Acessibilidade / Reportar erro

Pesquisa-ação educativa no Facebook®: aliando lazer e aprendizado

Investigación acción educativa en lo Facebook®: combinando ocio y aprendizaje

RESUMO

Objetivo

Analisar o percurso da educação dialógica sobre lazer e saúde mental desenvolvida em mídia virtual.

Método

Pesquisa-ação pautada no referencial teórico-metodológico Freireano, desenvolvida com 11 acadêmicos de enfermagem de uma universidade pública do estado do Paraná-BR, durante sete dias do mês de junho/2015, por meio de grupo fechado na mídia virtual Facebook®, cujos diálogos foram denominados “Círculos de Cultura Virtuais”, precedidos de questionários auto aplicados que versavam sobre a relação entre lazer e saúde mental. Os dados foram analisados de forma interpretativa, por meio de codificações e decodificações propostas por Freire.

Resultados

Os acadêmicos relacionam o lazer às atividades prazerosas e à qualidade de vida; contudo, não é praticado de forma ampliada e crítica na sua vida pessoal e no processo de formação.

Conclusões

Os círculos de cultura virtuais permitiram diálogos emancipatórios e desvelamento crítico sobre a temática, com possíveis repercussões para suas vivências pessoais e profissionais.

Enfermagem; Educação em enfermagem; Atividades de lazer; Saúde mental; Pesquisa participativa baseada na comunidade

RESUMEN

Objetivo

Analizar la educación dialógica sobre salud mental y ocio en el medio virtual.

Método

investigación-acción basada en el marco teórico de Freire, desarrollada con 11 estudiantes de enfermería de una universidad pública del estado de Paraná-BR durante siete días de junio/2015, a través de un grupo cerrado en el medio virtual Facebook®, cuyos diálogos fueron llamados “Círculos de Cultura Virtual” precedidos por cuestionarios autoaplicados que se centraron en la relación entre el ocio y la salud mental. Los datos fueron analizados de forma interpretativa a través de codificación y decodificación propuestos por Freire.

Resultados

Los estudiantes relacionan el placer con actividades de ocio y calidad de vida, sin embargo, no son practicadas en una escala más amplia y crítica en su vida personal y en el proceso de formación.

Conclusiones

los círculos virtuales de cultura permitieron el diálogo emancipador y el descubrimiento fundamental sobre el tema con posibles repercusiones en sus experiencias personales y profesionales.

Enfermería; Educación en Enfermería; Actividades recreativas; Salud mental; Investigación participativa basada en la comunidad

ABSTRACT

Objective

To analyse the path of dialogical education in leisure and mental health in social media.

Method

Action research based on the theoretical-methodological framework of Paulo Freire, conducted with 11 nursing students of a public university in the state of Paraná, Brazil, during seven days of June 2015, in a closed group on Facebook®. The dialogues were called, ‘Virtual Culture Circles’ and preceded by self-administered questionnaires that addressed the relationship between leisure and mental health. The data were analysed in an interpretive way, using the encoding and decoding proposed by Freire.

Results

The students related leisure to pleasurable activities and quality of life; however, it is not widely or critically practiced in their personal lives or education.

Conclusions

The Virtual Culture Circles provided emancipatory dialogues and a critical analysis of the subject matter, with possible repercussions on the personal and professional lives of the subjects.

Nursing; Education, Nursing; Leisure activities; Mental health; Community-based participatory research

INTRODUÇÃO

O lazer, considerado como o conjunto de ocupação que permite ao indivíduo a oportunidade de repousar, divertir, recrear e entreter-se de forma livre e espontânea11. Dumazedier J. Lazer e cultura popular. São Paulo: Perspectiva; 2004., possui as funções básicas de descanso, divertimento e desenvolvimento da personalidade. Assim, o lazer poder ser considerado um dos prazeres fundamentais para o bem-estar11. Dumazedier J. Lazer e cultura popular. São Paulo: Perspectiva; 2004.

2. Bourne J, Liu Y, Shields CA, Jackson B, Zumbo BD, Beauchamp MR. The relationship between transformational teaching and adolescent physical activity: the mediating roles of personal and relational efficacy beliefs. J Health Psychol. 2015; 20(2):132-43.
-33. Schüz B, Czerniawski A, Davie N, Miller L, Quinn MG, King C, et al. Leisure time activities and mental health in informal dementia caregivers. Appl Psychol Health Well Being. 2015;7(2):230-48 ..

Seu estudo começou a desenvolver-se em meados do século XIX, contrapondo às demandas político-sociais do trabalho existentes na sociedade capitalista, quando a saúde, sobretudo seus determinantes e condicionantes, começou a ser reconhecida, valorizada e discutida no âmbito da produção da vida social11. Dumazedier J. Lazer e cultura popular. São Paulo: Perspectiva; 2004.-22. Bourne J, Liu Y, Shields CA, Jackson B, Zumbo BD, Beauchamp MR. The relationship between transformational teaching and adolescent physical activity: the mediating roles of personal and relational efficacy beliefs. J Health Psychol. 2015; 20(2):132-43..

Destas discussões e avanços conceituais, passou a residir a compreensão de que o lazer é condicionante e determinante do processo saúde-doença, em especial, no contexto da saúde mental. Assim, diversas atividades consideradas lazer, sobretudo as socializantes, realizadas como forma de divertimento e apoio social, promovem bem-estar físico e mental33. Schüz B, Czerniawski A, Davie N, Miller L, Quinn MG, King C, et al. Leisure time activities and mental health in informal dementia caregivers. Appl Psychol Health Well Being. 2015;7(2):230-48 .

4. Lavall E, Olschowsky A. Dimensão psicossocial do cuidado em saúde mental realizado pela família no domicílio. J Nurs Health. 2014;3(2):233-45.

5. Connella J, Cathaina AO, Brazierb J. Measuring quality of life in mental health: are we asking the right questions? Soc Sci Med. 2014;120:12-20.
-66. Stubbs B, Vancampfort D, Mänty M, Svärd A, Rahkonen O, Lahti J. Bidirectional longitudinal relationship between leisure-time physical activity and psychotropic medication usage: a register linked follow-up study. Psychiatry Res. 2017;247:208-13.. A este respeito, embora sejam poucos os estudos recentes, o lazer tem sido apontado como fator protetor à saúde mental, e sua ausência nas atividades de vida diária pode provocar ansiedade e estresse22. Bourne J, Liu Y, Shields CA, Jackson B, Zumbo BD, Beauchamp MR. The relationship between transformational teaching and adolescent physical activity: the mediating roles of personal and relational efficacy beliefs. J Health Psychol. 2015; 20(2):132-43.,55. Connella J, Cathaina AO, Brazierb J. Measuring quality of life in mental health: are we asking the right questions? Soc Sci Med. 2014;120:12-20.

6. Stubbs B, Vancampfort D, Mänty M, Svärd A, Rahkonen O, Lahti J. Bidirectional longitudinal relationship between leisure-time physical activity and psychotropic medication usage: a register linked follow-up study. Psychiatry Res. 2017;247:208-13.
-77. Hoegh PP, Biering K, Andersen JH. The association between leisure time physical activity in adolescence and poor mental health in early adulthood: a prospective cohort study. BMC Public Health. 2016;16:3..

O divertimento, aprendizado e a coletividade, que o lazer socializante possibilita, modificam o cotidiano das pessoas, impactando positivamente nos aspectos físicos, mentais e sociais22. Bourne J, Liu Y, Shields CA, Jackson B, Zumbo BD, Beauchamp MR. The relationship between transformational teaching and adolescent physical activity: the mediating roles of personal and relational efficacy beliefs. J Health Psychol. 2015; 20(2):132-43. ao promover saúde e qualidade de vida. Inegavelmente, o lazer agrega saúde e educação44. Lavall E, Olschowsky A. Dimensão psicossocial do cuidado em saúde mental realizado pela família no domicílio. J Nurs Health. 2014;3(2):233-45.

5. Connella J, Cathaina AO, Brazierb J. Measuring quality of life in mental health: are we asking the right questions? Soc Sci Med. 2014;120:12-20.

6. Stubbs B, Vancampfort D, Mänty M, Svärd A, Rahkonen O, Lahti J. Bidirectional longitudinal relationship between leisure-time physical activity and psychotropic medication usage: a register linked follow-up study. Psychiatry Res. 2017;247:208-13.

7. Hoegh PP, Biering K, Andersen JH. The association between leisure time physical activity in adolescence and poor mental health in early adulthood: a prospective cohort study. BMC Public Health. 2016;16:3.
-88. Moura IH, Nobre RS, Cortez RMA, Campelo V, Macedo SF, Silva ARV. Quality of life of undergraduate nursing students. Rev Gaúcha Enferm. 2016;37(2):e55291. doi: http://dx.doi. org/10.1590/1983-1447.2016.02.55291.
http://dx.doi. org/10.1590/1983-1447.201...
, que sabidamente são áreas indissociáveis.

A educação para o lazer visa a formar o indivíduo para que viva o seu tempo disponível da forma mais positiva, sendo um processo de desenvolvimento total, por meio de uma construção em que o indivíduo possa ampliar o seu conhecimento sobre si próprio, sobre o lazer e sobre as relações desse com a vida e com o tecido social22. Bourne J, Liu Y, Shields CA, Jackson B, Zumbo BD, Beauchamp MR. The relationship between transformational teaching and adolescent physical activity: the mediating roles of personal and relational efficacy beliefs. J Health Psychol. 2015; 20(2):132-43.,44. Lavall E, Olschowsky A. Dimensão psicossocial do cuidado em saúde mental realizado pela família no domicílio. J Nurs Health. 2014;3(2):233-45.,99. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Vigilância em Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde. Política nacional de promoção da saúde. 3. ed. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2010.

10. Rolim LB, Cruz RSBLC, Sampaio KJAJ. Participação popular e o controle social como diretriz do SUS: uma revisão narrativa. Saúde Debate. 2013;37(96):139-47.

11. Pires CGDS, Mussi FC. Crenças em saúde de pessoas negras hipertensas sobre o estresse. Ciênc Cuid Saúde. 2013;12(3):424-33.
-1212. Beserra EP, Sousa LB, Alves MDS, Gubert FA. Percepção de adolescentes acerca de suas atividades de vida, trabalho e lazer. Rev Enferm UERJ. 2015;25(3):627-32..

Nada seria mais adequado que considerar o lazer como instrumento de educação, pois o indivíduo, ao participar em atividades de lazer, desenvolve-se, quer individual ou socialmente99. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Vigilância em Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde. Política nacional de promoção da saúde. 3. ed. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2010.

10. Rolim LB, Cruz RSBLC, Sampaio KJAJ. Participação popular e o controle social como diretriz do SUS: uma revisão narrativa. Saúde Debate. 2013;37(96):139-47.
-1111. Pires CGDS, Mussi FC. Crenças em saúde de pessoas negras hipertensas sobre o estresse. Ciênc Cuid Saúde. 2013;12(3):424-33.. Neste sentido, a evolução tecnológica permitiu reconfigurar as práticas de lazer e as estratégias educativas, e as ferramentas virtuais são realidades para ambas e, ao serem utilizadas, conduzem o processo de aprendizado de forma prazerosa e oportuna1212. Beserra EP, Sousa LB, Alves MDS, Gubert FA. Percepção de adolescentes acerca de suas atividades de vida, trabalho e lazer. Rev Enferm UERJ. 2015;25(3):627-32.-1313. Beserra, GL, Ponte, BAL, Silva, RP, Beserra EP, Sousa LB, Amaral GF. Atividade de vida “comunicar” e uso de redes sociais sob a perspectiva de adolescentes. Cogitare Enferm. 2016;21(1):1-9..

No que se refere à enfermagem, a demanda pela formação oportuna sobre o lazer é inquestionável; sua presença na literatura científica nacional é escassa, apresentando uma lacuna do conhecimento em questão. Para que concretize a arte de cuidar, é preciso que o profissional enfermeiro amplie seus conhecimentos sobre o lazer, sendo urgente consolidar uma concepção de saúde que valorize o ser humano em seus aspectos biopsicossociais e espirituais88. Moura IH, Nobre RS, Cortez RMA, Campelo V, Macedo SF, Silva ARV. Quality of life of undergraduate nursing students. Rev Gaúcha Enferm. 2016;37(2):e55291. doi: http://dx.doi. org/10.1590/1983-1447.2016.02.55291.
http://dx.doi. org/10.1590/1983-1447.201...

9. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Vigilância em Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde. Política nacional de promoção da saúde. 3. ed. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2010.

10. Rolim LB, Cruz RSBLC, Sampaio KJAJ. Participação popular e o controle social como diretriz do SUS: uma revisão narrativa. Saúde Debate. 2013;37(96):139-47.
-1111. Pires CGDS, Mussi FC. Crenças em saúde de pessoas negras hipertensas sobre o estresse. Ciênc Cuid Saúde. 2013;12(3):424-33., tanto para sua vivência pessoal como profissional.

Destarte, a construção da atividade educativa embasada no lazer e na saúde mental não poderia desenvolver-se se não com referenciais pedagógicos dialógicos, problematizadores e emancipatórios. Para isso, adotaram-se os pressupostos educativos de Paulo Freire, um teórico educacional brasileiro de reconhecimento internacional que desenvolveu os pressupostos da educação dialógica como forma de liberdade, autonomia e emancipação1414. Freire P. Pedagogia do oprimido. 50. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2011.-1515. Freire P. Pedagogia da autonomia. 43. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2011.. Segundo Freire1111. Pires CGDS, Mussi FC. Crenças em saúde de pessoas negras hipertensas sobre o estresse. Ciênc Cuid Saúde. 2013;12(3):424-33.-1212. Beserra EP, Sousa LB, Alves MDS, Gubert FA. Percepção de adolescentes acerca de suas atividades de vida, trabalho e lazer. Rev Enferm UERJ. 2015;25(3):627-32., a educação dialógica deve ser pautada na realidade e realizada com protagonismo dos educandos, numa perspectiva de incitação à curiosidade epistemológica. Assim, a educação dialógica é pautada no diálogo e parte da apreensão da realidade; é mediada pela sua reflexão e instaura a nova ação transformada1414. Freire P. Pedagogia do oprimido. 50. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2011.-1515. Freire P. Pedagogia da autonomia. 43. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2011..

Desta forma, considerando a realidade de acadêmicos de enfermagem sobre a temática lazer e sua relação com a saúde mental, tanto nas experiências pessoais quanto de formação profissional, as questões do estudo foram: O que é o lazer e qual sua relação com a saúde mental na perspectiva de acadêmicos de enfermagem? Seus saberes a respeito do lazer e a relação com a saúde mental, no âmbito pessoal e profissional, podem ser transformados pela educação dialógica mediada por mídia virtual?

Para responder estas questões, o presente estudo objetivou analisar o percurso da educação dialógica sobre lazer e saúde mental desenvolvida em mídia virtual.

MÉTODO

Tipo de estudo

Trata-se de uma pesquisa descritiva, de abordagem participativa, delineada por meio da pesquisa-ação1616. Thiollent M. Metodologia da pesquisa-ação. 18. ed. São Paulo: Cortez; 2011. por ser uma vertente de pesquisa que almeja a transformação da realidade por meio da participação dos envolvidos ao enfocar temas relevantes para o coletivo1616. Thiollent M. Metodologia da pesquisa-ação. 18. ed. São Paulo: Cortez; 2011., tal qual era nosso intento no que se refere ao lazer e saúde mental na perspectiva de graduandos de enfermagem.

Cumpre destacar que a pesquisa-ação pode ser organizada com diferentes e inúmeras técnicas e procedimentos de coleta de dados, bem como com referenciais teóricos e filosóficos participativos1616. Thiollent M. Metodologia da pesquisa-ação. 18. ed. São Paulo: Cortez; 2011.. Desta forma, o estudo adotou o referencial teórico de Freire1414. Freire P. Pedagogia do oprimido. 50. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2011.-1515. Freire P. Pedagogia da autonomia. 43. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2011. e a abordagem metodológica do Itinerário de pesquisa Freireano composto pelas fases de: Investigação Temática, Codificação/Descodificação e Desvelamento Crítico1414. Freire P. Pedagogia do oprimido. 50. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2011.-1515. Freire P. Pedagogia da autonomia. 43. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2011..

Participantes do estudo

Participaram deste estudo 11 acadêmicos do curso de enfermagem de uma instituição pública de ensino superior, localizada no estado do Paraná-Brasil, durante sete dias do mês de junho/2015.

Todos os acadêmicos de enfermagem da instituição, que somavam 126, foram convidados a integrar a pesquisa. Contudo, apenas 11 atendiam aos critérios de inclusão, que foram: ser acadêmico de enfermagem, estar regularmente matriculado e possuir interesse e tempo disponível para participar do percurso educativo. Cumpre destacar que, enquanto pesquisa-ação de abordagem educativa, o requisito de livre interesse para participação é uma prerrogativa essencial que foi considerada e respeitada por este estudo.

Além dos acadêmicos, integraram o estudo a equipe de pesquisa composta por: uma aluna de graduação, uma mestranda e uma docente, todas do departamento de enfermagem da respectiva universidade.

Delineamento do estudo: a coleta e a análise dos dados por meio do Itinerário de pesquisa Freireano

A Investigação Temática foi a primeira etapa da pesquisa, por aproximar os pesquisadores do universo dos pesquisados – suas vivências, concepções e vocábulos1414. Freire P. Pedagogia do oprimido. 50. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2011.. Considerando o referencial teórico freireano1414. Freire P. Pedagogia do oprimido. 50. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2011., empregou-se a dialogicidade como forma de dar voz aos participantes do estudo e, para isso, a aproximação do seu universo temático ocorreu por meio de um questionário aberto e autoaplicável, centrado nas características sociodemográficas dos participantes e seus saberes existentes sobre o lazer e a relação com a saúde mental.

A análise e representação dos dados dos questionários nortearam a investigação temática, e, por ela, apreenderam-se as situações-problemas reais que, segundo o referencial freireano, são denominadas de situações-limites1414. Freire P. Pedagogia do oprimido. 50. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2011., ou seja, situações que devem ser superadas para a tomada de consciência crítica sobre os problemas da realidade.

A partir delas, identificaram-se os temas geradores – que são os tópicos que exemplificam e justificam as situações-limites. Pautado nas situações limites e nos temas geradores, realizou-se o planejamento da atividade educativa dialógica, permitindo que fossem definidos os objetivos e conteúdos programáticos.

Ressalta-se que, por se tratar de uma programação pautada na realidade interpretada, a ação dialógica já se faz presente por superar a habitual definição programática que se faz descontextualizada dos saberes e anseios prévios dos educandos1414. Freire P. Pedagogia do oprimido. 50. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2011..

A Codificação/Descodificação e o Desvelamento Crítico1414. Freire P. Pedagogia do oprimido. 50. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2011.-1515. Freire P. Pedagogia da autonomia. 43. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2011. foram partes de um processo dinâmico desenvolvido pela interação dialogada entre os participantes do estudo e pesquisadores, durante os diálogos que aconteceram no decorrer da presente pesquisa. Seu objetivo era educativo, na direção de conduzir os participantes à transformação do conhecimento ingênuo para o conhecimento crítico e reflexivo sobre os problemas que permeiam o lazer e a saúde mental, fomentando novas formas de pensar e agir na temática em tela, tanto em sua vida pessoal quanto em sua formação profissional.

Para seguir estas premissas, utilizaram-se como estratégia para desenvolvimento da ação educativa indissociável à coleta de dados seguinte os Círculos de Cultura, entendidos como espaços de aprendizagem e troca de conhecimentos em que os participantes se reúnem no processo de educação para investigar temas de interesse do próprio grupo1414. Freire P. Pedagogia do oprimido. 50. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2011.,1717. Ferreira RV, Souza KR, Santos MBM. Educação e transformação: significações no pensamento de Paulo Freire. Rev e-curriculum. 2014;12(2):1418-39..

Neste trabalho, por não se desenvolverem de forma presencial, foram intitulados de Círculos de Cultura Virtuais (CCV) e aconteceram em um grupo fechado na mídia virtual Facebook®.

Esta mídia virtual foi escolhida em virtude de que o avanço tecnológico permitiu novas formas de contato e interação entre as pessoas, e também de acesso ao conhecimento e desenvolvimento de pesquisas1818. Manca S, Ranieri M. Is it a tool suitable for learning? a critical review of the literature on Facebook as a technology-enhanced learning environment. J Comput Assist Learn. 2013;29(6):487-504.-1919. Sharma SK, Joshi A, Sharma H. A multi-analytical approach to predict the Facebook usage in higher education. Comput Hum Behav. 2016; 55(pt A):340-53.. O Facebook® apresenta-se como uma potencial ferramenta educativa e de coleta de dados, principalmente pelos recursos ofertados que possibilitam a interação e a comunicação entre os participantes1313. Beserra, GL, Ponte, BAL, Silva, RP, Beserra EP, Sousa LB, Amaral GF. Atividade de vida “comunicar” e uso de redes sociais sob a perspectiva de adolescentes. Cogitare Enferm. 2016;21(1):1-9.,1818. Manca S, Ranieri M. Is it a tool suitable for learning? a critical review of the literature on Facebook as a technology-enhanced learning environment. J Comput Assist Learn. 2013;29(6):487-504.-1919. Sharma SK, Joshi A, Sharma H. A multi-analytical approach to predict the Facebook usage in higher education. Comput Hum Behav. 2016; 55(pt A):340-53., tal qual se desejou no percurso desta pesquisa.

Foram realizados cinco CCV, durante sete dias do mês de junho de 2015. Cada situação-limite e tema gerador desenrolaram-se em CCV.

As situações e questões disparadoras de diálogos foram postadas diariamente no grupo fechado do Facebook®, criado exclusivamente para este fim. Foram organizadas de maneira a estimular a participação, apresentando comandos claros e inserindo imagens, vídeos e diversos materiais para embasar os CCV. Os diálogos gerados pelos CCV foram organizados em documento do programa computacional Microsoft Word®, versão 2013, para posterior análise.

Durante todo percurso dos CCV, novas codificações e descodificações foram feitas permitindo que acontecessem os desvelamentos críticos, apreendidos quando os participantes, em conjunto, propuseram-se a fundamentar seus saberes e práticas na visão do mundo reconhecida em si e no outro, caminhando para a emancipação dos seus saberes e fazeres1414. Freire P. Pedagogia do oprimido. 50. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2011.

15. Freire P. Pedagogia da autonomia. 43. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2011.

16. Thiollent M. Metodologia da pesquisa-ação. 18. ed. São Paulo: Cortez; 2011.
-1717. Ferreira RV, Souza KR, Santos MBM. Educação e transformação: significações no pensamento de Paulo Freire. Rev e-curriculum. 2014;12(2):1418-39..

Todo percurso educativo desenvolvido pelo itinerário de pesquisa foi analisado de forma interpretativa e debatido à luz de Freire no que se refere à dialogicidade, construção coletiva de saberes, emancipação e mudanças da realidade, que são prerrogativas inerentes ao processo de educação dialógico, autônomo, emancipatório e libertário1515. Freire P. Pedagogia da autonomia. 43. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2011..

Aspectos éticos

O projeto está vinculado à pesquisa docente ‘Pesquisa-ação nas demandas educativas no cenário da enfermagem’ (Protocolo nº 401/2013-PPG/UEM), cujo parecer do Comitê Permanente de Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Estadual de Maringá foi favorável à sua realização (CAAE: 12664813.9.0000.0104 / n0 375.459 de 05/08/2013). Este inquérito seguiu todos os preceitos éticos da resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde2020. Ministério da Saúde (BR), Conselho Nacional de Saúde. Resolução no 466, de 12 de dezembro de 2012. Diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. 2012 jun.13;150(112 Seção 1):59-62., e os participantes afirmaram ciência e concordância com o estudo mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Para resguardar a identidade dos sujeitos, suas falas foram transcritas e identificadas com a letra “p”, referindo ao termo “participante”, seguida de um número arábico correspondente è ordem de análise.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Foram participantes do estudo 11 acadêmicos de enfermagem, todos do sexo feminino, com idades entre 18 e 25 anos (média de 19 anos), sendo que dois cursavam a primeira série da graduação; cinco, a segunda série; e quatro, a terceira série.

Considerando tratar-se de uma pesquisa-ação, a apresentação do resultado foi dividida didaticamente em dois momentos: Momento Investigativo e Momento Educativo, muito embora tenham acontecido de forma simultânea e complementar, como assim permite o itinerário de pesquisa.

Momento Investigativo

A Investigação Temática apreendeu a frágil compreensão de lazer e saúde mental dos envolvidos na pesquisa, uma vez que conceberam o lazer relacionado às atividades prazerosas e à qualidade de vida, contudo não é praticado de forma ampliada e crítica na sua vida pessoal e no processo de formação.

Ancorados no referencial teórico de Freire1414. Freire P. Pedagogia do oprimido. 50. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2011.-1515. Freire P. Pedagogia da autonomia. 43. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2011., foram denominadas e caracterizadas as concepções e práticas do lazer em situações-limites, para as quais apresentam-se as falas que as descrevem (Quadro 1). As falas constantes neste quadro foram as mais significativas para as evidências propostas.

Quadro 1
– As situações limites elencadas e as falas que as fundamentam

As percepções iniciais que os participantes possuíam sobre o lazer recaía sobre as três funções básicas destacadas pela literatura: descanso, divertimento e desenvolvimento. Também se identificou que o conteúdo das atividades de lazer não foi apontado por eles, de forma que permitiu inferir a pouca criticidade e compreensão dos interesses físicos, práticos, artísticos, intelectuais, sociais, turísticos e virtuais, que precisam ser considerados nas práticas de lazer11. Dumazedier J. Lazer e cultura popular. São Paulo: Perspectiva; 2004.,1111. Pires CGDS, Mussi FC. Crenças em saúde de pessoas negras hipertensas sobre o estresse. Ciênc Cuid Saúde. 2013;12(3):424-33.,1919. Sharma SK, Joshi A, Sharma H. A multi-analytical approach to predict the Facebook usage in higher education. Comput Hum Behav. 2016; 55(pt A):340-53..

O arcabouço teórico do lazer não se aplica apenas às intervenções no tempo disponível da população, mas, também, àquelas que objetivam seu desenvolvimento pessoal44. Lavall E, Olschowsky A. Dimensão psicossocial do cuidado em saúde mental realizado pela família no domicílio. J Nurs Health. 2014;3(2):233-45.,1111. Pires CGDS, Mussi FC. Crenças em saúde de pessoas negras hipertensas sobre o estresse. Ciênc Cuid Saúde. 2013;12(3):424-33. e que colaboram com a qualidade de vida numa perspectiva abrangente e não restrita à ausência de doenças, como ressaltado pelos participantes deste estudo.

Com base nisso, a prática do lazer é um elemento prazeroso para o indivíduo1212. Beserra EP, Sousa LB, Alves MDS, Gubert FA. Percepção de adolescentes acerca de suas atividades de vida, trabalho e lazer. Rev Enferm UERJ. 2015;25(3):627-32., que pode contribuir para a melhoria da sua automotivação, trazer maior satisfação pessoal e social e, consequentemente, qualidade de vida1313. Beserra, GL, Ponte, BAL, Silva, RP, Beserra EP, Sousa LB, Amaral GF. Atividade de vida “comunicar” e uso de redes sociais sob a perspectiva de adolescentes. Cogitare Enferm. 2016;21(1):1-9.. Destarte, o lazer é permeado por atividades lúdicas, livres e socializantes, que possuem potencial para diminuir o estresse, promover o autoconhecimento e a inserção social. Desta maneira, possui íntima relação com a saúde mental e com a promoção da saúde e se faz indispensável para a manutenção de uma vida equilibrada, em especial diante da sobrecarga que os acadêmicos enfrentam55. Connella J, Cathaina AO, Brazierb J. Measuring quality of life in mental health: are we asking the right questions? Soc Sci Med. 2014;120:12-20.,88. Moura IH, Nobre RS, Cortez RMA, Campelo V, Macedo SF, Silva ARV. Quality of life of undergraduate nursing students. Rev Gaúcha Enferm. 2016;37(2):e55291. doi: http://dx.doi. org/10.1590/1983-1447.2016.02.55291.
http://dx.doi. org/10.1590/1983-1447.201...
.

Estes aspetos foram superficialmente apontados por alguns dos participantes da pesquisa, e direcionavam a ação educativa para melhor explorar estes conceitos e práticas. Assim, pautada na frágil compreensão de lazer, e sua relação com a qualidade de vida, desenvolveu-se a atividade educativa.

Momento Educativo

As atividades educativas realizadas foram permeadas pelo diálogo e ancoradas na educação dialógica, libertadora e emancipatória, que exigiu a construção de um ambiente prazeroso e oportuno para a aprendizagem. Isso ocorreu desde seu planejamento, almejando que o percurso educativo não fosse somente para trocas de saberes, mas também uma oportunidade de convívio prazeroso e de lazer.

Assim, o uso da mídia virtual foi pactuado atendendo aos interesses dos participantes e o conteúdo programático foi realizado de acordo com as situações-limites identificadas e do levantamento dos respectivos temas geradores, a fim de atender as demandas do público (Quadro 2) e ampliar a compreensão sobre lazer e saúde mental.

Quadro 2
– O desenvolvimento da atividade educativa: as situações-limites, os temas geradores, a descrição das atividades educativas, a codificação /descodificação e o desvelamento crítico

O primeiro CCV destinou-se à apresentação dos participantes e de suas expectativas, dentre as quais foram apontadas a troca de experiências e conhecimentos, interação e contribuição grupal, conforme relatos a seguir:

Minha expectativa com esse grupo é de trocarmos experiências e conhecimentos, além de ajudar a conduzir o mesmo. (p5)

‘‘[...]’’ espero aprender, conhecer pessoas e também acrescentar alguma coisa para o grupo. (p8)

Este momento de interação permitiu reduzir a ansiedade com a nova atividade e aproximar as integrantes, buscando deixar o ambiente virtual e educativo mais prazeroso, bem como revelar a abertura ao diálogo como forma de aprendizado.

O segundo CCV iniciou as discussões sobre o lazer na vida pessoal dos acadêmicos, possibilitando, por meio de diálogos, reflexões e apreensões de práticas e saberes dos outros. Atividades do cotidiano, tais como ficar com a família, cozinhar e andar de bicicleta, foram referidas como atividades de lazer que vivenciavam.

A proposta dialógica foi disparada pela solicitação de postagem pelos integrantes sobre o tipo de lazer que conheciam e gostavam. Após as postagens de imagens, que permitiram codificar suas vivências, a discussão permitiu descodificação e gerou síntese interessante, balizada pelas preferências e conceitos individuais de lazer, como fez esta participante:

Dá para cozinhar preparando as coisas para o piquenique, ir com a família, de bicicleta, e depois ‘queimar’ tudo no muay thai!! [símbolo de risos]. (p1)

Esta síntese apontou vivências e preferências do grupo, assumindo que o lazer pode ser visto e realizado de maneiras distintas e complementares.

O terceiro CCV, almejou estimular os participantes a codificarem e descodificarem a importância do lazer nas suas vidas. Para isso, foram listadas atividades, fundamentadas no primeiro CCV, para que os participantes pudessem organizá-las em ordem prioritária. A ordenação privilegiou as obrigações acadêmicas, como relatado:

Estudar; estágio; projeto de extensão/pesquisa; comer; dormir; ajudar nas tarefas de casa; namoro/família – a cada 30 dias e olhe lá -; arrumar meu quarto e ficar sem fazer nada são as últimas; e o resto eu nunca ou quase nunca faço. (p5)

Comer, dormir, estudar, estágio, projetos de extensão/pesquisa, academia, ajudar nas tarefas domésticas, conversar com amigos; Fazer o que a mãe, pai ou responsável mandou; namorar, ouvir música, arrumar meu quarto, Fazer compras no mercado com mãe, pai ou responsável; Assistir a televisão; dançar, Brincar\jogar (atividade física); passear. Ficar sem fazer nada. (Não toco instrumentos e nem faço atividades manuais). (p2)

Por meio de diálogos que se seguiram, postando comentários, nota-se a dificuldade de organização das atividades acadêmicas de modo a priorizar-se o lazer. Perante este achado, estimulou-se uma nova discussão, por meio do questionamento disparador: “Por que as obrigações são prioritárias, e não o lazer?”. A partir disso, foi relatado:

A obrigação como estudo, por exemplo, é o que vai dirigir meu futuro, por isso torna-se prioridade. O lazer é importante pra que deixar a vida mais leve, nos socializar. (p8)

Acho que deve haver um equilíbrio entre os dois, para você não pirar. A gente acaba passando por cima do lazer com os estudos por falta de tempo, mas se nos organizarmos veremos que dá sim para ter um lazer e estudo relacionados!!! Não sei se deu para entender [símbolo de risos]. (p3)

Eu acho que falamos muito “não tenho tempo”... eu mesma procuro não falar mais isso, porque acho que quando a gente quer sempre temos tempo, é só ter organização, eu não deixo de fazer minhas obrigações e nem de fazer as coisas que eu gosto. (p4)

As participantes ressaltaram a preocupação com sua formação e seu impacto no futuro, mas apontaram que o equilíbrio entre lazer e obrigações depende da organização individual.

A atividade levou o grupo a codificar/descodificar que as obrigações rotineiras devem ser realizadas concomitantemente ao lazer, visto que não são dimensões opostas da vida humana e precisam ser incorporadas no cotidiano11. Dumazedier J. Lazer e cultura popular. São Paulo: Perspectiva; 2004.,55. Connella J, Cathaina AO, Brazierb J. Measuring quality of life in mental health: are we asking the right questions? Soc Sci Med. 2014;120:12-20..

Dando seguimento aos diálogos emancipatórios, buscou-se refletir sobre as práticas assistenciais do enfermeiro no entorno do lazer, permitindo considerar o quanto esta necessidade humana é valorizada e incluída no cuidado de enfermagem. Neste momento, os participantes assumiram a fragilidade de suas práticas assistenciais nas vivências oportunizadas na formação acadêmica, porque, usualmente, desconsideram esta dimensão do cuidado, da mesma forma que não verificam esta prática por enfermeiros de seu convívio.

Assim, a atividade promoveu troca de experiências, relatos e discussões:

Nas poucas experiências que tive, as vezes no hospital nós acabamos orientando: “ah o senhor precisa ir caminhar”; mas com os pacientes do meu projeto ou outros que conheço melhor dá sim para orientar de acordo com o que ele gosta de fazer!!! (p2)

[...] apenas com nossa fala, os pacientes mesmos identificam as atividades que gostam de realizar. Não é necessário vínculo duradouro para isso, basta estar incluído na assistência. (p4)

Não sinto dificuldades de orientar o paciente quanto ao lazer, nem sinto a necessidade de ter vinculo. Durante os procedimentos, ou até mesmo na anamnese, vou perguntando o que ele faz para relaxar, ou o que ele gosta de fazer que faz com que ele esqueça dos problemas, se é algo que ele não pode fazer no momento arrumamos uma segunda opção. Acho que isso é algo natural [...]Mas que eu lembre nunca usei a pergunta: qual é seu lazer? (p6)

Estes diálogos demonstram que foram desvelados os atos-limites – definidos como as realidades concretas que exigem transformações1414. Freire P. Pedagogia do oprimido. 50. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2011.. Este desvelamento é, por si só, um percurso educativo importante para a emancipação de saberes e de práticas, porque nele se concretiza a práxis enquanto ação-reflexão-ação, uma vez que a realidade existencial concreta, codificada e descodificada pelo diálogo, passou a ser refletida e ganhou novas configurações pelo desvelamento crítico, cuja repercussão será, inevitavelmente, a transformação da realidade inicial1414. Freire P. Pedagogia do oprimido. 50. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2011..

Cabe destacar que os saberes acerca do lazer são necessários para a formação de enfermeiros, já que possuem papel singular no cuidado humano e o lazer deverá inserir-se na sua prática22. Bourne J, Liu Y, Shields CA, Jackson B, Zumbo BD, Beauchamp MR. The relationship between transformational teaching and adolescent physical activity: the mediating roles of personal and relational efficacy beliefs. J Health Psychol. 2015; 20(2):132-43.,88. Moura IH, Nobre RS, Cortez RMA, Campelo V, Macedo SF, Silva ARV. Quality of life of undergraduate nursing students. Rev Gaúcha Enferm. 2016;37(2):e55291. doi: http://dx.doi. org/10.1590/1983-1447.2016.02.55291.
http://dx.doi. org/10.1590/1983-1447.201...
,1717. Ferreira RV, Souza KR, Santos MBM. Educação e transformação: significações no pensamento de Paulo Freire. Rev e-curriculum. 2014;12(2):1418-39..

Ao dialogarem sobre suas práticas assistenciais no entorno do lazer, reconheceram o conhecimento inicial ingênuo que moldava suas ações e, também pelo diálogo, refletiram sobre novas práticas e desvelaram novas possibilidades para o cuidar em enfermagem, por meio da inserção da temática lazer em sua assistência, seja pelo reconhecimento e valorização do lazer na vida das pessoas que são cuidadas, seja por considerar que as atividades de lazer precisam estar inseridas na rotina de cuidados de enfermagem.

O quarto CCV tratou de uma situação-problema para contextualizar as práticas de enfermagem na temática do lazer. Simulando um caso de uma pessoa que apresentava Hipertensão Arterial Sistêmica com evidências do impacto negativo da ausência do lazer, os participantes foram estimulados a discutir cuidados individualizados, conforme discussão apresentada a seguir:

Realizar uma atividade física supervisionada. Ter uma atividade de lazer moderada, algo que goste de fazer desde que seja leve, como por exemplo, ficar com a família, reunir com amigos, etc. Não se esquecendo de orientar, fazer acompanhamento na Unidade Básica de Saúde, tomar medicamentos corretamente. (p3)

As orientações, quando existentes, baseavam-se em cuidados biológicos e centrados na doença, focados na mudança do estilo de vida, alimentação e atividade física. O grupo mostrou-se mais reflexivo e algumas questões foram levantadas para nortear as discussões e definições, surgindo o desvelamento crítico.

Alguns integrantes mostraram dificuldades em responder a questão. Para que todos entendessem o contexto, vídeos correlatos ao tema foram postados e reformularam-se as perguntas disparadoras de diálogos. Concebeu-se que o silêncio existente nesta discussão, tal qual afirma Freire1414. Freire P. Pedagogia do oprimido. 50. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2011., foi importante momento para o processo de compreensão e reflexão:

“[...]” Os vídeos me fizeram recordar de algumas aulas do ano passado. E também de assimilar as histórias de estresse dos personagens na minha vida pessoal. E consequentemente ter mais certeza ainda que momentos de lazer são extremamente importante para a qualidade de vida e bem estar, como a maioria já sabe, entretanto ainda deixamos de lado em alguns momentos. (p5)

Freire afirma que não somente a fala, mas também a ausência dela, deve ser apreendida pelo educador como um processo solitário e autêntico de transformação individual e, para tanto, precisa ser valorizado e respeitado. Da mesma forma, precisa ser desafiado para a busca do ‘ser-mais’ que, inegavelmente, somente se dará pelo diálogo com o outro e pelo confronto com o mundo do outro1717. Ferreira RV, Souza KR, Santos MBM. Educação e transformação: significações no pensamento de Paulo Freire. Rev e-curriculum. 2014;12(2):1418-39., tal qual conduzido por este estudo.

A correção entre a ‘teoria’ e os benefícios do lazer e sua inserção no plano de cuidado foram uma tarefa árdua que exigiu outras estratégias educativas e reformulações. Contudo, o processo de relação e de empoderamento da temática deu-se, efetivamente, no encontro com o outro, por meio das discussões e reflexões geradas após cada participante apresentar seu plano de cuidados e o grupo, em conjunto, aprimorá-lo.

Este CCV levou o grupo a codificar, descodificar e desvelar o lazer como estratégia de autoconhecimento. Isso é considerado um passo inicial para a conquista da autonomia1515. Freire P. Pedagogia da autonomia. 43. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2011., pois o processo dialógico os levou a uma nova interpretação do lazer e sua contextualização para a prática da enfermagem, que, até então, inexistia.

O quinto e último CCV avaliou, na perspectiva dos participantes, os temas abordados, a forma de abordagem e o uso da mídia virtual para a realização de CCV. Relataram que o percurso educativo foi proveitoso, pois ampliou seu conhecimento pessoal e de formação profissional sobre o tema. Houve, também, elogios sobre a abordagem e o uso do CCV enquanto meio para a ação educativa.

CONCLUSÕES

A construção da atividade educativa foi dialógica em todo percurso. Pautada na realidade dos acadêmicos, permitiu que o processo educativo começasse de forma dialógica ao apreender os saberes prévios sobre lazer e saúde mental. Feito isso, os CCV que se seguiram foram capazes de transformar os prévios saberes em saberes críticos porque foram contextualizados e reelaborados em grupo. Não houve um professor, mas pessoas que aprenderam coletivamente pelas reflexões coletivas balizadas pela realidade concreta que vivenciavam.

Este aprendizado, ancorado no diálogo, foi autônomo por permitir livre construção de conhecimento e, por isso, libertário. Também foi emancipatório, por considerar que, possivelmente, repercutirá em suas vivências pessoais e profissionais, transformando as práticas que, até então, existiam.

A ferramenta tecnológica utilizada, o Facebook®, mostrou-se oportuna para conduzir a participação dialógica, talvez por ser vastamente vivenciada pelos jovens que compuseram este estudo.

Assim, os resultados deste estudo permitem inferir que atividades educativas que almejam participação e diálogo realizadas de modo virtual são possíveis e podem ser uma opção para educação profissional, seja com acadêmicos ou com profissionais de distintas áreas, mas, sobretudo, da enfermagem, principalmente pela facilidade de acesso, tempo dispendido e exequibilidade. Também para a área da pesquisa, o percurso e meio utilizados acenam para possibilidades reais para os quais estudos podem lançar-se.

Ainda, a compreensão da fragilidade acerca da temática lazer, na realidade em questão, sinaliza a possibilidade de este fato repetir-se na prática de enfermeiros, refletindo em um cuidado de enfermagem que não abarque a temática. Assim, sugere-se a necessidade de gestores e docentes inserirem o tema lazer na pauta das atividades realizadas com graduandos e, também, com profissionais atuantes.

A pesquisa tem como limitação a impossibilidade de conferir eficácia à ação educativa realizada em mídia virtual, oportunizando novos estudos nesta direção.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Dumazedier J. Lazer e cultura popular. São Paulo: Perspectiva; 2004.
  • 2
    Bourne J, Liu Y, Shields CA, Jackson B, Zumbo BD, Beauchamp MR. The relationship between transformational teaching and adolescent physical activity: the mediating roles of personal and relational efficacy beliefs. J Health Psychol. 2015; 20(2):132-43.
  • 3
    Schüz B, Czerniawski A, Davie N, Miller L, Quinn MG, King C, et al. Leisure time activities and mental health in informal dementia caregivers. Appl Psychol Health Well Being. 2015;7(2):230-48 .
  • 4
    Lavall E, Olschowsky A. Dimensão psicossocial do cuidado em saúde mental realizado pela família no domicílio. J Nurs Health. 2014;3(2):233-45.
  • 5
    Connella J, Cathaina AO, Brazierb J. Measuring quality of life in mental health: are we asking the right questions? Soc Sci Med. 2014;120:12-20.
  • 6
    Stubbs B, Vancampfort D, Mänty M, Svärd A, Rahkonen O, Lahti J. Bidirectional longitudinal relationship between leisure-time physical activity and psychotropic medication usage: a register linked follow-up study. Psychiatry Res. 2017;247:208-13.
  • 7
    Hoegh PP, Biering K, Andersen JH. The association between leisure time physical activity in adolescence and poor mental health in early adulthood: a prospective cohort study. BMC Public Health. 2016;16:3.
  • 8
    Moura IH, Nobre RS, Cortez RMA, Campelo V, Macedo SF, Silva ARV. Quality of life of undergraduate nursing students. Rev Gaúcha Enferm. 2016;37(2):e55291. doi: http://dx.doi. org/10.1590/1983-1447.2016.02.55291
    » http://dx.doi. org/10.1590/1983-1447.2016.02.55291
  • 9
    Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Vigilância em Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde. Política nacional de promoção da saúde. 3. ed. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2010.
  • 10
    Rolim LB, Cruz RSBLC, Sampaio KJAJ. Participação popular e o controle social como diretriz do SUS: uma revisão narrativa. Saúde Debate. 2013;37(96):139-47.
  • 11
    Pires CGDS, Mussi FC. Crenças em saúde de pessoas negras hipertensas sobre o estresse. Ciênc Cuid Saúde. 2013;12(3):424-33.
  • 12
    Beserra EP, Sousa LB, Alves MDS, Gubert FA. Percepção de adolescentes acerca de suas atividades de vida, trabalho e lazer. Rev Enferm UERJ. 2015;25(3):627-32.
  • 13
    Beserra, GL, Ponte, BAL, Silva, RP, Beserra EP, Sousa LB, Amaral GF. Atividade de vida “comunicar” e uso de redes sociais sob a perspectiva de adolescentes. Cogitare Enferm. 2016;21(1):1-9.
  • 14
    Freire P. Pedagogia do oprimido. 50. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2011.
  • 15
    Freire P. Pedagogia da autonomia. 43. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2011.
  • 16
    Thiollent M. Metodologia da pesquisa-ação. 18. ed. São Paulo: Cortez; 2011.
  • 17
    Ferreira RV, Souza KR, Santos MBM. Educação e transformação: significações no pensamento de Paulo Freire. Rev e-curriculum. 2014;12(2):1418-39.
  • 18
    Manca S, Ranieri M. Is it a tool suitable for learning? a critical review of the literature on Facebook as a technology-enhanced learning environment. J Comput Assist Learn. 2013;29(6):487-504.
  • 19
    Sharma SK, Joshi A, Sharma H. A multi-analytical approach to predict the Facebook usage in higher education. Comput Hum Behav. 2016; 55(pt A):340-53.
  • 20
    Ministério da Saúde (BR), Conselho Nacional de Saúde. Resolução no 466, de 12 de dezembro de 2012. Diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. 2012 jun.13;150(112 Seção 1):59-62.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2016

Histórico

  • Recebido
    24 Abr 2016
  • Aceito
    14 Fev 2017
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Escola de Enfermagem Rua São Manoel, 963 -Campus da Saúde , 90.620-110 - Porto Alegre - RS - Brasil, Fone: (55 51) 3308-5242 / Fax: (55 51) 3308-5436 - Porto Alegre - RS - Brazil
E-mail: revista@enf.ufrgs.br