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Contexto de trabalho, prazer e sofrimento na atenção básica em saúde

Resumos

OBJETIVO:

Avaliar o contexto de trabalho e os indicadores de prazer e sofrimento na perspectiva de trabalhadores da atenção básica em saúde.

MÉTODO:

Estudo transversal, que utilizou a Escala de Avaliação do Contexto de Trabalho (EACT) e a Escala de Indicadores de Prazer e Sofrimento no Trabalho (EIPST) com 242 trabalhadores de um município do Rio Grande do Sul, Brasil, de maio e julho de 2012. Fez-se análise estatística descritiva e inferencial.

RESULTADOS:

A organização (91,3%) e as condições de trabalho (64%) obtiveram as piores avaliações quanto ao contexto. Os indicadores de prazer no trabalho estiveram relacionados à realização profissional (55,8%), liberdade de expressão (62,4%) e reconhecimento (59,9%). Entretanto, 64,5% apresentaram esgotamento profissional, o qual obteve associação inversa com a idade e o tempo de trabalho (p<0,05).

CONCLUSÃO:

O trabalhador avalia seu contexto de trabalho como impróprio e encontra-se esgotado, contudo possui fontes de prazer no trabalho.

Saúde do trabalhador; Condições de trabalho; Satisfação no emprego; Atenção primária à saúde


OBJECTIVE:

To evaluate the work context, job satisfaction and suffering from the perspective of workers in primary health care.

METHOD:

This cross-sectional study was conducted with 242 employees of a municipality of Rio Grande do Sul, Brazil, from May to July 2012. The adopted instruments were the Work Context Assessment Scale (EACT) and the Job Satisfaction and Suffering Indicators Scale (EIPST). Research also included descriptive and inferential statistical analysis.

RESULTS:

Organization (91.3%) and work conditions (64%) received the worst scores in terms of context. The indicators of job satisfaction were related to professional achievement (55.8%), freedom of expression (62.4%) and recognition (59.9%). However, 64.5% presented professional exhaustion, which had an inverse association with age and years in the institution (p<0.05).

CONCLUSION:

The workers evaluated their work context as inappropriate and complained of exhaustion, although they claimed their work affords some satisfaction.

Occupational health; Working conditions; Job satisfaction; Primary health care


OBJETIVO:

Evaluar el contexto de trabajo y los indicadores de placer y el sufrimiento desde la perspectiva de los trabajadores de la atención primaria de salud.

MÉTODO:

Se trata de un estudio transversal que utilizó la Escala de Evaluación del Contexto Trabajo (EACT) y la Escala de Indicadores placer y el sufrimiento en el Trabajo (EIPST) con 242 trabajadores en una ciudad de Rio Grande do Sul, Brasil, mayo y julio 2012. El análisis estadístico fue descriptivo e inferencial.

RESULTADOS:

La organización (91,3 %) y las condiciones de trabajo (64%) tuvieron las peores evaluaciones en el EIPST. Indicadores de placer en el trabajo estaban relacionadas con la satisfacción laboral (55,8 %), la libertad de expresión (62.4%) y reconocimiento (59,9%), sin embargo, el 64,5 % presentaba agotamiento profesional, que obtuvo asociación negativa con la edad y el tiempo de trabajo (p< 0,05).

CONCLUSIÓN:

El trabajador evalúa su contexto de trabajo como no apropiado y está agotado, sin embargo tiene fuentes de placer en el trabajo.

Salud laboral; Condiciones de trabajo; Satisfacción en el trabajo; Atención primaria de salud


INTRODUÇÃO

As mudanças propostas pela reestruturação da atenção à saúde da população, com vistas à consolidação do Sistema Único de Saúde, trazem novos e constantes desafios aos trabalhadores desse cenário(1)1. Gomes KO, Cotta RMM, Araújo RMA, Cherchiglia ML, Martins TCP. Atenção primária à saúde - a "menina dos olhos" do SUS: sobre as representações sociais dos protagonistas do Sistema Único de Saúde. Ciênc Saúde Colet. 2011;16(Supl 1):881-92.. Demanda-se dos profissionais a oferta de serviços baseados em pressupostos da integralidade, com ações humanizadas de escuta e acolhimento às necessidades singulares das pessoas, o que muitas vezes representa a própria carência dos trabalhadores face à sua saúde na relação com o trabalho(2)2. Schrader G, et al. Trabalho na unidade básica de saúde: implicações para a qualidade de vida dos enfermeiros. Rev Bras Enferm. 2012;65(2):222-8..

Nos serviços de Atenção Básica em Saúde (ABS), somam-se aos tradicionais riscos laborais do campo da saúde (químicos, físicos, ergonômicos e biológicos)(3)3. Souza MCMR, Freitas MIF. Representações de profissionais da atenção primária sobre risco ocupacional de infecção pelo HIV. Rev Latino-Am Enferm. 2010;18(4):0., as características do local de trabalho e forma de inserção na comunidade. Assim, o confronto com as normas de vida do usuário, nunca inteiramente previsível e sempre implícito a qualquer ação de saúde, é ainda mais intenso para esses profissionais(4)4. Silva-Roosli ACB, Athayde M. Gestão, trabalho e psicodinâmica do reconhecimento no cotidiano da Estratégia de Saúde da Família. In: Assunção AA, Brito J, organizadoras. Trabalhar na saúde: experiências cotidianas e desafios para a gestão do trabalho e do emprego. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz; 2011. p.67-82..

O estreito vínculo do trabalhador com o território do usuário busca favorecer a assistência, por meio de cuidados mais articulados ao contexto de vida das pessoas(1)1. Gomes KO, Cotta RMM, Araújo RMA, Cherchiglia ML, Martins TCP. Atenção primária à saúde - a "menina dos olhos" do SUS: sobre as representações sociais dos protagonistas do Sistema Único de Saúde. Ciênc Saúde Colet. 2011;16(Supl 1):881-92.. No entanto, isso pode significar para o profissional mais vulnerabilidade ao sofrimento - por experimentar com mais intensidade a sensação de impotência face à magnitude dos problemas "de saúde" a serem "tratados"; ao medo - por ameaças à integridade moral e física do profissional que atua em ambientes abertos ou na própria residência dos usuários e; ao não reconhecimento dos esforços pelo trabalho realizado(5)5. Lancman S, et al. Repercussions of violence on the mental health of workers of the Family Health Program. Rev Saúde Pública. 2009;43(4):682-88..

O sofrimento no trabalho desenvolvido pelos profissionais que atuam na ABS se ampara ora na real escassez de recursos e tecnologias para a resolução dos problemas, ora pela exacerbação do valor ao modelo curativista(6)6. Van Stralen CJ, et al. Percepção dos usuários e profissionais de saúde sobre atenção básica: comparação entre unidades com e sem saúde da família na região centro-oeste do Brasil. Cad Sau´de Pu´blica. 2008;24(1):148-58., a priori não prevalente nesse campo de atuação e no discurso racional tradicionalmente valorizado entre os profissionais. Por outro lado, as estratégias adotadas para a consolidação do trabalho em equipe, bem como do planejamento compartilhado das atividades e percalços do processo laboral, podem ser considerados aspectos que beneficiam os trabalhadores da ABS com vista ao prazer no trabalho(7)7. Silva ACB, Athayde M. O programa de saúde da família sob o ponto de vista da atividade: uma análise das relações entre os processos de trabalho, saúde e subjetivação. Rev Bras Saúde Ocup. 2008;33(117):23-35..

O estudo do prazer e do sofrimento no trabalho tem sido proposta central da teoria da Psicodinâmica do Trabalho, que tem como autor principal Christophe Dejours(8)8. Heloani R, Lancman S. Psicodinâmica do trabalho: o método clínico de intervenção e investigação. Rev Produção. 2004;14(3):77-86.. Este referencial compreende que não há neutralidade na relação entre o trabalho e a saúde psíquica do trabalhador, sendo que esse impacto se dá pela via do reconhecimento, um benefício simbólico determinante para a constituição da identidade do sujeito no campo social. Nessa perspectiva, a saúde do trabalhador é vislumbrada a partir da dinâmica das relações humanas no trabalho, a qual determina as vivências de prazer e/ou de sofrimento, sob interferência das condições e organização laborais(9)9. Mendes AM. Psicodinâmica do trabalho: teoria, método e pesquisa. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2007..

O contexto de trabalho se refere ao espaço social onde operam a organização e as condições laborais, bem como as relações socioprofissionais. Sob esses aspectos, a Psicodinâmica do Trabalho lança olhares à percepção que o trabalhador tem sobre o teor, o ritmo e a distribuição das tarefas, as normas, cobranças e negociações, a divisão, integração, comunicação e apoio entre as pessoas; e o ambiente, instrumentos e recursos disponíveis para o processo de produção(9)9. Mendes AM. Psicodinâmica do trabalho: teoria, método e pesquisa. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2007..

O prazer e o sofrimento no trabalho são experiências que imprimem maior ou menor vulnerabilidade ao adoecimento(8-9)8. Heloani R, Lancman S. Psicodinâmica do trabalho: o método clínico de intervenção e investigação. Rev Produção. 2004;14(3):77-86.. Para a Psicodinâmica do Trabalho, o prazer encontra-se amparado na percepção de realização profissional e liberdade de expressão. Essa liberdade versa sobre a oportunidade de expressar sentimentos e opiniões a colegas e chefias, incluindo a vivência da confiança, solidariedade e cooperação, mas também sobre a possibilidade de utilizar da criatividade no trabalho. Já a realização profissional se dá pelas experiências de bem-estar, satisfação, motivação, reconhecimento e orgulho pela atividade que realiza(9)9. Mendes AM. Psicodinâmica do trabalho: teoria, método e pesquisa. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2007..

O sofrimento no trabalho é interesse da Psicodinâmica do Trabalho por representar condição que impulsiona a mobilização do trabalhador frente às incoerências vividas no contexto laboral, ao mesmo tempo que pode favorecer a doença psíquica. O sofrimento pode ser avaliado pela vivência do esgotamento, o qual se dá pela percepção de estresse, insatisfação, sobrecarga, frustração, insegurança ou medo. A falta de reconhecimento também é determinante para a instalação do sofrimento, uma vez que o trabalhador sofre ao sentir que seu esforço não é valorizado, gerando sentimentos de indignação, inutilidade e injustiça(99. Mendes AM. Psicodinâmica do trabalho: teoria, método e pesquisa. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2007. - 1010. Anchieta VCC, et al. Trabalho e riscos de adoecimento: um estudo entre policiais civis. Psic: Teor Pesq. 2011;27(2):199-208. ).

Com base nos principais conceitos da Psicodinâmica do Trabalho, e nos resultados de pesquisas recentes sobre o trabalho na ABS(1111. Shimizu HE, Carvalho Junior, DA. O processo de trabalho na Estratégia Saúde da Família e suas repercussões no processo saúde-doença. Ciênc Saúde Colet. 2012;17(9):2405-14.

12. David HMSL, et al. Organização do trabalho de enfermagem na atenção básica: uma questão para a saúde do trabalhador. Texto Contexto Enferm. 2009;18(2):206-14.
- 1313. Kessler AI, Krug SBF. Do prazer ao sofrimento no trabalho da enfermagem: o discurso dos trabalhadores. Rev Gaúcha Enferm. 2012;33(1):49-55. ), este estudo busca contribuir diante da lacuna do conhecimento sobre as vivências de prazer e sofrimento do trabalhador nesse contexto. Frente ao exposto, questionou-se: Como os trabalhadores avaliam o seu contexto de trabalho e os indicadores de prazer e sofrimento laboral? A importância da avaliação do contexto de trabalho e dos indicadores de prazer e sofrimento encontra-se pautada na centralidade dos profissionais enquanto objetos de interesse para o campo de estudos e práticas em saúde do trabalhador, mas também pode ser respaldada na necessária superação dos impasses relacionados à consolidação da ABS como via privilegiada para a concretude das mudanças propostas pelo Sistema Único de Saúde.

Este artigo foi elaborado a partir dos resultados da Dissertação de Mestrado intitulada "Prazer e Sofrimento de Trabalhadores da Atenção Básica à Saúde à Luz da Teoria da Psicodinâmica do Trabalho"(14)14  14. MaissiatGS.. Prazer e sofrimento de trabalhadores da atenção básica à saúde à luz da teoria da psicodinâmica do trabalho dissertação Porto Alegre(RS): Escola de Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2013 ..

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo transversal realizado com trabalhadores da saúde atuantes na ABS de um município no Vale do Taquari, interior do Estado do Rio Grande do Sul, Brasil. Compõe esses serviços de ABS, 15 unidades de saúde, sendo oito equipes de Estratégia de Saúde da Família, quatro Unidades Básicas de Saúde e três Centros de Saúde.

Como critério de inclusão dos sujeitos na amostra definiu-se os trabalhadores no exercício profissional na ABS pelo tempo mínimo de seis meses. Os critérios de exclusão foram: os trabalhadores em licença (saúde, maternidade, interesse e outras) ou férias no período da coleta dos dados. Após a aplicação dos critérios mencionados, os respondentes compuseram 80,13% da população de 302 trabalhadores (n=242).

A coleta de dados foi realizada no período de maio a julho de 2012, por meio de um questionário com perguntas relativas à idade, sexo, escolaridade, estado civil, cargo, tipo do contrato, tempo de trabalho na instituição, tempo de trabalho no cargo, exame médico periódico e afastamento do trabalho. O contexto de trabalho, o prazer e o sofrimento foram avaliados com a aplicação da Escala de Avaliação do Contexto de Trabalho (EACT) e da Escala de Indicadores de Prazer e Sofrimento no Trabalho (EIPST), as quais foram elaboradas com base nos conceitos da Psicodinâmica do Trabalho e compõem o Inventário sobre Trabalho e Riscos de Adoecimento(99. Mendes AM. Psicodinâmica do trabalho: teoria, método e pesquisa. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2007. - 1010. Anchieta VCC, et al. Trabalho e riscos de adoecimento: um estudo entre policiais civis. Psic: Teor Pesq. 2011;27(2):199-208. ).

A EACT é composta pelos domínios de Organização do trabalho, Condições de Trabalho e Relações Sócioprofissionais, que devem ser pontuados por meio de uma escala do tipo Likert de cinco pontos: 1 = nunca, 2 = raramente, 3 = às vezes, 4 frequentemente e 5 = sempre. Essa classifica ção envolve as avaliações: grave (média acima de 3,7), crítica (média entre 2,3 e 3,69) e avaliação satisfatória (média abaixo de 2,3). A interpretação dos dados é feita para o conjunto de trabalhadores, identificando-se o percentual de sujeitos em cada extrato.

A EIPST é composta pelos domínios de Realização Profissional, Liberdade de Expressão, Falta de Reconhecimento e Falta de Liberdade de Expressão. Nos domínios de Realização Profissional e Liberdade de Expressão quanto maior a média, maior o sentimento de prazer, essa classificação envolve a avaliação positiva, satisfatória (média acima de 4,0), avaliação moderada, crítica (média entre 2,1 e 3,9) e avaliação raramente, grave (média igual ou abaixo de 2,0). Os domínios de Esgotamento Profissional e Falta de Reconhecimento expressam as vivências de sofrimento no trabalho, sendo avaliação grave (média acima de 4,0), crítica (média entre 2,1 e 3,9) e avaliação satisfatória (média igual ou abaixo de 2,0).

Todos os sujeitos do estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e responderam individualmente ao instrumento de coleta dos dados no local e horário de trabalho. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal do Rio Grande do Sul em 26 de abril de 2012 (Protocolo 22325).

Os dados foram digitados no Excel(r) e transportados para o Statistic(r) Predictive Analytics Software, (PASW da SPSS Inc., Chicago, USA) versão 18.0 para Windows. Calculou-se o Alpha de Cronbach para verificar a confiabilidade das escalas utilizadas.

As variáveis contínuas foram descritas por meio da média e desvio padrão ou mediana e amplitude interquartílica e as categóricas foram descritas por frequências absolutas e relativas. Para comparar proporções entre os grupos utilizou-se o teste qui-quadrado de Pearson (variáveis politômicas), qui-quadrado com correção de Yates (variáveis dicotômicas com frequência esperada maior de 5) ou exato de Fisher (variáveis dicotômicas com frequência menor do que 5 em pelo menos 25% das caselas).

Os escores do EACT e EIPST e seus domínios foram dicotomizados em dois grupos: Grave/Crítico e Satisfatório. Os poucos trabalhadores que avaliaram os domínios como grave obtiveram médias próximas ao limite inferior do domínio, motivo pelo qual foi agrupado aos que classificaram esses domínios como críticos. Associações com as variáveis contínuas ocorreram pelos coeficientes de correlação de Pearson. O nível de significância adotado foi de 5% (p≤0,05).

RESULTADOS

Os trabalhadores da ABS do município em estudo (n=242) eram em sua maioria mulheres (83,1%), com companheiro (74,4%) e idade média de 38,85 ± 10,3 anos (mínimo 17 e máximo 62 anos).

A maioria dos trabalhadores (57,9%, n=140) possuíam nível fundamental e/ou médio. Adicionalmente, no que se refere à profissão, 64 (26,4%) eram profissionais de nível superior (enfermeiros, médicos, odontólogos, nutricionistas e fisioterapeutas), 55 (22,7%) atuam como auxiliares/técnicos de enfermagem ou técnicos de higiene bucal, 59 (24,4%) são agentes comunitários de saúde e 48 (19,8%) auxiliares de limpeza/administrativo ou vigias.

Quanto ao contrato de trabalho, a maioria dos trabalhadores (78,1%, n=189) era contratada pelo município e uma menor parcela (21,9%, n=53) por empresa terceirizada. O tempo de trabalho no município e tempo de trabalho na unidade apresentou uma mediana de quatro (2-9) anos. Considerando os últimos 12 meses, 210 (86,8%) trabalhadores realizaram exame periódico de saúde e 51 (20,7%) estiveram afastados do trabalho por motivo de doença.

Apresenta-se no Quadro 1, o valor do Alpha de Cronbach, as medidas de tendência central e classificação de risco da Escala de Avaliação do Contexto de Trabalho (EACT) e da Escala de Prazer e Sofrimento no Trabalho (EIPST), com os percentuais calculados sobre as respostas válidas.

Quadro 1.
Distribuição dos escores dos trabalhadores que atuam na ABS nos domínios da Escala de Avaliação do Contexto de Trabalho e Escala de Prazer e Sofrimento no Trabalho. Porto Alegre, 2013

Analisando as médias e desvio padrão das questões de cada domínio da escala EACT, verificou-se que na Organização do Trabalho a avaliação grave ocorreu em duas questões: "as tarefas são repetitivas" e "o número de pessoas é insuficiente para realizar as tarefas", enquanto que as demais foram avaliadas como críticas. No domínio Condições de Trabalho, todos os itens receberam avaliação crítica. De forma diferente, no domínio Relações Socioprofissionais 50% das questões foram satisfatórias.

No domínio Realização Profissional da escala EIPST, três questões foram avaliadas como críticas: "motivação", "valorização" e "reconhecimento". Nas oito questões que compõe o domínio Falta de Reconhecimento, quatro eram avaliadas como satisfatórias, e todas as questões que compõe a Liberdade de Expressão foram consideradas satisfatórias. Entretanto, no domínio Esgotamento Profissional as questões relativas à "insegurança" e "medo" foram classificadas como grave e as demais como críticas.

Tendo em vista o entendimento de que o contexto de trabalho é determinante nas vivências de prazer e de sofrimento do trabalhador, o quadro 2 apresenta a associação entre os domínios da EACT e a EIPST e respectivos coeficientes de correlação.

Quadro 2.
Associação entre os domínios das Escala de Avaliação do Contexto de Trabalho e Escala de Indicadores de Prazer e Sofrimento no Trabalho. Porto Alegre, 2013

Ao realizar-se a distribuição das variáveis sociodemográficas e profissionais dos sujeitos, houve diferença estatística entre a variável profissão no domínio Organização do Trabalho (p=0,04), como maior proporção de avaliação grave entre agentes comunitários de saúde (96,6%).

O domínio Relações Socioprofissionais da escala EACT obteve avaliação semelhante. Entretanto, verificou-se diferença estatística significativa entre os grupos (p=0,036), sendo maior entre profissionais de maior escolaridade - enfermeiros, médicos, odontólogos, nutricionistas e fisioterapeutas - e predomínio da avaliação satisfatória (64,6%) entre os auxiliares de limpeza, administradores e vigias.

O domínio Realização Profissional da escala EIPST apresentou diferença significativa para a variável idade (p=0,025), de maneira que a idade média dos trabalhadores com avaliação grave/crítico foi inferior (37,0±9,9) aos que consideraram satisfatório (40,1±10,3).

No domínio Esgotamento Profissional da escala EIPST, houve diferença estatística com a idade (p=0,002), sendo a avaliação grave/crítica, efetuada pelos sujeitos com menor média de idade (37,2 anos). O mesmo domínio também apresentou diferença estatística com a profissão (p=0,037), sendo que 75,9% dos agentes comunitários de saúde e 71,9% dos profissionais da área da saúde (enfermeiros, médicos, odontólogos, nutricionistas e fisioterapeutas) avaliaram este domínio como grave/crítico. Também, houve associação inversa do Esgotamento Profissional com o tempo de trabalho na instituição (p=0,025), sendo que os trabalhadores com menor tempo na instituição tiveram as piores avaliações.

DISCUSSÃO

A Organização do Trabalho, compreendida como a disposição de normas, controles, ritmos de trabalho, jornadas, hierarquia, divisão do trabalho e das atividades, modelo de gestão e responsabilidades(9)9. Mendes AM. Psicodinâmica do trabalho: teoria, método e pesquisa. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2007., constitui um dos domínios da Escala de Avaliação do Contexto de Trabalho avaliado como crítico pelos trabalhadores da ABS. Esta avaliação foi atrelada à pressão para cumprimentos dos prazos, à cobrança por resultados, número insuficiente de pessoas para realizar as atividades, tarefas repetitivas, ritmo de trabalho acelerado entre outros, aspectos determinantes para o sofrimento do trabalhador.

De forma semelhante, na equipe da ESF de Brasília, Distrito Federal, Brasil, este domínio também foi avaliado como crítico(11)11. Shimizu HE, Carvalho Junior, DA. O processo de trabalho na Estratégia Saúde da Família e suas repercussões no processo saúde-doença. Ciênc Saúde Colet. 2012;17(9):2405-14. e os enfermeiros de Unidade Básica de Saúde de um município do interior do Rio Grande do Sul descreveram-se frustrados por não conseguirem desenvolver o cuidado com qualidade devido à alta demanda de trabalho(2)2. Schrader G, et al. Trabalho na unidade básica de saúde: implicações para a qualidade de vida dos enfermeiros. Rev Bras Enferm. 2012;65(2):222-8..

Quanto ao domínio das Relações Socioprofissionais, salienta-se que a avaliação negativa foi pautada pela falta de autonomia, de integração no ambiente de trabalho e de apoio das chefias para o desenvolvimento profissional; comunicação insatisfatória e a exclusão dos trabalhadores das decisões relativas ao trabalho. Achados semelhantes foram encontrados em estudo realizado com o mesmo público de profissionais, apontando auto-percepção de baixo controle e pouca oportunidade de decisão sobre o seu trabalho(12)12. David HMSL, et al. Organização do trabalho de enfermagem na atenção básica: uma questão para a saúde do trabalhador. Texto Contexto Enferm. 2009;18(2):206-14.. O forte sistema hierárquico e a divisão de atividades são elementos que causam sofrimento ao trabalhador à medida que o excluem do processo de produção do trabalho e em consequência deterioram a cooperação, elemento imprescindível para a manutenção da saúde(9)9. Mendes AM. Psicodinâmica do trabalho: teoria, método e pesquisa. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2007..

Por outro lado, no domínio das Relações Socioprofissionais avaliou-se satisfatoriamente a distribuição das tarefas, considerada claramente definida e justa, de fácil acesso às informações para executá-la, o que se pode atribuir à disponibilidade de protocolos e programas de assistência descritos minuciosamente. Em estudo realizado com agentes comunitários de saúde de unidades de ESF em município do sul do Brasil viu-se a existência de modos de agir e de saber-fazer no trabalho muito distintos do que pode ser encontrado nos manuais que orientam a ação desses trabalhadores, devido a carência de detalhamento destas ações(4)4. Silva-Roosli ACB, Athayde M. Gestão, trabalho e psicodinâmica do reconhecimento no cotidiano da Estratégia de Saúde da Família. In: Assunção AA, Brito J, organizadoras. Trabalhar na saúde: experiências cotidianas e desafios para a gestão do trabalho e do emprego. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz; 2011. p.67-82..

As condições para realização do trabalho foram consideradas criticas pelos trabalhadores principalmente no tocante ao mobiliário inadequado, excesso de barulho, falta de instrumentos e materiais. Estes dados indicam incoerências para a execução do trabalho na ABS(1111. Shimizu HE, Carvalho Junior, DA. O processo de trabalho na Estratégia Saúde da Família e suas repercussões no processo saúde-doença. Ciênc Saúde Colet. 2012;17(9):2405-14. , 1313. Kessler AI, Krug SBF. Do prazer ao sofrimento no trabalho da enfermagem: o discurso dos trabalhadores. Rev Gaúcha Enferm. 2012;33(1):49-55. ), as quais contribuem para o sofrimento.

Ainda é possível inferir que frente às exigências muitas vezes vivenciadas na discrepância entre o trabalho prescrito e o trabalho real, o trabalhador adota a autoaceleração como estratégia de defesa que visa dissociar o trabalhador da vivência de sofrimento(9)9. Mendes AM. Psicodinâmica do trabalho: teoria, método e pesquisa. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2007. para seguir trabalhando. Entretanto, este esforço, se mantido por longo período de tempo e sem perspectivas de mudança, pode lhe impor sobrecarga e em consequência haveria efeitos negativos à saúde. Ao considerar o percentual de trabalhadores do presente estudo que estiveram afastados do trabalho por motivos de doença nos últimos doze meses, pode-se pressupor que o sofrimento decorrente das exigências laborais não esteja sendo superado pelas estratégias de defesa, o que propicia o adoecimento do trabalhador.

Para a Agência Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho(15)15. Agência Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho (SP). Inquérito europeu às empresas sobre riscos novos e emergentes. Bilbao; 2010 [citado 2014 dez 10]. Disponível em:https://osha.europa.eu/pt/publications/reports/pt_esener1-summary.pdf.
https://osha.europa.eu/pt/publications/r...
, a organização e gestão do trabalho e seus contextos sociais e ambientais têm o potencial para causar dano psicológico, social e/ou físico ao trabalhador. Não obstante, a organização do trabalho resulta das relações intersubjetivas e sociais dos trabalhadores com as organizações(8)8. Heloani R, Lancman S. Psicodinâmica do trabalho: o método clínico de intervenção e investigação. Rev Produção. 2004;14(3):77-86., ou seja, requer interações entre o ambiente, conteúdo, natureza e condições de trabalho e as capacidades, necessidades e condições de vida do trabalhador, como também preconizado pela Organização Internacional do Trabalho(16)16. Organización Internacional del Trabajo (SW). Riesgos emergentes y nuevos modelos de prevención en un mundo de trabajo en transformación.Ginebra; 2010. 22p.. O resultado destas interações podem constituir riscos psicossociais capazes de afetar a saúde, o rendimento e a satisfação no trabalho.

Na avaliação dos indicadores de Prazer e Sofrimento no Trabalho observou-se prevalência do Esgotamento Profissional, domínio que não apresentou itens classificados como satisfatórios pelos sujeitos. As questões relativas à sobrecarga e estresse alcançaram as maiores médias nesta avaliação, apontando que os trabalhadores da ABS vivenciam o sofrimento, o que pode ser explicado pela correlação desses com a avaliação sobre a organização e o contexto trabalho.

Além disso, o Esgotamento Profissional pode ser atrelado às ameaças impetradas por alguns usuários que os trabalhadores reconhecem como violentos, gerando isolamento e submissão(55. Lancman S, et al. Repercussions of violence on the mental health of workers of the Family Health Program. Rev Saúde Pública. 2009;43(4):682-88. , 1717. Fernandes JS, et al. The effects of professional factors on the quality of life of family health team nurses. Rev Esc Enferm USP. 2012;46(2):404-12. ), a qual se adiciona à insegurança e ao estresse no trabalho frente às mortes, doenças e ameaças, vivenciadas durante sua jornada de trabalho(18)18. Lopes DMQ, et al. Community health agents and their experiences of pleasure and distress at work a qualitative study. Rev Esc Enferm USP. 2012;46(3):633-40.. Outro estudo apontou associação entre o conflito com clientes e o clima ruim de trabalho(12)12. David HMSL, et al. Organização do trabalho de enfermagem na atenção básica: uma questão para a saúde do trabalhador. Texto Contexto Enferm. 2009;18(2):206-14..

O sentimento de insegurança entre trabalhadores de uma ESF tem sido relacionado aos conflitos sociais e familiares(17)17. Fernandes JS, et al. The effects of professional factors on the quality of life of family health team nurses. Rev Esc Enferm USP. 2012;46(2):404-12. no cotidiano de trabalho e o desgaste emocional de agentes comunitários de saúde(19)19. Trindade LL, et al. Cargas de trabalho entre os agentes comunitários de saúde. Rev Gaúcha Enferm. 2007;28(4):473-9., decorre das visitas domiciliares a vizinhos, familiares e/ou pessoas com quem eventualmente tiveram conflitos. Por serem moradores da mesma comunidade em que trabalham e conhecerem as pessoas e ocorrências da área, os agentes comunitários de saúde criam laços afetivos e se tornam susceptíveis ao envolvimento emocional. E ao conviverem com sofrimento do usuário(18)18. Lopes DMQ, et al. Community health agents and their experiences of pleasure and distress at work a qualitative study. Rev Esc Enferm USP. 2012;46(3):633-40. assumem uma carga psíquica que pode leva-los ao Esgotamento Profissional observado no presente estudo.

Na avaliação dos indicadores de Prazer e Sofrimento no Trabalho observou-se que os domínios Realização Profissional, Liberdade de Expressão e Reconhecimento foram avaliados como satisfatórios levando a inferir que, apesar das deficiências da organização e do contexto do trabalho apontadas, estes trabalhadores encontraram prazer no trabalho. Essa vivência pode ser decorrente do fato de gostarem da atividade executada, circunstancia que afeta positivamente o desempenho profissional e a organização do trabalho(2)2. Schrader G, et al. Trabalho na unidade básica de saúde: implicações para a qualidade de vida dos enfermeiros. Rev Bras Enferm. 2012;65(2):222-8. e também pela relação com comunidade, a qual por vezes imprime significado ao labor(20)20. Trindade LL, Lautert L. Syndrome of Burnout among the workers of the strategy of health of the family. Rev Esc Enferm USP. 2010;44(2):274-9.. Dado semelhante foi identificado em uma pesquisa com trabalhadores de enfermagem de uma ESF e de um hospital na qual o reconhecimento por parte da chefia se relacionava exclusivamente à produtividade, cumprimento das metas e exigência da organização do trabalho. Entretanto, o reconhecimento por parte dos usuários pode ser considerado determinante contra o esgotamento profissional(13)13. Kessler AI, Krug SBF. Do prazer ao sofrimento no trabalho da enfermagem: o discurso dos trabalhadores. Rev Gaúcha Enferm. 2012;33(1):49-55..

Nesta investigação, as vivências que causaram prazer foram encontradas na avaliação satisfatória das questões relativas ao bem-estar, realização profissional, gratificação pessoal por suas atividades, orgulho pelo que faz, satisfação e identificação com suas tarefas. A Realização Profissional relacionou-se à identificação com as atividades, ou seja, é um estado de prazer resultante da apreciação positiva do trabalho executado que, em consonância com as políticas públicas do serviço, beneficia a inclusão e sensibilização dos trabalhadores para o desenvolvimento desse trabalho(20)20. Trindade LL, Lautert L. Syndrome of Burnout among the workers of the strategy of health of the family. Rev Esc Enferm USP. 2010;44(2):274-9..

A Liberdade de Expressão também promoveu prazer aos trabalhadores, fato constatado pela avaliação satisfatória deste domínio. Este dado é semelhante ao encontrado no estudo realizado na ESF em que a classificação foi satisfatória em todos os itens do domínio(1111. Shimizu HE, Carvalho Junior, DA. O processo de trabalho na Estratégia Saúde da Família e suas repercussões no processo saúde-doença. Ciênc Saúde Colet. 2012;17(9):2405-14. , 1818. Lopes DMQ, et al. Community health agents and their experiences of pleasure and distress at work a qualitative study. Rev Esc Enferm USP. 2012;46(3):633-40. ). Contudo, o item "liberdade com a chefia para negociar o que precisa" foi considerado crítico, o que permite inferir que embora os trabalhadores tenham a liberdade para expressar-se no grupo de trabalho, não têm essa mesma liberdade para negociarem com a chefia.

Na ABS de municípios da região metropolitana do Rio de Janeiro, foram identificados escores de insatisfação altos na avaliação da relação com a chefia e com colegas(12)12. David HMSL, et al. Organização do trabalho de enfermagem na atenção básica: uma questão para a saúde do trabalhador. Texto Contexto Enferm. 2009;18(2):206-14.. Estudo com agentes comunitários de saúde revelou que os mesmos atuam como produtores de sentido e de microgestões do processo de trabalho na ESF, participando dos processos decisórios(4)4. Silva-Roosli ACB, Athayde M. Gestão, trabalho e psicodinâmica do reconhecimento no cotidiano da Estratégia de Saúde da Família. In: Assunção AA, Brito J, organizadoras. Trabalhar na saúde: experiências cotidianas e desafios para a gestão do trabalho e do emprego. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz; 2011. p.67-82..

Embora satisfatório, o domínio Falta de Reconhecimento obteve avaliação crítica em quatro das oito questões: falta de reconhecimento do meu esforço e do meu desempenho, desvalorização e indignação, comportamentos que podem causar sofrimento e potencializar o esgotamento profissional. Da mesma forma, apesar da Realização Profissional ter sido satisfatória para grande parcela dos trabalhadores, viu-se que o sofrimento é decorrente da falta de motivação, valorização e reconhecimento pelo seu esforço.

Considerando os riscos que sentimentos de desconsideração e emoções negativas podem representar à saúde do trabalhador, tornam-se necessárias, além da identificação dos fatores nocivos à saúde, medidas de intervenção que os protejam. Logo, reflexões e discussões coletivas sobre a forma como o processo de trabalho está organizado e sobre as dificuldades e desafios do cotidiano são fundamentais na luta contra o sofrimento no trabalho advindo da falta de reconhecimento e desvalorização(13)13. Kessler AI, Krug SBF. Do prazer ao sofrimento no trabalho da enfermagem: o discurso dos trabalhadores. Rev Gaúcha Enferm. 2012;33(1):49-55..

No que tange ao cruzamento dos dados dos domínios em estudo com as variáveis sociodemográficas e profissionais dos trabalhadores, a Liberdade de Expressão obteve um percentual superior de trabalhadores com ensino fundamental e médio que a classificaram como satisfatória, experimentando vivências de prazer no trabalho, diferente do que ocorreu com os trabalhadores com ensino superior. Este dado pode estar relacionado às características do trabalho destes profissionais (enfermeiros, médicos, odontólogos, nutricionistas e fisioterapeutas), os quais além de realizarem as atividades inerentes à profissão, também assumem cargos de chefia e coordenação de equipe, o que por vezes inibe a livre expressão de suas opiniões aos colegas ou chefias.

O esgotamento profissional dos trabalhadores em estudo é amortizado com a experiência e maturidade dos mesmos. Observou-se que quanto maior o tempo na instituição e idade do indivíduo, o esgotamento tende a reduzir, do que se pode depreender que o trabalhador desenvolve estratégias defensivas para lidar com situações conflitantes e demanda ocupacionais do contexto do trabalho. A influência da idade sobre o desgaste emocional e despersonalização foi identificada entre os trabalhadores da ESF de Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil, e atribuída à pouca experiência dos mais jovens em lidarem com o trabalho e ao choque que sofrem com a realidade(20)20. Trindade LL, Lautert L. Syndrome of Burnout among the workers of the strategy of health of the family. Rev Esc Enferm USP. 2010;44(2):274-9..

Quando os trabalhadores iniciam suas carreiras, em geral são jovens e críticos em relação ao trabalho e têm grandes expectativas acerca de sua atuação, as quais quando não alcançadas, podem causar sentimentos de frustração profissional e consequente esgotamento. Aliado a isso, encontra-se o medo do desemprego, de forma que, por vezes, os desgastes físico e psicológico são banalizados. Neste sentido torna-se imperioso o acolhimento ao trabalhador de qualquer idade de modo a abrandar estes desgastes e manter sua saúde, pois, como visto o reconhecimento e a liberdade de expressão configuram estratégias que potencializam a realização profissional e podem influenciar o esgotamento.

CONCLUSÃO

A partir dos dados emergentes da Escala de Avaliação do Contexto de Trabalho foi possível identificar que os trabalhadores da ABS avaliam como impróprias a organização e as condições laborais na maioria dos aspectos que as definem. Sobre os Indicadores de Prazer e Sofrimento no Trabalho, observou-se que a realização profissional, o reconhecimento e a liberdade de expressão são fontes de prazer no trabalho, ao passo que os dados apontam para o esgotamento profissional como indicativo de sofrimento.

Foi possível concluir que quanto maior a idade dos trabalhadores, menor é o Esgotamento Profissional e a Liberdade de Expressão, mostrando que o trabalhador da ABS vai construindo estratégias defensivas contra o sofrimento ao longo do tempo. Os domínios Realização Profissional, Esgotamento Profissional e Falta de Reconhecimento obtiveram correlação significativa com a Organização do Trabalho, indicando a interferência positiva da organização do trabalho sobre o prazer no trabalho na ABS.

Para finalizar, recomenda-se que gestores e trabalhadores se mobilizem conjuntamente para renormatizar a organização e condições laborais, a fim de elaborar medidas para reduzir o sofrimento e potencializar as fontes de prazer no trabalho. Espera-se com este estudo contribuir não apenas com os serviços do município, mas com a construção do conhecimento em saúde do trabalhador da ABS, visto a centralidade desta modalidade de atenção para os avanços do sistema de saúde e a sua potencialidade para causar tanto prazer como sofrimento aos seus protagonistas.

Aponta-se como limitação deste estudo a falta de aprofundamento da compreensão subjetiva e intersubjetiva dos trabalhadores da ABS na avaliação de prazer e sofrimento no trabalho. Também o viés de prevalência característico dos estudos de abordagem temporal transversal. Sugere-se, portanto, estudos com desenhos longitudinais, ou ainda, a aplicação do método de pesquisa-ação proposto pela Psicodinâmica do Trabalho.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2015

Histórico

  • Recebido
    22 Out 2014
  • Aceito
    02 Abr 2015
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