INTRODUÇÃO
Desde a década de 1990, a comunidade internacional tem realizado importantes esforços a fim de instituir ações para promoção do desenvolvimento econômico, social e humano. No ano 2000, foi estabelecida pelos líderes dos Estados Membros das Nações Unidas a “Declaração do Milênio”, um documento que sintetiza acordos firmados para superar as iniquidades entre países e regiões do mundo(1).
Foram instituídos oito “Objetivos de Desenvolvimento do Milênio” (ODM), que incorporam 22 metas e 48 indicadores que devem ser alcançados até o ano de 2015. Destes, três são diretamente relacionados à saúde, sendo um deles, “Melhorar a saúde materna”, com duas metas a serem atingidas: a redução da mortalidade materna em 75% do nível observado em 1990 e a universalização do acesso à saúde sexual e reprodutiva(1-2).
o Brasil, observam-se avanços no enfrentamento dos óbitos maternos. De acordo com dados publicados pelo Ministério da Saúde(2), a morte de mulheres durante a gravidez, o parto ou o puerpério tem reduzido de forma acentuada. Dos 141 óbitos por 100 mil nascidos vivos em 1990, a taxa em 2011 ficou em menos de 64 óbitos por 100 mil nascidos vivos. Essa redução é importante não apenas pelo número de vidas poupadas nesse período, mas também porque indica progressos significativos na garantia dos direitos de cidadania, sexuais e reprodutivos da mulher(3).
A propósito, o Brasil tem realizado importantes esforços para tais avanços. Ao longo das últimas décadas, tem proposto uma série de diretrizes, normas e protocolos a fim de assegurar a melhoria do modelo de assistência obstétrica vigente e a estimulação de práticas menos intervencionistas(4). No entanto, estas iniciativas têm se mostrado insuficientes. Acredita-se que a persistência dos maus indicadores maternos e perinatais esteja diretamente relacionada ao uso inadequado de tecnologias ou a realização de intervenções desnecessárias, um fato claramente exemplificado pela expressiva taxa de cesárea atual(5).
A partir da compreensão de que a problemática da mortalidade materno-infantil só poderá ser enfrentada com o envolvimento dos diferentes atores sociais, tem-se buscado intensificar as ações de qualificação dos profissionais de saúde, no que tange aos cuidados pré-natais, no parto e no puerpério(6-7). Com base nesse entendimento e em recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS), a participação da enfermeira obstetra durante o parto foi regulamentada e passou a ser amplamente estimulada no país, tomando como referência os cuidados e não a intervenção(8).
A formação da enfermeira obstetra envolve habilidades e competências que possibilitam a prestação um cuidado integral, respeitando o parto como um processo fisiológico, repercutindo positivamente na saúde materno-infantil(7). O investimento na formação desses profissionais especializados busca retratar a experiência bem sucedida de países industrializados, onde profissionais não-médicos são os provedores de saúde primários de mulheres saudáveis durante o parto(6).
Portanto, percebe-se que a atuação da enfermeira obstetra é estratégica, tendo papel fundamental na qualificação dos serviços de saúde e na assistência a mulher no processo parturitivo, contribuindo para melhoria da saúde materna e consequentemente na conquista do quinto ODM. Em face desta realidade, este estudo tem por objetivo caracterizar e analisar a assistência ao parto e nascimento realizada por Residentes em Enfermagem Obstétrica (REO), assim como identificar as contribuições desta prática à melhora da saúde das mulheres e consequentemente às metas dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio.
MÉTODO
Estudo quantitativo, descritivo e retrospectivo, realizado por meio de levantamento documental. O local de pesquisa foi uma maternidade localizada no interior do Estado do Rio Grande do Sul, a qual está voltada para o atendimento das situações de risco obstétrico habitual e é local de atividades teórico-práticas e práticas do Programa de Residência em Enfermagem Obstétrica, o qual está vinculado a uma universidade de natureza filantrópica do município. Por se configurar como uma instituição pública, sua assistência é voltada para usuárias do Sistema Único de Saúde (SUS).
A população do estudo constituiu-se de mulheres de risco obstétrico habitual, entre os meses de julho a dezembro de 2013 e janeiro a julho de 2014, e que tiveram seu trabalho de parto e parto assistidos pelas REO. Neste estudo analisamos somente os dados de mulheres de risco obstétrico habitual. Dessa forma foram excluídos os diagnósticos de patologias maternas, idade gestacional fora do intervalo de 37-41 semanas, gravidez múltipla, apresentação não cefálica, e peso ao nascer não adequado para a idade gestacional. Houve 17 perdas, pois os prontuários não continham as informações completas relativas à assistência do processo de trabalho de parto e parto.
O procedimento de coleta dos dados ocorreu no período entre os meses de agosto e dezembro de 2014, e constou no levantamento de informações descritas nos prontuários clínicos. Para o registro das informações foi utilizado instrumento criado pelas autoras, destacando os dados de identificação, perfil sócio demográfico, condições clínico-obstétricas, intervenções obstétricas e condições neonatais.
A partir dos registros obtidos, procedeu-se o delineamento do perfil social e obstétrico das mulheres assistidas na instituição-campo do estudo. Entende-se por perfil social, a procedência, a idade materna, a situação conjugal, a ocupação e o grau de escolaridade da população em estudo e, por perfil obstétrico compreende-se paridade, idade gestacional, dilatação cervical, dinâmica uterina e estado das membranas amnióticas na internação. Ainda relacionado ao perfil obstétrico foram investigadas as principais intervenções realizadas durante a condução do trabalho de parto e parto, a saber: amniotomia, infusão de ocitocina endovenosa e episiotomia. Ao perfil neonatal, foram incluídas no estudo as variáveis: peso, sexo e Apgar do Recém-Nascido (RN).
Após o término da coleta dos dados, iniciou o processo de análise estatística descritiva simples, com frequências absolutas e relativas por meio do Software Statistical Package for the Social Sciences – SPSS versão 17.0. Os dados foram apresentados em tabelas e discutidos de acordo com aspectos da literatura pertinente.
Os dados apresentados fazem parte da pesquisa(9) desenvolvida e apresentada no ano de 2015 como requisito parcial para obtenção do título de enfermeira obstetra. Foram realizados os cuidados explicitados nas Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisas envolvendo Seres Humanos, aprovadas pela Resolução CNS 466/12. Foi submetido à apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa do Centro Universitário Franciscano de Santa Maria, após avaliação e autorização da Comissão de Pesquisa designada pela instituição, recebendo aprovação sob o parecer no 739.564/2014.
RESULTADOS
No período delineado foram assistidos, pelas residentes em enfermagem obstétrica na maternidade estudada, 189 partos, total caracterizado por partos normais, classificados como risco obstétrico habitual. De acordo com a Tabela 1, observou-se que a faixa etária predominante encontrou-se entre mulheres jovens, entre 15 e 24 anos de idade, que possuíam oito ou mais anos de estudo. Foi característica da população estudada a cor de pele autodeclarada branca bem como o estado civil formal solteira.
Tabela 1 – Distribuição das mulheres segundo características sociodemográficas, Santa Maria – Rio Grande do Sul – Brasil, jul. 2013 – jul. 2014
Características (n= 189) | N | % |
---|---|---|
Idade | ||
Entre 15 e 17 anos; | 20 | 10,6 |
Entre 18 e 24 anos; | 68 | 35,9 |
Entre 25 e 29 anos; | 45 | 23,8 |
Mais de 29 anos | 56 | 29,6 |
Estado civil | ||
Solteiro | 146 | 77,2 |
Casado | 34 | 17,9 |
Divorciado | 4 | 2,1 |
Viúvo | 5 | 2,6 |
Escolaridade | ||
Sem escolaridade | 1 | 0,5 |
Ensino fundamental (1ª a 4ª série) | 15 | 7,9 |
Ensino Fundamental (5ª a 8ª série) | 81 | 42,9 |
Ensino médio ou superior incompleto | 86 | 45,5 |
Ensino superior | 4 | 2,1 |
Cor da pele (autodeclarada) | ||
Branca | 131 | 69,3 |
Preta | 20 | 10,6 |
Parda | 38 | 20,1 |
Procedência | ||
Santa Maria | 132 | 69,8 |
Municípios da região | 57 | 30,1 |
Fonte: Dados da pesquisa(9)
Quanto à ocupação, 42,8% (81) exerciam atividades remuneradas e 57,1% (108), quando questionados, referiram que desempenhavam suas funções em ambiente doméstico ou eram estudantes. Referente à procedência, a maioria das participantes da pesquisa foram do município de Santa Maria, sendo representadas por 69,8% das mulheres.
Ao analisar a história da gestação atual, 62,4% (118) das parturientes iniciaram o acompanhamento pré-natal no primeiro trimestre e 75,7% (139) realizaram seis ou mais consultas. Das 189 parturientes, 93,1% (176) realizaram pré-natal no Sistema Único de Saúde (SUS).
Quanto às condições clínico-obstétricas, observou-se a maior parte das mulheres eram nulíparas e com idade gestacional (IG) de início do trabalho de parto de 40 semanas ou mais, conforme a Tabela 2. Dentre as 110 mulheres com partos anteriores, somente 17 (8,9%) das mulheres haviam sido submetidas a uma cesárea anteriormente.
Tabela 2 – Distribuição das mulheres segundo as condições clínico-obstétricas na admissão hospitalar, Santa Maria – Rio Grande do Sul – Brasil, jul. 2013 – jul. 2014
Condições clínico-obstétricas (n= 189) | N | % |
---|---|---|
Paridade | ||
Nulípara | 79 | 41,8 |
Primípara | 49 | 25,9 |
Secundípara | 33 | 17,5 |
Multípara (três ou mais partos) | 28 | 14,8 |
IG de início de trabalho de parto | ||
37 semanas a 37 semanas e 6 dias | 9 | 4,8 |
38 semanas a 38 semanas e 6 dias | 43 | 22,7 |
39 semanas a 39 semanas e 6 dias | 61 | 32,3 |
40 semanas a 40 semanas e 6 dias | 76 | 40,2 |
Fase de TP na admissão | ||
Fase latente (> 4 cm) | 81 | 42,9 |
Fase ativa (4 a 7 cm) | 99 | 52,3 |
Fase transição (7 a 10cm) | 9 | 4,8 |
Estado das membranas amnióticas | ||
Íntegras | 158 | 83,6 |
Rotas | 31 | 16,4 |
Fonte: Dados da pesquisa(9)
Quando observadas às condições obstétricas das mulheres no exame de admissão na maternidade de estudo, verificam-se os seguintes achados: 42,9% (81) das mulheres encontravam-se na fase latente, ou seja, fora de trabalho de parto ativo, a maioria das parturientes foi admitida com o colo uterino pérvio entre quatro e sete centímetros e membranas amnióticas íntegras. Vale ressaltar que 52,91% (100) das mulheres pesquisadas tiveram sua classificação de risco e admissão realizada pelas residentes em enfermagem obstétrica.
Quanto às práticas recomendadas utilizadas na assistência à parturiente, constatou-se o amplo uso de métodos não invasivos e não farmacológicos de alívio da dor e liberdade de posição durante o trabalho de parto, 90,5% (171) dos casos, com predominância da deambulação e do banho de aspersão. Contudo, verificou-se que a maioria dos partos e nascimentos deu-se em posição semissentada ou litotômica (Tabela 3).
Tabela 3 – Distribuição das práticas obstétricas utilizadas no trabalho de parto, Santa Maria – Rio Grande do Sul – Brasil, jul. 2013 – jul. 2014
Práticas obstétricas (n= 189) | N | % |
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Métodos não invasivos e não farmacológicos e liberdade de posição | ||
Deambulação | 161 | 85,2 |
Banho de aspersão | 92 | 48,7 |
Bola suíça | 81 | 42,7 |
Massagem | 19 | 10 |
Agachamento | 49 | 25,9 |
Posição no expulsivo | ||
Litotômica ou semissentada | 164 | 89,8 |
Cócoras | 14 | 7,4 |
Lateralizado | 9 | 4,8 |
Quatro apoios | 2 | 1 |
Presença de acompanhante | ||
Sim | 150 | 79,4 |
Não | 7 | 3,7 |
Não informado | 31 | 16,4 |
Alimentação | ||
Sim | 100 | 52,9 |
Não | 31 | 16,4 |
Não informado | 58 | 30,7 |
Fonte: Dados da pesquisa(9)
No que diz respeito à presença do acompanhante de livre escolha durante o processo de parturição, a maioria das mulheres teve este direito garantido. No entanto, ressalta-se o fato de que 16,4% dos prontuários não apresentavam registro quanto à presença de acompanhante. Tal fato repete-se no que diz respeito à oferta de líquidos e alimentos por via oral, em 30,7% dos prontuários não conta a informação sobre a alimentação da parturiente.
Referente às intervenções obstétricas foi constatado que das 158 gestantes que internaram com membranas amnióticas íntegras, 27,5% foram submetidas à rotura artificial das mesmas, bem como 41,8% (79) receberam infusão endovenosa de ocitocina, durante trabalho de parto e parto. Mais de 50% das mulheres manteve integridade perineal ou apresentou laceração de menor gravidade, ou seja, de primeiro grau. A episiotomia foi realizada em 15,5% (29) e a frequência de exames vaginais foi em média de 3 a 6 vezes, conforme indica a Tabela 4. Destaca-se que 55,6% (105) das mulheres não foram submetidas a nenhuma intervenção obstétrica.
Tabela 4 – Distribuição de intervenções obstétricas realizadas durante o trabalho de parto e parto, Santa Maria – Rio Grande do Sul – Brasil, jul. 2013 – jul. 2014
Intervenções obstétricas (n= 189) | N | % |
---|---|---|
Condições do períneo | ||
Íntegro | 44 | 23,3 |
Episiotomia | 29 | 15,4 |
Laceração grau I | 63 | 33,3 |
Laceração grau II | 51 | 27,0 |
Laceração grau III ou IV | 2 | 1,0 |
Ruptura de membranas amnióticas | ||
Espontânea | 137 | 72,9 |
Artificial | 52 | 27,5 |
Número de exames vaginais | ||
1 a 3 toques vaginais | 52 | 27,5 |
3 a 6 toques vaginais | 96 | 50,8 |
6 a 9 toques vaginais | 37 | 19,6 |
10 ou mais toques vaginais | 4 | 2,1 |
Fonte: Dados da pesquisa(9)
A grande maioria dos bebês apresentou boa vitalidade ao nascer; 87,7% (741) tiveram Apgar maior que sete no primeiro minuto de vida e 96,7% (817) apresentaram índice maior que sete no quinto minuto. 67,4%, dos bebês apresentavam entre 2,500 e 3500g ao nascer e 32,5% entre 3.500 e 4.500g. Quanto ao sexo dos recém-nascidos, 437 (51,7%) eram do sexo masculino e 408 (48,3%) do sexo feminino.
DISCUSSÃO
Anterior à discussão dos dados, percebe-se a importância de evidenciar que este Programa de Residência Obstétrica que é pioneiro no município, além de ser o único vigente na região sul do país. Dessa forma, a assistência aos partos aqui caracterizados e analisados deu-se em parceria com a equipe médica do hospital, assim, algumas indicações de intervenções obstétricas foram feitas pela equipe médica, sendo documentadas no prontuário clínico.
O perfil sócio demográfico da população em estudo evidenciou mulheres jovens, com pelo menos oito anos de estudo, em estado civil formal solteira e não exerciam atividade remunerada. O quantitativo de mulheres procedentes de municípios da região em busca de atendimento na maternidade onde foi realizado o estudo pode ser justificado pelo fato de esta ser uma referência para atendimento de partos de risco habitual da respectiva Divisão Regional de Saúde e também por possível carência do atendimento hospitalar nos serviços de saúde do interior.
Relacionado ao perfil clínico obstétrico a proporção de mulheres nulíparas assistidas foi semelhante àquela encontrada em resultados dos estudos realizados em São Paulo(10-11) (45,7% e 46,3%), assim como a proporção de mulheres que realizaram seis ou mais consultas pré-natal (87,3%), conforme preconizado pelo Ministério da Saúde. Já a proporção de cesáreas prévias foi aproximadamente cinco vezes maior que àquela observada nos referidos estudos (1,8% e 1,2%).
Constatou-se a admissão de um grande quantitativo de mulheres na fase latente e/ou fora do trabalho de parto ativo na ocasião da internação hospitalar. Reconhecidamente, a admissão precoce aumenta o tempo de internação da parturiente, submetendo-a ao ambiente hospitalar sem necessidade e potencializa o número intervenções desnecessárias(12). Destaca-se que a inserção das REO na avaliação admissional e classificação de risco na maternidade-estudo ajudou a reduzir significativamente os casos de internação precoce. Ainda assim, muitas parturientes internaram precocemente devido à dificuldade de acesso ao serviço, à decisão de outros profissionais atuantes na instituição e principalmente a falta de protocolo institucional de admissão e internação hospitalar.
Relacionado às práticas utilizadas e estimuladas pelas REO na assistência à parturiente, como demonstram os dados, os métodos não invasivos e não farmacológicos foram amplamente utilizados, assim como a liberdade de posição durante o trabalho de parto. Dentre as práticas de alívio da dor, o banho de aspersão foi o mais utilizado, contudo, não foi avaliado em que fase do trabalho de parto esse método foi empregado.
Comprovadamente, a utilização de métodos não farmacológicas possibilitam, na medida do possível, a substituição dos anestésicos e analgésicos durante o trabalho de parto e parto, acarretando consequentemente menos intervenções(13). Neste sentido, uma pesquisa qualitativa analisou os sentimentos e percepções das puérperas no parto e nascimento de seu filho e identificou que a aplicação de cuidados para alívio da dor e o adequado relacionamento entre a mulher e o profissional contribuíram para uma vivência mais satisfatória e facilitaram a evolução do processo do parto(14).
No que diz respeito à liberdade de posições no trabalho de parto, destacou-se o quantitativo de mulheres que optaram pela deambulação. No entanto, no momento do parto, apesar dos benefícios das posições verticalizadas para a mulher e para o feto, a posição litotômica ou semissentada foi prevalente, alcançando mais de 88% dos partos, número inferior ao encontrado em estudo nacional realizado em partos de risco obstétrico habitual(5) (91,7%). Quando comparadas as posições vertical ou lateral a litotômica, são destacados aspectos importantes como: a diminuição da sensação dolorosa intensa e cansaço da mulher, a redução do período expulsivo, além da diminuição das taxas de parto dirigido, episiotomia e intervenções obstétricas(15).
Não existe um protocolo rígido quanto às posições adotadas durante o parto e nascimento, uma vez que mulher possui a liberdade de escolha, podendo assumir a posição de acordo com sua preferência, desde que orientada(15). No entanto, a variedade de posições no parto caracteriza-se como um desafio às REO, não sendo uma realidade do cenário deste estudo, seja devido à resistência por parte dos profissionais envolvidos, pela falta de estrutura física, ou ainda pelo estranhamento e falta de orientação das mulheres quanto esta possibilidade.
Os dados referentes à predominância de partos com a presença de acompanhante vão de encontro à legislação vigente e aos benefícios apontados por pesquisas. Uma revisão sistemática da Cochrane Library, que analisou 21 ensaios clínicos randomizados, demonstrou que essa prática contribui para o aumento dos partos vaginais espontâneos, assim como para a redução da necessidade de analgesia intraparto e na percepção sobre a experiência do nascimento(16). Contudo, destaca-se a falha no registro desta informação nos prontuários, demonstrando a percepção da equipe sobre o acompanhante como um mero expectador da cena da parturição, não o reconhecendo como fator facilitador do processo(17).
Em relação aos resultados neonatais, observou-se que, em sua maioria, os recém-nascidos apresentaram peso adequado para a idade gestacional. Além disso, os elevados valores de Apgar demonstraram boas condições de vitalidade neonatal, o que, portanto, pode estar relacionado à indicação oportuna da via de nascimento e qualidade da assistência prestada pelas REO.
Outra consideração importante, diz respeito às intervenções obstétricas. A amniotomia foi praticada em menos de um terço da população estudada (27,5%). Se comparada a estudos já mencionados(5,10-11), essa pratica mostrou-se praticamente a metade do encontrado nos resultados (40,7%, 53,4% e 62,6%). Dentre os benefícios da amniotomia, ressalta-se a redução na duração do trabalho de parto e a diminuição no uso de ocitocina sintética. Por outro lado, observa-se tendência a um aumento nas taxas de cesarianas(12). Ainda existem dúvidas quanto aos seus efeitos sobre as mulheres e os recém-nascidos, contudo, no trabalho de parto de risco habitual deve existir um motivo claro para justificar esse procedimento(10).
Observou-se que a administração de ocitocina sintética durante o trabalho de parto e parto foi a intervenção que apresentou maior prevalência. Sua indicação foi superior a taxas encontradas em outras pesquisas (38,2%, 31% e 23,5%)(5,10-11). Ressalta-se que, na maioria das vezes, este ocitócito foi prescrito pela equipe médica presente no cenário de estudo. No entanto, além de interferir no curso natural do parto e na movimentação da parturiente, a ocitocina sintética está relacionado a uma experiência mais dolorosa durante o trabalho de parto e seu uso indiscriminado pode causar prejuízos a saúde materno-infantil, culminando em uma cesariana iatrogênica(10).
Quanto às condições do períneo, a frequência da episiotomia foi observada em 15,5% das mulheres deste estudo. Comparativamente, encontra-se acima da taxa ideal recomendada pela Organização Mundial de Saúde de 10 a 30%, similar a estudo em uma casa de parto(10) (14,1%) e inferior aos achados de estudo em um centro de parto normal peri-hospitalar(11) (25,7%). Destaca-se que tal quantitativo encontra-se bastante díspar se comparado aos índices apresentados no Brasil, de aproximadamente, 56,1% dos partos vaginais de risco obstétrico habitual(5). Não foram encontrados registros nos prontuários dos motivos dos profissionais para indicar esse procedimento. Destaca-se como mais um diferencial da assistência prestada por REO no cenário estudado, o percentual de mulheres com períneo íntegro no parto, principalmente, se incluídas as lacerações de primeiro grau, 56,6%.
Nos últimos anos, a literatura tem evidenciado que o uso da episiotomia de rotina não deve ser incentivado. Em um estudo transversal com 303 mulheres no pós-parto constatou-se que a dor perineal está altamente associada a esse procedimento cirúrgico e a idade materna mais avançada(15). Por sua vez, outros estudos indicam que o uso restrito de episiotomia resulta em menos trauma perineal, sutura e complicações na cicatrização e consequente diminuição da morbimortalidade materna(10).
Evidencia-se como principal resultado deste estudo e do trabalho realizado pelas REO, a taxa de mulheres que não receberam nenhuma intervenção durante seu trabalho de parto e parto, ou seja, deram a luz de forma natural, tendo seu ritmo fisiológico respeitado. Comparado a resultados de uma importante pesquisa no território nacional(5), este número foi dez vezes maior. Legitimando este dado, pesquisas demonstram que os índices de intervenções obstétricas estão altamente correlacionados com o profissional de assistência ao parto, sendo consideravelmente reduzidas quando os profissionais envolvidos são enfermeiros(18-19).
O cuidado menos intervencionista está intimamente associado à maior satisfação com a experiência do parto(20) e à atuação de enfermeiras obstetras(7-8). A assistência prestada por estas profissionais respeita o processo de parturição como fisiológico, transmitindo às mulheres segurança e conforto, resgatando assim sua autoconfiança e fortalecendo a sua capacidade de parir(8).
Evidências científicas têm apontado a relação entre aumento da morbimortalidade materna e perinatal e o modelo intervencionista hegemônico, tanto no sistema público como no privado de saúde(6). Dessa forma, apreende-se que o movimento a favor da redução de intervenções desnecessárias no processo de parto e nascimento pode acarretar na redução da mortalidade materna no cenário brasileiro, viabilizando que o alcance às metas dos ODM. Percebe-se que a evitabilidade das mortes maternas é possível, porém demanda ações e estratégias voltadas à redução da morte materna, a valorização do parto e sua assistência por enfermeiras obstétricas.
Nessa perspectiva, enfatiza-se a importância da atuação da enfermeira obstetra no cenário de assistência ao parto e nascimento de risco habitual. Além de um cuidado menos intervencionista, inerente a sua formação, a enfermeira obstetra mostra-se mais instigada a promover o uso de práticas baseadas em evidências e sensibilizada para o resgate do protagonismo da mulher no processo de parturição. Entende-se que para melhorar a saúde das mães e crianças, necessita-se de um conjunto de ações de empoderamento das mulheres e redução de desigualdades, contudo, acredita-se que a enfermagem obstétrica pode ser um agente facilitador para qualificação da assistência obstétrica.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise dos dados demonstrou grandes avanços e conquistas das residentes em enfermagem obstétrica no serviço, uma vez que o mesmo adota o chamado “manejo ativo” de trabalho de parto com o objetivo de acelerar o processo de parturição. Como principal resultado, apresenta-se a proporção de mulheres assistidas que não foram submetidas a nenhuma intervenção obstétrica e uso adequado da tecnologia. Mais da metade da população estudada vivenciou seu parto centrado na fisiologia e nas suas necessidades e escolhas.
O modelo de assistência discutido apresentou desfechos maternos e neonatais favoráveis, seguindo as recomendações da OMS, representando um movimento de busca por um modelo de assistência, seguro e que garanta à mulher o seu direito ao parto como experiência prazerosa e humana. Dessa forma, foi possível identificar que o Programa de Residência em Enfermagem, enquanto estratégia para qualificação dos profissionais possibilita a redução do número de intervenções obstétricas desnecessárias, refletindo diretamente na melhoria da saúde perinatal e, consequentemente, nas taxas de morbimortalidade materna, sendo este um dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio.
Como limitações do estudo, consideramos o fato de ter sido realizado em um hospital escola e as participantes serem usuárias do Sistema Único de Saúde, o que implica em uma realidade diferenciada em termos socioeconômicos e culturais, sendo questionável o grau de generalização para a população geral. Destaca-se ainda, o fato de os resultados serem referentes aos partos assistidos pelas enfermeiras da primeira turma de Residência em Enfermagem Obstétrica, sendo este um período de intensas lutas e conquistas por espaço para atuação no modelo de assistência proposto.
Dentre as possíveis contribuições para a assistência, destaca-se a divulgação de experiências como esta, que evidenciam a necessidade de ampliação da formação e atuação de enfermeiras obstetras, do seu espaço de atuação e da aceitação do seu trabalho por outras categorias profissionais e pela sociedade. No que tange a pesquisa, enfatiza-se a importância da realização de pesquisas que demonstrem a relevância do trabalho na área da enfermagem obstétrica.