Acessibilidade / Reportar erro

Fatores de risco para doenças sexualmente transmissíveis em profissionais do sexo do interior piauiense

Resumos

OBJETIVO:

Identificar os fatores de risco para doenças sexualmente transmissíveis em profissionais do sexo e verificar a associação entre uso do preservativo masculino pelo parceiro e pelo cliente e as características dessas mulheres.

MÉTODO:

Estudo transversal e correlacional, realizado com 73 profissionais do sexo cadastradas na Associação das Profissionais do Sexo do Município de Picos-PI. Para coleta de dados, em setembro e outubro de 2010, utilizou-se formulário contendo questões sociodemográficas e de história de prostituição. Os aspectos éticos foram respeitados.

RESULTADOS:

A maioria das variáveis sociodemográficas e da história de prostituição não apresentou associação significativa com o uso de preservativo masculino pelo parceiro ou cliente. Entretanto, o tempo de prostituição mostrou associação significativa (p=0,029). Profissionais do sexo com mais tempo de prostituição adotam o preservativo para proteção contra doenças sexualmente transmissíveis.

CONCLUSÃO:

É fundamental o desenvolvimento de estratégias direcionadas à realidade vivenciada por elas, com vistas à promoção da saúde das mesmas.

Prostituição; Doenças sexualmente transmissíveis; Enfermagem


OBJECTIVE:

To identify the risk factors for STD among female sex workers and the characteristics of this population, and to verify the association between condom use by their male partners and clients.

METHOD:

Cross-sectional and correlational study conducted with 73 sex workers registered at the Sex Workers´ Association of the municipality of Picos -PI, Brazil. Data were collected in September and October 2010 using a questionnaire to obtain sociodemographic information and the participants´ background in the sex industry. Ethical aspects were observed.

RESULTS:

There was no significant association between most of the sociodemographic variables and background in the sex industry and condom use by male partners or clients. However, there was a significant association with years in the sex industry (p = 0.029). Sex workers who had been in the industry for the longest used condoms for protection against sexually transmitted diseases.

CONCLUSION:

It is essential to create health promotion strategies that observe the real-life experiences of sex workers.

Prostitution; Sexually transmitted diseases; Nursing


OBJETIVO:

Identificar los factores de riesgo de enfermedades de transmisión sexual entre trabajadoras sexuales y asociación entre el uso de condones por parte del compañero o cliente y las características de estas mujeres.

MÉTODO:

Estudio transversal con 73 trabajadoras sexuales registradas en Asociación de Trabajadoras del Sexo en la ciudad de Picos, Piauí. Para recolección de datos, septiembre y octubre de 2010, se utilizó formulario que contiene temas sociodemográficas y de historia de prostitución. Se respetaron los aspectos éticos.

RESULTADOS:

Temas sociodemográfica y de historia de prostitución no se asoció significativamente con uso de condones por compañero o cliente. Tiempo de prostitución se asoció de forma significativa (p = 0,029). Trabajadoras del sexo, con más tiempo de prostitución, adoptan condón para protegerse contra enfermedades de transmisión sexual.

CONCLUSIÓN:

Es esencial desarrollar estrategias dirigidas a la realidad experimentada por ellos, con el fin de promover la salud de la misma.

Prostitución; Enfermedades de transmisión sexual; Enfermería


INTRODUÇÃO

A prostituição é uma das atividades comerciais mais antiga da história da humanidade, sendo definida como o exercício de uma prática sexual remunerada, que não requer a existência de vínculo afetivo entre as pessoas que a realizam(1)1. Penha JC, Cavalcanti SDC, Carvalho SB, Aquino PS, Galiza DDF, Pinheiro AKB. Características da violência física sofrida por profissionais do sexo no interior piauiense. Rev Bras Enferm. 2013;65(6):984-90.. Embora seja uma prática milenar, apenas em 2002, houve a inclusão da categoria "profissionais do sexo" na Classificação Brasileira de Ocupações do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE)(2)2. Ministério da Saúde (BR). Recomendações da consulta nacional sobre DST/aids, direitos humanos e prostituição. Brasília: Ministério da Saúde; 2012..

Mas, apesar desse reconhecimento pelo MTE, as profissionais do sexo continuam marginalizadas, sofrendo preconceitos e discriminação, além de riscos, os quais advêm da baixa condição socioeconômica, como: violências sexual, física e psicológica; uso abusivo de bebidas alcoólicas e de drogas ilícitas(33. Neri EAR, Moura MSS, Penha JC, Reis TGO, Aquino PS, Pinheiro AKB. Conhecimento, atitude e prática sobre o exame Papanicolaou de profissionais do sexo. Texto Contexto Enferm. 2013;22(3):731-8. - 4 d Especialista em Saúde Pública pelas Unidades Integradas de Pós-Graduação Pesquisa e Extensão. Enfermeira da Secretaria de Estado da Saúde do Piauí, Teresina, Piauí, Brasil ); e, principalmente, relações sexuais desprotegidas com múltiplos parceiros, o que constitui um fator de risco para aquisição de doenças sexualmente transmissíveis (DST/aids)(5)5. Paiva LL, Araújo JL, Nascimento EGC, Alchieri JC. As vivências das profissionais do sexo. Saúde Debate. 2013;37(98):467-76..

Um grupo que também podem estar dentro do ramo da protstituição e que sofre preconceito, discriminação, e pricipalmente estão expostos aos riscos de contaminação de DST/aids, devido a uma prática sexual desprotegida, são as pessoas que compõem o Movimento LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros). Pesquisa indica que tal população apresenta muita resistência à procura dos serviços de saúde, evidenciando o contexto discriminatório existente, devido à falta de qualificação e do estigma imposto pelos profissionais de saúde para atender a essa demanda(6)6. Barbosa RM, Facchini R. Acesso a cuidados relativos à saúde sexual entre mulheres que fazem sexo com mulheres em São Paulo, Brasil. Cad Saúde Pública. 2009;25(supl 2):291-300..

Historicamente, as intervenções relacionadas à saúde das profissionais do sexo tem-se centrado na redução do risco para aquisição de doenças infecciosas(7)7. Decker MR, Yan EA, Wirtz AI, Baral SD, Peryshkina A, Mogilnyi V, et al. Induced abortion, contraceptive use, and dual protection among female sex workers in Moscow, Russia. Int J Gynaecol Obstet. 2013;120(1):27-31.; pois, contrariamente, persiste a ideia de que mulheres que se prostituem são as que tem e transmitem doenças(8)8. Silva CM, Lopes FMVM, Vargens OMC. A vulnerabilidade da mulher idosa em relação à AIDS. Rev Gaúcha Enferm. 2010;31(3):450-7., quando, na verdade, elas estão sujeitas à aquisição de DTS/Aids que pode ser transmitida pelo cliente. Assim e em face do crescimento da indústria global do sexo, o uso do preservativo é uma atitude importante para a prevenção de DST/aids nesse grupo de mulheres(55. Paiva LL, Araújo JL, Nascimento EGC, Alchieri JC. As vivências das profissionais do sexo. Saúde Debate. 2013;37(98):467-76. - 9 c Especialista em Enfermagem do Trabalho pelas Faculdades Integradas de Jacarepaguá. Enfermeira da Estratégia Saúde da Família, Secretaria Municipal de Saúde, Teresina, Piauí, Brasil ).

Desde a década de 80, o Ministério da Saúde começou a adotar estratégias para o enfrentamento da epidemia do vírus da imunodeficiência humana (HIV)/aids e contou com a parceria dos movimentos sociais vinculados à defesa dos direitos da população de LGBT, o que fortaleceu a participação destes grupos na luta pela saúde(10)10. Ministério da Saúde (BR). Política nacional de saúde integral de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais. Brasília: Ministério da Saúde; 2010.. Desse modo, percebem-se, nesse campo específico, alguns avanços em programas e políticas públicas, entre elas destacam-se a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher, a Carta de Direitos dos Usuários da Saúde e a Política Nacional de Saúde Integral de LGBT(11)11. Albuquerque GA, Garcia CL, Alves MJH, Queiroz CMHT, Adami F. Homossexualidade e o direito à saúde: um desafio para as políticas públicas de saúde no Brasil. Saúde Debate. 2013;37(98):516-24..

Em relação à prostituição, muitos países contêm uma mistura de abordagens, seja com o desenvolvimento de políticas que se concentram em punir a prostituição ou com a criação de Organizações Não Governamentais, que capacitem as profissionais do sexo sobre medidas de prevenção da contaminação/transmissão de DST/aids e negociação do uso do preservativo com o cliente(12)12. Kaufman J. HIV, sex work, and civil society in China. J Infect Dis. 2011;204(Suppl 5):1218-22..

No Brasil, adota-se fortemente a segunda abordagem, pois é considerado que a auto-organização e o fortalecimento dos movimentos de profissionais do sexo são condições estratégicas para a sustentabilidade e a ampliação das ações de assistência à saúde, bem como para a garantia dos direitos e prevenção das DST/aids, visto que estas ações ajudam a fortalecer a identidade profissional e a promover a visibilidade social e política desse segmento e, também, a defesa de seus direitos(2)2. Ministério da Saúde (BR). Recomendações da consulta nacional sobre DST/aids, direitos humanos e prostituição. Brasília: Ministério da Saúde; 2012.. Com base nessa perspectiva, várias associações de mulheres que se prostituem foram fundadas por todo o país, entre elas a Associação das Profissionais do Sexo do Município de Picos-PI (APROSEP), onde a pesquisa foi realizada.

Nas Filipinas, por exemplo, o Departamento de Saúde obriga as profissionais do sexo a se registrarem em Clínicas de Higiene Social para submeterem-se a testes de DST/aids uma vez por semana ou quinzenalmente. Elas devem participar também, assim que iniciam na prostituição, de um workshop sobre HIV. Alguns locais adotam ainda como regra o uso obrigatório do preservativo em todas as relações sexuais com os clientes, e, caso elas descumpram, podem ser suspensas do trabalho(9)9. Urada LA, Morisky DE, Pimentel-Simbulan N, Silverman JG, Strathdee SA. Condom negotiations among female sex workers in the Philippines: environmental influences. PLoS One. 2012;7(3):e33282..

Por todo o exposto, observa-se que, embora muitas pesquisas já tratem da discussão sobre fatores de risco para DST/aids em mulheres e grupos que se prostituem, é fundamental ter em mente que cada região tem suas particularidades que podem contribuir para o aumento ou a diminuição deste risco inerente ao ato de prostituir-se.

Este estudo mostra-se de grande relevância para os profissionais de saúde, profissionais do sexo, a comunidade científica e a sociedade como um todo, pois compreendendo os principais fatores de risco para as DST/aids nessa população, pode-se trabalhar em prol da promoção e prevenção dessas doenças de maneira mais efetiva. Além disso, e devido ao grande número de pessoas infectadas por DST/aids, as quais ainda são consideradas de risco existencial, houve o interesse de conhecer como as profissionais do sexo em Picos-PI estão se comportando frente às DST/aids.

Desse modo, o presente estudo objetivou identificar os fatores de risco para doenças sexualmente transmissíveis em profissionais do sexo e verificar a associação entre uso do preservativo masculino pelo parceiro e pelo cliente e as características dessas mulheres.

METODOLOGIA

Estudo transversal e correlacional, realizado em zonas de prostituição, com profissionais do sexo cadastradas na Associação das Profissionais do Sexo do Município de Picos-PI (APROSEP). Esta associação foi fundada no ano de 2004 e tem como objetivo promover a saúde e o bem estar social de profissionais do sexo. Desse modo, as educadoras sociais dessa associação desenvolvem diversas atividades, como: distribuição de preservativos e de material educativo, encaminhamento das mulheres para consultas ginecológicas na Estratégia de Saúde da Família (ESF), bem como orientações sobre violência, uso de drogas, entre outras.

A população do estudo foram 450 mulheres cadastradas na APROSEP e, para definição do tamanho amostral, foi realizado um cálculo para população finita, considerando o intervalo de confiança de 95%, o erro amostral de 5% e a prevalência de 62%, a qual foi obtida a partir de um estudo realizado anteriormente(13)13. Ximenes Neto FRG, Oliveira JS, Rocha J. Violência sofrida pelas profissionais do sexo durante seu trabalho e as atitudes tomadas após serem vitimadas. Rev Min Enferm. 2007;11(3):248-53.. A técnica de amostragem foi por conveniência. Assim, compuseram a amostra final do estudo 73 mulheres profissionais do sexo das zonas cadastradas.

Os critérios de inclusão adotados foram: ser profissionais do sexo em exercício na cidade de Picos-PI, estar associada à APROSEP e ter idade acima de 18 anos. Já os critérios de exclusão foram: estar em uso de substâncias alucinógenas ou em exercício da atividade profissional no momento da entrevista.

A coleta de dados ocorreu todos os dias das semanas, exceto sábados e domingos, dos meses de setembro e outubro de 2010, nas zonas de prostituição cadastradas na APROSEP. Ademais, coletaram os dados três acadêmicas de enfermagem, as quais foram treinadas e desenvolveram a coleta obedecendo ao Procedimento Operacional Padrão (POP) elaborado para esta pesquisa. Vale-se ressaltar que elas eram acompanhadas das educadoras sociais da associação nos campos de coleta.

Para registro dos dados, utilizou-se, um formulário estruturado, contendo questões relacionadas aos dados sociodemográficos e à história de prostituição.

Os dados coletados foram tabulados e analisados pelo programa estatístico Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 17.0. Para a descrição dos dados sociodemográficos e o tempo de prostituição, utilizou-se o teste de normalidade Kolmogorov-Smirnov, sendo os mesmos apresentados por meio de frequências relativas e absolutas, médias ou medianas. Para associação estatística das variáveis nominais, utilizou-se o teste Qui-quadrado, adotando-se um valor de p < 0,05.

Os aspectos éticos foram respeitados, conforme Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde(14)14. Ministério da Saúde (BR).Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 196, de 10 de outubro de 1996. Diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos.Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. 1996 out.16;134(201 Seção 1):21082-5.. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Piauí, com protocolo nº 0176.0.045.00-10.

RESULTADOS

A caracterização sociodemográfica das 73 profissionais do sexo entrevistadas se deu pela investigação das seguintes variáveis: estado civil, idade, renda e escolaridade. No que concerne ao estado civil, a maioria (66 - 87%) das participantes era solteira, 1 (1,3%) casada, 6 (7,8%) divorciadas e 3 (3,9%) viúvas. As demais são evidenciadas na tabela 1.

Tabela 1.
Associação das variáveis sociodemográfi cas e o uso de preservativo masculino pelo parceiro ou cliente durante as relações sexuais. Picos, PI, Brasil, 2010

Conforme aplicação do teste de normalidade Kolmogorov-Smirnov para as variáveis sociodemográficas, idade e renda não apresentaram distribuição normal, e foram apresentadas em medianas, respectivamente, 25 anos de idade e R$ 500,00 de renda mensal. Apenas a variável escolaridade apresentou-se normal, com média de 7,9 anos de estudo. Vale ressaltar que a partir das medianas e média encontradas, não se verificou associações estatísticas destas com a variável uso do preservativo masculino pelo parceiro ou pelo cliente.

As variáveis sobre a história de prostituição investigadas foram: tempo de prostituição, doenças sexualmente transmissíveis (DST), uso de álcool relacionado ao trabalho, uso de tabaco relacionado ao trabalho e uso de outras drogas, dispostas na tabela 2.

Tabela 2.
Associação das variávei s relacionadas à história de prostituição e o uso de preservativo masculino pelo parceiro ou cliente durante as relações sexuais. Picos, PI, Brasil, 2010

A maioria das características da prostituição investigadas não apresentou significância estatística com a variável uso do preservativo masculino pelo parceiro ou pelo cliente, consoante evidenciado na tabela 2. Sobre o tempo de prostituição, a maioria das participantes, 52 (68,4%), atuava há mais de um ano. Esta variável não apresentou normalidade na aplicação do teste estatístico, sendo a mediana encontrada de um ano; entretanto, foi a única que apresentou associação estatística com a variável uso de preservativo masculino pelo cliente (p=0,029).

DISCUSSÃO

Em uma análise de caracterização sociodemográfica das participantes deste estudo, observou-se que, em relação ao estado civil, a maioria das entrevistadas era solteira, fato que pode auxiliar no desenvolvimento da prostituição. Este achado corrobora com pesquisa descritiva desenvolvida na zona Sul da cidade de São Paulo-SP, em que, das 50 profissionais do sexo, 38 (76%) eram solteiras(4)4. Salmeron NA, Pessoa TAM. Profissionais do sexo: perfil socioepidemiológico e medidas de redução de danos. Acta Paul Enferm. 2012;25(4):549-54.. Em contrapartida, na Índia, uma investigação transversal, realizada com 5.498 mulheres que se prostituíam, identificou que pouco mais da metade (52%) eram viúvas, divorciadas ou separadas, e um terço, casadas(15)15. Swain SN, Saggurti N, Battala M, Verma RK, Jain AK. Experience of violence and adverse reproductive health outcomes, HIV risks among mobile female sex workers in India. BMC Public Health. 2011;11:357..

Ademais, as outras variáveis sociodemográficas (idade, escolaridade e renda) das profissionais do sexo não apresentaram associação estatística significativa com o uso do preservativo masculino pelo parceiro ou cliente durante as relações sexuais, o que pode ser justificado pelo pequeno tamanho da amostra. Porém, notou-se predominância do uso do preservativo masculino pelos clientes e a pouca utilização pelos parceiros das entrevistadas.

O resultado acima pode estar relacionado à questão da fidelidade, simbolizando uma diferença entre a vida profissional e a pessoal desta mulher(16)16. Moura ADA, Pinheiro AKB, Barroso MGT. Realidade vivenciada e atividades educativas com profissionais do sexo: subsídios para a prática de enfermagem. Esc Anna Nery. 2009;13(3):602-8.. E, às vezes, a dificuldade para controlar o uso do preservativo masculino pode estar relacionada à autoridade do homem(5)5. Paiva LL, Araújo JL, Nascimento EGC, Alchieri JC. As vivências das profissionais do sexo. Saúde Debate. 2013;37(98):467-76.. Esse é um fator preocupante, visto que mesmo os parceiros fixos não utilizando o preservativo, as participantes podem adquirir DST/aids e serem possíveis transmissoras dessas doenças.

Quanto ao uso do preservativo masculino pelos clientes, esta prática pode ser vista como uma regra "social" dos estabelecimentos, embora a negociação exista, pois aqueles podem procurar mulheres que não utilizam preservativos, aumentando o pagamento pelo programa(4)4. Salmeron NA, Pessoa TAM. Profissionais do sexo: perfil socioepidemiológico e medidas de redução de danos. Acta Paul Enferm. 2012;25(4):549-54.. Assim, pode ocorrer uma grande diferença entre a resposta fornecida na entrevista e a realidade em que atuam.

Devido ao elevado número de parceiros sexuais (fixos e/ou clientes) que estas mulheres possuem, vê-se a necessidade de orientação quanto à importância do uso do preservativo, seja ele masculino ou feminino, em toda relação sexual e do empoderamento desta mulher com seu próprio destino, cabendo a ela a decisão sobre seu corpo(17-18)17. Meis C. Cultura e empowerment: promoção à saúde e prevenção da aids entre profissionais do sexo no Rio de Janeiro. Ciênc Saúde Coletiva. 2011;16(supl1):1437-44.. Nesse contexto, é importante que ocorra, por parte dos profissionais de saúde, principalmente enfermeiros, orientações a essa clientela sobre a temática citada, pois, assim, estas mulheres não estarão expostas ao risco de contaminação ou transmissão de DST/aids, bem como poderão ser multiplicadoras nos diversos locais em que atuam.

No que corresponde à idade, a mediana foi de 25 anos, e as mulheres que possuíam idade inferior ou igual a esta foram as que mais relataram o uso do preservativo masculino pelo parceiro e também pelo cliente. Nas Filipinas, realizou-se um estudo transversal com 498 profissionais do sexo, das quais 142 foram incluídas na análise da mediana da idade, que foi de 23 anos e não apresentou significância estatística com a negociação ou não do uso do preservativo com o parceiro(9)9. Urada LA, Morisky DE, Pimentel-Simbulan N, Silverman JG, Strathdee SA. Condom negotiations among female sex workers in the Philippines: environmental influences. PLoS One. 2012;7(3):e33282..

Em outras pesquisas, a faixa etária predominante das profissionais do sexo também foi de jovens adultas, de 21-25 anos (56%)(4)4. Salmeron NA, Pessoa TAM. Profissionais do sexo: perfil socioepidemiológico e medidas de redução de danos. Acta Paul Enferm. 2012;25(4):549-54. e média de 29,8 anos de idade(15)15. Swain SN, Saggurti N, Battala M, Verma RK, Jain AK. Experience of violence and adverse reproductive health outcomes, HIV risks among mobile female sex workers in India. BMC Public Health. 2011;11:357.. Observa-se que a prostituição é constituída, em maioria, por mulheres mais jovens, visto que a prática do meretrício as atrai, principalmente pela beleza e juventude peculiar a esta fase da vida(1)1. Penha JC, Cavalcanti SDC, Carvalho SB, Aquino PS, Galiza DDF, Pinheiro AKB. Características da violência física sofrida por profissionais do sexo no interior piauiense. Rev Bras Enferm. 2013;65(6):984-90., de modo que mais clientes as procurarão e a renda, provavelmente, será maior.

Quanto à escolaridade, obteve-se a média de 7,9 anos de estudo. Esta variável não apresentou significância estatística quando associada ao uso do preservativo masculino pelo parceiro ou pelo cliente, porém, a maioria das mulheres com até oito anos de estudo relatou que ambos utilizavam.

Diferentemente do achado apresentado acima, análise descritiva constatou que 29 (58%) mulheres profissionais do sexo possuíam o ensino médio(4)4. Salmeron NA, Pessoa TAM. Profissionais do sexo: perfil socioepidemiológico e medidas de redução de danos. Acta Paul Enferm. 2012;25(4):549-54. e, nas Filipinas, o nível educacional das profissionais do sexo entrevistadas foi de 9 anos completos de estudo, sem haver também associação estatística significativa com a negociação ou não sobre o uso do preservativo(9)9. Urada LA, Morisky DE, Pimentel-Simbulan N, Silverman JG, Strathdee SA. Condom negotiations among female sex workers in the Philippines: environmental influences. PLoS One. 2012;7(3):e33282.. Por outro lado, uma investigação transversal com profissionais do sexo da Índia identificou que o número médio de anos de estudo foi de 3,9(15)15. Swain SN, Saggurti N, Battala M, Verma RK, Jain AK. Experience of violence and adverse reproductive health outcomes, HIV risks among mobile female sex workers in India. BMC Public Health. 2011;11:357..

O nível de escolaridade das profissionais do sexo pode ter associação com o início da prática do meretrício, ou seja, pode constituir um motivo para o ingresso na prostituição, pois, como as mulheres não tem qualificação, podem não conseguir outro emprego.

Em relação à renda, a mediana desta variável foi R$ 500,00, de modo que as participantes com renda igual ou inferior a este valor foram as que mais relataram a utilização de preservativo masculino nas práticas sexuais pelo parceiro ou pelo cliente. Em contrapartida, outra pesquisa observou que 26 (46%) entrevistadas tinham uma renda entre R$1.001,00 a R$ 3.000,00(4)4. Salmeron NA, Pessoa TAM. Profissionais do sexo: perfil socioepidemiológico e medidas de redução de danos. Acta Paul Enferm. 2012;25(4):549-54..

Vale-se ressaltar que o ingresso na prostituição tem como uma das causas: as poucas condições socioeconômicas, o que leva algumas mulheres à prática de tal ofício. No entanto, percebe-se que nem sempre as condições financeiras melhoram.

Assim, infere-se que o baixo nível escolar e as dificuldades financeiras enfrentadas pelas profissionais do sexo compõem os obstáculos para a sua integração em outras atividades laborais. E para aquelas que pertencem às classes mais baixas, as perspectivas de mudança de atividade ainda são menos viáveis em virtude da baixa escolaridade e da ausência de qualificação profissional(19)19. Moura ADA, Oliveira RMS, Lima GG, Farias LM, Feitoza AR. O comportamento de profissionais do sexo em tempos de aids e outras doenças sexualmente transmissíveis: como estão se prevenindo? Texto Contexto Enferm. 2010;19(3):545-53..

Nas variáveis relacionadas à história de prostituição, apenas o tempo de exercício desta prática mostrou associação significativa com uso de preservativo masculino pelo cliente. Esta relação pode haver porque as mulheres com mais experiência no meretrício desenvolvem estratégias para negociação do uso do preservativo durante a relação sexual.

Notou-se que a maioria das mulheres entrevistadas atuava há mais de um ano. Este achado corrobora com pesquisa clínica desenvolvida em Moscou, com 147 profissionais do sexo, em que 49 (33,6%) delas atuavam há mais de 24 meses como profissionais do sexo(7)7. Decker MR, Yan EA, Wirtz AI, Baral SD, Peryshkina A, Mogilnyi V, et al. Induced abortion, contraceptive use, and dual protection among female sex workers in Moscow, Russia. Int J Gynaecol Obstet. 2013;120(1):27-31., e outro em que a maioria estava em atividade entre 1 e 5 anos (48%)(4)4. Salmeron NA, Pessoa TAM. Profissionais do sexo: perfil socioepidemiológico e medidas de redução de danos. Acta Paul Enferm. 2012;25(4):549-54..

Em relação às doenças sexualmente transmissíveis, a maioria das profissionais do sexo relatou não ter tido nenhum agravo e não houve significância estatística deste achado com uso do preservativo masculino pelo parceiro ou pelo cliente. Em uma investigação qualitativa em Pau dos Ferros-RN, somente uma das 10 entrevistadas, relatou ocorrência de alguma DST(5)5. Paiva LL, Araújo JL, Nascimento EGC, Alchieri JC. As vivências das profissionais do sexo. Saúde Debate. 2013;37(98):467-76..

Mesmo assim, reitera-se a importância da utilização de preservativo nas relações sexuais, pois sabe-se que este é um método de prevenção contra a aquisição de DST/aids. Desse modo, no México, foram entrevistadas 2401 profissionais do sexo e foi identificado que, entre aquelas que usavam preservativo com os clientes, a incidência do HIV foi 15 vezes menor que entre as que não o fizeram(20)20. Bórquez A, Hallet TB, Gomes GB, Garnett GP. Condom use by female sex workers and their clients in Mexico: who decides and does it matter? Sex Transm Infect. 2011;87(3):254-6.. Com isso, reporta-se à necessidade de atividades educativas com este grupo de mulheres, a fim de promover a saúde sexual das mesmas, prevenindo-as da aquisição de DST/aids.

Além da contaminação por DST/aids, as mulheres profissionais do sexo estão expostas constantemente a outros fatores de risco, como a submissão e, sobretudo o uso abusivo de bebidas alcoólicas e drogas ilícitas(4)4. Salmeron NA, Pessoa TAM. Profissionais do sexo: perfil socioepidemiológico e medidas de redução de danos. Acta Paul Enferm. 2012;25(4):549-54.. Destarte, as profissionais do sexo do presente estudo foram investigadas sobre o uso de drogas durante o trabalho, e a maioria relatou o uso do álcool e do tabaco, e poucas revelaram o uso de outras drogas consideradas ilícitas. Nenhuma destas três variáveis teve associação estatística significativa com o uso de preservativo masculino pelo cliente.

Contrariamente, na zona sul de São Paulo-SP foi encontrado alto consumo de drogas pelas profissionais do sexo, sendo que o uso de drogas lícitas (cigarro e álcool) foi relatado por mais de 31% das entrevistadas, 22% não consumia nenhum tipo de droga, e as demais associaram frequentemente, cigarro, álcool, maconha, cocaína e LSD (lysergic acid diethylamide, em português, ácido lisérgico dietilamida)(4)4. Salmeron NA, Pessoa TAM. Profissionais do sexo: perfil socioepidemiológico e medidas de redução de danos. Acta Paul Enferm. 2012;25(4):549-54..

As mulheres relacionam o uso de drogas ao exercício da profissão e alegam que o estado de alienação provocado por estas substâncias ameniza os desconfortos do ato sexual(4)4. Salmeron NA, Pessoa TAM. Profissionais do sexo: perfil socioepidemiológico e medidas de redução de danos. Acta Paul Enferm. 2012;25(4):549-54.. Além disso, por provocarem alterações na função mental, pode ocorrer o esquecimento e maior vulnerabilidade, como o não uso do preservativo nas relações sexuais.

O uso excessivo das drogas justifica-se pelo fácil acesso, pois o próprio estabelecimento em que as profissionais do sexo atuam favorece o consumo, pois são incentivadas ao elevado consumo, pois, assim, os clientes também consumirão, gerando mais lucros(4)4. Salmeron NA, Pessoa TAM. Profissionais do sexo: perfil socioepidemiológico e medidas de redução de danos. Acta Paul Enferm. 2012;25(4):549-54..

Por todo o exposto, nota-se a importância dos profissionais de saúde, em especial do enfermeiro que atua na ESF, na realização de estratégias de educação em saúde, com foco na prevenção de DST/aids, mostrando a importância do uso de preservativo, masculino ou feminino, durante as relações sexuais.

CONCLUSÕES

O presente estudo apresentou como limitação o reduzido número de participantes, o que, provavelmente, não possibilitou a associação estatística significativa do uso do preservativo masculino pelo parceiro fixo ou pelo cliente com variáveis consideradas de risco para a aquisição de DST/aids. Este número poderia ter sido ampliado, considerando que a população estudada era de 450 profissionais do sexo, entretanto, muitas mulheres recusaram participar do estudo por conta do estigma social e receio de exposição, embora fossem garantido o anonimato e sigilo das mesmas.

Ademais, a única relação estabelecida foi com o tempo de prostituição, o que pode ser ocasionado pela experiência da prostituta na negociação do uso do preservativo com o cliente.

Em face de tudo isso, é necessário reforçar o desenvolvimento, pelos profissionais de saúde, especificamente pelos enfermeiros da ESF, de práticas de orientação e aconselhamento sobre aquisição de DST/aids, de prevenção destes agravos, por meio de busca ativa para acompanhamento em consultas ginecológicas, e de promoção da saúde com mulheres que se prostituem. Destaca-se, portanto, que é fundamental que estas ações sejam realizadas intersetorialmente, de modo a envolver as associações de profissionais do sexo, buscando, com isso, uma educação em saúde baseada nas reais necessidades desse grupo de mulheres.

REFERENCES

  • 1
    Penha JC, Cavalcanti SDC, Carvalho SB, Aquino PS, Galiza DDF, Pinheiro AKB. Características da violência física sofrida por profissionais do sexo no interior piauiense. Rev Bras Enferm. 2013;65(6):984-90.
  • 2
    Ministério da Saúde (BR). Recomendações da consulta nacional sobre DST/aids, direitos humanos e prostituição. Brasília: Ministério da Saúde; 2012.
  • 3
    Neri EAR, Moura MSS, Penha JC, Reis TGO, Aquino PS, Pinheiro AKB. Conhecimento, atitude e prática sobre o exame Papanicolaou de profissionais do sexo. Texto Contexto Enferm. 2013;22(3):731-8.
  • 4
    Salmeron NA, Pessoa TAM. Profissionais do sexo: perfil socioepidemiológico e medidas de redução de danos. Acta Paul Enferm. 2012;25(4):549-54.
  • 5
    Paiva LL, Araújo JL, Nascimento EGC, Alchieri JC. As vivências das profissionais do sexo. Saúde Debate. 2013;37(98):467-76.
  • 6
    Barbosa RM, Facchini R. Acesso a cuidados relativos à saúde sexual entre mulheres que fazem sexo com mulheres em São Paulo, Brasil. Cad Saúde Pública. 2009;25(supl 2):291-300.
  • 7
    Decker MR, Yan EA, Wirtz AI, Baral SD, Peryshkina A, Mogilnyi V, et al. Induced abortion, contraceptive use, and dual protection among female sex workers in Moscow, Russia. Int J Gynaecol Obstet. 2013;120(1):27-31.
  • 8
    Silva CM, Lopes FMVM, Vargens OMC. A vulnerabilidade da mulher idosa em relação à AIDS. Rev Gaúcha Enferm. 2010;31(3):450-7.
  • 9
    Urada LA, Morisky DE, Pimentel-Simbulan N, Silverman JG, Strathdee SA. Condom negotiations among female sex workers in the Philippines: environmental influences. PLoS One. 2012;7(3):e33282.
  • 10
    Ministério da Saúde (BR). Política nacional de saúde integral de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais. Brasília: Ministério da Saúde; 2010.
  • 11
    Albuquerque GA, Garcia CL, Alves MJH, Queiroz CMHT, Adami F. Homossexualidade e o direito à saúde: um desafio para as políticas públicas de saúde no Brasil. Saúde Debate. 2013;37(98):516-24.
  • 12
    Kaufman J. HIV, sex work, and civil society in China. J Infect Dis. 2011;204(Suppl 5):1218-22.
  • 13
    Ximenes Neto FRG, Oliveira JS, Rocha J. Violência sofrida pelas profissionais do sexo durante seu trabalho e as atitudes tomadas após serem vitimadas. Rev Min Enferm. 2007;11(3):248-53.
  • 14
    Ministério da Saúde (BR).Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 196, de 10 de outubro de 1996. Diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos.Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. 1996 out.16;134(201 Seção 1):21082-5.
  • 15
    Swain SN, Saggurti N, Battala M, Verma RK, Jain AK. Experience of violence and adverse reproductive health outcomes, HIV risks among mobile female sex workers in India. BMC Public Health. 2011;11:357.
  • 16
    Moura ADA, Pinheiro AKB, Barroso MGT. Realidade vivenciada e atividades educativas com profissionais do sexo: subsídios para a prática de enfermagem. Esc Anna Nery. 2009;13(3):602-8.
  • 17
    Meis C. Cultura e empowerment: promoção à saúde e prevenção da aids entre profissionais do sexo no Rio de Janeiro. Ciênc Saúde Coletiva. 2011;16(supl1):1437-44.
  • 18
    Gomes VLO, Fonseca AD, Jundi MG, Severo TP. Percepções de casais heterossexuais acerca do uso da camisinha feminina. Esc Anna Nery. 2011;15(1):22-30.
  • 19
    Moura ADA, Oliveira RMS, Lima GG, Farias LM, Feitoza AR. O comportamento de profissionais do sexo em tempos de aids e outras doenças sexualmente transmissíveis: como estão se prevenindo? Texto Contexto Enferm. 2010;19(3):545-53.
  • 20
    Bórquez A, Hallet TB, Gomes GB, Garnett GP. Condom use by female sex workers and their clients in Mexico: who decides and does it matter? Sex Transm Infect. 2011;87(3):254-6.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2015

Histórico

  • Recebido
    02 Dez 2014
  • Aceito
    19 Mar 2015
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Escola de Enfermagem Rua São Manoel, 963 -Campus da Saúde , 90.620-110 - Porto Alegre - RS - Brasil, Fone: (55 51) 3308-5242 / Fax: (55 51) 3308-5436 - Porto Alegre - RS - Brazil
E-mail: revista@enf.ufrgs.br