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Discurso dos enfermeiros gestores relacionado aos condicionantes que (des)favorecem o controle da tuberculose em idosos

Discurso de enfermeras gerentes en relación con restricciones que (des)favorecen el control de la tuberculosis en el anciano

RESUMO

Objetivo

Analisar o discurso de enfermeiros gestores relacionado aos condicionantes que (des)favorecem o controle da tuberculose em idosos.

Método

Estudo de natureza qualitativa realizado em município prioritário no controle da tuberculose, no Estado da Paraíba. A coleta de dados foi realizada entre fevereiro e maio de 2014, por meio de entrevistas semiestruturadas, com onze enfermeiros gestores. Para a análise do material empírico, foi utilizada a Análise de Discurso, linha francesa.

Resultados

Na análise, identificou-se o bloco discursivo: Condicionantes que (des)favorecem o controle da tuberculose em idosos. Constatou-se que os processos de qualificação constituem um condicionante importante no controle efetivo do agravo em idosos. Entretanto, os discursos evidenciaram a manutenção de práticas educativas tradicionais nos processos de qualificação e que a tuberculose em pessoas idosas não é percebida como prioritária.

Conclusão

Os enfermeiros gestores devem disparar processos de qualificação para a melhoria do controle da tuberculose em idosos baseados na educação permanente em saúde.

Enfermagem; Tuberculose; Saúde do idoso; Gestão em saúde

RESUMEN

Objetivo

Analizar el discurso de las enfermeras gestoras relacionadas con las condiciones de que (des)favorecen el control de la tuberculosis en las personas mayores.

Método

Estudio cualitativo realizado en una ciudad prioritaria en el control de la tuberculosis, de Paraiba. La recolección de datos se realizó entre febrero y mayo de 2014 a través de entrevistas semiestructuradas con once enfermeros responsables. Para el análisis del material empírico se utilizó el Análisis del Discurso.

Resultados

En el análisis se identificó el bloque discursivo: Restricciones que (des)favorecen el control de la tuberculosis en las personas mayores. Se hizo evidente que los procesos de cualificación representan un componente importante en el control efectivo de esta enfermedad en los ancianos. Sin embargo, los discursos destacaron el mantenimiento de las prácticas educativas tradicionales en la calificación y que la tuberculosis en las personas mayores no se percibe como una prioridad.

Conclusión

Los enfermeros responsables deben desencadenar procedimientos de calificación para mejorar el control de la tuberculosis en las personas de edad en base a la educación permanente en salud.

Enfermería; Tuberculosis; Salud del anciano; Gestión en salud

ABSTRACT

Objective

To analyze the discourse of nurse managers related to conditions that (dis)favor the control of tuberculosis in the elderly

Method

This study is qualitative and was held in a city considered a priority in the control of tuberculosis in Paraiba. Data collection was carried out between February and May 2014, through semi-structured interviews with eleven nurse managers. French Discourse Analysis was used the to analyze the empirical material.

Results

The following discursive block was identified in the analysis: Conditions that (dis)favor the control of tuberculosis in the elderly. It was made evident that the training processes represent an important component in the effective control of this disease in the elderly. However, the speeches pointed to the maintenance of traditional educational practices in training and that tuberculosis in older people is not perceived as a priority.

Conclusion

The nurse managers should trigger training processes to improve the control of tuberculosis in elderly patients based on continuing health education.

Nursing; Tuberculosis; Health of the elderly; Health management

INTRODUÇÃO

O crescimento populacional dos idosos, associado ao recrudescimento da tuberculose (TB), impõe maior preocupação aos estudiosos e às autoridades sanitárias. A acentuada vulnerabilidade do idoso a TB é explicada pelas perdas funcionais associadas a idade, tais como déficits imunitários, o declínio na resposta mediada pelas células T, alterações no clearance mucociliar e na função pulmonar decorrentes do processo natural de envelhecimento, que aumentam o risco da infecção e morte por TB(11. Pratt RH, Winston CA, Kammerer JS, Armstrong LR. Tuberculosis in older adults in the United States, 1993-2008. J Am Geriatr Soc [Internet]. 2011 [cited 2014 Jul 14];59(5):851-7. Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21517786.
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21517...
).

Ademais, acredita-se que grande parte das infecções por TB nos idosos é decorrente da reativação de focos primários, uma vez que a população idosa atual se expôs inicialmente a TB em épocas de alta prevalência e quando o tratamento e controle da doença eram ineficientes. Inúmeras condições imunossupressoras a que os idosos estão comumente expostos, tais como o diabetes, neoplasias, insuficiência renal e/ou hepática, desnutrição e corticoterapia prolongada, também contribuem no desenvolvimento da TB e no agravamento do quadro(11. Pratt RH, Winston CA, Kammerer JS, Armstrong LR. Tuberculosis in older adults in the United States, 1993-2008. J Am Geriatr Soc [Internet]. 2011 [cited 2014 Jul 14];59(5):851-7. Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21517786.
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21517...
).

Diante da gravidade do problema no país, a TB é reconhecida como área prioritária de ações no campo da saúde e que a mesma deverá ser enfrentada em serviços de Atenção Primária a Saúde (APS), que no Brasil é representada pela Estratégia Saúde da Família (ESF).

Compete às equipes da ESF elaborar e desenvolver estratégias que possam garantir o cuidado com resolutividade diante dos problemas de saúde da população adstrita. Entretanto, há necessidade que esses serviços tenham trabalhadores de saúde qualificados, condições de trabalho e uma rede de atenção que garantam a retaguarda assistencial em outros níveis de complexidade do sistema de saúde.

No contexto da TB, o conhecimento limitado dos profissionais de saúde pode resultar no retardo do diagnóstico e do início do tratamento. A Educação Permanente em Saúde (EPS), trata-se de uma estratégia importante para a qualificação e, consequentemente, adequação da atuação dos profissionais da ESF, principalmente no que se refere à incorporação das ações de controle, pressupondo-se que a EPS, abordando a temática da tuberculose, se constitui em uma ferramenta potencializadora da busca ativa e consequente identificação precoce de Sintomáticos Respiratórios (SR)(22. Sá LD, Gomes ALC, Carmo JB, Souza KMJ, Palha PF, Alves RA, et al. Educação em saúde no controle da tuberculose: perspectiva de profissionais da Estratégia Saúde da Família. Rev Eletron Enferm. 2013 [citado 2014 out 14];15(1):103-11. Disponível em: http://dx.doi.org/10.5216/ree.v15i1.15246.
http://dx.doi.org/10.5216/ree.v15i1.1524...
).

Nesta perspectiva, a gestão em saúde enquanto ação política e vinculada ao exercício de governar possui responsabilidades na operacionalização da política de saúde considerando o caráter sanitário, os recursos necessários para o desenvolvimento do bom trabalho e na promoção do diálogo nas distintas instâncias e espaços de cuidado, assim como no estímulo e viabilização de qualificação específica dos profissionais da ESF(33. Cecílio LCO, Lacaz FAC. Sobre as múltiplas dimensões da gestão do cuidado em saúde. In: Cecílio LCO, Lacaz FAC. O trabalho em saúde. Rio de Janeiro: Cebes; 2012. p. 23-35.).

Ao entender que a gestão é parte integrante no processo de cuidar e que uma boa ou má gestão poderá influir de maneira positiva ou não, na condução de um sistema de saúde e, que é notório a gravidade da TB em pessoas idosas no país, se faz necessário compreender, a partir do discurso do gestor, quais os condicionantes que (des)favorecem o controle das ações de TB em pessoas idosas.

Apesar da gravidade do problema, não encontramos um número significativo de estudos, nos últimos quinze anos, que abordem o contexto da TB no grupo populacional em questão. É importante considerar que a população idosa vem se constituindo como um grupo vulnerável à doença, tal qual os indígenas, a população em situação de rua e os privados de liberdade, já considerados grupos de controle prioritários.

Os poucos estudos identificados indicam que o efeito da senescência e comorbidades aumentam o risco de adoecimento por TB, e que a elevada prevalência de reações adversas em virtude do uso dos quimioterápicos, são agravadas pelas alterações orgânicas próprias do envelhecimento e pela presença de comorbidades(44. Seo YK, Sang-Min L, Jae-Joon Y, Chul-Gyu Y, Young WK, Sung KH, et al. Treatment response and adverse reactions in older tuberculosis patients with immunocompromising comorbidities. Yonsei Med J. 2013 [cited 2015 Apr 18];54(5):1227-33. Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3743193/pdf/ymj-54-1227.pdf.
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles...
). Além desses estudos outros referem que o atraso no diagnóstico da TB em pessoas idosas é decorrente de uma baixa suspeição clínica que culmina com a demora no diagnóstico e implementação do tratamento(11. Pratt RH, Winston CA, Kammerer JS, Armstrong LR. Tuberculosis in older adults in the United States, 1993-2008. J Am Geriatr Soc [Internet]. 2011 [cited 2014 Jul 14];59(5):851-7. Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21517786.
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21517...
).

Contudo, percebe-se a escassez de estudos nacionais que retratem a questão dos condicionantes que (des)favorecem o controle da TB em pessoas idosas na APS, sobretudo relacionados ao discurso de enfermeiros na função de gestores de saúde.

A escolha do enfermeiro deve-se pela sua contribuição histórica no controle da TB. Atualmente o enfermeiro é um dos profissionais mais envolvido nas ações de controle e no cuidado ao doente na APS(55. Gomes ALC, Sá LD. As concepções de vínculo e a relação com o controle da tuberculose. Rev Esc Enferm USP. 2009 [citado 2013 fev 25];43(2):365-72. Disponível em: www.scielo.br/pdf/reeusp/v43n2/a16v43n2.pdf.
www.scielo.br/pdf/reeusp/v43n2/a16v43n2....
). Na função gestor, o enfermeiro atua como um profissional importante na implementação do sistema e serviços de saúde no país, contribuindo, entre outros aspectos, no planejamento e avaliação, na promoção e integração do trabalho em equipe no campo da APS e na articulação entre equipe/gestão/comunidade(66. Santos JLG, Pestana AL, Guerrero P, Meirelles BSH, Erdmann AL. Práticas de enfermeiros na gerência do cuidado em enfermagem e saúde: revisão integrativa. Rev Bras Enferm. 2013 [citado 2015 jun 23];66(2):257-63. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/reben/v66n2/16.pdf.
http://www.scielo.br/pdf/reben/v66n2/16....
).

Nesta pesquisa, o dispositivo teórico-analítico utilizado foi a Análise de Discurso (AD), de matriz francesa(77. Orlandi EP. Análise de discurso: princípios e procedimentos. 10. ed. Campinas: Pontes; 2012.). A AD reflete como a linguagem materializa a ideologia e como a ideologia se manifesta na língua. No que se refere à ideologia, na concepção althusseriana(88. Althusser L. Ideologia e aparelhos ideológicos do estado. 3. ed. Lisboa: Presença; 1980.), é a relação entre a interpelação, o reconhecimento, a sujeição e os Aparelhos Ideológicos de Estado (AIE) – realidade que se apresenta ao sujeito sob a forma de instituição distinta e especializada, funcionando prevalentemente pela ideologia dominante, a da classe dominante.

Para Althusser ocorre, dentro de um AIE – religioso, escolar, familiar, político, etc. – a interpelação do sujeito pela ideologia por meio do reconhecimento e assujeitamento do indivíduo a esta. Logo, o indivíduo, interpelado pela ideologia do AIE como sujeito, reproduzirá na prática as ideias do aparelho ideológico que escolheu, livre e conscientemente.

Nesse sentido, este estudo, tendo como como questão norteadora O que explicita o discurso dos gestores enquanto perspectiva de melhorias no controle da TB em idosos? tem como objetivo analisar o discurso dos enfermeiros gestores relacionados aos condicionantes que (des)favorecem o controle da TB em pessoas idosas.

METODOLOGIA

Estudo de natureza qualitativa, desenvolvido em um dos onze municípios, do estado da Paraíba, considerados prioritários para o controle da TB pelo Ministério da Saúde (MS), extraído da dissertação intitulada “O discurso dos enfermeiros gestores relacionado ao retardo do diagnóstico da tuberculose em pessoas idosas”(99. Romera AA. O discurso dos enfermeiros gestores relacionado ao retardo do diagnóstico da tuberculose em pessoas idosas [dissertação]. João Pessoa (PB): Universidade Federal da Paraíba, Programa de Pós-Graduação em Enfermagem; 2015.) apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal da Paraíba (PPGEnf/UFPB) em 2015.

Atualmente a rede de atenção básica municipal dispõe de 181 equipes Saúde da Família (eSF), 08 Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) e 34 Núcleos de Apoio a Saúde da Família (NASF), distribuídos nos cinco Distritos Sanitários (DS). Apresenta uma população de 742.478 habitantes e uma cobertura de 84,1% da ESF.

Os critérios de inclusão selecionados foram: exercer atividades de gestão no Programa Municipal de Controle da Tuberculose (PMCT) e/ou exercer função de coordenadores de vigilância em saúde e de atenção básica, há pelo menos 01 ano, aceitar e ter a disponibilidade de participar da pesquisa, responder o instrumento de coleta de dados e assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Dos doze enfermeiros que ocupavam cargos de gestão no DS e Secretaria Municipal de Saúde (SMS), onze atenderam aos critérios de inclusão constituindo a amostra desde estudo.

Todas as entrevistas foram realizadas individualmente e, por escolha dos sujeitos, em seu ambiente de trabalho, algumas realizadas no turno da manhã e outras à tarde, em sala reservada, apenas com a presença do gestor e do entrevistador/pesquisador.

Com intuito de preservar o anonimato e identificar os discursos, dos colaboradores deste estudo, adotou-se a sigla E referente ao nome Enfermeiro, seguido da sequência das entrevistas – E1, E2, E3 … E11. O arquivo foi composto pelo material textual produzido pelos 11 integrantes da gestão da Atenção Básica, DS e SMS. Os depoimentos foram obtidos por meio de entrevistas semiestruturadas realizadas entre fevereiro e maio de 2014.

De maneira geral, a entrevista abordou questões relacionadas aos condicionantes que (des)favorecem o controle da TB em pessoas idosas no município, cenário deste estudo. Todas as entrevistas foram realizadas de acordo com o agendamento prévio de horário e lugar com os colaboradores e registradas na íntegra, com o auxílio de MP4 e gravador de áudio portátil.

A cada entrevista gravada recorreu-se ao caderno de campo, a fim de realizar o registro das impressões sobre o contato com os sujeitos, bem como o ambiente em que a entrevista foi realizada e as dificuldades encontradas durante o percurso para a coleta de informações.

O referencial teórico-metodológico utilizado para análise do material empírico foi a Análise de Discurso, linha francesa(77. Orlandi EP. Análise de discurso: princípios e procedimentos. 10. ed. Campinas: Pontes; 2012.). A primeira etapa de análise, na AD, é o delineamento do corpus. “O processo de análise se inicia pelo estabelecimento do corpus e se organiza face à natureza do material e à pergunta (ponto de vista) que o organiza”(7:34), esta pergunta se refere ao questionamento impulsionador da realização do estudo.

Sendo assim, o corpus desta pesquisa constituiu-se da textualização dos onze sujeitos, elaborado mediante a transcrição das entrevistas, a qual possibilitou o recorte dos fragmentos discursivos para os procedimentos de análise posteriores da AD francesa.

A partir da delimitação do corpus, a análise da textualização foi conduzida nas seguintes etapas (ou procedimentos): a de-superficialização do corpus, a explicitação das formações discursivas e a identificação das formações ideológicas(77. Orlandi EP. Análise de discurso: princípios e procedimentos. 10. ed. Campinas: Pontes; 2012.).

Na etapa da de-superficialização do corpus, o analista trabalha com a materialidade linguística, considerando o quê, como, quem e em quais circunstâncias discursivas específicas se diz, correlacionando-se dessa maneira, as condições de produção, que compreendem as circunstâncias da enunciação, ao contexto sócio-histórico e ideológico mais amplo. Essa de-superficialização também considera as formações imaginárias por meio dos indícios que transparecem no fio do discurso, apreendendo o esquecimento enunciativo, aquele em que temos a sensação de que aquela seria a única maneira de dizer o que foi dito, ou seja, a ilusão referencial. A de-superficialização leva à identificação do objeto discursivo(77. Orlandi EP. Análise de discurso: princípios e procedimentos. 10. ed. Campinas: Pontes; 2012.,1010. Tfouni LV. Interdito e silêncio: uma abordagem no quadrado das oposições. In: Tfouni LV, Monte-Serrat DM, Chiaretti P, organizadores. A análise do discurso e suas interfaces. São Carlos: Pedro e João; 2011. p. 187-200.).

As formações discursivas (FD) constituem-se da confluência do interdiscurso e o intradiscurso. O interdiscurso está relacionado ao dizível, um conjunto de formulações feitas, já esquecidas, que determinam aquilo que, naquelas condições de produção, é relevante para a discursividade. Já o intradiscurso trata da materialidade (fala), a formulação do texto, o fio ou linearização do discurso. O interdiscurso corresponde à constituição dos sentidos e o intradiscurso à formulação, o que se diz em dado momento, em uma situação discursiva dada(1010. Tfouni LV. Interdito e silêncio: uma abordagem no quadrado das oposições. In: Tfouni LV, Monte-Serrat DM, Chiaretti P, organizadores. A análise do discurso e suas interfaces. São Carlos: Pedro e João; 2011. p. 187-200.).

Na passagem do objeto discursivo para o processo discursivo, analisa-se a relação entre as FD – delineadas por intermédio do jogo de sentidos dos processos de significação: sinonímicos, parafrásticos etc – com as formações ideológicas que regem esta relação, explicitando-se o modo de constituição dos efeitos de sentidos produzidos naquele material.

Logo, nesta etapa, embasados na discursividade dos enfermeiros, procura-se explicitar contradições, explorar o conceito de forma-sujeito, identificar silenciamentos, apagamentos, atos falhos, repetições, hesitações e analisar o enfraquecimento de discursos dissonantes e minoritários no universo discursivo dos gestores que atuam com TB em pessoas idosas.

Na última etapa da análise procura-se identificação das formações ideológicas (FI). Neste ponto, o analista deverá observar como os efeitos metafóricos – fenômeno semântico produzido por uma substituição contextual, o modo de articulação entre acontecimento e estrutura – possibilitam a assimilação dos deslizamentos de sentido, observando-se os efeitos da língua na ideologia e a materialização desta na língua, constatando-se a historicidade do texto(77. Orlandi EP. Análise de discurso: princípios e procedimentos. 10. ed. Campinas: Pontes; 2012.).

Sendo assim, o analista investigará a posição dos sujeitos com relação, principalmente, a concepção de saúde ao qual se filia – modelo biomédico, determinação social da saúde, entre outros – ao modelo assistencial do município em que atua, de modo a identificar posições que favoreçam a continuidade do modelo biomédico ou de posturas que demonstrem indícios de rupturas.

Por conseguinte, neste processo de análise do corpus discursivo identificou-se o bloco discursivo: Condicionantes que (des)favorecem o controle da TB em pessoas idosas. Os fragmentos discursivos serão apresentados em Sequências Discursivas de Referência (SDR), recortes da textualização dos onze sujeitos que remetem às FD e FI identificadas durante a análise do corpus discursivo.

Este estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisas do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Paraíba (CEP/CCS-UFPB), atendendo aos aspectos éticos da pesquisa, norteados pela Resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), sobre pesquisa envolvendo seres humanos, respeitando seus itens e cumprindo todos os deveres para a manutenção da privacidade e dignidade das pessoas envolvidas. Sua aprovação se deu em 22 de outubro de 2013, sob número de protocolo 0461 e CAAE nº 15845613.1.00000.5188.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Norteada pelo questionamento O que explicita o discurso dos gestores enquanto perspectiva de melhorias no controle da TB em idosos?, essa seção condensa a FD evidenciada por meio da materialidade discursiva dos sujeitos referente aos condicionantes que (des)favorecem o controle da TB em pessoas idosas, conforme as SDR abaixo:

SDR nº 1: De acordo com a necessidade que a gente identifique, se o número de casos está aumentando, se acho que as coisas não estão sendo eficazes, aí então a gente faz (qualificações). (E7)

SDR nº 2: Tem, mas dizer a você que ela é linear é mentira, mas tem. [...]. Então a gente tenta promover as ações de acordo com a realidade epidemiológica, porque não adianta você trazer aqui, você traz, mas não com a mesma intensidade. (E10)

Na SDR nº1 percebe-se uma contradição com relação as qualificações serem feitas apenas “se o número de casos está aumentando”, ou “se as coisas não estão sendo eficazes”, e a proposta do Plano Municipal de Saúde (PMS) e do MS no que diz respeito a EPS. Percebe-se claramente um apagamento de sentidos destes enfermeiros gestores sobre a importância da EPS no efetivo controle da TB.

Este apagamento, na AD, está relacionado ao esquecimento no discurso, neste caso um esquecimento enunciativo(1111. Pêcheux M. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Campinas: Unicamp; 1988.), de caráter semiconsciente, em que o sujeito privilegia algumas formas e “apaga” outras, selecionando determinados dizeres em detrimento de outros. Logo, o sujeito assume a posição de que não é preciso processos de qualificação contínuo, reproduzindo um discurso pautado na educação continuada, cujo objetivo é capacitar os profissionais vislumbrando apenas o aprimoramento da execução do trabalho, contrariando o que é preconizado pelo MS e o PMS.

Em contrapartida, a EPS(1212. Ministério da Saúde (BR). Portaria nº 278, de 27 de fevereiro de 2014. Institui diretrizes para implementação da Política de Educação Permanente em Saúde no âmbito do Ministério da Saúde. Diário Oficial da União. 2014 fev 27;(Seção 1):59-60.) pressupõe o processo contínuo de aprendizado no trabalho pela incorporação do apreender e do instruir à rotina das organizações e ao trabalho, visando ampliar a resolutividade dos serviços a partir das necessidades individuais e coletivas, da gestão e da participação social.

Identifica-se também o deslizamento dos sujeitos para um discurso que supervaloriza a quantificação dos casos como orientador das ações de controle da TB, reproduzindo, dessa maneira, um discurso pautado na epidemiologia positivista. A valorização da epidemiologia positivista como fundamentadora das ações em saúde pressupõe a filiação desse sujeito à Saúde Pública institucionalizada no Brasil durante o século XX, contrapondo-se a lógica da organização dos serviços na APS(1313. Ayres JRCM. Risco, vulnerabilidade e práticas de prevenção e promoção da saúde. In: Campos GWS, Bonfim JRA, Minayo MCS, Akerman M, Drumond Junior M, Carvalho YM, editores. Tratado de saúde coletiva. 2. ed. São Paulo: Hucitec; 2014. p. 399-442.).

A lógica da organização dos serviços na APS, por meio da ESF tem como base a Vigilância em Saúde, o conhecimento do território e do perfil epidemiológico local – distribuição de frequência das doenças e agravos à saúde coletiva – para o planejamento, execução e avaliação das ações em saúde, buscando o envolvimento da população e considerando os determinantes clínico-epidemiológicos, no âmbito individual e coletivo, e os sociais(1414. Hino P, Santos CB, Villa TCS, Bertolozzi MR, Takahashi RF. O controle da tuberculose na perspectiva da vigilância da saúde. Esc Anna Nery. 2011 [citado 2015 jul 15];15(2):417-21. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ean/v15n2/v15n2a27.pdf.
http://www.scielo.br/pdf/ean/v15n2/v15n2...
).

Dessa maneira, entende-se que a incidência, tendência e prevalência da TB no território são dados importantes para a organização da atenção a TB neste. Contudo, as ações em saúde, com base na Vigilância em Saúde, alteram o foco da atenção para a incorporação de ações intersetoriais, participação da comunidade e atuação no território. Tal fato gera perspectivas de ampliação do acesso aos serviços de saúde e ao diagnóstico e tratamento dos usuários idosos com TB(1313. Ayres JRCM. Risco, vulnerabilidade e práticas de prevenção e promoção da saúde. In: Campos GWS, Bonfim JRA, Minayo MCS, Akerman M, Drumond Junior M, Carvalho YM, editores. Tratado de saúde coletiva. 2. ed. São Paulo: Hucitec; 2014. p. 399-442.).

Na SDR nº 03 percebe-se que o enfermeiro gestor aponta ações de qualificação como um processo importante na implementação do controle da doença e que nesse momento é pontuado a questão da TB em idosos. Reconhe-se também a importância de falar sobre a TB em idosos, uma vez que, a incidência da doença nessa população vem aumentando.

SDR nº 03:A gente pretende direcionar algumas oficinas específicas para os ACS [...]vou pontuar a questão da tuberculose em idosos, que merece destaque por estar aumentando a incidência nesse grupo etário. [...] a gente vai desenvolver para o próximo ano esse processo de qualificação de todos os profissionais de saúde nas ações de controle da tuberculose [...] Eu acho que se os profissionais tiverem essa sensibilização de que a tuberculose pode acometer o idoso eles poderiam incorporar dentro da investigação semanal deles, durante as atividades diárias da equipe. (E1)

Estudo realizado em um hospital público no Rio de Janeiro em relação ao tratamento de TB pulmonar concluiu os idosos apresentam maior toxicidade em relação ao tratamento o que contribui para elevada letalidade da doença, principalmente naqueles que coexistem outros agravos à saúde, a exemplo diabetes mellitus e as doenças pulmonares. Os autores acrescentam que não houve diferenciação na taxa de abandono de tratamento dos idosos quando comparados aos não idosos, o que sugere fragilidades no sistema para manutenção do controle da doença(44. Seo YK, Sang-Min L, Jae-Joon Y, Chul-Gyu Y, Young WK, Sung KH, et al. Treatment response and adverse reactions in older tuberculosis patients with immunocompromising comorbidities. Yonsei Med J. 2013 [cited 2015 Apr 18];54(5):1227-33. Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3743193/pdf/ymj-54-1227.pdf.
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles...
). Estes resultados são importantes para este estudo, uma vez que demonstram a gravidade da doença em pessoas idosas e a necessidade de ofertar serviços de saúde com potencial de diagnóstico, tratamento e acompanhamento adequados para este tipo de agravo.

Outro estudo realizado a partir do discurso dos idosos com diagnóstico de TB evidenciou a desresponsabilização dos profissionais de saúde na suspeição e diagnóstico da TB nos serviços de saúde o que apontou o desconhecimento dos profissionais sobre a problemática da TB em idosos e, consequentemente, das ações de controle do agravo(1515. Oliveira AAV, Sá LD, Nogueira JA, Andrade SLE, Palha PF, Villa TCS. Diagnóstico da tuberculose em pessoas idosas: barreiras de acesso relacionadas aos serviços de saúde. Rev Esc Enferm USP. 2013 [citado 2014 jul 14];47(1):145-51. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0080-62342013000100018&lng=en&nrm=iso.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
).

Esses resultados confirmam o sentido dado pelo enfermeiro gestor para as ações de controle da TB em idosos, quando o mesmo (E1) no seu dizer evidencia que nas ações de qualificação direcionadas aos profissionais de saúde o tema TB em idosos é colocado em segundo plano. Há indícios de que, embora se reconheça a importância da qualificação direcionada aos profissionais que atuam na APS e que o aumento de incidência do agravo na população idosa é preocupante, o processo de qualificação não ocorre.

Corroborando com este resultado, outra pesquisa realizada com profissionais de saúde da APS, no mesmo município, também revelou a falta de qualificação como uma barreira que dificulta a atenção adequada para as ações de controle da TB em idosos(22. Sá LD, Gomes ALC, Carmo JB, Souza KMJ, Palha PF, Alves RA, et al. Educação em saúde no controle da tuberculose: perspectiva de profissionais da Estratégia Saúde da Família. Rev Eletron Enferm. 2013 [citado 2014 out 14];15(1):103-11. Disponível em: http://dx.doi.org/10.5216/ree.v15i1.15246.
http://dx.doi.org/10.5216/ree.v15i1.1524...
).

O Programa Nacional de Controle da Tuberculose (PNCT) afirma que é de responsabilidade da gestão desenvolver ações de qualificação de profissionais de saúde para as ações de controle da TB(1616. Ministério da Saúde (BR), Secretária de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância Epidemiológica. Manual de recomendações para o controle da tuberculose no Brasil. Brasília: Ministério da Saúde; 2011.). Há necessidade da gestão municipal e do MS estimular e viabilizar processos de qualificação que potencializem a troca de saberes permeadas pela interdisciplinaridade e que contribuam para mudança das práticas de saúde voltadas para as ações de controle da doença(1717. Sá LD, Barrêto AJR, Nogueira JA, Cunha FTS, Palha PF, Villa TCS. A discursividade de gestores sobre aspectos relacionados ao retardo do diagnóstico de tuberculose. Rev Esc Enferm USP. 2013 [citado 2014 set 13];47(5):1165-71. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v47n5/pt_0080-6234-reeusp-47-05-1165.pdf.
http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v47n5/pt...
).

Na SDR nº 04 e 05 os enfermeiros gestores afirmam a realização de qualificações com o objetivo de potencializar as ações de controle da TB nas pessoas idosas. Coloca como desafio a necessidade do profissional de saúde ter um olhar diferenciado para as pessoas idosas a fim de detectar precocemente casos suspeitos de TB.

SDR nº 04:O que a gente enfatiza hoje, nos treinamentos, é um olhar mais apurado para os idosos, e dessa informação chegar mais nos grupos de idosos, mais nos cuidadores dos idosos. [...]a gente tem uma investigação clínica para o adulto, para a criança, para o idoso, que segue um padrão, mas o que a gente precisa estar mais atento hoje é justamente nisso, é despertar mais o olhar do profissional para a investigação nos idosos. (E2)

SDR nº 05: […] quando a gente faz treinamento com profissionais de saúde […] a gente fala que crianças e idosos, são pessoas, são faixas etárias que requerem um pouco mais de cuidado, de um olhar diferenciado, por ser uma clientela que apresenta sinais e sintomas não tão específicos da doença como os adultos apresentam [...] a gente faz essa ressalva. (E5)

Na AD as marcas textuais são as entradas no discurso pela língua. É necessário buscar os textos que ficaram de fora e o que os textos ausentes significam. Nesse entendimento, as marcas textuais: O quea genteenfatiza hoje,nos treinamentos (E2); quandoa gente faz treinamento [...]. Então toda a vez quea gente faz um treinamento (E5), revelam um discurso permeado por práticas de educação em saúde fundamentadas na transmissão de conhecimento. É importante ressaltar que o a gente se refere a enfermeiros que estão em cargos de gestão na Secretaria Municipal de Saúde, ou seja, o eixo central da gestão.

A gestão do município de estudo representa os ideais de uma política de esquerda que se concretiza nos diversos campos de atuação municipal. Na saúde, por meio do PMS, o eixo norteador da política é a produção de um cuidado integral e humanizado no reconhecimento da saúde como direito social e dever do Estado. Acrescenta que para alcançar tais propósitos utilizar-se-á de ideias forças, a exemplo da EPS.

Desde meados da década 2000 a EPS configura a política de qualificação de trabalhadores na área da saúde, por meio da Portaria GM/MS nº 198/2004, atualizada pela Portaria GM/MS nº 278/2014. A EPS é uma proposta pedagógica que visa à transformação das práticas de trabalho e reorganização do processo de trabalho mediante problematização da realidade vivenciada, a qual utiliza como estratégia de ensino a aprendizagem significativa(1212. Ministério da Saúde (BR). Portaria nº 278, de 27 de fevereiro de 2014. Institui diretrizes para implementação da Política de Educação Permanente em Saúde no âmbito do Ministério da Saúde. Diário Oficial da União. 2014 fev 27;(Seção 1):59-60.).

Dando prosseguimento a análise e considerando os processos discursivos, os enfermeiros gestores indicam uma prática educativa baseada na transmissão vertical de conhecimentos. Essa lógica de operacionalização potencializa a reprodução de práticas de saúde baseadas no repasse de informações e na ênfase do saber técnico(22. Sá LD, Gomes ALC, Carmo JB, Souza KMJ, Palha PF, Alves RA, et al. Educação em saúde no controle da tuberculose: perspectiva de profissionais da Estratégia Saúde da Família. Rev Eletron Enferm. 2013 [citado 2014 out 14];15(1):103-11. Disponível em: http://dx.doi.org/10.5216/ree.v15i1.15246.
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) o que não contribui para reflexão dos profissionais de saúde acerca do prisma que envolve as ações de controle da TB nas pessoas idosas.

Diante disso, fundamentados no pensamento althusseriano(88. Althusser L. Ideologia e aparelhos ideológicos do estado. 3. ed. Lisboa: Presença; 1980.) sobre a ideologia, podemos inferir que, ideologicamente, estes sujeitos se posicionam de modo contrário ao modelo de saúde compatível com a lógica de trabalho do SUS e do PMS – fundamentado no cuidado integral e humanizado reconhecendo a saúde como direito de cidadania – uma vez que, segundo esse pensamento, os sujeitos materializam sua filiação ideológica na prática.

Dessa maneira, subentende-se que os gestores, por intermédio do mecanismo da antecipação – em que todo sujeito tem a capacidade de posicionar-se no lugar do seu interlocutor, regulando a argumentação segundo o efeito que acredita produzir no seu ouvinte – e da relação de forças – em que o valor da posição que o sujeito ocupa é determinante na comunicação – culminando com a formação imaginária, a projeção feita sobre os sujeitos, que os gestores, em seus discursos, intentaram, inconscientemente, expressar o efeito sentido supostamente esperado, devida a sua posição de gestor do PMCT.

Ainda fundamentados nessa teoria, podemos inferir que um determinante crucial na lógica de trabalho dos profissionais de saúde é o processo de formação destes, norteado pela escola, esta concebida como AIE.

Sobre o AIE escolar o autor pontua(8:60) [...] “pensamos que o Aparelho Ideológico de Estado que foi colocado em posição dominante nas formações capitalistas maduras, após uma violenta luta de classes política e ideológica contra o antigo Aparelho Ideológico de Estado dominante, é o Aparelho Ideológico de Estado escolar”.

Correlacionando-se o estudo à assertiva althusseriana de que a escola desempenha papel determinante na reprodução das relações de produção, por meio do ensino dos saberes práticos envolvidos na intensa imposição da ideologia da classe dominante, percebemos a correspondência desta à perpetuação do modelo biomédico nas matrizes curriculares das instituições formadoras de profissinais de saúde.

Tal fato foi evidenciado em outro estudo(1818. Barrêto AJR, Evagelista ALF, Sá LD, Almeida SA, Nogueira JA, Lopes AMC. Gestão do cuidado à tuberculose: da formação à prática do enfermeiro. Rev Bras Enferm. 2013 [citado 2015 mai 16];66(6):847-53. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/reben/v66n6/06.pdf.
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), mostrando-se a necessidade de adequação das matrizes curriculares destas instituições aos princípios do SUS e às concepções da APS, e consequente ruptura com o modelo tradicional de ensino, fundamentado no modelo biomédico.

Essa realidade, para o curso de Enfermagem, vem sendo implementada desde 2001, por meio da Resolução nº 3 do Conselho Nacional de Educação, que institui as diretrizes curriculares do curso de enfermagem, orientando a formação do enfermeiro com vistas a atuação em consonância com os princípios e diretrizes do SUS. Para os enfermeiros formados com diretrizes curriculares anteriores, no contexto da TB, acredita-se que a EPS, inserida nos processos de qualificação desses profissionais, constitui-se em uma ferramenta potencializadora no que se refere à incorporação das ações de controle, implicando na adequação da lógica de trabalho desses profissionais(22. Sá LD, Gomes ALC, Carmo JB, Souza KMJ, Palha PF, Alves RA, et al. Educação em saúde no controle da tuberculose: perspectiva de profissionais da Estratégia Saúde da Família. Rev Eletron Enferm. 2013 [citado 2014 out 14];15(1):103-11. Disponível em: http://dx.doi.org/10.5216/ree.v15i1.15246.
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).

A análise da SDR nº 06 evidencia que o sujeito relaciona melhorias nas ações de controle da TB em idosos à realização de qualificações direcionadas aos Agentes Comunitários de Saúde (ACS).

SDR nº 06: Então fortalecer o ACS com educação permanente em saúde, não só as promovidas por nós da gestão, mas com o próprio matriciamento nas reuniões de equipe, vai possibilitar esse olhar para prever o idoso portador de TB e consequentemente diagnosticar. (E10)

O enfermeiro gestor E10 no seu dizer reconhece que o processo da qualificação não deve ser apenas de responsabilidade da gestão, mas também do matriciamento realizado em reuniões de equipe.

Há indícios no dizer do enfermeiro gestor E10 que aponta ruptura com processos parafrásticos que sedimentam um dizer calcado em práticas pedagógicas tradicionais na forma de transmissão de conhecimento. Em seu enunciado o sentido se movimenta para a realização de processos de qualificação realizados na equipe a partir das necessidades de saúde local verificadas nas marcas textuais educação permanente em saúde e matriciamento.

Na AD o funcionamento da linguagem e a produção de sentido se fundamentam na tensão entre os processos parafrásticos e os polissêmicos. Os processos parafrásticos são aqueles pelos quais em todo dizer há sempre algo que se mantém, isto é, o dizível. Ao passo que, na polissemia, o que temos é deslocamento, ruptura de processos de significação(77. Orlandi EP. Análise de discurso: princípios e procedimentos. 10. ed. Campinas: Pontes; 2012.).

Conforme já mencionado a EPS é um processo pedagógico baseado na problematização da realidade local e na aprendizagem significativa, ao qual participam os diversos atores sociais que vivenciam no cotidiano do trabalho as barreiras que dificultam a qualidade da atenção e do cuidado à saúde da população.

O matriciamento é uma metodologia de trabalho que busca oferecer apoio pedagógico a equipe de saúde com foco na construção compartilhada de diretrizes clínicas e sanitárias entre os componentes que atuam no serviço de saúde com o objetivo de ampliar a capacidade de resolução da equipe diante das necessidades de saúde no cenário local(1919. Cunha GT, Campos GWS. Apoio matricial e atenção primária em saúde. Saúde Soc. 2011 [citado 2015 jun 25];20(4):961-70. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/sausoc/v20n4/13.pdf.
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).

Há no campo da saúde práticas de qualificação sedimentada na escola tradicional como já discutido. Nessa perspectiva, a EPS e o matriciamento configuram-se como mecanismos que visam romper com estruturas de poder excessivamente assimétricas(1919. Cunha GT, Campos GWS. Apoio matricial e atenção primária em saúde. Saúde Soc. 2011 [citado 2015 jun 25];20(4):961-70. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/sausoc/v20n4/13.pdf.
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) calcadas na sujeição à ideologia dominante do Estado(88. Althusser L. Ideologia e aparelhos ideológicos do estado. 3. ed. Lisboa: Presença; 1980.).

Em estudo realizado sobre Método de Cogestão de Coletivos sugere a democratização do poder nas instituições. Reafirma que um modelo de gestão baseado nos moldes tayloristas produz “sistemas de direção que se alicerçam no aprisionamento da vontade e na expropriação das possibilidades de governar da maioria” o que remete a hierarquização, centralização do poder e domínio das pessoas(2020. Campos WSC. Um método para análise e cogestão de coletivos. São Paulo: Hucitec; 2000.).

Assim, o discurso do enfermeiro gestor E10 na tensão entre os processos parafrásticos e os polissêmicos aponta ruptura com AIE – escolar e político – que materializam ideais dominantes que tendem favorecer a manutenção do poder.

Discursos que apontam modelo de gestão compartilhada, conforme discurso do enfermeiro gestor E10, possibilitam a construção de espaços dialógicos imbricados no reconhecimento da saúde enquanto direito de cidadania. Dessa forma, ao pensar a gestão do cuidado da TB direcionadas as pessoas idosas se faz necessário à inclusão desse entendimento por parte dos enfermeiros gestores em todos os níveis adminisrativos, a fim de favorecer a detecção precoce de casos e, consequentemente, a produção de um cuidado integral e humanizado as pessoas idosas em todo sistema de saúde local, conforme idealiza o PMS.

CONCLUSÃO

A análise da discursividade dos sujeitos gestores evidenciou que o processo de qualificação dos profissionais de saúde é considerado um condicionante importante para o efetivo controle do agravo na população idosa. Entretanto, os discursos dos enfermeiros gestores, evidenciaram a manutenção de práticas educativas tradicionais no processo de ensino e aprendizagem e que a TB em pessoas idosas não é percebida como prioritária.

Destaca-se também indícios de rupturas de discursos hegemônicos para inserção de espaços mais democráticos e de aprendizagem significativa no campo da gestão municipal. Nesse sentido, evidenciou-se que a gestão do cuidado da tuberculose neste município é desenvolvida por sujeitos filiados ideologicamente ao modelo hegemônico de gestão, divergente do modelo da ESF que é pautado na gestão compartilhada.

Por fim, destacam-se as contribuições deste estudo para o ensino, gestão em saúde e assistência, tendo em vista a possibilidade de ampliar as discussões relacionadas à atenção a idosos com TB e à gestão do cuidado deste, preconizando o modelo da ESF.

Para os profissionais da assistência e gestão é necessário, portanto, a qualificação, por meio da EPS, visando a inserção desse entendimento, em todos os níveis administrativos e assistenciais, para que o cuidado ao idoso doente de TB possa ser prestado na perspectiva da integralidade e humanização, potencializando o acesso dessa população, favorecendo o diagnóstico e tratamento precoce, minimizando complicações e óbitos decorrentes da TB, em conformidade às idealizações do PMS e do PNCT.

Destaca-se como principal limitação deste estudo, a inclusão apenas de enfermeiros que atuavam na gestão municipal central, fato que pode limitar a compreensão do tema estudado e não permitir explorar os sentidos e significados atribuídos pelos demais profissionais que integram a gestão do PMCT. Portanto, sugere-se que outros estudos sejam realizados sobre a temática considerando os trabalhadores de saúde da ESF que desenvolvem o cuidado direto à população adstrita e, também com os apoiadores matriciais, uma vez que fazem parte da equipe gestora. Além disso, aponta a necessidade investigar os outros municípios prioritários do estado da Paraíba a fim de identificar se os preceitos ideológicos que regem o controle da TB em pessoas idosas estão consoantes com os ideários do Sistema Único de Saúde.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2016

Histórico

  • Recebido
    26 Jul 2015
  • Aceito
    27 Set 2016
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