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Mulheres em situação de violência pelo parceiro íntimo: tomada de decisão por apoio institucional especializado

Mujeres en situación de violencia por su compañero íntimo: la toma de decisión por apoyo institucional especializado

RESUMO

Objetivo

Propõe-se analisar fatores envolvidos na tomada de decisão de mulheres em situação de violência interpessoal, praticada pelo parceiro íntimo, na busca por apoio institucional de referência.

Métodos

Pesquisa qualitativa, descritiva e exploratória. Dezesseis mulheres foram entrevistadas, entre junho e setembro de 2012, em um Centro de Referência à Mulher de Duque de Caxias, Rio de Janeiro, Brasil, por meio de instrumento semiestruturado e individual. Os relatos foram analisados pelo método do Discurso do Sujeito Coletivo.

Resultados

As mulheres buscaram suporte psicossocial quando a violência interpessoal alcançou o limite da tolerância. Este suporte possibilitou o resgate da autoestima e da confiança, além da tomada de consciência para a necessidade de mudança de vida e de autonomia econômica.

Conclusões

As mulheres alcançaram sua autoconfiança com a superação da violência, o que possibilitou o resgate da autoestima e a tomada de decisão para a saída da situação de violência interpessoal praticada pelo parceiro íntimo.

Enfermagem; Saúde da mulher; Violência contra a mulher; Objetivos de Desenvolvimento do Milênio

RESUMEN

Objetivo

El estudio buscó evaluar factores involucrados en la toma de decisión de mujeres en situación de violencia interpersonal infringida por su pareja en la búsqueda de apoyo institucional.

Métodos

Investigación cualitativa, descriptiva y exploratoria. Dieciséis mujeres fueron entrevistadas por medio de entrevista individual semiestructurada, en un Centro de Referencia para Mujeres en Duque de Caxias, Río de Janeiro, Brasil. Los informes fueron analizados en Discurso del Sujeto Colectivo.

Resultados

Los resultados mostraron que estas mujeres buscaron apoyo cuando la violencia alcanzó el límite de tolerancia. Reuniones grupales, organizadas por el Centro, posibilitaron el rescate de autoestima y confianza y conciencia de la necesidad de un cambio de vida y autonomía económica.

Conclusiones

En este escenario, la práctica enfermera, en la recopilación de datos para investigación, ha contribuido a la promoción de la igualdad de género y el empoderamiento de las mujeres, según lo recomendado por los Objetivos de Desarrollo de Milenio.

Enfermería; Salud de la mujer; Violencia contra la mujer; Objetivos de Desarrollo del Milenio

ABSTRACT

Objective

This study aimed to evaluate the factors involved in the decision making process of women in situation of interpersonal violence perpetrated by an intimate partner in search for domestic violence support services.

Methods

Qualitative, descriptive and exploratory research. Sixteen women were interviewed through individual semi-structured interviews, at a Women’s Reference Center in Duque de Caxias, Rio de Janeiro, Brazil. Data analysis was performed using the technique of collective subject discourse was used.

Results

The results showed that these women sought psychosocial support when interpersonal violence reached their limit of tolerance. The group meetings organized by the Reference Center made it possible for these women to recover their self-esteem and confidence and to increase awareness of the need to change their lives and achieve economic autonomy.

Conclusions

In this scenario, by collecting data for the research, the nurses contributed to the promotion of gender equality and women’s empowerment, as recommended by the Millennium Development Goals.

Nursing; Women’s health; Violence against women; Millennium Development Goals

INTRODUÇÃO

A violência às mulheres sempre esteve presente em diferentes culturas, considerando que as mulheres foram preparadas para estabelecer uma relação de obediência com seus parceiros íntimos. As manifestações da violência são aprovadas ou desaprovadas, lícitas ou ilícitas, segundo normas sociais mantidas por costumes ou aparatos legais da sociedade(11. Minayo MCS. Violência e saúde. 20. ed. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2010.).

A complexidade da violência às mulheres e seus mecanismos são desvendados a partir da perspectiva de gênero, visto que as diferenças entre o que é ser mulher e ser homem são socialmente construídas e determinadas pela cultura. Desde o nascimento, as pessoas do sexo feminino ou masculino aprendem a serem mulheres e homens e, este comportamento aprendido, caracteriza sua identidade e determina os papéis de gênero. Parte-se, portanto, de que a compreensão das relações de gênero é indispensável para enfrentamento das iniquidades sociais(22. Organización Panamericana de la Sauld (US). Plan de acción para la implementación de la Política de Igualdad de Género de la OPS 2009-2014. Washington (DC): Oficina Regional OPAS; 2010.).

A violência interpessoal é aquela que ocorre usualmente nos lares, entre parceiros íntimos(33. Krug EG, Dahlberg LL, Mercy JA, Zwi AB, Lozano R, organizadores. World report on violence and health. 1. ed. Geneva: World Health Organization; 2002.). As configurações da violência às mulheres englobam a “violência física”, que compreende lesões à integridade física; “violência psicológica”, que inclui ameaças, humilhações, isolamento, desprezos e intimidações; “violência patrimonial”, que se concretiza em roubo, ou danos aos bens materiais; “violência moral”, caracterizada por calúnias, difamações e injúrias; e “violência sexual”, definida por práticas sexuais não consentidas(44. Signorelli MC, Auad D, Pereira PPG. Violência doméstica contra mulheres e a atuação profissional na atenção primária à saúde: um estudo etnográfico em Matinhos, Paraná, Brasil. Cad Saúde Pública. 2013;29(6):1230-40.).

No ano 2000, a Organização das Nações Unidas (ONU), analisando os problemas mundiais, estabeleceu oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), dentre eles: acabar com a fome e a miséria; educação básica de qualidade para todos; igualdade entre sexos e valorização da mulher; reduzir a mortalidade infantil; melhorar a saúde das gestantes; combater a AIDS, a malária e outras doenças; qualidade de vida e respeito ao meio ambiente; e todo mundo trabalhando pelo desenvolvimento. Estes devem ser alcançados até 2015(55. Presidência da República (BR), Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratégicos. Objetivos de Desenvolvimento do Milênio: relatório nacional de acompanhamento. Brasília (DF); 2014 [citado 2015 jun. 25]. Disponível em: http://www.pnud.org.br/Docs/5_RelatorioNacionalAcompanhamentoODM.pdf
http://www.pnud.org.br/Docs/5_RelatorioN...
).

Entre os Objetivos do Milênio, aqueles que defendem a autonomia da mulher, redução da mortalidade de crianças, vigilância à saúde de gestantes e o combate às doenças graves como a malária e Aids, pertencem a áreas de atenção em saúde complexas, mas que possuem inter-relação entre si. O alcance desses Objetivos de Desenvolvimento requer a implementação de ações especializadas e qualificadas em saúde, aliadas à prática do cuidado de enfermagem e articuladas ainda com as políticas intersetoriais sociais. Nesse sentido, as práticas do cuidado em Enfermagem devem ser conjugadas com o aperfeiçoamento das políticas públicas, em que se destaque a garantia em defesa da vida.

O terceiro Objetivo de Desenvolvimento do Milênio trata especificamente da promoção da igualdade de gênero e da autonomia das mulheres. Para tal, o enfrentamento da problemática da violência assumiu caráter prioritário entre as ações do Estado brasileiro para o alcance desta meta. Cada vez mais mulheres têm procurado levar a questão da violência à esfera pública, buscando o suporte do Estado para enfrentar o problema(55. Presidência da República (BR), Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratégicos. Objetivos de Desenvolvimento do Milênio: relatório nacional de acompanhamento. Brasília (DF); 2014 [citado 2015 jun. 25]. Disponível em: http://www.pnud.org.br/Docs/5_RelatorioNacionalAcompanhamentoODM.pdf
http://www.pnud.org.br/Docs/5_RelatorioN...
).

O empoderamento das mulheres é importante para vários objetivos, em especial os ligados à pobreza, fome, saúde e educação. No Brasil, as mulheres já estudam mais que os homens, mas ainda têm menos chances de emprego, recebem menos do que homens trabalhando nas mesmas funções e ocupam os piores postos. Por outro lado, o que mais chama a atenção é a violência que continua atingindo milhares de mulheres brasileiras(55. Presidência da República (BR), Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratégicos. Objetivos de Desenvolvimento do Milênio: relatório nacional de acompanhamento. Brasília (DF); 2014 [citado 2015 jun. 25]. Disponível em: http://www.pnud.org.br/Docs/5_RelatorioNacionalAcompanhamentoODM.pdf
http://www.pnud.org.br/Docs/5_RelatorioN...
).

Na violência contra as mulheres, ainda são muitos os motivos que impedem a tomada de decisão na busca por apoio institucional. Pesquisa nacional desenvolvida pelo Ministério da Saúde em 2010, com amostra de 2.002 mulheres em situação de violência, apontou as razões pelas quais elas não denunciam o parceiro e continuam no relacionamento, entre elas: a falta de condições econômicas para viver sem o parceiro, preocupação com os filhos e o medo de serem mortas(66. Presidência da República (BR), Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. Com todas as mulheres, por todos os seus direitos. Brasília (DF); 2010.).

Para a implementação das políticas públicas, os profissionais de saúde devem construir espaços de interlocução com vistas à transformação social, ampliando assim sua compreensão sobre a complexidade da violência. A mulher, ao vivenciar o processo de denúncia da violência em sua ação intencional, tem motivos para agir. Interpretar essa ação humana somente será possível ao revelar suas motivações(77. Vieira LB, Padoin SMM, Oliveira IES, Paula CC. Intencionalidades de mulheres que decidem denunciar situações de violência. Acta Paul Enferm. 2012;25(3):423-9.).

A tomada de decisão é definida como o processo de escolha entre duas ou mais alternativas concorrentes, demandando análise de custo e benefício de cada opção e a estimativa de suas consequências em curto, médio e longo prazo. Uma vez que os resultados das decisões são incertos, a tomada de decisão envolve análise de riscos. A capacidade de controlar impulsos está intimamente relacionada à tomada de decisão, situação em que é preciso avaliar consequências de médio e longo prazo. As decisões são indispensáveis para a adaptação social do indivíduo, e particularmente difíceis quando há maior necessidade de ponderação de recompensas e/ou perdas imediatas e futuras(88. Mata FG, Neves FS, Lage GM, Moraes PHP, Mattos P, Fuentes D, et al. Avaliação neuropsicológica do processo de tomada de decisões em crianças e adolescentes: uma revisão integrativa da literatura. Rev Psiq Clín. 2011;38(3):106-15.).

A tomada de decisão nesta pesquisa relaciona-se com a atitude das mulheres que vivenciaram violência pelo parceiro íntimo em procurar apoio institucional, como a busca pelo Centro de Referência de Atendimento à Mulher (CR Mulher), ou à procura por uma Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM). Estes serviços públicos são indispensáveis para o enfrentamento das situações de violência e a obtenção de apoio.

Considerando o momento em que as mulheres decidem recorrer ao atendimento especializado, formulam-se as seguintes questões norteadoras: O que motivou as mulheres a tomarem a decisão de procurar um Centro de Referência, ou outro serviço de apoio, em casos de violência interpessoal? De que forma as mulheres expressaram a tomada de decisão nas situações de violência interpessoal praticadas pelo parceiro íntimo? O estudo tem o objetivo de analisar os fatores envolvidos na tomada de decisão das mulheres em situação de violência interpessoal praticada pelo parceiro íntimo na busca por apoio institucional de referência.

MÉTODOS

Pesquisa qualitativa, descritiva e exploratória. O cenário foi o Centro de Referência e Atendimento à Mulher em Situação de Violência (CR Mulher) de Duque de Caxias, Rio de Janeiro (Brasil). Esta instituição acolhe mulheres que vivenciam violência praticada pelo parceiro íntimo por meio de atividades educativas, em Grupos de Reflexão, de forma a resgatar a autoestima e autonomia, ampliando a prevenção de novos atos violentos, fortalecendo-as e encorajando-as para a resolução de conflitos familiares.

Participaram da pesquisa 16 (dezesseis) mulheres que vivenciaram violência interpessoal física, psicológica, sexual, moral ou patrimonial, praticada por parceiro íntimo. Adotaram-se como critérios de inclusão aquelas maiores de idade, residentes no município de Duque de Caxias, e que participaram das reuniões no Centro de Referência. Como critérios de exclusão, mulheres que procuraram o CR Mulher em busca de orientação sobre os trâmites burocráticos para solicitação de divórcio do parceiro íntimo, mas que não estavam, naquela ocasião, em situação de violência.

O período de coleta de dados ocorreu de junho a setembro de 2012. Foram realizadas entrevistas individuais com estas mulheres atendidas no CR Mulher. O recorte empírico delimitou-se pela saturação dos dados e diversidade deste universo. Para captação dos dados, utilizou-se a entrevista individual, com roteiro semiestruturado, realizada em sala reservada, gravada em aparelho MP3, com duração média de 40 minutos e transcrita na íntegra. As participantes do estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem Anna Nery e Instituto de Atenção à Saúde São Francisco de Assis (CEP EEAN/HESFA), da Universidade Federal do Rio de Janeiro, sob o Protocolo nº 53736/2012, no Sistema Plataforma Brasil, e atendeu às exigências da Resolução nº 466/2012(99. Ministério da Saúde (BR). Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012. Diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Diário Oficial da União da República Federativa do Brasil. 2013 jun. 13;150(112 Seção 1):59-62.).

A análise dos resultados fundamentou-se no método do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC), agregando fragmentos de depoimentos para formar um conjunto discursivo, em que cada parte pudesse ser reconhecida como constituinte do todo e vice-versa(1010. Lefèvre F, Lefèvre AMC. O discurso do sujeito coletivo: um novo enfoque em pesquisa qualitativa (desdobramentos). 2. ed. Caxias do Sul (RS): EDUCS; 2005.). O grupo de pesquisadores leu as entrevistas transcritas, atentando para as Expressões-chave (ECH) advindas dos discursos. Posteriormente, identificadas as expressões, o passo seguinte foi estabelecer o surgimento das Ideias centrais (IC). A partir destas, foram construídos os DSC correspondentes para análise das declarações.

Quando uma resposta apresentou mais de um DSC, estes foram distinguidos por critérios de diferença ou complementaridade, obedecendo à coerência das ideias. Finalmente, foram eliminadas repetições e particularismos dos discursos individuais para estruturação do Discurso do Sujeito Coletivo, possibilitando naturalidade e espontaneidade ao pensamento coletivo. A análise dos discursos revelou quatro Ideias Centrais referentes à tomada de decisão das mulheres em situação de violência interpessoal: chegada da violência ao limite da tolerância; busca de suporte psicossocial; tomada de consciência da necessidade de mudança de vida e alcance da autonomia econômica.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Entre as mulheres participantes deste estudo, sete estavam na faixa etária entre 25 e 34 anos e nove tinham mais de 35 anos de idade. Oito mulheres declararam-se de cor da pele branca, sete pardas e uma considerou-se preta. Houve maior quantitativo daquelas que concluíram o ensino médio (onze), seguidas das que possuíam o ensino fundamental completo (cinco). A maioria também exercia atividade laboral e três referiram-se como donas de casa.

As participantes evidenciaram, por meio de seus discursos, a violência interpessoal vivenciada nos âmbitos físico, psicológico e sexual. A violência física foi caracterizada por empurrões, socos, chutes, tapas, arremesso de objetos, apertos, sacudidas, tentativa de enforcamento, cascudos, puxões pelos cabelos, torções de membros superiores, prensadas contra a parede e cabeçadas. Estas formas de violência estiveram quase sempre associadas à violência psicológica, por meio de ameaças, intimidações, manipulações e humilhações.

A violência sexual esteve presente entre uma minoria de mulheres que passaram por situações de coerção sexual. De acordo com seus discursos, elas cediam à relação sexual com o parceiro íntimo, não por vontade própria, mas por medo do mal que este poderia lhe fazer se por ventura ela negasse a relação. Estes parceiros obrigaram-nas a ter relações sexuais com frequência, não respeitando suas vontades ou seus limites físicos e emocionais, provocando diferentes agressões à mulher.

Na primeira Ideia Central, observa-se que a violência chegou ao limite da tolerância por parte das mulheres, como expressado a seguir:

Eu sabia que não tinha mais jeito, eu não aguentava mais viver aquilo [a violência], eu preferia a morte do que voltar pra ele [o parceiro], eu já não suportava. Denunciei porque já estava cansada de esconder as agressões das pessoas e inventar desculpas. Ele está me maltratando e estou muito chateada. Preciso de ajuda, fui primeiro na Delegacia de Mulheres porque percebi que não adiantava fazer mais nada pra ele melhorar, ele está fora de controle. Sabia que se eu não buscasse ajuda agora, ele ia me prejudicar mais depois (DSC 1).

De acordo com o primeiro Discurso do Sujeito Coletivo (DSC 1), as mulheres procuraram ajuda no Centro especializado por não aguentar mais a situação da violência. A Organização das Nações Unidas, para igualdade entre os sexos, enfatiza a importância de não reproduzir expressões contra a dignidade da mulher, colocando-a em situação de inferioridade(55. Presidência da República (BR), Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratégicos. Objetivos de Desenvolvimento do Milênio: relatório nacional de acompanhamento. Brasília (DF); 2014 [citado 2015 jun. 25]. Disponível em: http://www.pnud.org.br/Docs/5_RelatorioNacionalAcompanhamentoODM.pdf
http://www.pnud.org.br/Docs/5_RelatorioN...
). A intencionalidade das mulheres que decidem denunciar as agressões está apoiada na possibilidade de acabar com um relacionamento que “não aceita nem aguenta mais”. Tal motivo expressa a recusa de viver uma relação insuportável, representando para ela um incômodo e sem possibilidade de retomar a relação conjugal(77. Vieira LB, Padoin SMM, Oliveira IES, Paula CC. Intencionalidades de mulheres que decidem denunciar situações de violência. Acta Paul Enferm. 2012;25(3):423-9.).

As participantes afirmaram ainda que a mulher precisa ter atitude, que o principal responsável por resolver este problema da violência tem que ser a própria mulher; e que elas não devem acreditar em pedidos de desculpas por parte dos parceiros íntimos. Para toda esta tomada de decisão, citam exemplos de outras mulheres que também viveram este problema, sendo estas bem próximas, como as próprias filhas. Segundo estas mulheres, elas não podem viver uma vida de mentiras e, preferencialmente, precisam ter a decisão de tomar uma atitude por si mesmas.

A denúncia é um dos últimos recursos encontrados pelas mulheres violentadas pelos parceiros, pois elas não sabem mais o que fazer para resolver o problema. No entanto, a maioria não queria denunciá-los, mas como não conseguiram auxílio de outra forma, recorreram à lei. Na procura pela lei, deve-se considerar a importância da qualificação dos agentes policiais e o acesso a meios para realizar os encaminhamentos necessários para a rede social de suporte à mulher, como preconizado na Lei Maria da Penha(1111. Carneiro AA, Fraga CK. A Lei Maria da Penha e a proteção legal à mulher vítima em São Borja no Rio Grande do Sul: da violência denunciada à violência silenciada. Serv Soc Soc. 2012;(110):369-97.).

É necessário lembrar que as mulheres desta pesquisa foram aquelas que buscaram alguma forma de apoio diante dos casos de violência interpessoal; portanto, é natural que elas expressem todo o empenho e movimento contrário a esta forma de violência. Por outro lado, existem ainda muitos casos de subnotificação e sub-registros de violência no ambiente familiar, tanto na esfera da segurança, quanto da saúde pública.

Quanto aos profissionais da saúde, as práticas de cuidado às mulheres necessitam estar alicerçadas na escuta, no acolhimento, na corresponsabilização e no vínculo, com ações que possam contribuir para a saída da situação de violência. A instrumentalização e qualificação de enfermeiros poderão contribuir para o início de um atendimento capaz de desmistificar e romper com pré-conceitos, sendo mais eficiente e resolutivo(1212. Guzzo PC, Costa MC, Silva EB, Jahn AC. Práticas de saúde aos usuários em situação de violência: da invisibilidade ao (des)cuidado integral. Rev Gaúcha Enferm. 2014;35(2):100-5.).

O enfermeiro é um educador cuja principal ferramenta é o esclarecimento que ilumina o raciocínio daqueles que buscam a promoção da saúde, como as mulheres em situação de violência interpessoal que procuram o apoio institucional de referência. Este tema ainda é um desafio para a humanização do atendimento e prestação do serviço de enfermagem que precisa ser superado.

A importância da busca por suporte psicossocial junto a um Centro de Referência ficou evidenciada na segunda Ideia Central, resultando no Discurso:

No CR Mulher, eu converso com outras mulheres e vejo que não estou sozinha. Aqui sei que não sou a primeira nem a última a sofrer com isso. Já vi outras mulheres que passaram por esse problema e conseguiram dar a volta por cima; isso me ajuda a pensar que posso ter um recomeço na vida. Eu queria formar uma família, mas com as agressões não é possível. Queria que ele mudasse e voltasse a viver comigo, mas não posso ficar pensando nele e esquecer de mim, preciso viver pra mim (DSC 2).

No segundo Discurso (DSC 2), a satisfação de participar das reuniões no CR Mulher, como busca de apoio psicossocial, é uma forma de encorajamento para o rompimento com o ciclo da violência. Para algumas mulheres, mesmo vivenciando a violência, não é fácil se desvencilhar do parceiro, porque elas ainda gostam deles. A separação torna-se um processo difícil, principalmente quando há filhos envolvidos. Neste Centro, há a participação de mulheres que já se divorciaram, mas que continuam indo às reuniões. As mulheres se fortalecem umas com as outras, em favor de um ‘basta’ às situações de violência que vivenciam.

Uma das principais situações ao se trabalhar a violência às mulheres é a baixa percepção de muitas delas sobre as situações vividas como violentas, sendo tolerantes às agressões do parceiro. Algumas mulheres procuram justificativas para a agressão, reduzindo a responsabilidade do agressor, o que dificulta a tomada de decisão para romper o ciclo de violência(1313. Leite FMC, Moura MAV, Penna LHG. Percepções das mulheres sobre a violência contra a mulher: uma revisão integrativa da literatura. Av Enferm. 2013;31(2):136-43.). Um dos fatores importantes para a mudança do isolamento social provocado pela violência é o acesso e reconhecimento, por parte das mulheres, a pessoas e instituições com as quais ela possam contar, ou pedir auxílio em situação de violência.

Entre as dezesseis mulheres participantes da pesquisa, nove recorreram primeiramente à DEAM e realizaram o boletim de ocorrência contra o agressor. Elas foram sozinhas à Delegacia e apresentaram iniciativa individual para cessar a violência através da coibição do parceiro íntimo violento pelos mecanismos legais de segurança pública. Desta delegacia, foram encaminhadas ao CR Mulher para que realizassem um acompanhamento psicológico.

Foram sete mulheres que buscaram diretamente o CR Mulher à procura de apoio psicossocial, orientações sobre o funcionamento do processo de separação ou simplesmente auxílio, como alguém com quem compartilhar a sua problemática e obter a escuta.

Entre as participantes da pesquisa, oito já estavam separadas dos respectivos parceiros. Elas se perceberam como mulheres independentes e que têm como maior preocupação o sustento de sua família, em virtude de serem as principais provedoras do lar. Este desejo de prover o próprio sustento e morar sozinha com os filhos foi uma característica comum a todas as mulheres entrevistadas. Nenhuma delas externou a vontade de recorrer às Casas Abrigo como suporte de apoio para ruptura da violência causada pelo parceiro íntimo.

Destaca-se a importância do apoio psicossocial para essas mulheres, como espaços em que elas possam relacionar-se com outras pessoas, participar de grupos de convívio social, realizar atividades lúdicas, educativas, profissionais ou práticas de esportes. Ao considerar a vida social destas mulheres e os motivos que as levam a denunciar a violência, é necessário compreender as relações com o parceiro, filhos, familiares, ou com os profissionais que as atendem; compreendê-las nessas relações aponta para sua rede social(1414. Vieira LB, Padoin SMM, Souza IEO, Paula CC, Terra MG. Típico da ação das mulheres que denunciam o vivido da violência: contribuições para a enfermagem. Rev Enferm UERJ. 2011;19(3):410-4.).

As atividades direcionadas à melhoria da autoestima da mulher, no sentido de promover sua valorização pessoal, são reconhecidas como ações promotoras da igualdade entre os sexos, proposta pela ONU(55. Presidência da República (BR), Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratégicos. Objetivos de Desenvolvimento do Milênio: relatório nacional de acompanhamento. Brasília (DF); 2014 [citado 2015 jun. 25]. Disponível em: http://www.pnud.org.br/Docs/5_RelatorioNacionalAcompanhamentoODM.pdf
http://www.pnud.org.br/Docs/5_RelatorioN...
). A importância do convívio social destas mulheres está atrelada à necessidade de expandir seus horizontes, conhecer lugares diferentes e novas pessoas, para que não sejam atormentadas pelas lembranças tristes da violência. Elas não devem isolar-se das relações externas, pelo receio daquilo que possa acontecer; esta atitude pode resultar em consequências nocivas à sua saúde psicológica.

A terceira Ideia Central identifica a tomada de consciência da necessidade de mudança de vida por meio da educação e orientação junto ao Centro de Referência à Mulher, evidenciada pelo Discurso:

Meu marido diz que depois que entrei para a escola fiquei esperta. Sei que eu era muito boba antes, sou do interior, e era mais inocente. Agora, estudando, sei mais das coisas e sei que a minha mudança é pra melhor. O estudo foi um refúgio que encontrei para sair mais de casa e não ficar o tempo todo com ele [o parceiro agressor]. Acho que eu posso estudar mais porque gosto também. Estudar é bom para aprendermos sobre tudo. Quero terminar minha faculdade, mas antes preciso arrumar trabalho (DSC 3).

Estas mulheres que estudam estão inseridas em programas de educação para jovens e adultos. O DSC3 revela que elas veem a educação como promotora de conhecimentos necessários para compreender a realidade que as cerca, fazendo com que sejam pessoas melhores na vida. A educação permite uma tomada de consciência de que a violência do parceiro não pode ser tolerada em nenhuma instância. Isto fez com que elas buscassem suporte de apoio institucional no Centro de Referência ou na Delegacia Especializada para enfrentar esta situação.

A educação é uma ferramenta importante para as classes menos favorecidas ascenderem socialmente ou assumirem uma postura crítica frente à sua realidade. A alfabetização tem caráter de indicador social, pois aquele que tem acesso à formação mais refinada impõe suas ideologias, deixando o indivíduo com menor instrução no cerne da privação cultural(1515. Saviani D. A pedagogia histórico-crítica, as lutas de classe e a educação escolar. Germinal: Marxismo e Educação em Debate. 2013;5(2):25-46.). Frente aos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, deve-se estabelecer estratégias para a valorização da mulher, como o encorajamento do seu desenvolvimento socioeconômico por meio da educação(55. Presidência da República (BR), Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratégicos. Objetivos de Desenvolvimento do Milênio: relatório nacional de acompanhamento. Brasília (DF); 2014 [citado 2015 jun. 25]. Disponível em: http://www.pnud.org.br/Docs/5_RelatorioNacionalAcompanhamentoODM.pdf
http://www.pnud.org.br/Docs/5_RelatorioN...
).

Mulheres que perceberam uma forma de esclarecimento, encorajamento e tomada de consciência para a decisão de não mais aceitar a violência interpessoal são exemplos a serem seguidos por aquelas que ainda hesitam em tomar uma atitude em prol do seu próprio bem- estar. O estudo e o trabalho são práticas que favorecem o empoderamento e fazem com que essas mulheres se sintam melhores consigo mesmas e mais prestativas e úteis no meio em que vivem, principalmente na relação com a família.

As mulheres que referiram frequentar a escola manifestaram esta atitude como uma maneira de se manter longe das ‘brigas’ com o parceiro íntimo no lar. A busca pela educação é excelente para estas mulheres, aprimorando sua formação, mas, por outro lado, ausentar-se de casa por algumas horas não fará cessar as agressões perpetradas pelo parceiro. Os homens violentos continuam a imprimir atitudes agressivas pelo ciúme de a parceira sair de casa, seja para estudar ou trabalhar.

Pesquisa a respeito dos homicídios de mulheres no Brasil constatou redução de 50% dos anos potenciais de vida perdidos quando as mulheres apresentavam mais de 8 anos de escolaridade, ou seja, aquelas que tinham menos anos de estudo eram as maiores vítimas de homicídios. Dessa forma, a educação é um dos instrumentos para que as mulheres possam manter-se longe de situações violentas(1616. Silva LS, Menezes MLN, Lopes CLA, Corrêa MSM. Anos potenciais de vida perdidos por mulheres vítimas de homicídio na cidade de Recife, Pernambuco, Brasil. Cad Saúde Pública. 2011;27(9):1721-30.). A violência às mulheres ocorre em todos os níveis de escolaridade. Contudo, quanto mais anos de estudo elas possuem, presume-se que tenham mais conhecimentos sobre seus direitos de cidadania, o que pode conferir-lhes mecanismos pessoais protetores para afastá-las de relacionamentos violentos.

O relatório brasileiro de acompanhamento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio demonstra uma evolução no que diz respeito à escolaridade das mulheres. Embora nossa sociedade ainda ofereça barreiras à autonomia feminina e desigualdades de gênero, as mulheres têm melhores taxas de escolarização em comparação com os homens. No ensino fundamental, não existem diferenças significativas no acesso, mas a trajetória dos meninos é acidentada e, como a expectativa em relação ao trabalho é maior, muitos deles desistem dos estudos(55. Presidência da República (BR), Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratégicos. Objetivos de Desenvolvimento do Milênio: relatório nacional de acompanhamento. Brasília (DF); 2014 [citado 2015 jun. 25]. Disponível em: http://www.pnud.org.br/Docs/5_RelatorioNacionalAcompanhamentoODM.pdf
http://www.pnud.org.br/Docs/5_RelatorioN...
).

O alcance da autonomia econômica está exposto na quarta Ideia Central, resultando no Discurso:

Meu arrependimento foi ter parado de trabalhar, agora estou procurando emprego. Sempre falo pras minhas vizinhas que a gente não pode depender de marido, precisamos trabalhar para ter renda própria. A mulher precisa cuidar da própria vida, mudando a maneira de pensar, para que a gente conquiste as coisas sem depender de ninguém. Quando o homem percebe que a mulher sabe se impor, ele não faz abusos. Quero trabalhar pra alugar um quartinho pro meu filho morar comigo. Gosto de ser independente, comecei a me superar alugando vagas de garagem no quintal e vendendo roupas na rua (DSC 4).

No último Discurso do Sujeito Coletivo (DSC 4), a atitude dessas mulheres demonstra sua capacidade de trabalho e produtividade, proporcionando-lhes independência, além da melhor capacidade de administrar sua vida como mulher, mãe, esposa e trabalhadora. Esta não é tarefa fácil, muitas assumem jornada dupla, entre família e trabalho, com objetivo de proporcionar uma vida melhor para sua família, principalmente para os filhos. Neste caso, requer uma parceria e cumplicidade entre o parceiro íntimo e a mulher.

Na sociedade, ainda existe uma divisão sexual e social dos papéis de homens e mulheres, principalmente na construção familiar, em que o gênero permeia a divisão do trabalho. Em algumas sociedades, a definição do gênero feminino está relacionada com a esfera familiar, enquanto a referência para a construção social do gênero masculino é sua atividade na esfera pública, concentrando valores materiais, como provedor da família(1717. Souza ZCSN, Diniz NMF. Aborto provocado: o discurso das mulheres sobre suas relações familiares. Texto Contexto Enferm. 2011;20(4):742-50.). O redimensionamento do espaço entre homens e mulheres em diferentes contextos contribuiria para influenciar abordagens diferenciadas e saberes novos para intervenções na atenção às mulheres vítimas de violência(1818. Hesler LZ, Costa MC, Resta DG, Colomé ICS. Violência contra as mulheres na perspectiva dos agentes comunitários de saúde. Rev Gaúcha Enferm. 2013;34(1):180-6.).

Esta visão cultural apoia alguns discursos preconceituosos que afirmam que os homens deveriam trabalhar fora buscando o sustento da casa, ao passo que as mulheres deveriam exercer as atividades do lar, sendo donas de casa. Muitas assumem esta função e a exercem com muita dignidade. Por outro lado, não há como negar que as mulheres estão, cada vez mais, conquistando cargos significativos no mercado de trabalho.

Na relação da mulher com o parceiro íntimo violento, há carência de intercâmbios de pontos de vista. Estes homens, muitas vezes, têm dificuldade em aceitar a ascensão social de suas companheiras, pois acreditam que as mulheres devem viver subjugadas às suas vontades. Por outro lado, elas possuem o direito de trabalhar e de gozar de sua liberdade, de que, muitas vezes, são privadas, pelas ameaças do parceiro. Estas mulheres revelaram a necessidade de os homens respeitá-las em suas escolhas, resgatando seus estudos e trabalho, com a conquista de sua independência no cenário econômico(66. Presidência da República (BR), Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. Com todas as mulheres, por todos os seus direitos. Brasília (DF); 2010.). Este é o principal passo para o seu processo de encorajamento na tomada de decisão diante da violência.

Nas últimas décadas, cresceu a participação da mulher na atividade econômica mundial, elevando-se a proporção de domicílios com mulheres na força de trabalho, além de maior contribuição dos seus rendimentos para a renda familiar(1919. Tsani S, Paroussos L, Fragiadakis C, Charalambidis J, Capros P. Female labor force participation and economic development. In: Ayadi R, Dabrowski M, Wulf LD, editors. Economic and social development of the Southern and Eastern Mediterranean countries. New York: Springer; 2015. p. 303-6.). O incentivo à busca de alternativas para a geração de renda também é enfatizado como ação entre os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio à valorização da mulher(55. Presidência da República (BR), Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratégicos. Objetivos de Desenvolvimento do Milênio: relatório nacional de acompanhamento. Brasília (DF); 2014 [citado 2015 jun. 25]. Disponível em: http://www.pnud.org.br/Docs/5_RelatorioNacionalAcompanhamentoODM.pdf
http://www.pnud.org.br/Docs/5_RelatorioN...
). Diante da ascensão social, infere-se que elas tenham menos probabilidade de vivenciarem agressões dos parceiros, mas nem sempre é o que acontece, pois a violência é apenas mais evidente nas camadas pobres da população, quando, na verdade, ocorre em todos os substratos sociais.

Mais da metade das mulheres incluídas na pesquisa afirmou que precisa e quer trabalhar para ter independência financeira. Elas afirmam que os homens não agridem suas mulheres quando percebem que estas são decididas e trabalhadoras, empoderadas e, desta forma, eles podem ao menos hesitar antes de agredi-las física ou psicologicamente.

A busca pela autonomia feminina busca romper com as diferenças de gênero que algumas vezes propiciam as atitudes de violência às mulheres. Gênero é um conceito essencialmente relacional, não há como olhar apenas para as mulheres sem considerar o que se passa entre os homens. Os processos de socialização, nas famílias e nas escolas, desde cedo, definem trajetórias escolares e profissionais diferentes para homens e mulheres. Embora as mulheres tenham avançado no mercado de trabalho, a taxa de ocupação feminina em idade ativa permanece mais baixa que a masculina. Em 2012, 50,3% da população de mulheres com 15 anos ou mais estava ocupada, em contraposição a 74% dos homens(55. Presidência da República (BR), Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratégicos. Objetivos de Desenvolvimento do Milênio: relatório nacional de acompanhamento. Brasília (DF); 2014 [citado 2015 jun. 25]. Disponível em: http://www.pnud.org.br/Docs/5_RelatorioNacionalAcompanhamentoODM.pdf
http://www.pnud.org.br/Docs/5_RelatorioN...
).

O trabalho é um dos fatores mais importantes para que a mulher se sinta no comando de sua própria vida. Sua inserção no mercado de trabalho influencia positivamente na tomada de decisão, e em não mais aceitar os atos de violência no ambiente doméstico. Profissionais de saúde, em especial os enfermeiros, precisam intervir no acompanhamento dessas mulheres em redes de apoio social, atenção integral e humanizada(2020. Netto LA, Moura MAV, Queiroz ABA, Tyrrell MAR, Pastor Bravo MM. Violência contra a mulher e suas consequências. Acta Paul Enferm. 2014;27(5):458-64.). A possibilidade de sucesso na resolução dos conflitos virá com a escuta atentiva às mulheres, encorajando-as para a tomada de decisão em prol de seu bem-estar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No discurso das mulheres em situação de violência interpessoal praticada pelo parceiro íntimo, a violência alcançou o limite da tolerância, e a busca pelo suporte psicossocial possibilitou o resgate da autoestima, além da tomada de consciência para a necessidade de mudança de vida, e o alcance da autonomia econômica. As mulheres encontraram formas de encorajamento após a procura por apoio institucional no Centro de Referência. Em seus discursos, relataram que não querem ser vistas como vítimas e têm o desejo de melhorar de vida com a superação da violência reconhecendo à necessidade de terem amor próprio.

A tomada de decisão permitiu a busca por apoio institucional com o intuito de se libertarem de uma relação íntima conjugal violenta. Considerando o comprometimento de seu estado físico e emocional desejaram denunciar o parceiro íntimo e procuraram uma Delegacia de Defesa da Mulher, o Centro de Referência à Mulher ou uma Instituição de Saúde, a fim de obterem um pronto-atendimento e apoio institucional.

No discurso de algumas mulheres esteve presente inclusive a rotina de estudos e a sua importância para o aprendizado e também como uma forma de tomada de consciência para o enfrentamento da violência interpessoal. Desta forma, promovendo a igualdade de gênero e a autonomia das mulheres, como preconiza um dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio.

As participantes reforçaram em seus discursos o reconhecimento do papel da mulher como principal agente de manifestação para que possa se ver livre de qualquer forma de violência, dentro ou fora de casa. Nos momentos de reuniões em grupo, elas manifestam para outras mulheres que não podem ficar paradas, que precisam arranjar um emprego para se sustentarem. Quando a mulher começa a conquistar o seu espaço no cenário econômico, primeiramente ela cria a sua independência, e este é o primeiro e principal passo para o processo de encorajamento na tomada de decisão diante de qualquer situação de violência interpessoal.

Profissionais de saúde podem inserir-se nos âmbitos ambulatorial e, até mesmo hospitalar, na atenção aos casos de violência às mulheres estando atentos para o acolhimento e cuidado prestado nos diferentes setores de saúde. É necessário proporcionar atenção à sua integridade física e um atendimento especial à mulher, reprodutora de vidas, responsável pelo afago familiar, provedora social, mantenedora e responsável pelo núcleo familiar.

Nessa perspectiva, surge uma inquietação sobre a violência às mulheres no que se refere à maneira como esta problemática pode ser melhor discutida pelos profissionais de saúde, em especial na área da Enfermagem. Nas consultas, requer promover uma escuta e acolhimento, orientação às mulheres, principalmente quanto às redes de apoio social. Geralmente, as mulheres que vivenciam violência encontram-se em estado de saúde debilitado, conflitos psicológicos e emocionais, necessitando conhecer seus direitos e que podem enfrentar uma vida familiar sem violência. As questões sobre violência permeiam o cotidiano acadêmico e social, exigindo novos conhecimentos e mudanças sociais e culturais.

Por parte das instituições acadêmicas em saúde, a capacitação de profissionais para o atendimento a estas mulheres ainda é muito incipiente. A sociedade, na maior parte, tende a tratar a violência no âmbito da família como um problema social, com pouca visibilidade para o setor saúde, o que é um equívoco; uma vez elucidados os fatores envolvidos na tomada de decisão das mulheres em situação de violência interpessoal praticada pelo parceiro íntimo.

A limitação da pesquisa ocorreu pelo desenvolvimento em apenas um município da região metropolitana do Rio de Janeiro. A ampliação dos cenários de estudo é necessária para maior percepção desta problemática no Brasil. Recomenda-se também, a divulgação da existência de Centros Especializados de Atendimento às Mulheres para busca de apoio institucional.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2015

Histórico

  • Recebido
    27 Jun 2015
  • Aceito
    10 Nov 2015
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