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Comparação da qualidade de vida entre pacientes em lista de espera e pacientes submetidos a transplante cardíaco

Comparación de la calidad de vida entre pacientes en lista de espera y pacientes sometidos a trasplante cardíaco

RESUMO

Objetivos

Comparar a qualidade de vida (QV) entre pacientes em lista de espera e pacientes submetidos a transplante cardíaco.

Métodos

Estudo transversal conduzido com 56 pacientes adultos em duas instituições de referência no sul do Brasil, 9(16%) em lista de espera e 47(84%) transplantados. A coleta de dados ocorreu entre agosto e dezembro de 2012. Utilizou-se o Medical Outcomes Study 36-item Short-Form Health Survey (SF-36), com escores variando de zero a 100.

Resultados

Houve diferença estatística no escore geral da QV entre os grupos (p=0,010) e em quatro domínios. A média das ordenações (mean rank) foi igual a 16,9 nos pacientes em lista de espera e 30,7 nos pacientes transplantados. Pacientes em lista de espera tiveram o menor escore no estado geral de saúde (9,1) e maior escore nos aspectos emocionais (24,8); pacientes transplantados apresentaram maior pontuação no estado geral de saúde e pior pontuação na dor (29,1).

Conclusões

A realização de transplante impacta positivamente na QV dos pacientes, quando comparada à CV daqueles em lista de espera.

Transplante de coração; Qualidade de vida; Equipe de assistência ao paciente

RESUMEN

Objetivo

Comparar la calidad de vida (CV) entre pacientes en lista de espera y pacientes sometidos a trasplante cardíaco.

Método

Estudio transversal, realizado con 56 pacientes adultos en las dos instituciones más importantes en el sur de Brasil, 9(16%) en lista de espera y 47(84%) sometidos a trasplante de corazón. Los datos fueron recogidos entre agosto y diciembre de 2012. Se utilizó el Medical Outcomes Study 36-item Short-Form Health Survey (SF-36), con puntuaciones que van de cero a 100.

Resultados

Hubo diferencia estadísticamente significativa en la puntuación global de QV entre los grupos (p=0.010) y en cuatro dominios. El promedio de las ordenaciones (mean rank) fue igual a 16,9 en pacientes en lista de espera y 30,7 en pacientes con trasplante. Los pacientes en lista de espera tuvieron la puntuación más baja en la salud general (9.1) y la puntuación más alta en los aspectos emocionales (24.8); pacientes con trasplante mostraron puntuaciones más altas en el estado general de salud y la peor puntuación en el dolor (29.1).

Conclusión

El trasplante cardíaco provoca impacto importante en el aumento de la QV en comparación con pacientes en lista de espera.

Trasplante de corazón; Calidad de vida; Grupo de atención al paciente

ABSTRACT

Objectives

To compare the quality of life (QOL) between wait-listed patients and heart transplant recipients.

Methods

Cross-sectional study of 56 adult patients at two institutions in Southern Brazil, 9(16%) wait-listed patients and 47(84%) transplant recipients. Data were collected from August to December 2012. QOL was assessed using the Medical Outcomes Study 36-Item Short-Form Health Survey (SF-36), with scores ranging from zero to 100.

Results

There was statistically significant difference between the two groups in the overall QOL score (p=0.010) and in four dimensions. The mean rank was 16.9 in wait-listed patients and 30.7 in transplant recipients. Wait-listed patients presented the lowest for general health (9.1) and the highest scores for role-emotional (24.8). Transplant recipients obtained the highest scores for general health (32.2) and the lowest scores for bodily pain (29.1).

Conclusions

Undergoing a transplant has a positive impact on the QOL of recipients compared to that of patients awaiting transplantation.

Heart transplantation; Quality of life; Patient care team

INTRODUÇÃO

O transplante cardíaco é a melhor modalidade de tratamento cirúrgico para pacientes com insuficiência cardíaca (IC) refratária, embora exista grande melhora na expectativa de vida com o tratamento clínico. Denomina-se IC refratária quando o paciente apresenta sintomas graves, está limitado em suas atividades diárias e com terapias e procedimentos que não conseguem mais prolongar a sua vida, condições que representam pior prognóstico(11. Bacal F, Souza-Neto JD, Fiorelli AI, Mejia J, Marcondes-Braga FG, Mangini S, et al. II Diretriz Brasileira de Transplante Cardíaco. Arq Bras Cardiol. 2009;94(1 supl.1):e16-e73.).

No cenário de transplantes, o Brasil tem guiado condutas que são incorporadas principalmente na América Latina e no mundo todo, o que coloca o país em destaque e como referência no transplante cardíaco. No entanto, os pacientes listados para transplante cardíaco pode permanecer por um período prolongado em lista de espera, o que pode resultar na mortalidade que poderia ser evitada pelo transplante(11. Bacal F, Souza-Neto JD, Fiorelli AI, Mejia J, Marcondes-Braga FG, Mangini S, et al. II Diretriz Brasileira de Transplante Cardíaco. Arq Bras Cardiol. 2009;94(1 supl.1):e16-e73.) e na piora progressiva na qualidade de vida (QV).

A QV é uma preocupação de profissionais da saúde, principalmente para aqueles que assistem pacientes crônicos com doenças limitantes, como o caso da IC. A QV pode ser definida como a percepção do indivíduo de sua posição na vida no contexto da cultura e sistema de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações(22. WHOQOL Group. Development of the WHOQOL: Rationale and current status. Int J Mental Health 1994; 23: 24-56.).

Em relação à QV de pacientes com IC em lista de transplante, sabe-se que há deterioração clínica importante, traduzida em dificuldade constante para realizar as atividades diárias e aumento de ansiedade e depressão(33. Aguiar MIF, Farias DR, Pinheiro ML, Chaves ES, Rolim ILTP, Almeida PF, et al. Quality of Life of Patients that Had a Heart Transplant: Application of Whoqol-Bref Scale. Arq Bras Cardiol. 2011;96(1):60-7.). No entanto, após o transplante, os pacientes tem apresentado maior satisfação com a QV e melhores condições psicossociais, com baixo índice de depressão e sentimentos negativos, principalmente em pessoas com 65 anos ou mais, o que reforça o benefício do procedimento para a população idosa(44. Shamaskin AM, Rybarczyk BD, Wang E, White-Williams C, McGee E Jr, Cotts W, et al. Older patients (age 65+) report better quality of life, psychological adjustment, and adherence than younger patients 5 years after heart transplant: A multisite study. J Heart Lung Transplant. 2012 May;31(5):478-84.). Em pacientes mais jovens, a sobrevida após o transplante pode chegar até 20 anos ou mais o que confirma o procedimento como o tratamento padrão ouro para a IC em estágio final(55. Biefer HRC, Sündermann SH, Emmert MY, Enseleit F, Seifert B, Ruschitzka F, et al. Surviving 20 years after heart transplantation: a success story. Ann Thorac Surg. 2014 Feb;97(2):499-504.).

Dentre os diversos instrumentos validados e utilizados para a avaliação da QV relacionada à saúde, o Medical Outcomes Study 36-item Short-Form Health Survey (SF-36) pode ser utilizado na população cardíaca, visto que é composto por questões que avaliam a percepção de saúde através do ponto de vista do paciente(66. Ciconelli RM, Ferraz MB, Santos W, Meinão I, Quaresma MR. Tradução para o português e validação do questionário genérico de avaliação de qualidade de vida SF-36 (Brasil SF-36). Rev Bras Reumatol. 1999;39(3):143-150.). No Rio Grande do Sul, estado que vem ganhando destaque devido ao aumento das taxas de doação de órgãos, estão localizadas três das 19 equipes de transplante cardíaco do Brasil. No entanto, nenhum estudo até hoje foi realizado para comparar a QV dos pacientes em lista para transplante cardíaco e submetidos ao procedimento nas instituições neste estado. De forma semelhante, este tema é pouco estudado em outras regiões do Brasil a partir do SF-36.

Diante do exposto, e por considerar que a avaliação da QV de pacientes em lista de transplante e após a realização da cirurgia é um importante preditor de resultados terapêuticos em diferentes condições clínicas, torna-se relevante estudar este tema. Visando contribuir com dados de dois centros de referência no estado em realização de transplante cardíaco, este estudo foi delineado para comparar a QV entre pacientes em lista de espera e pacientes submetidos a transplante cardíaco.

Este estudo irá fornecer aos profissionais da saúde dados sobre as alterações físicas e mentais vivenciadas pelos pacientes no momento em que está em lista aguardando um novo coração e após a realização do procedimento. O conhecimento destes parâmetros poderá auxiliar as equipes no entendimento, seguimento e acompanhamento das dificuldades levantadas, propondo alternativas para alcançar melhores resultados.

MÉTODOS

Estudo quantitativo com delineamento transversal, realizado com pacientes adultos em lista de espera e com aqueles já submetidos a transplante cardíaco em duas instituições do sul do Brasil que realizam o procedimento: Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) e Instituto de Cardiologia - Fundação Universitária de cardiologia (IC-FUC). Essas duas instituições estão localizadas em Porto Alegre, cidade e capital do Rio Grande do Sul, no extremo sul do Brasil.

Todos os pacientes em lista de espera e que realizaram transplante cardíaco, e em acompanhamento atual nas duas instituições foram convidados a participar do estudo, independente do tempo de espera e do tempo de transplante. No HCPA, havia quatro pacientes em lista de espera e 10 pacientes transplantados. No IC-FUC, havia seis pacientes em lista e 49 transplantados, totalizando 10 pacientes em lista e 59 transplantados. Dessa maneira, como o número de pacientes foi considerado pequeno e o estudo pretendia incluir todos, não foi realizado cálculo amostral.

Foram incluídos pacientes com idade maior ou igual ou 18 anos, em lista de espera para transplante cardíaco, pacientes já transplantados e que estivessem em acompanhamento clínicos em uma das duas instituições em estudo. Pacientes com comorbidades renal/hepática/pulmonar ou sistêmica que pudessem confundir a interpretação dos achados ou resultar em limitada expectativa de vida foram excluídos do estudo.

Os participantes elegíveis para o estudo foram abordados para a coleta de dados durante as consultas ambulatoriais e reuniões mensais ocorrentes nas instituições. As coletas foram efetuadas entre agosto e dezembro de 2012. Previamente, foram esclarecidos os objetivos do estudo, a garantia de sigilo de suas respostas e foi solicitado o preenchimento do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Para os pacientes que consentiram a participação no projeto foi aplicado primeiro o instrumento de dados clínicos e demográficos e após o instrumento SF-36. O tempo de entrevista foi de 20 minutos.

Dois instrumentos foram utilizados, um instrumento para caracterizar a população, o qual se constituiu de variáveis sócio demográficas (sexo, idade, raça, situação socioeconômica, nível escolar) e clínicas (tempo de IC e etiologia, comorbidades, tratamento farmacológico, tempo de transplante e tempo de lista).

O segundo instrumento foi o SF-36, validado no Brasil(66. Ciconelli RM, Ferraz MB, Santos W, Meinão I, Quaresma MR. Tradução para o português e validação do questionário genérico de avaliação de qualidade de vida SF-36 (Brasil SF-36). Rev Bras Reumatol. 1999;39(3):143-150.), utilizado para avaliar a QV do ponto de vista do próprio paciente, é constituído 36 itens divididos em oito domínios: capacidade funcional (10 itens), aspectos físicos (quatro itens), dor (dois itens), estado geral de saúde (cinco itens), vitalidade (quatro itens), aspectos emocionais (três itens), saúde mental (cinco itens), aspectos sociais (dois itens) e uma questão comparando a percepção atual da saúde e há um ano. A pontuação varia de zero a 100, onde zero = pior e 100 = melhor para cada domínio. É chamado de raw scale porque o valor final não apresenta nenhuma unidade de medida.

O projeto seguiu a Resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde e foi aprovado pelos comitês do HCPA (nº 66849) e IC-FUC (nº 60497). Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em duas vias.

Variáveis contínuas foram descritas como média e desvio padrão ou mediana e intervalo interquartil, e variáveis categóricas foram expressas como frequência absolutas e relativas. A comparação do escore de QV entre os pacientes em lista de transplante e transplantados foi utilizado o teste não paramétrico de Mann-Whitney. Um p < 0,05 foi considerado estatisticamente significativo.

RESULTADOS

Foram previamente identificados para este estudo 69 pacientes, 10 em lista de espera e 59 submetidos a transplante cardíaco nas duas instituições participantes. Dentre os transplantados, dois pacientes foram excluídos por apresentarem insuficiência renal crônica, um não aceitou participar, e nove pacientes não tiveram condições de comparecer, pois moravam no interior do estado. Durante a coleta de dados, um paciente foi removido da lista e realizou o procedimento, como estava sem condições de responder ao questionário também foi excluído. Portanto, 56 pacientes foram incluídos na amostra total, sendo 9 (16.0%) em lista de espera para transplante e 47 (84.0%) transplantados. O paciente com o menor tempo de transplante tinha dois meses de cirurgia e o paciente com o menor tempo de espera estava há um mês em lista.

A idade média foi de 55±11 anos, com sexo masculino predominante, 43 (76.8%) dos pacientes. A etiologia da IC mais prevalente foi a isquêmica, presente em 28 (50.0%) pacientes, seguida da valvar, presente em 12 (21.4%) da amostra. Vinte e três pacientes necessitaram reinternação hospitalar no último ano devido a diferentes causas: 13 (23.2%) das internações foram para realizar exames de rotina, 6 (10.7%) para realizar procedimentos cirúrgicos variados e 6 (10.7%) por problemas cardiovasculares.

Dezoito pacientes (32.1%) já haviam realizado cirurgia de revascularização do miocárdio e 19 (34.0%), intervenção coronariana percutânea. Em relação às comorbidades, 43 (76.8%) eram hipertensos, 31 (55.4%) dislipidêmicos e 18 (32.0%) diabéticos. Trinta e quatro pacientes (60.7%) eram fumantes em abstinência e 23 (41.0%) afirmaram realizar atividade física regularmente. Essas e as demais características estão descritas na Tabela 1.

Tabela 1
– Características sociodemográficas e clínicas da amostra, Porto Alegre/RS, Brasil 2012

Em relação ao escore geral de QV, a média das ordenações (mean rank) foi igual a 16.9 nos pacientes em lista de espera e a 30.7 nos pacientes transplantados, com diferença estatisticamente significativa entre os dois grupos (p=0,010). A mediana do valor geral de QV nos pacientes em lista foi igual a 34(10-48), enquanto nos pacientes transplantados, esse valor foi igual a 48(48-68), conforme ilustra a Figura 1.

Figura 1
Boxplot comparativo dos valores de qualidade de vida entre os dois grupos. Porto Alegre/RS, Brasil, 2012

Quando comparados os escores de QV entre os dois grupos de pacientes, pode-se observar que, embora todos os oito domínios do SF-36 tenham apresentado escore maior no grupo que realizou o transplante cardíaco, quatro deles apresentaram diferença estatisticamente significativa: capacidade funcional, estado geral de saúde, vitalidade e aspectos sociais. Os demais domínios (aspectos físicos, dor, aspectos emocionais e saúde mental) não apresentaram diferença estatisticamente significativa. Pode-se observar que, nos pacientes em lista, a capacidade funcional e estado geral de saúde foram os domínios que os pacientes consideraram mais comprometidos (Tabela 2).

Tabela 2
– Comparação do escore de qualidade de vida estratificada por domínios. Porto Alegre/RS, Brasil, 2012

DISCUSSÃO

Esse estudo foi desenvolvido para comparar a QV entre pacientes em lista de espera e pacientes submetidos a transplante cardíaco. Os resultados identificaram melhor escore de QV nos pacientes transplantados, quando comparados com os pacientes em lista de transplante cardíaco. Analisando os domínios isoladamente, pôde-se observar que os itens relacionados à capacidade funcional, estado geral de saúde, vitalidade e aspectos sociais foram os que apresentaram diferença significativa entre os grupos. Os demais domínios (aspectos físicos, dor, aspectos emocionais e saúde mental) apresentaram escore maior no grupo de pacientes transplantados, porém sem diferença estatisticamente significativa.

No contexto de QV e IC, sabe-se que esse tipo de paciente geralmente sofre grandes alterações em seu padrão e rotina de vida, devido a sua incapacidade de executar determinadas tarefas cotidianas, decorrente dos sinais e sintomas da IC, como dispnéia aos esforços ou ao repouso, ortopnéia, fadiga e edema(77. Bocchi EA, Marcondes-Braga FG, Bacal F, Ferraz AS, Albuquerque D, Rodrigues D, et al. Sociedade Brasileira de Cardiologia. Atualização da Diretriz Brasileira de Insuficiência Cardíaca Crônica - 2012. Arq Bras Cardiol. 2012;98(1 supl. 1):1-33.). Também se sabe que entre esses pacientes, o número de readmissões hospitalares é alto. Em um estudo conduzido com 303 pacientes com IC, 69% da amostra estiveram hospitalizados com IC descompensada no último ano. Destes, 32% tiveram pelo menos três readmissões, e 13.5% estiveram hospitalizados pelo menos cinco vezes(88. Aliti GB, Linhares JCC, Linch GFC, Ruschel KB, Rabelo ER. Sinais e sintomas de pacientes com insuficiência cardíaca descompensada: inferência dos diagnósticos de enfermagem prioritários. Rev Gaúcha Enferm. 2011 set;32(3):590-5.).

Apesar dos avanços significativos nas modalidades de tratamento, o prognóstico dos pacientes com IC segue reservado(77. Bocchi EA, Marcondes-Braga FG, Bacal F, Ferraz AS, Albuquerque D, Rodrigues D, et al. Sociedade Brasileira de Cardiologia. Atualização da Diretriz Brasileira de Insuficiência Cardíaca Crônica - 2012. Arq Bras Cardiol. 2012;98(1 supl. 1):1-33.). Para os pacientes que estão refratários ao tratamento clinico, e que já possuem algum tipo de dispositivo implantado, como o ressincronizador, e ainda assim continuam com reinternações frequentes e classe funcional extremamente limitante o transplante cardíaco aparece como a única opção de tratamento. Contudo, apenas uma pequena parcela dos pacientes em lista consegue ser beneficiado com o transplante, pois o número de doadores ainda é limitado, além dos restritos critérios de seleção, que resultam na exclusão de muitos candidatos(99. Haeck MLA, Hoogslag GE, Rodrigo SF, Atsma DE, Klautz RJ, Wall EE van der, et al. Treatment options in end-stage heart failure: where to go from here? Neth Heart J. 2012;20:167-75.).

No presente estudo, a mediana de tempo em lista foi igual a seis meses, sendo que houve pacientes que esperaram até cinco anos por um coração. Nesse grupo de pacientes, a QV foi significativamente inferior quando comparada com o grupo dos pacientes pós-transplantados. No Brasil, um estudo publicado em 2009 procurou avaliar a QV de pacientes aguardando para transplante na cidade de São Paulo, e os resultados identificaram que 17% dos pacientes incluídos classificaram o seu estado de saúde como muito ruim, 44% relataram como ruim, e 39% achavam que seu estado de saúde era bom(1010. Helito RAB, Branco JNR, D’Innocenzo M, Machado RC, Buffolo E. Quality of life in heart transplant candidates. [Article in English, Portuguese] Rev Bras Cir Cardiovasc. 2009;24(1):50-7.).

Desde a sua primeira realização, em 1967, o transplante cardíaco vem se afirmando como tratamento de escolha para a IC refratária. O aprimoramento das técnicas cirúrgicas, o desenvolvimento de um sistema padronizado de biópsia miocárdica e o descoberto de medicamentos imunossupressores vem melhorando as perspectivas de vida dos pacientes submetidos ao transplante. Hoje, a mediana de tempo de vida após a realização do transplante aumentou 10 anos e hoje os pacientes vivem em média 20 anos com melhor QV(55. Biefer HRC, Sündermann SH, Emmert MY, Enseleit F, Seifert B, Ruschitzka F, et al. Surviving 20 years after heart transplantation: a success story. Ann Thorac Surg. 2014 Feb;97(2):499-504.,1111. Murphy L, Pinney SP. Clinical outcomes following heart transplantation. Mt Sinai J Med. 2012;79(3):317-29.). Esses dados estão de acordo com os resultados encontrados no presente estudo, onde a mediana de tempo de transplante foi igual a 10 anos de sobrevida, sendo que o paciente com mais tempo de transplante possuía 23 anos de cirurgia.

Na literatura internacional, os resultados são semelhantes. Em um estudo prospectivo recentemente publicado, dados de 133 pacientes transplantados há 20 anos ou mais foram avaliados. A idade média dos sobreviventes de 20 anos na época do transplante foi de 43 anos. As taxas de sobrevida no primeiro, segundo e vigésimo anos foram 82.7%, 63.9% e 55.6%, respectivamente(55. Biefer HRC, Sündermann SH, Emmert MY, Enseleit F, Seifert B, Ruschitzka F, et al. Surviving 20 years after heart transplantation: a success story. Ann Thorac Surg. 2014 Feb;97(2):499-504.).

Um estudo polonês recente encontrou resultados semelhantes para a QV. Nesse estudo, 63 pacientes transplantados responderam perguntas relacionadas a sua vida antes e depois do transplante. Os resultados demonstraram que a QV, em uma escala de 10 pontos, aumentou de 3.16±1.47 para 7.60±1.21, com diferença estatisticamente significativa. Além disso, 59 (93.7%) da amostra perceberam significativa melhora na QV após o transplante(1212. Czyżewski Ł, Torba K, Jasińska M, Religa G. Comparative analysis of the quality of life for patients prior to and after heart transplantation. Ann Transplant. 2014;19:288-94.). Esses achados reafirmam o transplante como uma modalidade de tratamento capaz de aumentar a estabilidade e melhor a QV de pacientes com IC.

Em relação ao estado civil, 87.5% dos pacientes do nosso estudo são casados ou possuem companheiro, e 98.2% dos pacientes moram com companheiro ou com dois ou mais membros da família. Esses dados são importantes, pois sabe-se que o transplante cardíaco exige uma grande demanda de apoio por parte da família na preparação e principalmente no pós-operatório, com complexa readequação na dinâmica familiar, devido ao risco de infecção e rejeição(1313. Conway A, Schadewaldt V, Clark R, Ski C, Thompson DR, Doering L. The psychological experiences of adult heart transplant recipients: a systematic review and meta-summary of qualitative findings. Heart Lung. 2013 Nov-Dec;42(6):449-55.).

Durante o pré-operatório, são necessários ajustes para que o paciente esteja apto no momento que houver um coração disponível para o transplante. No pós-operatório a rotina do paciente e de seus familiares sofre alterações, devido à necessidade de local adequado para moradia, diversos medicamentos, realização de exames e consultas médicas periódicas(33. Aguiar MIF, Farias DR, Pinheiro ML, Chaves ES, Rolim ILTP, Almeida PF, et al. Quality of Life of Patients that Had a Heart Transplant: Application of Whoqol-Bref Scale. Arq Bras Cardiol. 2011;96(1):60-7.). Além disso, comorbidades são frequentemente identificadas nos pacientes cardíacos, exigindo o uso de outras medicações e alterações no estilo de vida, como pôde ser comprovado nesse estudo, onde mais da metade dos pacientes apresenta hipertensão e dislipidemia, e uma parcela importante arritmias e diabetes mellitus.

É importante ressaltar que o objetivo do transplante não é somente prolongar o tempo de vida, mas também melhorar a sua qualidade e promover ao paciente um retorno normal às suas atividades. Em um estudo canadense publicado em 2010, foi utilizado o SF-36 para avaliar a dor em 92 pacientes que realizaram transplante cardíaco. Os resultados identificaram que quase 46% dos pacientes reportaram no mínimo dor leve, e 21%, dor moderada ou severa(1414. Holtzman S, Abbey SE, Stewart DE, Ross HJ. Pain after heart transplantation: prevalence and implications for quality of life. Psychosomatics. 2010;51(3):230-36.). Além disso, sintomas físicos como fadiga, falta de energia e nervosismo estão associados a pacientes que realizaram transplante cardíaco, persistindo por mais de um ano após a cirurgia, e podem ser uma barreira para atingir melhores escores de QV ao afetar o bem-estar mental, social e físico(1515. Stiefel P, Malehsa D, Bara C, Strueber M, Haverich A, Kugler C. Symptom experiences in patients after heart transplantation. J Health Psychol. 2013 May;18(5):680-92.). Esses dados estão de acordo com o nosso estudo, que não encontrou diferença estatisticamente significativa nos domínios dor e aspectos físicos, entre os dois grupos de pacientes.

A ausência de diferença estatística no domínio aspectos físicos é esperada, considerando que pacientes transplantados geralmente possuem capacidade reduzida de exercício. Nesse sentido, estudo brasileiro teve como objetivo avaliar a evolução de 14 pacientes após quatro anos de transplante cardíaco, por meio do teste de caminhada de seis minutos. Os resultados demonstraram que as respostas cardiovasculares dos pacientes estiveram abaixo do estimado, com diminuição de 11.6% na distância percorrida quando comparada à distância estimada. Por esses motivos, a atividade física deve ser iniciada precocemente para o restabelecimento da capacidade física, possibilitando que os transplantados voltem a realizar a maioria de suas atividades(1616. Mont’Alverne DGB, Galdino LM, Pinheiro MC, Levy CS, Vasconcelos GG, Souza Neto JD de, Mejía JAC. Clinical and functional capacity of patients with dilated cardiomyopathy after four years of transplantation. Rev Bras Cir Cardiovasc 2012;27(4):562-9.).

Em relação aos domínios aspectos emocionais e saúde mental, ambos também não apresentaram diferença estatisticamente significativa entre os dois grupos. Segundo a literatura, sintomas depressivos são comumente encontrados em pacientes transplantados, sendo um dos principais fatores associados à QV após o transplante(1717. Baranyi A, Krauseneck T, Rothenhäusler, H. Overall mental distress and health-related quality of life after solid-organ transplantation: results from a retrospective follow-up study. Health Qual Life Outcomes. 2013;11(15):1-10.). Esses sintomas justificam a necessidade da realização de intervenções para modificar os sentimentos e pensamentos negativos e aumentar a QV.

É importante destacar que, apesar dos pacientes transplantados terem apresentado valores mais altos no escore geral de QV e com diferença significativa em alguns domínios, observa-se que a média dos escores permanece baixa. Corroborando com estes escores, achados de um estudo conduzido com nove pacientes transplantados em um centro de transplantes brasileiro demonstrou que os pacientes após o transplante reconhecem as mudanças positivas adquiridas com o procedimento no que se refere aos sintomas clínicos. Contudo, os pacientes referiram perda de autonomia e muitas restrições, o que exige constante adaptação ao estilo de vida após o transplante(1818. Vasconcelos AG, Pessoa VL, Menezes FW, Florêncio RS, Frota MX. Repercussions on the daily living of post-heart transplantation patients. Acta Paul Enferm. 2015;28(6):573-9.).

Seguindo essa mesma linha, estudo italiano teve como objetivo descrever a QV de 122 pacientes transplantados 10 anos após a realização do procedimento. Os resultados demonstraram que a QV física foi significativamente menor do que o esperado para a população em geral, bem como os domínios capacidade funcional, aspectos físicos, dor, estado geral de saúde, aspectos sociais e aspectos emocionais. Os autores concluíram que o transplante cardíaco está associado com uma elevada QV em longo prazo, no entanto, fatores que afetam a QV devem ser identificados a fim de buscar o melhor tratamento(1919. Politi P, Piccinelli M, Fusar-Poli P, Klersy C, Campana C, Goggi C, et al. Ten years of “extended” life: quality of life among heart transplantation survivors. Transplantation. 2004;78(2):257-63.). Esses dados são semelhantes ao presente estudo e podem explicar porque os escores não passaram de 32.1 no grupo dos pacientes transplantados.

Sabe-se que poucos pacientes retornam às atividades de trabalho após o transplante, e que variáveis clínicas, como a dor e depressão, podem ser fatores limitantes(2020. White-Williams C, Wang E, Rybarczyk B, Grady KL. Factors associated with work status at 5 and 10 years after heart transplantation. Clin Transplant. 2011 Nov-Dec;25(6):E599-605.). Portanto, os achados desse estudo permitem inferir que o acompanhamento sistemático dos pacientes por equipe multiprofissional pode colaborar no entendimento de fatores associados a sua condição, colaborando no retorno as suas atividades normais e na minimização do sofrimento, tanto na lista de espera como no período após o transplante.

Limitações

Como limitação do estudo salienta-se uma única medida da QV. Além disso, a avaliação em diferentes fases do seguimento para um mesmo paciente poderia trazer resultados diferentes. Frente a isso, sugere-se a realização de novos estudos com acompanhamento rigoroso de ambos os grupos, com o objetivo de auxiliar e fazer o paciente enxergar possibilidade de melhores escores de QV.

CONCLUSÃO

Para pacientes que realizaram transplante cardíaco a QV é significativamente superior quando comparada aqueles em lista de espera. A capacidade funcional, o estado geral de saúde, a vitalidade e os aspectos sociais foram os melhores domínios para os transplantados. Esses resultados podem ser animadores para pacientes que ainda estão em lista de espera, visto que refletem os benefícios da realização do transplante e seu importante impacto na QV. Apesar de todos os riscos que envolvem o transplante cardíaco, essa modalidade cirúrgica, quando executada com sucesso, possibilita ao paciente melhora na QV.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2016

Histórico

  • Recebido
    04 Fev 2015
  • Aceito
    14 Out 2016
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