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Compreensão de agentes comunitários de saúde sobre a Política Nacional de Humanização

Resumos

Objetivo:

identificar a compreensão do Agente Comunitário de Saúde sobre a Política Nacional de Humanização (PNH) e analisar se esses agentes reconhecem as ações de saúde desenvolvidas em seu cotidiano como aquelas estabelecidas pela PNH.

Método:

a pesquisa é descritiva, exploratória e qualitativa, realizada no período entre junho e setembro de 2013, com 15 Agentes Comunitários de Saúde do Programa Estratégia Saúde da Família de um município do Oeste Paulista. A coleta de dados foi realizada mediante entrevista individual e roteiro semiestruturado, e os dados foram submetidos à análise de conteúdo.

Resultados:

emergiram duas categorias: "Superficialidade no conhecimento: um entrave para a construção do cuidado humanizado" e "Ações de saúde humanizadas: tentando chegar mais perto".

Conclusão:

os conceitos básicos da PNH fazem parte do conhecimento desses profissionais, porém, o entendimento que eles possuem é superficial, o que repercute diretamente nas ações prestadas à comunidade.

Saúde; Políticas públicas de saúde; Agentes comunitários de saúde


Objective:

To identify the comprehension of Community Healthcare Agents on the National Humanization Policy (NHP), as well as to analyze whether they recognize healthcare actions developed in their daily lives, as those established by the NHP.

Method:

Exploratory and descriptive qualitative research, conducted between June and September 2013, with 15 Community Healthcare Agents of the Family Health Strategy Program in a city located in the West of Sao Paulo state. The data collection was conducted through individual interviews, using a semi-structured script and submitted to content analysis.

Results:

Two categories emerged: "Superficial knowledge: an obstacle to the construction of humanized care" and "Actions of humanized health: trying to get closer".

Conclusion:

The basic concepts of NHP are part of the knowledge of these professionals, but the understanding they possess is superficial, which directly affects the actions provided to the community.

Health; Public health policies; Community health workers


Objetivo:

identificar la comprensión del Agente Comunitario de Salud sobre la Política Nacional de Humanización (PNH), así como analizar si el mismo reconoce las acciones de salud desarrolladas en su cotidiano, como aquellas establecidas por la PNH.

Método:

investigación descriptiva exploratoria y cualitativa, realizada en período de junio a septiembre de 2013, con 15 Agentes Comunitarios de Salud del Programa Estrategia Salud de la Familia, de un municipio del Oeste Paulista. La recolección de datos fue realizada por medio de entrevista individual, guión semiestructurado y sometidos al análisis de contenido.

Resultados:

emergieron dos categorías: "Superficialidad en conocimiento: una traba para construcción del cuidado humanizado" y "Acciones de salud humanizadas: intentando llegar más cerca".

Conclusión:

conceptos básicos de PNH hacen parte del conocimiento de estos profesionales, sin embargo el entendimiento que éstos poseen es superficial, lo que incide directamente en las acciones prestadas a la comunidad.

Salud; Políticas públicas de salud; Agentes comunitarios de salud


INTRODUÇÃO

O Sistema Único de Saúde (SUS) tem como princípios norteadores a universalidade, equidade e a integralidade, e dentre as várias políticas que administram esse sistema, existe a Política Nacional de Humanização (PNH), criada em 2003, pautada na melhoria da qualidade de vida, prevenção e promoção da saúde da população, considerando as diferenças sociais de maneira ética, holística e comprometida com as necessidades dos usuários( 1. Paim JS, Silva LMV. Universalidade, integralidade, equidade e SUS. BIS Bol Inst Saúde. 2010;12(2):109-14. - 2. Ministério da Saúde (BR). Política Nacional de Humanização [Internet]. Brasília (DF); 2004 [citado 2013 nov. 26]. Disponível em: http://portal.saude.gov.br/saude/area.cfm?id_area=390
http://portal.saude.gov.br/saude/area.cf...
).

Humanizar é valorizar os sujeitos participantes do processo de produção de saúde, com ênfase no comprometimento com o cuidado e qualidade de vida do usuário, priorizando o fortalecimento da cidadania e respeito às diferenças, exigindo uma nova relação entre profissionais, usuários e gestores, por meio da reorganização dos processos de trabalho em seus diversos níveis de complexidade( 2. Ministério da Saúde (BR). Política Nacional de Humanização [Internet]. Brasília (DF); 2004 [citado 2013 nov. 26]. Disponível em: http://portal.saude.gov.br/saude/area.cfm?id_area=390
http://portal.saude.gov.br/saude/area.cf...
).

No contexto do atendimento na Atenção Básica, o Agente Comunitário de Saúde (ACS) é um elemento essencial por exercer atividades no âmbito familiar, ser um representante direto do cuidado e agente educador, por engajar-se na intimidade dos usuários e conhecer suas necessidades. Portanto é considerado um elo entre a comunidade e os serviços de saúde, contribuindo imensamente para a consolidação da assistência de saúde( 3. Delfini PSS, Sato MT, Antoneli PP, Guimarães POS. Parceria entre CAPS e PSF: o desafio da construção de um novo saber. Ciênc Saúde Coletiva. 2009;14(supl. 1):1483-92. ).

A partir do exposto, acredita-se ser relevante o papel que o ACS exerce na condição de agente transformador de sua comunidade e na edificação de políticas públicas de saúde em prol de uma sociedade com mais acesso aos serviços de saúde( 4. Jardim TA, Lancman S. Aspectos subjetivos do morar e trabalhar na mesma comunidade: a realidade vivenciada pelo agente comunitário de saúde. Interface (Botucatu). 2009;13(28):123-35. ). Portanto, considera-se relevante a realização de estudos que abarquem o conhecimento desse profissional sobre políticas de saúde, além de sua atuação frente à consolidação das ações de cuidado qualificadas aos usuários do SUS.

Considerando-se o ACS um instrumento de consolidação da PNH, faz-se importante realizar investigações sobre como estes visualizam os princípios dessa política de saúde e como a utiliza em seu cotidiano profissional. Isto porque, essa política tem como propósito a melhoria na qualidade da atenção e gestão de saúde do Brasil, beneficiando profissionais, usuários e gestores, fortalecendo o compromisso com os direitos dos cidadãos, o trabalho em equipe e o comprometimento com a produção de saúde e qualidade de vida( 5. Pasche FD, Passos E. A importância da humanização a partir do Sistema Único de Saúde. Saúde Pública. 2008;1:92-100. ).

Assim, o presente estudo pautou-se na seguinte questão de pesquisa: "Como o ACS compreende os princípios da PNH em seu cotidiano profissional?", respondendo-a mediante o seguinte objetivo: identificar a compreensão do ACS sobre a PNH; verificar se esse agente reconhece as ações de saúde desenvolvidas em seu cotidiano como aquelas estabelecidas pela PNH.

METODOLOGIA

Este estudo descritivo-exploratório, de abordagem qualitativa, foi realizado com 15 ACS; que atuavam por, no mínimo, um ano, em Estratégias Saúde da Família (ESF) de um município do Oeste Paulista. Os dados foram coletados no período de junho a setembro de 2013, por meio de entrevista gravada, em local privativo, de acordo com a disponibilidade de cada trabalhador, utilizando-se um roteiro semiestruturado, constituído da questão norteadora: Fale-me sobre o que você compreende sobre a Política Nacional de Humanização.

Quando o participante manifestava dificuldade para se expressar, utilizava-se das seguintes questões de amparo: 1) Você já ouviu falar, leu a respeito ou participou de alguma orientação sobre a Política de Humanização do SUS? Se a resposta à primeira pergunta fosse SIM, o ACS era convidado a responder as seguintes questões: 2) Diante das orientações que recebeu sobre a PNH, descreva detalhadamente como você compreende essa política. 3) Relacionado ao que você descreveu sobre a PNH, quais as ações de saúde, estabelecidas por essa política, você realiza no cotidiano do seu trabalho? Nas entrevistas em que o ACS respondia NÃO à pergunta 1, era-lhe solicitado que respondesse as seguintes questões: 2.1) O que você acredita que seja a Política Nacional de Humanização (PNH)? 3.1) Diante desta descrição, quais ações de saúde você realiza para executar os princípios dessa política?

Para a análise, as entrevistas foram transcritas na íntegra e submetidas à análise de conteúdo temática. Na pré-análise, fase de organização dos documentos, ocorreu a leitura flutuante, a escolha dos relatos, formulação de hipóteses, a escolha dos índices e elaboração de indicadores para fundamentar a interpretação; a fase de exploração do material consistiu em encontrar grupamentos e associações que respondessem aos objetivos do estudo, e assim surgiram as categorias. Já, a fase de tratamento dos resultados compreendeu o momento em que foram realizadas as inferências e a interpretação dos resultados encontrados( 6. Bardin L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2011. ).

Este estudo obedeceu às diretrizes estabelecidas pela Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde, e o projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa envolvendo Seres Humanos da Universidade do Oeste Paulista com Parecer nº 1355 e protocolo CAAE n° 08577812.5.0000.5515.

Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em duas vias, e na apresentação dos resultados, para garantir o anonimato dos participantes, os trechos/excertos dos depoimentos foram acompanhados pela sigla ACS, seguida de um número arábico corresponde à sequência da entrevista.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

No total foram entrevistados 15 ACS, dos quais onze eram do sexo feminino e quatro do sexo masculino, com idades entre 19 e 61 anos. A média de escolaridade foi de 14 anos de estudo e o tempo em que trabalham nas ESF de 3,5 anos em média.

Superficialidade no conhecimento: entrave para a construção do cuidado humanizado

Nessa categoria foram discutidos os resultados encontrados que esclarecem o conhecimento que o ACS detém sobre a PNH, considerando-se a importância deste saber para o aprimoramento profissional e cuidados no atendimento humanizado.

Treze entrevistados afirmaram possuir conhecimento referente à Política Nacional de Humanização, adquirido em palestras, leituras de periódicos e conversas com outros profissionais da área da saúde. E em contrapartida, emergiu a superficialidade do conhecimento a respeitos desses princípios.

[...] prezar pela qualidade, pelo respeito aos direitos de todos os pacientes [...] Tratar os iguais igualmente na medida de suas desigualdades, [...] é a parte de integração dos setores, acolher o paciente não é um papel só da pessoa da recepção, mas de todo o profissional de saúde. (04 - 25 anos, 05 anos na ESF).

O entrevistado 04 destaca a equidade como pressuposto importante para o cuidado humanizado ao citar o respeito aos direitos dos cidadãos como dever do ACS, enfatizando a necessidade de envolvimento de todos os profissionais da saúde na realização do atendimento.

Discutir equidade é abarcar o respeito às condições necessárias para que todas as pessoas tenham acesso aos direitos que lhe são garantidos, mas, é importante que existam ambientes favoráveis, garantia aos serviços de saúde em todos os níveis de atenção, e oportunidades que permitam fazer escolhas por uma vida com qualidade( 7. Ministério da Saúde (BR). Rede HumanizaSUS [Internet]. Brasília (DF); 2013 [citado 2013 nov. 20]. Disponível em: http://www.redehumanizasus.net/
http://www.redehumanizasus.net/...
).

Pensar sobre a PNH para o ACS também fez emergir as questões relacionadas ao acolhimento, sendo este um instrumento de cuidado mais humano e resolutivo tanto para o usuário quanto para a própria equipe de saúde. Esse aspecto pode ser visualizado nos fragmentos das entrevistas 05 e 15.

Essa humanização que você quer dizer seria o acolhimento [...] é orientar melhor os pacientes para eles se sentirem melhor na unidade, acolhidos, quando eles chegarem eles sentirem que estão em um ambiente familiar (05 - 46 anos - 05 anos na ESF).

O que eu entendo por humanização que me foi passado, é não só com o paciente, mas também com os colegas de trabalho. Você tem que saber o lado dos pacientes e o lado dos colegas de trabalho [...] tem que saber a maneira de tratar, falar, agir [...] O que eu entendo por humanização é o respeito que vem e volta (15 - 26 anos - 05 na ESF).

Ao acolher de maneira empática e holística, os profissionais elevam a qualidade na saúde, pois demonstram o interesse pela real necessidade do outro. No depoimento do entrevistado 10 evidencia-se a necessidade de acolher o usuário em sua totalidade.

Tratar o paciente como um todo, indiferente de classe social, raça, cor. Ver ele como um todo, não só como, uma doença ou o HIV (10 - 26 anos - 05 na ESF).

[...] É respeitar a população, eles possuem seus diretos e nós nossos deveres e temos que orientá-los conforme cada necessidade, tem que saber agir conforme cada situação, como saber o que eles precisam procurar um médico, assistente social, psicóloga (08 - 28 anos - 03 na ESF).

As entrevistas 08 e 10 fazem emergir a oportunidade de visualizar o usuário como um todo, preceito básico da PNH, que considera o usuário um ser individual ligado ao seu meio social e familiar, que necessita de um atendimento igualitário e humanizado por parte de toda equipe.

Nos depoimentos acima citados, o olhar humanizado passa pela relação empática, pelo respeito e identificação com os usuários, envolvendo os mecanismos afetivos, cognitivos e comportamentais, além de sensibilidade frente ao momento que o outro está enfrentando( 8. Costa FD, Azevedo RCS. Empatia, relação médico-paciente e formação em medicina: um olhar qualitativo. Rev Bras Educ Med. 2010;34(2):261-9. ).

Os ACS referem-se ao respeito e ao cuidado humanizado ao citarem as necessidades de cada usuário e a importância de promover maior resolutividade no atendimento. Um dos entrevistados que chama a atenção é o 14 quando descreve, de forma simples, o acolhimento com classificação de risco, reconhecendo-o como conceito básico do atendimento em saúde.

É respeitar os pacientes em primeiro lugar, ver quem está precisando mais em uma emergência e se puder passar na frente [...]. Respeitar os horários também das pessoas que tem consultas [...]. (14 - 19 anos - 01 na ESF)

Observou-se que as entrevistas, mesmo que os ACS declarem ter conhecimento sobre a PNH, alguns conceituam essa política de maneira inadequada e simplista, ou relatam não saber explicar o que significa. Assim, a humanização é posta aquém dos seus reais objetivos, prejudicando a consolidação dos princípios norteadores do cuidado integral e resolutivo em saúde. Essa compreensão pode ser constatada nos depoimentos 01 e 06.

[...] temos algumas revistas aqui de Saúde Pública que li sobre isso [...] entendo que humanização seja basicamente acolhimento, um bom atendimento, você receber a pessoa na porta, atender bem e orientar, não deixar ninguém sair sem uma resposta [...] A pessoa precisa de uma coisa ai você dá outra, ela sai feliz porque levou alguma coisa e pronto (01 - 61 anos - 05 na ESF).

Não estou lembrada do que foi falado sobre a humanização. Saber o tema eu até sei, mais sabe que não estou lembrada de tudo, entendeu. Acho que é tipo humanização de atendimento, tem todo um como você falar, de comunicação, né? (06 - 43 anos - 05 na ESF)

O entrevistado 01 declara que adquiriu conhecimento sobre a PNH através de educação informal, porém ao exteriorizar o conhecimento adquirido em suas falas, denota superficialidade quanto ao conceito de humanização. A superficial compreensão sobre as diretrizes e pressupostos da PNH pode trazer à tona uma indagação sobre o quanto as ações em saúde são realmente resolutivas. Compreender humanização como apenas dar "alguma coisa", como descreve a entrevista 01, não resolve os verdadeiros impasses das necessidades de saúde da população.

Logo para minimizar a problemática é necessário profissionalização e qualificação dos profissionais de saúde, gerando satisfação profissional e pessoal, contribuindo para a construção de sua identidade e valorização, além de colaborar para o desenvolvimento do trabalho( 9. Costa EM, Ferreira DLA. Percepções e motivações de agentes comunitários de saúde sobre o processo de trabalho em Teresina, Piauí. Trab Educ Saúde. 2011;9(3):461-78. ).

O risco de banalização do atendimento humanizado, decorrente da superficial compreensão sobre as políticas públicas de saúde, faz emergir dificuldade em seu trabalho confundindo com assistencialismo o que seria atendimento humanizado, deixando à margem do cotidiano profissional o atendimento integral e resolutivo em saúde como direito de todo cidadão( 1010 . Beck CLC, Lisbôa RL, Tavares JP, Silva RM, Prestes FC. Humanização da assistência de enfermagem: percepção de enfermeiros nos serviços de saúde de um município. Rev Gaúcha Enferm. 2009;30(1):54-61. ).

No depoimento do entrevistado 01 foi possível inferir a fragilidade dos serviços de saúde quanto à educação permanente em saúde, principalmente a relacionada a discussões acerca da PNH como forma de qualificação do trabalho em saúde. Esse fato pode ser comprovado quando o entrevistado declara adquirir conhecimento sobre humanização de maneira informal, por meio de revistas.

O depoimento do entrevistado 06 remete ao desconhecimento, pois, quando os ACS são inseridos na área da saúde, geralmente não possuem experiência, demonstrando a necessidade de capacitações constantes e a incorporação de novos conhecimentos em suas práticas( 1111 . Costa MC, Silva EB, Jahn AC, Resta DG, Colom ICS, Carli R. Processo de trabalho dos agentes comunitários de saúde: possibilidades e limites. Rev Gaúcha Enferm. 2012;33(3):134-40. ).

Chamou a atenção os dois entrevistados que disseram não ter conhecimento sobre a PNH pois, ao serem questionados sobre o que pensavam ser isso, apresentaram conceitos simples, porém, congruentes com os objetivos estabelecidos pela política. Nos depoimentos abaixo, os entrevistados acreditam que essa política busca aproximar o sistema de saúde de seus clientes de forma empática e resolutiva.

[...] A Política de Humanização, sem ter tempo para analisar eu acho que pode ser a forma de você procurar ter mais contato com o paciente, procurar saber mais sobre a vida dele, seu histórico familiar e o que vem acontecendo. (02 - 41 anos - 05 na ESF)

Eu acredito que seja a forma de lidar com a população, em relação aos seus diretos, obrigações, é buscar a melhor maneira de fazer o serviço prestado na área da saúde, acolhendo e respeitando sempre. (07 - 25 anos - 05 na ESF)

Os entrevistados 02 e 07 consideram essenciais o vínculo, o respeito e o acolhimento. Neste contexto, é necessário interessar-se pelo outro e comprometer-se com a resolução das necessidades de saúde, pois a prática da humanização nas ações de saúde é uma postura que favorece a construção de uma relação de confiança e compromisso da equipe com o usuário, garantindo a qualidade integral na atenção à saúde( 1212 . Leite L, Lobo B, Lima NS, Mengarda CF. Acolhimento multiprofissional em Estratégia de Saúde da Família: espaço de atuação para o profissional psicólogo. Rev Psicol IMED. 2010;2(1):276-87. - 1313 . Coelho MO, Jorge MSB. Tecnologia das relações como dispositivo do atendimento humanizado na atenção básica à saúde na perspectiva do acesso, do acolhimento e do vínculo. Ciênc Saúde Coletiva 2009;14(supl 1):1523-31. ).

Destarte, a educação continuada aparece como um processo de capacitação essencial para a qualidade da assistência, promovendo oportunidade de desenvolvimento e amadurecimento conceitual dos profissionais da saúde quanto às novas diretrizes de cuidado( 1414 . Silva MF, Conceição FA, Leite MMJ. Educação continuada: um levantamento de necessidades da equipe de enfermagem. O Mundo da Saúde. 2008;32(1):47-55. ).

Em suma, na maioria dos depoimentos foi identificado que os sujeitos da pesquisa receberam orientações quanto à PNH, porém não conseguiram definir de maneira compreensiva e conceitual o que entendem sobre essa política. E esse fato pode contribuir para que se reflita sobre o modo com que essa política se desenvolve no âmbito profissional. Nesse contexto, acredita-se que o enfermeiro possa contribuir para minimizar o problema considerando-se que ele é corresponsável pelas ações de educação permanente. Desse modo, é possível ajustar os serviços de saúde, de acordo com as constantes mudanças na organização do processo de trabalho, contribuindo para a construção de serviços de saúde mais humanizados e qualificados.

Ações de saúde humanizadas: tentando chegar mais perto

Ao se solicitar exemplos de ações de saúde desenvolvidas pelos ACS na ESF, identificou-se que todos os sujeitos do estudo tiveram dificuldade em dar exemplos de ações humanizadas ou vinculadas à política. Mesmo de maneira superficial, o ACS compreende a PNH, porém no cotidiano de trabalho, confunde suas obrigações profissionais com as ações específicas dessa política. Nos depoimentos que compreendem essa categoria deduz-se que o ACS acredita que cumprir seu dever profissional de forma empática já é humanizar.

[...] a gente está sempre tentando chegar mais perto do paciente para poder ajudar, a nossa equipe tenta fazer atividades para se relacionar com a população, eu sei que tem um monte de coisas dessa humanização, mas não lembro. (06 - 43 anos - 05 na ESF)

Por possuir conhecimento superficial sobre a PNH, o entrevistado 06 não consegue distinguir as suas obrigações básicas, como agente promotor de saúde, dos requisitos preconizados pela PNH.

Muitos agentes comunitários de saúde relatam que se sentem despreparados para exercer algumas de suas atribuições, pois a sua formação profissional prioriza mais a parte prática do que a teórica. Esta última, é fragmentada e pouco valorizada, desfavorecendo a visão dos usuários das ESF pelos ACS como uma unidade indissociável, um ser único, integral e holístico( 1515 . Santana JCB, Vasconcelos AL, Martins CV, Barros JV, Soares JM, Dutra BS. Agente comunitário de saúde: percepções na estratégia saúde da família. Cogitare Enferm. 2009;4(4):645-52. ).

[...] a gente vê o que está acontecendo, eu acho que é isso, a gente vai a casa vacinar. [...] se algum paciente passar mal em casa, a gente chama a ambulância. É basicamente isso que a gente faz de humanização. (09 - não informou a idade - 01 na ESF)

Percebe-se, no depoimento 09, uma deficiência na compreensão do significado da PNH, pois humanizar não é resolver problemas imediatos, mas estabelecer um diferencial no atendimento e no cuidado em saúde. A humanização é representada pela qualidade do atendimento prestado ao usuário e aos seus familiares, considerando cada pessoa um ser único, prestando-lhe uma assistência personalizada, com um contato mais próximo, respeitoso e menos mecanicista, e não apenas como um instrumento de resolução de problemas dentro dos serviços de saúde decorrentes da ineficácia das formas de cuidar( 1616 . Silva, AG; Souza, TTR; Marcelino, K. Assistência de enfermagem humanizada: dificuldades encontradas por enfermeiros em hospital privado de São Paulo. ConScientiae Saúde. 2008;7(2):251-9. ).

Sim, desenvolvo humanização, eu trago para tratamento sempre que a pessoa precisa. Quando o paciente vem aqui eu dou atenção, quando faço visita, eu dou atenção. Eu trato eles como eu gostaria que eles me tratassem, trato com respeito sendo humana [...]. Além do que a gente faz, o paciente quer que faça mais. Exemplo: Aqui à gente dá à receita e os pacientes ainda querem que a gente busque o remédio. (12 - 28 anos - 01 ano e meio na ESF)

No depoimento do entrevistado 12, o profissional exterioriza um discurso de cuidado humanizado quando diz que "... dá atenção ao paciente, tratando-o com respeito", porém, ao final do depoimento relata que alguns pacientes não são corresponsáveis por sua saúde, dificultando a prática resolutiva de cuidado preconizada pela PNH.

A mudança de um sistema de saúde centrado na doença para o ser humano como um todo requer um novo perfil e prática na atuação dos profissionais de saúde, orientado pelo princípio da integralidade. Portanto é no descompasso entre a formação destes profissionais e as necessidades dos usuários que se encontra a maior problemática para o atendimento no momento de se construir estratégias de corresponsabilidade no cuidado em saúde( 1717 . González AD, Almeida MJ. Integralidade da saúde: norteando mudanças na graduação dos novos profissionais. Ciênc Saúde Coletiva. 2010;15(3):757-62. ).

Com os pacientes é orientar sobre exames, sobre os horários de alguma coisa que eles tenham que fazer aqui na Unidade. Avisar sobre campanha, marcar consultas, o horário direitinho. A gente vai atrás de vacina atrasada, exame preventivo é assim aqui a humanização. (13 - 40 anos - 01 na ESF)

É você identificar os casos de hipertensos, diabéticos, gestantes, acamados, idosos. E saber dentro disso ai se eles estão sendo bem cuidados, é observar alguma queixa, já procura ir atrás ou da médica, ou da enfermeira, ou levar um fisioterapeuta, ou nutricionista, então acredito eu que estou fazendo uma parte disso. (02 - 41 anos -05 na ESF)

Os entrevistados 13 e 02 demonstram pouca compreensão frente ao real objetivo da PNH. Em seus discursos evidencia-se a banalização do cuidado, em que ações humanizadas não são destacadas, aparecendo como valor às ações práticas do cotidiano, o que prejudica a qualidade, a resolutividade e toda a aplicação da PNH, e o cuidado torna-se superficial e padronizado.

A humanização, portanto será realidade nas instituições somente quando os atores responsáveis pelo cuidado visualizarem essa política como um modelo de fazer saúde, e as ferramentas que podem garantir a efetivação desse processo são a educação continuada e permanente, a troca de informações e a gestão participativa( 1818 . Rios IC. Humanização: a essência da ação técnica e ética nas práticas de saúde. Rev Bras Educ Med. 2009;33(2):253-61. ).

No depoimento do entrevistado 15 fica evidente o esforço desse profissional em realizar um atendimento com qualidade e humanização, porém, seu discurso também revela a pouca compreensão do que realmente é importante para a construção do cuidado integral e resolutivo.

Acredito que eu humanizo no meu trabalho, procuro ser o menos invasiva possível com os pacientes, procuro saber como eles estão eu vou lá e vejo como eles estão e ai eu mudo o assunto das visitas, porque eu tenho um roteiro pra seguir nas visitas, mas eu mudo, porque senão, o paciente quer falar de outro assunto, já cheguei a gastar mais de uma hora só para ouvir o paciente. (15 - 26 anos - 05 na ESF)

Os pressupostos da PNH e suas principais diretrizes contém como objetivo final o cuidado humanizado, pois a teoria proporciona a organização da prática de ações voltadas à humanização no trabalho do profissional de saúde. Assim, a real compreensão acerca dessa política pelo o ACS pode contribuir para a organização da sua rotina de trabalho e também para a edificação de ações específicas que ofereçam atendimento humanizado e resolutivo à população por ele assistida.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os conceitos básicos da Política Nacional de Humanização fazem parte do conhecimento dos ACS, porém a real compreensão acerca do objetivo dessa política é superficial. Em sua maioria, os ACS confundem suas funções profissionais com aquelas que consideram humanizadas, demonstrando que a falta de compressão conceitual dificulta a construção prática de ações de saúde humanizadas.

Esse entendimento pôde ser avaliado com eficácia nesta pesquisa, mas pelo fato de o estudo limitar-se territorialmente, as suas constatações se referem somente aos ACS de um município, sendo assim não devem ser interpretadas de maneira generalizada.

Fatores evidenciados neste estudo, como a formação deficiente do agente comunitário de saúde sobre a PNH e a não realização das ações de saúde de maneira humanizada, destacam a necessidade de educação continuada em relação à PNH. Acredita-se que capacitações voltadas à construção de projetos práticos que definam objetivos e metas de ações humanizadas possibilitariam maior compreensão do ACS sobre PNH e, consequentemente, uma atuação profissional mais congruente com as diretrizes de humanização no cuidado em saúde.

REFERENCES

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Set 2015

Histórico

  • Recebido
    13 Mar 2014
  • Aceito
    03 Jul 2015
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