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Participação do familiar nos cuidados paliativos oncológicos no contexto hospitalar: perspectiva de enfermeiros

Resumos

Objetivou-se compreender a perspectiva de enfermeiros acerca da participação do familiar na hospitalização em cuidados paliativos oncológicos e analisar as estratégias de cuidado de enfermagem para atendimento das necessidades daquele. Pesquisa descritiva, qualitativa, realizada no Instituto Nacional de Câncer, entre janeiro e março de 2013, com 17 enfermeiros. Utilizaram-se elementos do Modelo de Adaptação de Roy para interpretação dos resultados. Da análise temática emergiram duas categorias: perspectiva de enfermeiros sobre a presença e valorização do familiar na hospitalização; e apontando estratégias para incentivar a participação do familiar no cuidado e atender a suas necessidades. A participação do familiar é essencial, sendo oportunidade para treinamento visando à assistência domiciliar. Os enfermeiros estabelecem estratégias para incentivá-la e buscar atender às necessidades. Os resultados contribuem para promoção da adaptação e integridade do familiar para equilibrar as condutas dependentes e independentes, visando à qualidade de vida e ao conforto. Novos estudos são necessários pelos desafios da especialidade.

Enfermagem oncológica; Cuidados paliativos; Hospitalização


The objective was to understand the perspective of nurses about the participation of the family in palliative cancer care and to analyze the nursing care strategies to meet their needs. Descriptive and qualitative research, conducted at the National Cancer Institute between January and March 2013, with 17 nurses. Elements of the Roy Adaptation Model were used for the interpretation of the data. Two categoriesemergedfrom the thematic analysis: perspective of nurses about the presence and valuation of family in the hospital; and appointing strategies to encourage family participation in care and meet their needs. This participation is essentialand represents a training opportunity for the purpose of homecare. Nurses create strategies to encourage it and seek to meet the needs. The results contribute to promote the family adaptation and integrity, in order to balance the dependent and independent behaviors, aimingfor quality of life and comfort. Further studies are neededdue to the challenges of the specialty.

Oncologic nursing; Palliative care; Hospitalization


Tuvo como objetivo comprender la perspectiva de enfermeros sobre la participación de la familia en la hospitalización en cuidados paliativos oncológicos, y analizar las estrategias de enfermería para satisfacer sus necesidades. Investigación descriptiva, cualitativa, realizada en el Instituto Nacional del Cáncer, de enero a marzo de 2013, con 17 enfermeros, que usó elementos del Modelo de Adaptación de Roy. Por el análisis temático surgieron dos categorías: la perspectiva de las enfermeras acerca de la presencia y valoración del familiar; y las estrategias para fomentar la participación de la familia en el cuidado y satisfacer sus necesidades. Esta participación es esencial, con la oportunidad para el cuidado en casa. Los resultados contribuyen a la promoción de la adaptación y la integridad de la familia, para equilibrar las conductas dependientes e independientes, con el objetivo de su calidad de vida y confort. Se requieren nuevos estudios, por los desafíos de la especialidad.

Enfermería oncológica; Cuidados paliativos; Hospitalización


INTRODUÇÃO

O câncer é um problema de saúde pública de grande relevância epidemiológica devido à crescente incidência, prevalência e morbimortalidade. Nos países em desenvolvimento como o Brasil a população ainda enfrenta dificuldade de acesso aos serviços de saúde e à informação, resultando em um grande número de pessoas com câncer enfrentando a sua fase avançada. Diante desta situação observa-se a necessidade de investimento em cuidados paliativos( 11. Silva KS, Kruse MHL. Em defesa da sociedade: a invenção dos cuidados paliativos e os dispositivos de segurança. TextoContextoEnferm. 2013;22(2):517-25. ).

Os cuidados paliativos consistem na assistência promovida por uma equipe multidisciplinar, objetivando melhorar a qualidade de vida da pessoa e dos seus familiares diante de uma doença que ameace a vida, por meio da prevenção e alívio do sofrimento, da identificação precoce, avaliação impecável e tratamento da dor e demais sintomas físicos, sociais, psicológicos e espirituais( 22. World Health Organization. Cancer Control: knowledge in action: WHO guide for effective programmes: palliative care [Internet]. Geneva: World Health Organization; 2007 [cited 2013 Nov 20]. Available from:http://www.who.int/cancer/media/FINAL-PalliativeCareModule.pdf.
http://www.who.int/cancer/media/FINAL-Pa...
).

Na equipe multidisciplinar cada profissional da área da saúde é responsável pelo desenvolvimento de ações de cuidado em prol da integralidade. Destaca-se no presente estudo a atuação do enfermeiro, considerando a dinamicidade do seu trabalho, em especial na hospitalização, que se assenta na tríade que valoriza a equipe de saúde, a instituição e o paciente/família, sendo o centro desta por meio do estabelecimento de múltiplas relações e interações( 33. Fernandes MA, Evangelista CB, Platel ICS, Agra G, Lopes MS, Rodrigues FA. Percepção de enfermeiros sobre o significado dos cuidados paliativos em pacientes com câncer terminal. CiêncSaúde Coletiva. 2013;18(9):2589-96. ). Assim, sendo o profissional, que juntamente com os demais integrantes da equipe de enfermagem, permanece presente 24 horas por dia na internação hospitalar, reúne condições favoráveis à identificação e ao direcionamento de ações para o atendimento das necessidades das pessoas, assumindo a família como unidade de cuidado, seguindo princípios dos cuidados paliativos.

No decorrer da hospitalização, marcada pela exacerbação de sintomas e/ou por demandas sociais, o familiar enquanto acompanhante envolve-se no cuidado e interage com as pessoas. A interação destacada no presente estudo diz respeito ao familiar e ao enfermeiro, considerando a perspectiva deste e suas ações inerentes ao cuidado de enfermagem na presença do familiar, que precisa ser valorizada como fonte de busca de soluções e adaptações para a nova realidade, considerando a possibilidade do cuidado domiciliar e da morte( 44. Silva MM, Moreira MC, Leite JL,Erdmann AL. Análise do cuidado de enfermagem e da participação dos familiares na atenção paliativa oncológica. Texto Contexto Enferm. 2012;21(3):172-8. ).

A justificativa do estudo baseia-se na emergência do tema, uma vez que os cuidados paliativos compreendem área de atuação recente, sendo uma das prioridades de pesquisa em prol do seu avanço, qualidade e construção de políticas públicas favoráveis( 55. Ferris FD, Bruera E, Cherny N, Cummings C, Currow D, Dudgeon D, et al. Palliative cancer care a decade later: accomplishments, the need, next steps - from the American Society of Clinical Oncology.J ClinOncol. 2009;27(18):3052-58. ). O empenho de pesquisadores na investigação dos fenômenos sociais que envolvem o evento da morte tem crescido na comunidade científica, contudo enfrenta desafios atrelados a diversos fatores, como por exemplo, ao estigma social do câncer e negação da morte. Deve-se considerar ainda a inseparabilidade da família, que adoece junto com o seu ente, e as complexidades envolvidas em tais relações, seja no que tange à sua estrutura, composição e função.

Assim, são questões de pesquisa: qual a perspectiva de enfermeiros acerca da participação do familiar na hospitalização em cuidados paliativos oncológicos? Quais as estratégias de cuidado são implementadas por enfermeiros para o atendimento das necessidades do familiar neste contexto?

Objetivou-se compreender a perspectiva de enfermeiros acerca da participação do familiar na hospitalização em cuidados paliativos oncológicos, e analisar as estratégias de cuidado de enfermagem para atendimento das necessidades deste.

METODOLOGIA

Estudo descritivo com abordagem qualitativa. O estudo descritivo tem como característica a observação, a descrição e a classificação das informações. Quando se relaciona à abordagem qualitativa, consiste em um método aprofundado para descrever as dimensões, as variações, a importância e o significado dos fenômenos( 66. Minayo MCS. O desafio do conhecimento. 11. ed. São Paulo: Hucitec; 2008. ).

O estudo foi realizado no Instituto Nacional de Câncer (INCA), mais especificamente no Hospital do Câncer IV (HC-IV), que compreende a unidade especializada em cuidados paliativos, localizada no município do Rio de Janeiro - Brasil. O HC-IV possui quatro modalidades de atendimento, a saber: ambulatório, assistência domiciliar, pronto-atendimento e internação hospitalar.

A coleta de dados foi conduzida na internação hospitalar. O prédio da unidade possui onze andares, sendo que apenas quatro são destinados à internação hospitalar, cada um com quatorze leitos, sendo seis enfermarias de dois leitos cada, e dois quartos individuais.

Os participantes do estudo foram os enfermeiros que atenderam aos seguintes critérios de inclusão: possuir vínculo empregatício com a Instituição, e estar atuando na internação hospitalar por tempo mínimo de seis meses. O quadro de recursos humanos do setor conta com 24 enfermeiros, 17 participaram do estudo. Foram excluídos 03 enfermeiros que estavam de licença maternidade, 01 porque tinha apenas dois meses na Instituição, outro se negou a participar, e 02 não foram localizados no período de coleta de dados, que se deu entre janeiro a março de 2013.

A técnica de coleta de dados utilizada foi a entrevista semiestruturada, de acordo com o seguinte roteiro: como é para você ter o familiar presente no setor e participando, muitas vezes, do cuidado ao paciente? Você busca participar o familiar do cuidado que está sendo prestado ao paciente? Se sim, em quais atividades e de que forma? Em quais momentos essa participação pode ser positiva ou negativa? Quais são as estratégias de cuidado implementadas por você para o atendimento das necessidades do familiar?

As entrevistas foram realizadas individualmente, no horário mais conveniente durante o plantão, em local livre de ruídos externos. O conteúdo das entrevistas foi gravado, em consonância com os participantes, em dispositivo eletrônico de áudio e posteriormente, transcrito na íntegra. As entrevistas foram identificadas pela letra E de enfermeiro, seguida do número de ordem de realização, para garantia do sigilo e do anonimato.

Para análise dos dados foi aplicada a análise temática, utilizando o tema como unidade de registro. Este método é composto por três etapas, a saber: pré-análise, exploração do material e interpretação dos resultados( 77. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2008. ). Os temas compuseram as categorias que foram analisadas de acordo com as bases conceituais identificadas em revisão de literatura, e com base em elementos do Modelo de Adaptação de Roy. Este modelo é constituído pelo metaparadigma da enfermagem: pessoa, ambiente, saúde e metas de enfermagem. A importância deste referencial para análise dos dados do presente estudo concentra-se, principalmente, na abordagem da pessoa como um sistema dotado de múltiplas dimensões e que emite respostas adaptativas ou ineficientes às situações vivenciadas, sendo meta da enfermagem o cuidado integral a considerar o enfrentamento dos estímulos, que se destacam os de autoconceito, de desempenho de papel e de interdependência( 88. George JB. Teorias de enfermagem: os fundamentos à prática profissional. 4. ed. Porto Alegre: Artmed; 2000. ).

Foram respeitados os aspectos éticos da pesquisa com seres humanos, de acordo com a Resolução no 466/12 do Conselho Nacional de Saúde. Os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do INCA (nº do protocolo 97/12).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Dos 17 enfermeiros entrevistados constatou-se que: a maioria é do sexo feminino (82%), com faixa etária de maior prevalência de 31 a 40 anos (53%), e com tempo de graduação predominante de 06 a 10 anos (71%). Grande parte do grupo referiu tipo de vínculo empregatício estatutário (82%), com tempo de atuação na internação hospitalar de 01 a 05 anos (88%), e possuir pós-graduação na área (88%).

Da análise do material empírico emergiram duas categorias, que serão apresentadas a seguir.

Perspectiva de enfermeiros sobre a presença e valorização do familiar na hospitalização

Os enfermeiros consideram a presença do familiar essencial, independente desta poder representar maior demanda de trabalho. Contudo, esta perspectiva relaciona-se com o seguinte pré-requisito: que o familiar tenha interesse em cuidar. Assim, sua presença contribui para o levantamento de informações relativas ao paciente, além de representar oportunidade para o seu treinamento mediante possibilidade da assistência domiciliar, conforme observado nos depoimentos que seguem.

Sempre me incomodo quando não tem cuidador. Prefiro que ele esteja ali, por mais que ele vá incomodar e tocar a campainha, que vá toda hora te chamar [...]. (E5)

A participação do familiar é fundamental, pois no cuidado paliativo ele é nosso aliado. Ele não está aqui para assumir os cuidados prestados pela enfermagem, mas sim, para aprender como cuidar do seu doente, porque a gente trabalha sempre com a possibilidade de alta. (E8)

[...] na visita a beira do leito, perguntamos ao familiar se ele passou a noite com o doente, se sabe como está a aceitação da alimentação, a evacuação e se há alguma queixa. Pois quando o familiar está do lado ele percebe quando o quadro do doente muda [...]. (E2)

A perspectiva dos enfermeiros com relação à presença do familiar é positiva, a considerar, por exemplo, o estabelecimento de comunicação na troca de informações sobre a condição do quadro clínico da pessoa hospitalizada. Além disso, o incentivo à presença do familiar na internação hospitalar objetiva, dentre outros aspectos, proporcionar segurança e conforto à pessoa hospitalizada, favorecendo para a redução deste período e retorno ao domicílio. O enfermeiro reconhece esta fase como uma oportunidade para o familiar aprender ou aperfeiçoar a realização dos cuidados básicos e minimizar suas próprias dificuldades relacionadas à doença e ao tratamento( 99. Nunes MGS, Rodrigues BMRD. Tratamento paliativo: perspectiva da família.RevEnferm UERJ. 2012;20(3):338-43. - 1010. Fonseca JVC, Rebelo T. Necessidades de cuidado de enfermagem do cuidador da pessoa sob cuidados paliativos. RevBrasEnferm. 2011;64(1):180-4. ). Na perspectiva do Modelo de Adaptação de Roy, o enfermeiro pode contribuir, por meio das interações e valorização do ambiente, para que o familiar encontre o equilíbrio e formas de adaptação à realidade de acordo com o mecanismo próprio de enfrentamento( 88. George JB. Teorias de enfermagem: os fundamentos à prática profissional. 4. ed. Porto Alegre: Artmed; 2000. ).

Dentre os aspectos positivos apontados pelos enfermeiros como contribuintes para a valorização da presença do familiar no contexto destacaram-se: comprometimento, participação no cuidado, orientação com relação aos cuidados paliativos, bom relacionamento com a própria pessoa hospitalizada, bem como com a equipe de enfermagem.

Acho que a participação é muito positiva, por exemplo, durante o banho no leito, que ao invés de dois técnicos de enfermagem irem para o banho, posso escalar apenas um, o que facilita bastante em relação à equipe. O familiar ajuda bastante nesse sentido. É positivo também quando ele entende o que é cuidado paliativo e que a proposta do hospital é melhorar a condição clínica e devolver o paciente para casa [...]. Ele acaba se tornando quase um membro da equipe [...]. (E11)

O familiar participativo é um aliado da equipe de enfermagem diante da contribuição à operacionalização do processo de enfermagem, por exemplo, fornecendo informações ou apoiando nas ações de cuidado, o que altera a dinâmica de trabalho da equipe na distribuição de profissionais na escala diária.

A relação de segurança proporcionada à pessoa hospitalizada, bem como à equipe de enfermagem, pode ser compreendida como forma de promoção de qualidade de vida, uma vez que para isso a família deve permanecer sempre presente( 33. Fernandes MA, Evangelista CB, Platel ICS, Agra G, Lopes MS, Rodrigues FA. Percepção de enfermeiros sobre o significado dos cuidados paliativos em pacientes com câncer terminal. CiêncSaúde Coletiva. 2013;18(9):2589-96. ). Contudo, tal presença não está livre de interferências negativas, existindo casos nos quais o familiar pode se negar a participar do cuidado; negar a doença incurável; ter déficit de conhecimento sobre cuidados paliativos ou limitação cognitiva; não ter aptidão para cuidar; não apresentar equilíbrio emocional; não ter disponibilidade de tempo; ser idoso ou portador de outras doenças; além das influências em casos de conflitos anteriores. Tais aspectos foram exemplificados nos depoimentos a seguir.

[...] tem acompanhante que a gente percebe que não tem equilíbrio para estar aqui, ou que não entende o que é cuidado paliativo. Então às vezes acho que eles não estão ajudando como a gente esperava, e isso acaba causando mais ansiedade para o paciente. (E2)

O lado negativo é quando na família elegeram uma pessoa que não tem condições de cuidar. Porque tem pessoas que querem ajudar, mas não conseguem e nem sempre a gente consegue treinar [...]. (E16)

[...] às vezes é idoso cuidando de idoso [...]. Apesar de eles serem os de mais boa vontade para cuidar, há limitação para realizar os cuidados. Tem que ter bastante cuidado na hora de orientar os remédios, e tentar facilitar o máximo para que eles não tenham dificuldade em casa. (E11)

Os aspectos negativos lançam desafios ao enfermeiro e demais membros da equipe, que precisam atuar de forma efetiva e ativa, esclarecendo dúvidas e encorajando atitudes positivas( 33. Fernandes MA, Evangelista CB, Platel ICS, Agra G, Lopes MS, Rodrigues FA. Percepção de enfermeiros sobre o significado dos cuidados paliativos em pacientes com câncer terminal. CiêncSaúde Coletiva. 2013;18(9):2589-96. ). É necessário buscar compreender a situação de forma ampliada para que não sejam feitos prejulgamentos infundados, pois são, em sua maioria, histórias de vida complexas, com desdobramentos em todas as esferas, ou seja, social, emocional, espiritual e cultural. Sendo assim, várias questões precisam ser trabalhadas para aceitação e enfrentamento, sem, contudo, esquecer os limites e as necessidades individuais. Além disso, o próprio profissional precisa estar preparado para gerenciar conflitos, comuns em ambientes de estresse e de vulnerabilidade à morte( 1111. Squassante ND, Alvim NAT. Relação equipe de enfermagem e acompanhantes de clientes hospitalizados: implicações para o cuidado.RevBrasEnferm. 2009;62(1):11-7. ).

Quando o familiar não está orientado e inserido no contexto dos cuidados paliativos, sua presença torna-se negativa, já que sua falta de conhecimento e o desequilíbrio emocional podem gerar ansiedade, conflitos e sentimento de impotência. Esta situação pode contribuir para internações prolongadas, às vezes por demandas sociais.

Considerando a participação do familiar no contexto, com base nos aspectos positivos e negativos a partir da perspectiva de enfermeiros, depreende-se que o comportamento da pessoa em relação aos modos adaptativos gera subsídios para que estes profissionais possam identificar respostas adaptativas ou ineficientes. Na concepção da integralidade e da interdisciplinaridade, os enfermeiros, diante das dificuldades de enfrentamento do familiar, devem buscar trabalhar os modos adaptativos: o autoconceito (valores, crenças e emoções); função do papel (padrões de interação social da pessoa); e interdependência (padrões de valor humano, afeição, amor e afirmação)( 88. George JB. Teorias de enfermagem: os fundamentos à prática profissional. 4. ed. Porto Alegre: Artmed; 2000. ). Para isso, destaca-se como principal estratégia a comunicação eficaz, com base no oferecimento de palavras de conforto, e outras expressões de carinho, como um abraço, troca de olhares, um afago ou um ombro para chorar( 44. Silva MM, Moreira MC, Leite JL,Erdmann AL. Análise do cuidado de enfermagem e da participação dos familiares na atenção paliativa oncológica. Texto Contexto Enferm. 2012;21(3):172-8. ).

Apontando estratégias para incentivar a participação do familiar no cuidado e atender suas necessidades

Em busca de respostas adaptativas por parte do familiar para enfrentamento da situação marcada pelo luto antecipado e vivência da morte em vida, as estratégias adotadas pelos enfermeiros estão relacionadas às demandas, ao considerarem, principalmente, as condições, circunstâncias e influências que circundam e afetam o seu comportamento. Assim, destaca-se, dentre outras estratégias, o treinamento para a realização dos cuidados, através de demonstração, diálogo, formação de grupos de familiares, abordagem interdisciplinar e uso de folhetos explicativos, como destacado nos depoimentos a seguir.

[...] na úlcera por pressão, mostro que aquilo aconteceu, mas pode ser revertido. Então a gente está sempre buscando os folhetos explicativos. Temos as palestras do serviço social com as famílias. Nesse caso temos enfermeiro, nutricionista, assistente social, médico e a psicóloga. Então, para não ficar uma coisa cansativa a gente junta um grupo de familiares para conversar e tirar dúvidas. Porque às vezes a dúvida de um é a dúvida do outro,e tem gente com vergonha de perguntar e acaba pegando aquela deixa e já pergunta também. Dessa forma o familiar acaba ficando mais a vontade. (E7)

[...] no caso de medicação subcutânea, por exemplo, é importante que eles treinem, já que vão precisar fazer em casa. Eles tem que pegar no material, puncionar aqui e ir para casa muito mais seguros. (E5)

Nestes casos, a comunicação torna-se um elemento capaz de minimizar as dificuldades dos familiares. É preciso estabelecer uma relação de confiança para que o familiar fique a vontade para expressar suas dificuldades, valorizando seu conhecimento prévio. O incentivo à participação do familiar nos grupos é estratégia importante. Contudo, ressalta-se que no período da internação hospitalar o familiar não deve ser treinado para assumir as funções da enfermagem em resposta a possível déficit de recursos humanos.

As estratégias do enfermeiro para realização do treinamento do familiar devem ser estabelecidas com base na informação e na comunicação com veracidade para empenho dos envolvidos e valorização do momento que está sendo vivido( 1212. Salci MA,Marcon SS. A convivência com o fantasma do câncer. Rev Gaúcha Enferm. 2010;31(1):18-25. ). A partir do Modelo de Adaptação de Roy considera-se que esta pessoa é capaz de atuar em unidade de propósito, e como ser adaptativo, tem a capacidade de adaptar-se e criar mudanças no ambiente, que serão fortemente evidenciadas se houver a oportunidade do cuidado ser realizado no domicílio, livre das burocracias e rotinas hospitalares. Em contrapartida, o enfermeiro deve estar atento à identificação das demandas de cada situação e aos recursos internos disponíveis de cada pessoa, sendo cada experiência individual( 1313. Díaz VB, Caballero CQ, Pérez AR, Figueredo ZCA. El modelo de la adaptación ante la infertilidad de la pareja. Rev Cubana Enfermer. 2013;29(2):63-76. ).

A comunicação pode ser compreendida como principal recurso para promover a adaptação e melhorar o enfrentamento da situação vivenciada por parte do familiar. Pode acontecer de formas variadas, incluindo o uso de folhetos e atividades individuais e em grupos, com participação de equipe multiprofissional. Ressalta-se que a família precisa estabelecer vínculo e se sentir segura, o que é facilitado pela postura do enfermeiro em estar disponível. Contudo, as dificuldades de recursos humanos, em especial no serviço noturno, podem comprometer a qualidade da assistência( 1414. Silva MM, Moreira MC, Leite JL, Erdmann AL. O trabalho noturno da enfermagem no cuidado paliativo oncológico. Rev Latino-Am Enfermagem. 2013;21(3):773-9. ).

É no quesito recurso humano que se tem que atentar acerca da possibilidade de confusões de papéis, sendo fundamental a intervenção do enfermeiro na supervisão das ações da equipe de enfermagem e no treinamento do familiar, objetivando claramente o preparo para a alta. Compor equipes e estruturas para oferecer cuidado paliativo à população não é tarefa fácil, em contrapartida, a estratégia de desenvolvimento de habilidades por parte do familiar para o cuidado domiciliar deve ser estimulada, pois uma das maiores dificuldades concentra-se no sentimento de desamparo na vivência do câncer( 1515. Teixeira FB, Gorini MIPC. Compreendendo as emoções dos enfermeiros frente aos pacientes com câncer. Rev Gaúcha Enferm.2008;29(3):367-73. ).

Diante da rápida progressão da doença oncológica na maioria das situações, a considerar os aspectos físicos do modo adaptativo, o enfermeiro pode preparar a família para as mudanças, direcionando ações para o fortalecimento do mecanismo regulador ou de enfrentamento visando a qualidade de vida e o conforto da pessoa doente( 88. George JB. Teorias de enfermagem: os fundamentos à prática profissional. 4. ed. Porto Alegre: Artmed; 2000. ).

Dentre as estratégias para benefícios aos familiares destacou-se também o modo de organização, planejamento e implementação das ações por parte do enfermeiro para o atendimento das suas necessidades. Este processo de enfermagem é valorizado quando pensado a partir de modelos teóricos, contribuindo para a unificação de modos de atuação, para aplicação de critérios bem definidos, baseados nas evidências científicas.

As ações dependem das demandas do familiar, devendo-se considerar suas experiências anteriores, e que o seu comportamento é refletido pela interpretação que é capaz de realizar acerca do momento vivenciado. Diante da complexidade do contexto, as demandas relacionam-se com ações que incluem o ouvir, o dar a atenção devida, estender a mão e acolher. Contudo, a sobrecarga de trabalho pode prejudicar o desenvolvimento desta esfera do cuidado, o que em contrapartida, fomenta o trabalho no âmbito da interdisciplinaridade. Entretanto, o enfermeiro com elemento do ambiente assume responsabilidades decisivas no processo de adaptação do familiar, baseadas na empatia, atitudes, conhecimentos e capacidade de interação, como observado no depoimento que segue.

[...] imagina você dizer para uma pessoa que o pai dela está morrendo? Acho que o grande nó de tudo é a comunicação, por ser fundamental para minimizar as dificuldades desse familiar. A forma como você se dirige àquela pessoa, você saber se ela está entendendo o que você está falando [...]. A disponibilidade tem que ser das duas partes, no emissor e no receptor, eu tenho que estar disponível para te promover um tempo e você tem que estar disponível para me ouvir. Tento me colocar sempre no lugar daquela pessoa [...]. (E5)

Dentre os fatores que podem interferir na habilidade e uso de tais estratégias decorrem os preconceitos e temores diante do câncer, considerado tabu, sendo fato que pode prejudicar na abordagem adequada ao familiar, mediante potencial ameaça à vida. As dificuldades em conversar sobre o diagnóstico/prognóstico podem levar os profissionais a atitudes paternalistas ou de distanciamento( 99. Nunes MGS, Rodrigues BMRD. Tratamento paliativo: perspectiva da família.RevEnferm UERJ. 2012;20(3):338-43. ).

A forma do estabelecimento da comunicação pode contribuir para a aproximação ou distanciamento entre os envolvidos, o que implica diretamente na qualidade do cuidado, diante da impossibilidade do real diagnóstico dos problemas que afligem ou acometem os familiares, devendo a comunicação ser uma ferramenta para interação eficaz intencional, com adaptações de acordo com cada situação( 55. Ferris FD, Bruera E, Cherny N, Cummings C, Currow D, Dudgeon D, et al. Palliative cancer care a decade later: accomplishments, the need, next steps - from the American Society of Clinical Oncology.J ClinOncol. 2009;27(18):3052-58. ). Assim, a partir da comunicação e da escuta sensível pode-se identificar problemas que nem sempre são verbalizados.

É necessário perceber e respeitar de modo singular as necessidades individuais, aproximando a situação de doença vivenciada pelo ente às possibilidades de vida, inerentes a cada pessoa, assumindo a família de forma integrada, participativa nos processos de tomada de decisão, recebendo orientações adequadas e compreendendo suas particularidades( 1616. Cardoso DH, Muniz RM, Schwartz E, Arrieira ICO. Cuidados paliativos na assistência hospitalar: a vivência de uma equipe multiprofissional. Texto Contexto Enferm. 2013;22(4):1134-41. ). Desse modo, o enfermeiro estará contribuindo para a promoção da adaptação e integridade das pessoas envolvidas, promovendo à família condições para ter iniciativa e alcançar os objetivos de cuidado, bem como base de apoio à mesma como sistema disponível, em equilíbrio entre as condutas dependentes e independentes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A perspectiva do enfermeiro acerca da presença do familiar na hospitalização em cuidados paliativos oncológicos tende a valorizar os aspectos positivos, considerando a oportunidade de capacitá-lo para que possa realizar os cuidados no domicílio, e acolhê-lo buscando atender as suas necessidades, que remetem em sua maioria à informação, sendo fundamental o estabelecimento de comunicação eficaz.

Os aspectos negativos apresentam-se como desafios para o enfermeiro e equipe de saúde frente à complexidade das relações e dos problemas humanos.

O enfermeiro busca identificar as necessidades dos familiares de acordo com a dinâmica do plantão, e para atendimento precisa estar disponível e conduzir sua prática na perspectiva da interdisciplinaridade. Enfrenta, pois, problemas com déficit de recursos humanos, o que pode comprometer a qualidade da assistência, ou provocar confusões de papéis na tênue relação do familiar como acompanhante e protagonista no cuidado.

A família deve ser uma unidade de cuidado, sendo responsabilidade do enfermeiro e equipe de saúde o estabelecimento de parceiras, a partir de relação de confiança. A pessoa doente e sua família compõem um binômio inseparável, imerso em contexto global, muitas vezes com dificuldades emocionais, sociais, econômicas e culturais que impõem limites para o enfrentamento da situação. As experiências vividas são únicas e precisam ser valorizadas.

Dentre as limitações do estudo destacam-se o fato de ter sido realizado somente com familiares de pacientes com câncer, bem como restrição ao contexto da internação hospitalar, já que este modo de cuidar conta com outras importantes modalidades, como no caso da assistência domiciliar. Sugere-se, pois, a ampliação para outros contextos e realidades em cuidados paliativos, buscando estabelecer os aspectos mais importantes para atender as necessidades dos familiares, visando também sua qualidade de vida e conforto.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2014

Histórico

  • Recebido
    21 Mar 2014
  • Aceito
    15 Out 2014
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