (nº 120.192).

Os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em duas vias. Utilizou-se a letra "P" seguida de um número para preservar a identidade dos participantes.

Destaca-se que este artigo foi extraído da tese de doutoramento: "Higienização das mãos que cuidam da criança hospitalizada: uma questão de segurança"( 1212. Botene DZA. Higienização das mãos que cuidam da criança hospitalizada: uma questão de segurança [tese]. Porto Alegre: Escola de Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2013. ).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Participaram quatro enfermeiras, quatro técnicos de enfermagem, quatro fisioterapeutas e quatro médicos, todos do sexo feminino. A média de idade foi de 31,9 anos. Quando separados por categorias profissionais, os fisioterapeutas encontravam-se formados há 11,7 anos; os enfermeiros, há sete anos; os técnicos de enfermagem há 9,7 anos; e os médicos, há 2 anos em média. Em geral, os profissionais exerciam a profissão há 7,4 anos em média e trabalhavam na pediatria há aproximadamente 2 anos.

Higienização das mãos e formação acadêmica do profissional de saúde

A lembrança dos participantes sobre a abordagem da HM durante o processo formativo reflete a importância atribuída à temática. Observa-se a pouca exigência da execução da técnica por parte dos professores durante as atividades práticas, no relato dos participantes do estudo:

Eu me lembro que eu tive uma disciplina [...] a professora começou a disciplina com essas questões bem básicas, assim, de lavagem de mão, prender o cabelo [...] a gente achava que não tinha importância na época, isso foi no início da faculdade, e aí depois durante os estágios [...] Na teoria foi abordado e na prática não era cobrado [...] não era uma cobrança a lavagem de mãos. Nunca foi uma cobrança durante a prática. (P4)

Não eram todos. Alguns professores que davam cadeiras mais assim... das aulas prática que cobravam. Das cadeiras mais teóricas não cobravam.(P5)

Eu não me lembro nem da teoria e nem de prática [...] eu não me lembro de ter tido aula e nem de frisar a importância explicando da transmissão isso e aquilo, eu não me lembro.(P7)

Esses relatos reforçam a necessidade da abordagem contínua da HM durante a formação acadêmica, sendo esse, ainda,um dos grandes desafios do ensino da área da saúde( 1313. Tipple AFV, Sá AS, Mendonça KM, Sousa SCS, Santos SLV. Técnica de higienização simples das mãos: a prática entre acadêmicos da enfermagem. Cienc Enferm. 2010;16(1):49-58. ). O ensino dessa temática, tratada quase sempre em semestres iniciais dos cursos e de forma enfática, talvez não tenha repercussão efetiva para os estudantes uma vez que a HM é uma prática que não se associa a uma atividade profissional específica: é aprendida por todas as pessoas desde a infância e incorpora-se ao seu cotidiano. Esse fato pode favorecer o equivocado e perigoso entendimento, por parte dos futuros profissionais, de que esse procedimento é menos importante do que outros mais complexos que eles precisam aprender durante o curso, tais como realização de curativos, aspiração das vias aéreas, cirurgia, entre outros. No entanto, não apenas todos esses procedimentos como também toda a assistência ao paciente podem ser prejudicados pela falta do "simples" ato de HM comprometendo a segurança dos pacientes. O desafio da formação em saúde quanto à temática de HM a fim de formar profissionais comprometidos com a adesão à HM deve ser amplamente enfatizada( 1313. Tipple AFV, Sá AS, Mendonça KM, Sousa SCS, Santos SLV. Técnica de higienização simples das mãos: a prática entre acadêmicos da enfermagem. Cienc Enferm. 2010;16(1):49-58. ), sendo um tema transversal na formação dos profissionais da saúde, devendo ser instigada, exigida e avaliada. No entanto, a maneira como a HM foi abordada nos relatos indica que essa temática foi pouco explorada durante a formação. Segundo os depoimentos, a técnica de HM foi abordada, mas sua necessidade e importância não foram enfaticamente ressaltadas. Além disso, é possível inferir que, quando abordada, foi na forma de orientações em meio a discussões informais associadas a procedimentos.

Acho que ela tá mais ligada, na minha lembrança, assim, da graduação ao procedimento, ao contato com o paciente, mais nesse sentido. De que se tem controle de infecção, de um paciente e outro, antes de fazer alguma coisa no paciente, depois de fazer alguma coisa no paciente. É disso que eu me lembro. (P5)

Se foi [abordada], foi teórica, assim, foi de conversa nada formal, sabe, nada de fazer teste sobre isso ou uma prática específica. Como tu lava tuas mãos, uma coisa assim mais... não teve.( P8)

[...] eu não me lembro, ou pelo menos não marcou. Eu não me lembro de nenhuma, assim, coisa formal. Alguma aula, disciplina, eu não me lembro. [...] Olha eu acho que nem nas de aula de cirurgia! (P9)

Não, nunca tive aula teórica, só assim quando a gente estudava cada doença, sempre era lembrada a importância de lavar, mas nada assim de aula teórica ou prática da HM. (10)

Então eu não tinha essa noção de antes do contato de um paciente para o outro. Eu pensava mais em mim na verdade. Mas foi na pratica, foi eu acho, em introdução a enfermagem quando a professora falava de lavagem de mãos.(13)

[...] era mais coisa voltada assim pra enfermagem antes de procedimento entende, não como uma coisa preventiva de gripe, por exemplo.( 14)

Pode-se perceber que alguns participantes referiram que o tema foi abordado associado ao procedimento, sem aprofundamento dos fatores envolvidos no processo. Lembranças relacionadas à importância, à cobrança na prática e até mesmo ao aprofundamento do conteúdo, não apareceram nos relatos, portanto se depreende que essa temática foi pouco marcante no período formativo dos entrevistados.

O fato da formação acadêmica, contemplar a HM associada ao procedimento reveste-se de preocupação, pois nessa perspectiva, podem ser desconsiderados pelo aluno os diversos momentos em que a higienização é necessária, como o toque na criança, o alcance do bico ou de um brinquedo que caiu no solo, como ilustram os depoimentos:

A gente tem que encostar muito na criança para poder examinar. (P9)

Aqui na pediatria é mais complicado de gerenciar. Como uma criança que está chorando porque o bico caiu. A mãe do outro olha para o lado não tem ninguém no quarto, ela vai lá botar o bico da criança, é isso que em pediatria é difícil. (P16)

Na época de verão que tem muita diarréia fica mais evidente, assim, que a lavagem de mão é tudo porque começa diarréia num leito e se espalha por todos.(P7)

É que na pediatria, como a gente tem muitas crianças com bronquiolite [...] tem que cuidar. Então desde o início, assim, sempre cuidei bastante. (P11)

[...] a gente orienta as mães antes de entrar pra visitar o filho, a primeira coisa é lavar as mãos.(P14)

A gente sempre tem que estar reorientando; "olha fica com o teu filho, não toca no filho do lado, lava as mãos antes, quando sai e entra na enfermaria ou no quarto (15)

Considera-se que a prática profissional seja um reflexo do processo ensino-aprendizagem, sendo o período da graduação fundamental para o desenvolvimento das competências do futuro profissional( 88. Aires S, Carvalho E, Aires E, Calado E, Aragão E. Avaliação dos conhecimentos e atitudes sobre precauções padrão: controlo de infecção dos profissionais de saúde de um hospital central e universitário português. Acta Med Port. 2010;23:191-202. ). Na área da criança a conscientização e a incorporação da HM em campo de práticas pode enfrentar o desafio de superar o "encantamento" com o paciente pediátrico. No decorrer da vida profissional, principalmente pelas particularidades inerentes ao cuidado pediátrico pode existir a necessidade de conciliar as medidas de precaução contra infecções com as demonstrações de afeto entre profissionais e crianças, como se observa nos depoimentos:

Uma coisa só que eu noto porque já estive com alunos, principalmente quando estão com os bebês: "ai que bonitinho" então envolve criança, aí toda precaução passa desapercebida se ela não é bem fixada. (P6)

Porque isso também existe, tu ta andando no corredor a criança vem e te pega (...) nada impede que uma criança venha correndo no corredor e se jogue para te abraçar. (P2)

[...] vezes a gente convive com crianças dois, três, cinco meses. [...] Então é impossível tu não ter um mínimo de afeto, de vínculo... se eu encontro alguém no corredor, eu brinco, eu beijo, eu abraço, sabe... até dá as vezes um pouco de pena, eu acho,daí a gente acaba tendo essas atitudes, mas é impossível assim tu não te envolver com eles assim.(P3)

Apesar de muitos profissionais de saúde ainda não incorporarem essa prática em suas rotinas de trabalho( 1414. Herbert VG, Schlumm P, Kessler HH, Frings A. Knowledge of and adherence to hygiene guidelines among medical students in Austria. Interdiscip Perspect Infect Dis. 2013;2013:802930-6.

15. Dixit D et al. Attitudes and beliefs about hand hygiene among pediatric residents: a qualitative study. BMJ Open. 2012;2(6):2188-6.
- 1616. Ministério da Saúde (BR), Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Segurança do paciente em serviços de saúde: higienização das mãos. Brasília (DF); 2009. ). A fala de alguns participantes demonstra a preocupação com a questão das IRAS:

Porque as infecções hospitalares elas não vem do além, elas se cruzam de alguma forma e a gente está tentando apontar o dedo... não é apontar o dedo para que alguém assuma a culpa. É tentar fazer que toda máquina ande melhor porque tem algum furo que ainda não está descrito.(P16)

Eu acho que as pessoas estão se acostumando mais, assim, a lavar as mãos também até pela forma como é abordada. Toda hora tem alguém falando, na passagem de plantão a enfermeira lembra: olha, vamos fazer os cinco passos, vamos higienizar as mãos, então é falado, é cobrado. [...] eu acho que tem mais adesão, não sei.(P2)

A maioria dos entrevistados refere que o tema foi abordado na fase inicial da graduação. Um dos depoimentos destaca que a temática não foi abordada. Esse depoimento pode significar: a falta de lembrança de um egresso, a ausência do mesmo quando a temática foi abordada ou, ainda, indicar que a temática não foi relevante durante seu processo formativo.

Nada! Nunca me ensinaram a lavar as mãos na faculdade! Nunca, na faculdade, não.( P16)

Eu lembro que quando a gente começou semiologia , lá no comecinho, nos ensinavam, assim, que tinha que lavar as mãos. (11)

É eu acho que, assim, orientações de professores... quando a gente iniciou no hospital assim, quando começou semiologia, mas que eu me lembre isso.(12)

Pelo que se observa nos depoimentos, é possível inferir que o tema da HM , ao ser tratado de forma pouco enfática na formação, pode contribuir para que os profissionais não priorizem esse ato e não o relacionem à segurança dos pacientes quando iniciam no mercado de trabalho. Conforme a Portaria nº 529, de 1º de abril de 2013, que institui o PNSP, um dos objetivos específicos do programa é fomentar a inclusão do tema segurança do paciente no ensino técnico, na graduação e na pós-graduação na área da saúde( 22. Ministério da Saúde (BR). Portaria nº 529, de 1º de abril de 2013: institui o Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP) [Internet]. Brasília (DF) ; 2013 [cited 2014 jan 4]. Available in: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2013/prt0529_01_04_2013.html.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis...
). Considera-se que formar profissionais capazes de atuar com senso de responsabilidade promovendo a saúde integral do ser humano implica formar trabalhadores comprometidos com a segurança do paciente.

Um estudo realizado em um curso de graduação de uma instituição de Ensino Superior em São Paulo demonstrou que a higienização adequada das mãos diminuiu à medida que os graduandos avançavam na sua formação. Durante o segundo ano, 17,6% executaram adequadamente a técnica de HM, no terceiro ano, esse número caiu para 9,5% e no quarto ano, nenhum aluno( 66. Corrêa I, Nunes, IMM. Higienización de las manos: el cotidiano del profesional de la salud en una unidad de internación pediátrica. Invest Educ Enferm. 2011;29(1):54-60. ). Os pesquisadores associam esses achados à distância temporal dos semestres iniciais em que a técnica foi ensinada e ao exemplo profissional( 66. Corrêa I, Nunes, IMM. Higienización de las manos: el cotidiano del profesional de la salud en una unidad de internación pediátrica. Invest Educ Enferm. 2011;29(1):54-60. ).

Em nível internacional, um estudo desenvolvido na Áustria, com o objetivo de avaliar o conhecimento sobre a HM e a adesão a essa prática entre alunos de medicina do terceiro ano, revelou que 70% dos alunos consideraram seu conhecimento em relação à temática excelente ou bom. Entretanto, apenas 49% dos estudantes relataram adesão à HM conforme preconizado pela OMS( 1414. Herbert VG, Schlumm P, Kessler HH, Frings A. Knowledge of and adherence to hygiene guidelines among medical students in Austria. Interdiscip Perspect Infect Dis. 2013;2013:802930-6. ).

Esses estudos chamam a atenção para as baixas taxas de adesão referidas pelos graduandos de cursos da área da saúde que os preparam para cuidar e tratar das pessoas( 55. Schatkoski AM, Wegner W, Algeri S, Pedro EVR. Safety and protection for hospitalized children: literature review. Rev Latino-Am Enfermagem. 2009;17(3):410-6. , 1111. Guizzo BS, Krziminski CO, Oliveira DLLC. O software QRS Nvivo 2.0 na análise qualitativa de dados: ferramenta para a pesquisa em ciências humanas e da saúde. Rev Gaúcha Enferm. 2003;24(1):53-60. ). Considera-se como um dos grandes desafios do processo de ensino na área da saúde formar profissionais capacitados para atuar nas instituições de saúde, engajados na prevenção de infecções e com uma visão ampliada da saúde( 1717. Tipple AFV, Pereira MS, Hayashida M, Moriya TM, Souza ACS. O ensino do controle de infecção: um ensaio teórico-prático. Rev Latino-Am Enfermagem. 2003;11(2):245-50. ).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados desse estudo apontam que o processo formativo não abordou a temática de forma transversal, sistemática, de modo efetivo, impactante e continuado, a ponto de mobilizar os futuros profissionais a aderirem à prática correta de HM.

Nessa perspectiva, o processo formativo de profissionais da saúde ainda tem caminhos a percorrer, especialmente na área de enfermagem, pelo fato de essa profissão permanecer 24 horas junto aos pacientes e prestar uma série de cuidados que exige muito contato físico e proximidade, principalmente quando o paciente é uma criança. Esses caminhos devem envolver reflexões sobre a prática docente e a mobilização interior de professores ao se darem conta de que é compromisso dos mesmos sensibilizar o aluno para as questões éticas que envolvem a compreensão do papel como profissional de saúde.

Este estudo teve algumas limitações, como recusas para participação e ausências nas entrevistas. Destaca-se também, como limitação do estudo, o não aprofundamento das diversas facetas que contribuem para a segurança do paciente. Contudo, considera-se que, se os aspectos relacionados à HM e sua repercussão para a segurança do paciente não forem abordados enfaticamente durante a formação, possivelmente serão pouco considerados na futura vida profissional. Isso resultaria no que se observa atualmente no mundo todo: baixas taxas de adesão à higienização. Espera-se que a Portaria nº 529, de 1º de abril de 2013, modifique essa realidade pela efetiva inclusão do tema segurança do paciente no ensino técnico, na graduação e na pós-graduação na área da saúde.

Enfim, considera-se que outros estudos sobre a temática ainda precisam ser desenvolvidos, tanto em serviços de saúde quanto em instituições de ensino.

REFERENCES

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    Artigo extraído da tese de doutorado "HM que cuidam da criança hospitalizada: uma questão de segurança", apresentada em 2013 no Programa de Pós-graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep 2014

Histórico

  • Recebido
    20 Dez 2013
  • Aceito
    28 Jul 2014
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