Acessibilidade / Reportar erro

Práticas preventivas de idosos e a vulnerabilidade ao HIV

Resumos

Objetivo:

Conhecer a vulnerabilidade de idosos à infecção pelo HIV no contexto das práticas preventivas.

Método:

Estudo exploratório com abordagem qualitativa, realizado com 37 idosos de Grupos de Convivência em João Pessoa-PB de dezembro de 2012 a maio de 2013. Elegeu-se o Grupo Focal como técnica de investigação, e o material empírico obtido foi submetido à Técnica de Análise de Conteúdo, modalidade temática.

Resultados:

Os idosos reconhecem a importância das práticas preventivas, porém, deparam-se com dificuldades para exercer essas práticas quando suas relações afetivas com o companheiro não favorecem comportamentos preventivos, determinando uma vulnerabilidade. Os idosos apontaram grupos populacionais mais vulneráveis ao HIV e não se reconhecem como tal.

Conclusão:

A complexidade dos diversos contextos vividos pelos idosos do estudo recomenda/exige outras pesquisas que permitam avanços na compreensão da subjetividade imposta nas relações que permeiam o processo de envelhecimento e a vivência da sexualidade nessa faixa etária.

HIV; Idoso; Vulnerabilidade em saúde


Objective:

To know the vulnerability of the elderly to the HIV infection in the context of preventive practices.

Method:

Exploratory qualitative study, lead from December 2012 to May 2013, with 37 nursing Coexistence Groups in João Pessoa - Paraiba. The Focus Group was elected as the research technique, and the empirical material obtained was subjected to a Content Analysis Technique, thematic modality.

Results:

The elderly recognize the importance of preventive practices, but they face difficulties in its use when their emotional relationships with their partners do not favor preventive behavior, resulting in vulnerability. The elderly showed the population groups most vulnerable to HIV and do not recognize themselves as such.

Conclusion:

The complexity of the various contexts experienced by the elderlies of this study indicate the need for more research that allows advances in the understanding of subjectivity imposed in relations that underlie the aging process and the experience of sexuality in this age group.

HIV; Elderly; Health vulnerability


Objetivo:

Conocer la vulnerabilidad de los ancianos a la infección por VIH en el contexto de las prácticas preventivas.

Método:

Estudio exploratorio con un enfoque cualitativo, se realizó en diciembre de 2012 a mayo 2013, con 37 grupos de ancianos que viven en João Pessoa-PB. Fue electa la técnica de grupo Focal, investigación y el material empírico obtenido fue sometido a la técnica de análisis de contenido, modo temático.

Resultados:

Las personas mayores reconocen la importancia de las prácticas preventivas, sin embargo, dificultades en uso cuando sus relaciones afectivas con los compañeros no favorecen conductas preventivas, determinar una vulnerabilidad. El anciano señaló a sectores de la población más vulnerable al VIH y no reconocerlo como tal.

Conclusión:

La complejidad de los diversos contextos experimentadas mayor estudio indican otras búsquedas que permitan avances en la comprensión de la subjetividad impuesta en las relaciones que impregnan el proceso de envejecimiento y la experiencia de la sexualidad en este grupo de edad.

VIH; Anciano; Vulnerabilidad en salud


INTRODUÇÃO

O avanço da infecção pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) permanece desafiando os diversos segmentos científicos, políticos e sociais, além da epidemia se apresentar multifacetada e de difícil controle. Mudanças nas práticas e hábitos do grupo populacional com 60 anos ou mais configura um desses desafios, pois esse grupo populacional tem despertado preocupações desses segmentos na evolução do perfil epidemiológico da infecção pelo HIV.

O Programa Conjunto das Nações Unidas estima 40 milhões de pessoas vivendo com HIV no mundo(11. Joint United Nations Programme on HIV/AIDS (CH). Global Report: UNAIDS report on the global aids epidemic 2012. Geneva: UNAIDS; 2012.), sendo, no Brasil, em 2012, notificados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) e declarados no Sistema de Mortalidade (SIM), 39.185 casos de aids. A taxa de mortalidade nos últimos dez anos diminuiu em diversos grupos etários, principalmente nos mais jovens. Entretanto, na população com idade de 60 anos ou mais, houve um aumento de 33,3%(22. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais. Bol Epidemiol HIV aids. 2012 dez;1(1):1-60.).

Evidencia-se ainda, deslocamento da incidência e mortalidade pela doença entre unidades federadas. Dentre as cinco regiões do país, observa-se que no período de 2003 a 2012, houve uma diminuição de 18,6% na taxa de detecção na Região Sudeste e 0,3% na Sul, enquanto nas demais regiões houve aumento de 92,7% na Região Norte, 62,6% na Nordeste e 6,0% na Centro-Oeste. O coeficiente de mortalidade também apresentou discrepância entre as regiões: elevação nas regiões Norte (60,0%), Nordeste (33,3%) e Centro-Oeste (4,4%) e redução nas regiões Sudeste (31,7%) e Sul (7,2%)(22. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais. Bol Epidemiol HIV aids. 2012 dez;1(1):1-60.).

Na Paraíba, a taxa de incidência para o total de casos no ano de 2012, foi de 11,1 casos por 100 mil habitantes. Na faixa etária entre 60 anos e mais, a incidência foi 3,9 casos por 100 mil habitantes(22. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais. Bol Epidemiol HIV aids. 2012 dez;1(1):1-60.).

O cenário da epidemia apresentado na população idosa é atribuído ao aumento da atividade sexual nesse grupo etário, favorecido pelo uso de lubrificantes vaginais, medicamentos contra a impotência sexual masculina e aqueles que diminuem os efeitos da menopausa(33. Jacobs RJ, Thomlison B. Self-silencing and age as risk factors for sexually acquired HIV in midlife and older women. J Aging Health. 2009;21(1):102-28.). Associado a esses fatores, o não uso do preservativo tem contribuído para aumento da infecção pelo HIV nesse segmento populacional e a ausência de campanhas de prevenção ao HIV/Aids para os idosos reforçam o pensamento de que a aids é uma doença de pessoas mais jovens(44. Pratt G, Gascoyne K, Cunningham K, Tunbridge A. Human immunodeficiency virus (HIV) in older people. Age Ageing. 2010;39(3):289-94.).

Nesta perspectiva, a vulnerabilidade dos idosos ao HIV, abrange um conjunto de componentes: individual; social e institucional, que proporcionam visibilidade subjetiva e devem ser contempladas na prevenção. Este estudo volta-se para o componente individual da vulnerabilidade, sem excluir o social, por ser considerada que a chance de exposição das pessoas ao adoecimento, resultado de um conjunto de aspectos que ainda individual, implica relação com o coletivo(55. Ayres JRCM. O conceito de vulnerabilidade e as práticas de saúde: novas perspectivas e desafios. In: Czeresnia D, Freitas CM, organizadores. Promoção da saúde: conceitos, reflexões, tendências. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2003. p. 117-39.).

A vulnerabilidade individual reflete o grau e a qualidade da informação que os indivíduos dispõem sobre o problema; a social diz respeito às condições de bem estar social e a institucional preocupa-se com o compromisso das autoridades com o problema(55. Ayres JRCM. O conceito de vulnerabilidade e as práticas de saúde: novas perspectivas e desafios. In: Czeresnia D, Freitas CM, organizadores. Promoção da saúde: conceitos, reflexões, tendências. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2003. p. 117-39.).

Sendo assim, evidencia-se necessidade de direcionar estratégias de prevenção à população idosa que busquem esclarecer dúvidas, estabelecer discussões e reflexões que possam orientar o envolvimento afetivo, descartando a possibilidade de relacionamentos imunes e atentando para o uso de medidas preventivas(66. Leite MT, Moura A, Berlezi EM. Doenças sexualmente transmissíveis e HIV/AIDS na opinião de idosos que participam de grupos de terceira idade. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2007;10(3):339-54.).

Considerando que os Grupos de Convivência de Idosos são espaços ideais de possibilidades para atender essa necessidade, o presente estudo buscou conhecer a vulnerabilidade de idosos a infecção pelo HIV no contexto das práticas preventivas.

MÉTODO

Estudo exploratório com abordagem qualitativa, realizado com participantes de três Grupos de Convivência de Idosos, localizados no bairro de Mangabeira, em João Pessoa/PB e cadastrados no Programa de Atenção à Pessoa Idosa da Secretaria de Desenvolvimento Social.

O estudo foi realizado entre dezembro de 2012 e maio de 2013, a partir da identificação de 84 idosos que integravam o cadastro no Programa, porém, por ocasião da vigência da presente proposta de investigação, apenas 37 atenderam ao critério de inclusão de participação assídua em atividades recreativas e culturais no grupo de convivência.

Para produção do material empírico, elegeu-se a técnica do Grupo Focal (GF), por favorecer a interação grupal em um movimento de trocas, descobertas e participações comprometidas(77. Ressel LB, Beck CLC, Gualda DMR, Hoffmann IC, Silva RM, Sehnem GC. O uso do Grupo Focal em pesquisa qualitativa. Texto Contexto Enferm. 2008;14(4):779-86.). Considerando que na técnica de GF os grupos devem ser pequenos e homogêneos, não ultrapassando o número de 12 componentes, sua organização e composição fundamentaram-se em encontros prévios junto à coordenação e participantes de cada Grupo de Convivência, quando foram informados sobre os objetivos do estudo e convidados a participação, com agendamento de datas, horários e locais de realização.

O convite à participação resultou na realização de cinco grupos focais, que aconteceram em momentos distintos e únicos, reunindo em média sete idosos em cada grupo. Os encontros ocorreram em ambiente fechado, tiveram duração média de uma hora e trinta minutos para cada grupo e contaram com a presença de um moderador e dois observadores.

A condução de cada GF contou com três momentos distintos, no primeiro a moderadora agradeceu comparecimento dos participantes e apresentou os objetivos da pesquisa. Em seguida foi realizada a leitura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e formalizada anuência dos participantes mediante assinatura, sendo solicitada permissão para efetuar gravação das falas, dando garantia ao sigilo do material obtido. Para melhor caracterização dos participantes, foram levantadas informações referentes ao sexo, idade, estado civil e escolaridade.

O segundo momento foi marcado pela apresentação dos integrantes do grupo e início das discussões com utilização de um roteiro composto por questões relacionadas ao conhecimento das práticas preventivas a infecção pelo HIV, facilidades e dificuldades para o seu uso, e que grupos humanos são mais vulneráveis à infecção.

A participação dos observadores permitiu registrar a conduta de cada grupo, as informações não verbais dos participantes e auxiliar o moderador a analisar os possíveis problemas durante as discussões.

O terceiro momento assinalado pela finalização da discussão com leitura da síntese do ocorrido no grupo pelo relator, retomando as questões debatidas pelo roteiro para que os participantes estivessem cientes do conteúdo produzido e reiterassem considerações se desejado.

O material empírico produzido pelos discursos dos participantes dos grupos focais foi transcrito na íntegra, constituindo o corpus e seguiu com as demais etapas preconizadas pela análise de conteúdo de Bardin(88. Bardin L.Análise de conteúdo. Lisboa: Ed. 70; 2009.). No presente estudo foram consideradas frases como unidades de contexto e os temas unidades registros para a categorização, apresentadas e discutidas de acordo com o objetivo proposto.

A proposta do estudo foi submetida ao Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital Universitário Lauro Wanderley da Universidade Federal da Paraíba/UFPB, atendendo às orientações inerentes à Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, e aprovada sob o protocolo nº 612/10.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Do total de 37 participantes dos cinco grupos focais, verificou-se predominância da faixa etária entre 60 e 70 anos (64,8%), sexo feminino (94,5%), estado civil de viuvez, divorciadas e solteiras (54%) e escolaridade de ensino fundamental (59%).

A apreciação do material empírico permitiu classificação de três categorias: Práticas preventivas à infecção pelo HIV; Facilidades e Dificuldades no uso das práticas preventivas e Pessoas vulneráveis ao HIV.

Os registros das informações não verbais observadas nos participantes de cada grupo resultaram em considerar os sujeitos ativos e estimulados ao debate, além de interagirem um com o outro, não apresentando dificuldades no uso da técnica para coleta de dados.

Práticas preventivas à infecção pelo HIV

As práticas preventivas à infecção pelo HIV nos discursos dos idosos contemplam o uso de preservativo; abstinência sexual; objeto individual; Equipamento de Proteção Individual (EPI) pelos profissionais e outras formas.

Os idosos reconhecem a importância do uso do preservativo nas relações com o parceiro e demandam conhecimento quanto à existência dos tipos masculino e feminino, quando afirmam:

[...] mesmo que você conheça o parceiro, mesmo que seja seu esposo você tem que se prevenir com o uso do preservativo [...] preservativo eu acho que é o melhor meio de se evitar [...] existe preservativo tanto pra homem, quanto existe pra mulher e a pessoa tem que se controlar [...]

A importância do uso de preservativo como prevenção do HIV relatada pelos idosos se contrapõe a realidade atual que constata pouca utilização deste método preventivo por este seguimento populacional. A incoerência entre reconhecer a importância de usar preservativo e sua pouca utilização prática amplia a possibilidade de infecção pelo HIV, além de subsidiar o diagnóstico de uma vulnerabilidade individual nesse grupo etário.

Os diversos fatores atrelados à resistência na incorporação do uso do preservativo por essa população são referidos pela ausência de idade fértil, eliminando-o como método contraceptivo; medo masculino em não apresentar ereção e a dificuldade de negociação da camisinha pela mulher com o parceiro por gerar sentimento de desconfiança entre o casal(11. Joint United Nations Programme on HIV/AIDS (CH). Global Report: UNAIDS report on the global aids epidemic 2012. Geneva: UNAIDS; 2012.), devem ser valorizados no planejamento das intervenções preventivas e contempladas na dimensão individual e social que envolve a vulnerabilidade.

Nesse contexto, a ênfase dada ao uso do preservativo como prática preventiva pelos idosos pode ser associado às especificidades de gênero e estado civil da maioria dos participantes (viúvas, solteiras e divorciadas) que favorecem a busca de novos relacionamentos e, portanto deve ser considerada no contexto da vulnerabilidade à infecção pelo HIV.

Outra prática preventiva destacada pelo grupo refere-se à abstinência sexual como opção eficaz na prevenção da aids, enfatizada nas falas:

[...] melhor ficar só, evita o contágio [...] eu já nessa idade, a principal forma de evitar é evitar o sexo [...] abstinência sexual [...]

A ênfase dada à abstinência sexual pelos idosos pode não refletir na adoção dessa prática preventiva à infecção pelo HIV por considerar que 74% dos homens e 56% das mulheres nessa faixa etária possuem vida sexual ativa(99. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Envelhecimento e saúde da pessoa idosa. Brasília; 2007.). No entanto, em outros cenários que a epidemia se apresenta, a abstinência sexual é realizada como método preventivo por idosos portadores do HIV devido ao medo de disseminação do vírus(1010. Sant'Anna ACC, Seidl EMF. Efeitos da condição sorológica sobre as escolhas reprodutivas de mulheres HIV positivas. Psicol Reflex Crit. 2009;22(2):244-51.).

Ainda quanto às práticas preventivas à infecção pelo HIV, o uso de objeto individual apresentado nas falas aponta uma ampliação do conhecimento sobre ferramentas de proteção do indivíduo à infecção ao HIV:

[...] a gente deve levar o nosso alicate para a manicure para evitar o contágio [...] usar seringa descartável, não contaminada [...]

O enfoque dado ao uso de objeto individual, aqui manifestado por instrumentos perfurocortantes, sinaliza para incorporação de um conhecimento apreendido pelas campanhas de prevenção ao contágio pelo vírus da Hepatite B e que foi associado também ao HIV pela população, gerando sentimentos de medo e repulsa a doença pela ideia do contágio. Dessa forma, a importância da informação sobre a doença se define como uma ferramenta de possibilidades de execução de práticas preventivas e que favorece a minimizar a vulnerabilidade individual.

O uso de EPI pelos profissionais de saúde como prevenção da infecção pelo HIV se destaca ao considerar que o conhecimento do grupo estudado abrange outras práticas preventivas, além daquelas que envolvem a sexualidade:

[...]profissional dos hospitais vai ter que usar luva, máscara para evitar o contágio[...]tem que usar máscara os profissionais porque depois que ele fizer o exame e for movimentar o sangue que foi retirado corre o risco de espirrar[...]

Ao enfatizar a importância do uso desses equipamentos pelos profissionais de saúde, os idosos também demonstram uma preocupação com o outro, sendo justificado pelo elevado índice de acidentes ocupacionais ocasionados pelo manuseio de material perfuro cortantes entre os trabalhadores da área da saúde(1111. Oliveira AC, Gonçalves JA. Acidente ocupacional por material perfurocortante entre profissionais de saúde de um centro cirúrgico. Rev Esc Enferm USP. 2010; 44(2):482-7.).

Facilidades e dificuldades no uso das práticas preventivas

Os discursos dos idosos consideram como facilitadores no uso das práticas preventivas justificadas por uma preocupação pelo cuidado pessoal, além do conhecimento do preservativo, desconfiança na fidelidade e outras formas enfatizadas.

O cuidado pessoal é uma prática fundamental, mostrando-se eficaz no controle da infecção pelo HIV/Aids, pois grande parte das condutas preventivas neste âmbito é de cunho individual:

[...]tem que se proteger[...]se pessoa se cuidar, não pega[...]não deve se arriscar[...]

A ausência de ações preventivas sistemáticas para o HIV direcionadas a população idosa requer uma demanda de esforços políticos para que seja contemplado um acesso universal ao conhecimento sobre os avanços técnicos e científicos que a dinâmica da epidemia impôs. A necessidade de dialogar com a geração idosa torna-se relevante quando os discursos sobre o uso do preservativo apontam esse cenário:

[...]eu vim conhecer um tempo desse o masculino, porque tem a minha filha casada foi buscar o preservativo e me amostrou[...]já vi a camisinha feminina na televisão[...]no começo tínhamos na televisão a lista: você fazendo assim, assim você pega HIV e hoje a prevenção é mais "vamos distribuir camisinha" [...]

Embora o preservativo esteja incorporado nos discursos dos idosos e se tratar de uma geração que não foi contemplada pelas campanhas preventivas no início da epidemia, os registros do aumento do número de idosos com HIV/Aids contribuem para o entendimento que há carência de informações sobre o conhecimento desses indivíduos no que concerne à infecção, prevenção e tratamento para o HIV(1212. Pereira GS, Borges CI. Conhecimento sobre HIV/aids de participantes de um grupo de idosos em Anápolis-Goiás. Esc Anna Nery. 2010;14(4):720-5.).

Considerando esta lacuna, torna-se preocupante a deficiência de ações preventivas e o despreparo dos profissionais de saúde em trabalhar com a sexualidade do idoso, não dando importância às queixas sexuais apresentadas pelo mesmo(1313. Sousa ACA, Suassuna DSB, Costa AML. Perfil clínico-epidemiológico de idosos com aids. DST J Bras Doenças Sex Transm. 2009;21(1):22-6.).

A desconfiança da infidelidade, embora aqui considerada como facilitador no uso das práticas preventivas, se reconhece a complexidade que envolve as relações afetivas no contexto da prevenção da aids. Os discursos dos idosos tornam essencial a ampliação do acesso universal às estratégias dos programas de prevenção ao HIV, antes direcionadas a geração mais jovem:

[...]da traição nem Deus escapou[...]vou prevenir levando ele (companheiro) para todo canto comigo[...]não sei se estou segura meu marido tendo feito o teste de HIV e dando negativo[...]ele mesmo falando só tenho você ainda fica a dúvida se ele realmente só tem a mulher de casa[..]

O comportamento sexual previamente definido e socialmente exigido de homens e mulheres é um dos agravantes na dificuldade para conter a epidemia da aids, favorecendo uma vulnerabilidade individual no contexto das relações de gênero, por se tratarem de construções sociais com repercussões na saúde das pessoas envolvidas(1414. Gurgel AS. Representações sociais e vulnerabilidades de mulheres no contexto da aids [dissertação]. Fortaleza: Universidade Estadual do Ceará; 2010.).

As outras formas identificadas como facilitadoras do uso de práticas preventivas referem-se à busca e disponibilidade de serviços de saúde apontados pelos idosos:

[...]quando uma pessoa, por exemplo, é estuprada, ela tem aqueles coquetéis pra tomar[...]procurar logo um médico para fazer os exames adequados[...]fazer exame de prevenção[...]

Os discursos dos idosos explica a vulnerabilidade como movimento que pondera a chance de exposição dos indivíduos ao adoecimento, resultante de um conjunto de fatores não apenas individuais, mas também coletivos e contextuais que estão implicados com maior suscetibilidade ao adoecimento e, concomitantemente, com maior ou menor disponibilidade de recursos de proteção(1515. Saldanha AAW, Felix SMF, Araújo LF. Representações sobre a aids na velhice por coordenadoras de grupos da terceira idade. Psico USF. 2008;13(1):95-103.).

Embora não seja objeto deste estudo analisar a dimensão programática da vulnerabilidade, os discursos dos idosos na busca e disponibilidade de serviços de saúde se apresentam relevantes em relação ao tema quando refere à identificação de necessidades de saúde de grupos vulneráveis.

As dificuldades de adoção de práticas preventivas pelos idosos são evidenciadas por: negociar o uso do preservativo; confiança na fidelidade; desconfiança na fidelidade; infidelidade conjugal e práticas de sexo não seguro.

A negociação do uso do preservativo nas relações afetivas configura-se como um dos desafios para a adesão deste método preventivo, principalmente pelo sexo feminino:

[...]você nunca usou preservativo e agora você vir exigir de mim isso, alguma coisa você fez[...]se tiver 25 ou 26 anos de uma vida conjugal que nunca usou preservativo e pedir para usar o esposo desconfia logo[...]

Os conflitos e as dificuldades para a adesão de uma prática de sexo seguro nos relacionamentos estáveis impõem uma ameaça na resposta ao controle do avanço da epidemia da aids. Esse cenário de conflitos permite uma importante visibilidade à dimensão individual e social da vulnerabilidade à infecção pelo HIV e apontam possibilidades de intervenções. O fato dos idosos utilizarem preservativo seis vezes menos do que a população mais jovem(1616. Gott C. Sexual activity and risk-taking in later life. Heal Soc Care Community. 2001;9(2):72-8.) exige esforços para prevenção ao HIV com estratégias que funcionem de forma combinada, ou seja, planejadas com e não apenas para quem elas são importantes. Outra dificuldade de adoção de práticas sexuais seguras é motivada pela confiança no relacionamento estável que reduz percepção de risco para contaminação pelo HIV(11. Joint United Nations Programme on HIV/AIDS (CH). Global Report: UNAIDS report on the global aids epidemic 2012. Geneva: UNAIDS; 2012.).

É nesse contexto que emerge uma fidelidade enfatizada pelo grupo de idosos, apontando para a crença que quanto mais estável o relacionamento, mais confiança se tem no parceiro e mais desnecessária se faz prática do sexo seguro entre o casal, transbordando assim em situações de vulnerabilidade, representado nas falas:

[...]sou casada, já vai fazer 45 anos, graças a Deus eu confio nele porque eu sei que ele fiel[...]não uso preservativo porque é só com uma pessoa a relação sexual[...]não preciso usar preservativo não, porque eu confio no meu marido e ele confia em mim[...]

Essa realidade vai de encontro a estudo realizado no Rio Grande do Sul (2007) também com idosos que percebem a vulnerabilidade ao HIV/aids como algo distante da realidade daqueles que mantêm relacionamentos estáveis, acreditando que não possuem possibilidade de contaminação, justificando-se pelo fato de ter parceiro (a) único, compartilhando a ideia de que é desnecessário adotar qualquer método de prevenção de DSTs e do HIV/aids(66. Leite MT, Moura A, Berlezi EM. Doenças sexualmente transmissíveis e HIV/AIDS na opinião de idosos que participam de grupos de terceira idade. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2007;10(3):339-54.).

A infidelidade conjugal é destacada no grupo e se estabelece como um fator desfavorável ao uso de métodos preventivos, conforme as falas:

[...]meu marido mesmo tinha mulheres e filho fora de casa e quando chegava em casa ainda me procurava né e eu não podia fazer nada[...]deixei-o mesmo, porque ele não tinha só uma e muita gente já morreu com a aids [...]

Os enfrentamentos vivenciados por mulheres idosas do grupo no contexto conjugal não diferenciam das mulheres maiores de 50 anos de idade em Porto Alegre (2008), que submetiam as situações por reconhecerem o comportamento masculino como propenso ao envolvimento em relacionamentos extraconjugais, não aderindo às práticas preventivas no relacionamento sexual(1717. Rodrigues DAL, Praça NS. Mulheres com idade igual ou superior a 50 anos: ações preventivas da infecção pelo HIV. Rev Gaúcha Enferm. 2010;31(2): 321-7.).

A prática sexual insegura pelos idosos atenta para uma vulnerabilidade individual que demanda atenção para o grupo no que concerne estratégias para mudanças de comportamentos:

[...]é diferente, não sente o mesmo prazer quando tenho relação sexual sem preservativo[...]eu não quis nem saber de usar esse negócio (preservativo) sou das antigas[...]nunca usei e não vou usar preservativo[...]homens de idade não gostam de usar preservativo[...]

A resistência ao uso do preservativo pela população idosa está atrelada ao fator cultural, pois quando jovem não foi orientado a praticar o sexo seguro(12). O preocupante é que a maioria dos idosos apesar de reconhecerem a eficácia do preservativo, não utilizam durante as relações sexuais(1818. Lazarotto AR, Kramer AS, Hadrich M, Tonin M, Caputo P, Sprinz E. O conhecimento de HIV/aids na terceira idade: estudo epidemiológico no Vale do Sinos, Rio Grande do Sul, Brasil. Ciênc Saúde Coletiva. 2008;13(6):1833-40.).

Pessoas vulneráveis ao HIV

Os participantes consideram diversos grupos populacionais (jovens, homens, mulher, idosos, homossexuais e outros) como vulneráveis ao HIV e pouca ênfase foi dada a sua faixa etária em relação às demais. Apesar disso, a propagação da aids nesses grupos etários enfatizadas pelos participantes apresenta um avanço no conhecimento apreendido quando extrapola o foco dado no início da epidemia de acometer determinados grupos de riscos, quando as falas revelam:

[...]jovens que pegam mais a aids[...] para outros[...] homem transmite mais[...]mulheres trazem a AIDS para dentro de casa também[...]muitos idosos tem parceiro, mas por ser idosos pensam que não vão contaminar[...]

Interessante avultar que os idosos, por muito tempo, não se enquadravam como um grupo vulnerável ao HIV. A infecção restringia-se a grupos específicos, colaborando para complexidade de aceitação e enfrentamento ao descobrirem infecção pelo vírus(1919. Andrade HAS, Silva SK, Santos MIPO. Aids em idosos: vivências dos doentes. Esc Anna Nery. 2010;14(4):712-9.).

Sendo assim, a necessidade de políticas públicas que atendam a população idosa se justifica por ser um grupo que enfrenta situações de conflitos, principalmente quanto aspectos referentes ao gênero, onde a mulher surge como a parte submissa no relacionamento, favorecendo a vulnerabilidade à infecção pelo HIV.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo buscou conhecer a vulnerabilidade de idosos à infecção pelo HIV no contexto das práticas preventivas, em que os idosos apontaram grupos populacionais como mais vulneráveis à infecção pelo HIV, e não se reconheceram nesse cenário, favorecendo a vulnerabilidade por ainda estar enraizado no imaginário social que a aids é uma doença do outro.

Porém, no tocante a prática preventiva relacionada ao uso de preservativo na ocasião do ato sexual, há dificuldades na sua utilização, justificadas pelas relações afetivas de confiança com o companheiro.

A compreensão dos idosos quanto à importância do uso de EPI pelos profissionais de saúde e de objetos individuais, a exemplo do alicate de unhas no serviço de manicure, mostrou avanço no conhecimento sobre práticas preventivas para o HIV.

Sendo assim, os achados do estudo evidenciaram a necessidade de aprimorar ações preventivas contra as DST/Aids, promover educação em saúde voltada para a vivência de uma sexualidade prazerosa e saudável, estabelecer a criação de grupos de reflexões voltados para a população idosa, com foco principalmente na sexualidade.

Neste aspecto, torna-se importante a formação de profissionais de saúde qualificados e comprometidos em incorporar na sua prática a criação de um ambiente favorável para o estabelecimento de vínculo e confiança, na perspectiva do idoso sentir-se acolhido, relatando suas experiências, dúvidas e anseios.

Espera-se que a presente pesquisa venha auxiliar aos profissionais de saúde e à equipe de enfermagem de Unidades Básicas de Saúde a atenderem os pilares da prevenção das doenças e promoção da saúde, com programas rotineiros de uma assistência que contemple atividades de educação em saúde, busca ativa e campanhas direcionadas à pessoa idosa, de forma a esclarecer mitos e de incrementar mudanças comportamentais eficazes na prevenção do HIV/Aids.

As complexidades dos diversos contextos vividos pelos idosos indica a necessidade de realização de outros estudos que permitam avanços na compreensão da subjetividade impostas nas relações que permeiam o processo de envelhecimento e a vivência da sexualidade nessa faixa etária.

REFERENCES

  • 1
    Joint United Nations Programme on HIV/AIDS (CH). Global Report: UNAIDS report on the global aids epidemic 2012. Geneva: UNAIDS; 2012.
  • 2
    Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais. Bol Epidemiol HIV aids. 2012 dez;1(1):1-60.
  • 3
    Jacobs RJ, Thomlison B. Self-silencing and age as risk factors for sexually acquired HIV in midlife and older women. J Aging Health. 2009;21(1):102-28.
  • 4
    Pratt G, Gascoyne K, Cunningham K, Tunbridge A. Human immunodeficiency virus (HIV) in older people. Age Ageing. 2010;39(3):289-94.
  • 5
    Ayres JRCM. O conceito de vulnerabilidade e as práticas de saúde: novas perspectivas e desafios. In: Czeresnia D, Freitas CM, organizadores. Promoção da saúde: conceitos, reflexões, tendências. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2003. p. 117-39.
  • 6
    Leite MT, Moura A, Berlezi EM. Doenças sexualmente transmissíveis e HIV/AIDS na opinião de idosos que participam de grupos de terceira idade. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2007;10(3):339-54.
  • 7
    Ressel LB, Beck CLC, Gualda DMR, Hoffmann IC, Silva RM, Sehnem GC. O uso do Grupo Focal em pesquisa qualitativa. Texto Contexto Enferm. 2008;14(4):779-86.
  • 8
    Bardin L.Análise de conteúdo. Lisboa: Ed. 70; 2009.
  • 9
    Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Envelhecimento e saúde da pessoa idosa. Brasília; 2007.
  • 10
    Sant'Anna ACC, Seidl EMF. Efeitos da condição sorológica sobre as escolhas reprodutivas de mulheres HIV positivas. Psicol Reflex Crit. 2009;22(2):244-51.
  • 11
    Oliveira AC, Gonçalves JA. Acidente ocupacional por material perfurocortante entre profissionais de saúde de um centro cirúrgico. Rev Esc Enferm USP. 2010; 44(2):482-7.
  • 12
    Pereira GS, Borges CI. Conhecimento sobre HIV/aids de participantes de um grupo de idosos em Anápolis-Goiás. Esc Anna Nery. 2010;14(4):720-5.
  • 13
    Sousa ACA, Suassuna DSB, Costa AML. Perfil clínico-epidemiológico de idosos com aids. DST J Bras Doenças Sex Transm. 2009;21(1):22-6.
  • 14
    Gurgel AS. Representações sociais e vulnerabilidades de mulheres no contexto da aids [dissertação]. Fortaleza: Universidade Estadual do Ceará; 2010.
  • 15
    Saldanha AAW, Felix SMF, Araújo LF. Representações sobre a aids na velhice por coordenadoras de grupos da terceira idade. Psico USF. 2008;13(1):95-103.
  • 16
    Gott C. Sexual activity and risk-taking in later life. Heal Soc Care Community. 2001;9(2):72-8.
  • 17
    Rodrigues DAL, Praça NS. Mulheres com idade igual ou superior a 50 anos: ações preventivas da infecção pelo HIV. Rev Gaúcha Enferm. 2010;31(2): 321-7.
  • 18
    Lazarotto AR, Kramer AS, Hadrich M, Tonin M, Caputo P, Sprinz E. O conhecimento de HIV/aids na terceira idade: estudo epidemiológico no Vale do Sinos, Rio Grande do Sul, Brasil. Ciênc Saúde Coletiva. 2008;13(6):1833-40.
  • 19
    Andrade HAS, Silva SK, Santos MIPO. Aids em idosos: vivências dos doentes. Esc Anna Nery. 2010;14(4):712-9.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2015

Histórico

  • Recebido
    24 Jan 2014
  • Aceito
    18 Ago 2015
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Escola de Enfermagem Rua São Manoel, 963 -Campus da Saúde , 90.620-110 - Porto Alegre - RS - Brasil, Fone: (55 51) 3308-5242 / Fax: (55 51) 3308-5436 - Porto Alegre - RS - Brazil
E-mail: revista@enf.ufrgs.br