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Docência no ensino superior em enfermagem e constituição identitária: ingresso, trajetória e permanência

Docencia de la enseñanza superior en enfermería y constitución identitaria: ingreso, trayectoria y permanencia

RESUMO

Objetivo

Identificar e analisar a relação entre os processos biográficos e relacionais na constituição da identidade profissional dos docentes dos cursos de enfermagem em instituições de ensino superior no estado de Goiás, Brasil.

Método

Trata-se de pesquisa qualitativa cujosdados foram coletados em 2014 e da qual participaram 11 professores de quatro cursos de enfermagem. Foi utilizada a entrevista semiestruturada. A análise dos dados foi norteada pela análise de conteúdo modalidade temática e, para as discussões, utilizou-se o referencial teórico-filosófico de Dubar.

Resultados

Foram identificadas três categorias temáticas: O ingresso na docência do ensino superior em enfermagem; O processo de constituição identitária do docente em enfermagem e Identidade, trajetória e permanência na profissão docente.

Considerações finais

A constituição da identidade profissional docente exigiu uma complexa negociação entre os aspectos biográficos e relacionais, evidenciando a busca por mecanismos de desenvolvimento profissional docente.

Docentes de enfermagem; Ensino superior; Papel profissional; Enfermagem

RESUMEN

Objetivo

Identificar y analizar la relación entre procesos biográficos y relacionales en la constitución de la identidad profesional de los docentes de enfermería, en instituciones de enseñanza (IES) del estado de Goiás, Brasil.

Método

Es una investigación cualitativa cuyos datos fueron obtenidos en el 2014, y de la cual participaron once profesores de cuatro cursos de enfermería. Se utilizó una entrevista semiestructurada. El análisis de los datos se realizó a través del análisis del contenido en la modalidad temática.

Resultados

Se identificaron tres categorías temáticas: Entrada en la enseñanza de la educación superior en enfermería; El proceso de construcción de la identidad de la enseñanza de la enfermería y la identidad, la historia y permanecer en la profesión docente.

Consideraciones finales

La constitución de la identidad profesional de la enseñanza requiere una negociación compleja entre los aspectos biográficos y relacionales, destacando la búsqueda de mecanismos de desarrollo profesional de los docentes.

Docentes de enfermería; Educación Superior; Rol profesional; Enfermería

ABSTRACT

Objective

To identify and analyze the relation between biographical and relational processes in constituting the professional identity of the nursing course faculty in higher education institutions in the state of Goiás, Brazil;

Method

This study is a qualitative research, data were collected in 2014, attended by 11 teachers from four nursing courses. A semi-structured interview was used. Data analysis was guided by the thematic content analysis modality and discussions used the theoretical-philosophical framework of Dubar.

Results

Three thematic categories were identified: The entry into higher education teaching in nursing; The identity construction process of teaching in nursing and; Identity, career and permanence in the teaching profession.

Final considerations

The constitution of the teaching professional identity required a complex negotiation between the biographic and relational aspects, highlighting the search for professional faculty development mechanisms.

Faculty, nursing; Education, higher; Professional role; Nursing

INTRODUÇÃO

As pesquisas no campo da formação de professores ganharam relevância principalmente a partir do final da década de 1970, no Brasil e no mundo, no entanto, quando tratam da questão da identidade e da profissionalização docente, ainda ocupam uma pequena parcela, apresentando diversidade de perspectivas teóricas indicando uma articulação frágil entre pesquisadores e a fluidez nesse campo11. Diniz-Pereira JE. A construção do campo da pesquisa sobre formação de professores. Rev FAEEBA - Educ Contemp. 2013;22(40):145-54..

Alguns estudos22. Braga MJG. Ser professor: um estudo sobre a constituição identitária profissional do enfermeiro docente. Cad Educ. 2013;13(25):98-117.

3. Spencer C. From bedside to classroom: From expert back to novice. Teach Learn Nurs. 2013;8:13-6.

4. Lemos MC, Passos JP. Satisfação e frustração no desempenho do trabalho docente em enfermagem. REME Rev Min Enferm. 2012;16(1):48-55.

5. Backes VMS, Moyá JLM, Prado ML. Processo de construção do conhecimento pedagógico do docente universitário de enfermagem. Rev Latino-Am Enfermagem. 2011mar-abr [citado 2015 jun 12];19(2):[08 telas]. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v19n2/pt_26.pdf
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-66. Aguayo-González M, Monereo-Font C. The nurse teacher: construction of a new professional identity. Invest Educ Enferm. 2012;30(3):398-405. sobre a formação de professores e constituição identitária de professores enfermeiros do ensino superior, revelaram que o professorado busca mudanças relacionadas a sua formação pedagógica principalmente para adequar-se as orientações legais que propõem a utilização de uma perspectiva mais dialógica e integrada, em contraposição a valorização do ensino técnico-científico nesta área de conhecimento. Embora exista uma tendência para a realização de uma formação pedagógica desse docente, ainda são utilizadas como principal fonte de saber docente os provenientes da experiência e da inspiração em modelos de professores marcantes22. Braga MJG. Ser professor: um estudo sobre a constituição identitária profissional do enfermeiro docente. Cad Educ. 2013;13(25):98-117.,44. Lemos MC, Passos JP. Satisfação e frustração no desempenho do trabalho docente em enfermagem. REME Rev Min Enferm. 2012;16(1):48-55.,77. Lazzari DD, Martini JG, Busana JA. Teaching in higher education in nursing: an integrative literature review. Rev Gaúcha Enferm. 2015;36(3):93-101..

O incentivo a formação docente também tem sido utilizada como mecanismo de retenção do docente na academia, privilegiando a formação de parcerias entre professores iniciantes e experientes, bem como a realização de pesquisas sobre o desenvolvimento e a prática docente, considerando que a docência no ensino superior tem sido exercida em contextos em que ainda prevalecem o individualismo, a precarização do trabalho e a crença de que para ser professor universitário basta ser um bom profissional na área de formação inicial, pouco valorizando a formação pedagógica77. Lazzari DD, Martini JG, Busana JA. Teaching in higher education in nursing: an integrative literature review. Rev Gaúcha Enferm. 2015;36(3):93-101.-88. Adams R. Exploring dual professional identities, the role of the nurse tutor in higher education in the UK: role complexity and tensions. J Adv Nurs. 2011;67(4):884-92..

A compreensão da identidade profissional envolve também o conhecimento de fatores como escolha, ingresso e trajetória na docência do ensino superior, o que pode fornecer subsídios para a construção de práticas efetivas de formação pedagógica, uma vez que existem condições multivariadas de trajetórias, por exemplo, existem docentes que são considerados iniciantes, mas possuem uma larga experiência profissional na assistência em enfermagem, e outros que possuem uma ampla formação acadêmica, como mestres e doutores, mas sem experiência profissional na assistência em enfermagem, em ambas condições há o enfrentamento de dilemas para desempenhar o trabalho como professores66. Aguayo-González M, Monereo-Font C. The nurse teacher: construction of a new professional identity. Invest Educ Enferm. 2012;30(3):398-405..

Na atual proposta de investigação para a compreensão da constituição da identidade profissional docente, foi adotado o referencial teórico-filosófico segundo Dubar99. Dubar, C. A crise das identidades: a interpretação de uma mutação. São Paulo: Ed. Universidade de São Paulo; 2009.-1010. Dubar, C. A socialização: construção das identidades sociais e profissionais. São Paulo: Martins Fontes; 2005.. Por se tratar de um referencial complexo neste artigo foram apresentados alguns dos conceitos centrais para a compreensão da identidade profissional. A identidade pode ser concebida como resultado do processo de socialização, que se dá pela congruência dos processos relacionais e biográficos. Os processos relacionais são aqueles em que o sujeito é analisado pelo outro dentro dos sistemas em que atuam e se inserem; os processos biográficos são aqueles que tratam da história, habilidades e projetos da pessoa. Estando a identidade de si não correlacionada à identidade para o outro, a identidade é construída e torna-se reconhecida pelo olhar do outro, num campo de incertezas e durabilidade variada99. Dubar, C. A crise das identidades: a interpretação de uma mutação. São Paulo: Ed. Universidade de São Paulo; 2009.-1010. Dubar, C. A socialização: construção das identidades sociais e profissionais. São Paulo: Martins Fontes; 2005..

A constituição da identidade profissional pode ser compreendida por meio de dois processos: o primeiro processo compreendido como atribuição da identidade pelas instituições e pelos agentes que estão em interação direta com os indivíduos, este leva a uma forma variável de rotulagem, produzindo o que se entende como identidade social virtual. O segundo processo concerne a interiorização ativa, à incorporação da identidade pelos próprios indivíduos. Ela só pode ser analisada no interior das trajetórias sociais em que os indivíduos constroem “identidades para si” que nada mais são que a história que eles se contam sobre o que são; ou entendido como identidade social real1010. Dubar, C. A socialização: construção das identidades sociais e profissionais. São Paulo: Martins Fontes; 2005..

Para isso a comunicação complexa que o sujeito adota é fundamental no processo de negociação identitária entre contradições e confirmações, objetividade e subjetividade, aceitação e recusa, certezas e incertezas, tendo como referência a trajetória individual evitando as rotulagens como identidades predefinidas1010. Dubar, C. A socialização: construção das identidades sociais e profissionais. São Paulo: Martins Fontes; 2005..

Assim, o processo de formação identitária se dá pela tensão entre atos de atribuição e atos de pertença. Enquanto os atos de atribuição correspondem à identidade para o outro, os atos de pertença indicam a identidade para si. O movimento de tensão se caracteriza, justamente, pela oposição entre o que esperam que o sujeito assuma e seja e o desejo do próprio indivíduo em ser e assumir determinadas identidades1010. Dubar, C. A socialização: construção das identidades sociais e profissionais. São Paulo: Martins Fontes; 2005..

O ciclo de vida profissional do professor apresenta uma interface com o processo de formação identitária propondo a compreensão do desenvolvimento profissional a partir de uma sequência de fases que ocorrem de modo geral, podendo variar o período de duração de cada pessoa na fase do ciclo. A primeira fase do ciclo de vida profissional dos professores denominada “a entrada na carreira” corresponde aos 2-3 primeiros anos na profissão, é nela que ocorre a exploração, o contato inicial com as situações de ensino, verificando-se duas situações comuns à sobrevivência e à descoberta da vida profissional, nelas são percebidas as questões sobre a identificação com o ideal e o real na profissão, o choque com a realidade, os conflitos com as possibilidades de permanecer ou sair dessa atividade. A segunda fase denominada “Estabilização” é considerada momento chave na qual a escolha definitiva para a profissão professor ocorre, nem sempre de modo fácil, mas verifica-se uma sensação de liberdade e identificação com a profissão e com uma consolidação da ação pedagógica, essa fase duraria desde o término da fase de entrada na carreira até 6 anos de carreira1111. Huberman M. O ciclo de vida profissional dos professores. In: Nóvoa A, organizador. Vidas de professores. Porto: Porto Editora, 2013. p. 31-62..

As fases que se seguem são: fase de diversificação (7-25 anos de carreira) marcada especialmente por uma busca de novos desafios profissionais, por maior experimentação pedagógica, valorização das experiências pessoais na composição de suas práticas no trabalho estando a busca por novos desafios associada ao temor em perder o entusiasmo pela profissão, fase pôr-se em questão, serenidade e distanciamento afetivo (25-35 anos de carreira) marcada especialmente por uma busca de novos desafios profissionais, por maior experimentação pedagógica, valorização das experiências pessoais na composição de suas práticas no trabalho estando a busca por novos desafios associada ao temor em perder o entusiasmo pela profissão. Finalmente o conservantismo e lamentações, e o desinvestimento (35-40 anos de carreira) tem-se que pode ocorrer de duas maneiras sereno e amargo, a depender também da subjetividade atribuída e construída por cada professor ao longo da vida profissional1111. Huberman M. O ciclo de vida profissional dos professores. In: Nóvoa A, organizador. Vidas de professores. Porto: Porto Editora, 2013. p. 31-62.

A motivação para o estudo deu-se a partir do esforço em compreender a constituição identitária dos docentes no ensino superior por se tratar de um campo de pesquisa complexo e também pela experiência profissional das autoras como docentes. Essa investigação teve como questões norteadoras: quem são os professores que ensinam nos cursos de graduação em enfermagem em instituições de ensino superior? Eles se identificam com essa profissão? Como constituíram sua profissionalidade? O que planejam para o futuro profissional?

O objetivo deste estudo foi identificar e analisar a relação entre os processos biográficos e relacionais na constituição da identidade profissional dos docentes dos cursos de enfermagem nas instituições de ensino superior no estado de Goiás, Brasil.

METODOLOGIA

Tratou-se de uma pesquisa qualitativa de natureza descritiva e exploratória1212. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec; 2014.. O estudo foi realizado no estado de Goiás, Brasil, em instituições públicas de ensino superior e fundações municipais. Por meio de levantamento no E-mec1313. e-mec.org.br [Internet]. Instituições de educação superior e cursos cadastrados Brasília: Ministério da Educação; c2014 [citado 2014 jan 12]. Disponível em: http://emec.mec.gov.br.
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verificou-se a existência de quatro instituições de ensino superior de caráter público, sendo que uma delas era considerada de natureza jurídica autarquia federal, uma de natureza jurídica autarquia estadual e duas de natureza jurídica fundação municipal. Dentre essas quatro instituições existiam oito cursos de graduação em enfermagem, foram critérios para escolha do curso em cada instituição aquele que tinha maior tempo de funcionamento e apresentava modalidade de ensino presencial. Dessa maneira os cursos selecionados localizaram-se nas cidades de Goiânia, Ceres, Goiatuba e Rio Verde1313. e-mec.org.br [Internet]. Instituições de educação superior e cursos cadastrados Brasília: Ministério da Educação; c2014 [citado 2014 jan 12]. Disponível em: http://emec.mec.gov.br.
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Os critérios de inclusão adotados para a seleção dos participantes da pesquisa foram: ser graduado em enfermagem, ser professor da instituição de ensino superior selecionada, no curso de enfermagem e possuir mais de três anos de atividade docente na instituição. Para eleger o critério de tempo na carreira de professor utilizou-se as tendências gerais do ciclo de vida profissional dos professores1111. Huberman M. O ciclo de vida profissional dos professores. In: Nóvoa A, organizador. Vidas de professores. Porto: Porto Editora, 2013. p. 31-62., nesse caso, com ênfase a partir da fase de “Estabilização” considerada momento chave na qual a escolha definitiva para a profissão professor (4-6 anos de carreira).

Para a seleção dos participantes de pesquisa, foi solicitado à direção/coordenação dos cursos de graduação das instituições participantes uma lista dos docentes. Também foi realizado um levantamento do quadro de docentes no site de cada instituição e verificado na Plataforma lattes os currículos dos docentes para coletar informações sobre a formação acadêmica, a data de ingresso na instituição, nos casos em que a instituição não cedeu a lista de docentes com as informações solicitadas. A seguir foi realizado sorteio por amostragem aleatória, a partir da lista dos participantes que atendiam aos critérios de inclusão já descritos, e posteriormente, por contato via e-mail ou telefônico o docente foi convidado a participar da pesquisa. Apenas um participante se recusou a participar, nesse caso foi realizado novo sorteio. Foram entrevistados três participantes de cada instituição, sendo que somente em uma instituição foram entrevistados dois participantes, pois atendiam aos critérios de inclusão.

O critério para definir o número de participantes foi a saturação teórica, que indica a suspensão de inclusão de novos participantes quando os dados obtidos passam a se apresentar repetitivos, assim o pesquisador pode por meio de análise constante dos dados determinar a suspensão da coleta de dados1414. Fontanella BJB, Ricas J; Turato ER. Amostragem por saturação em pesquisas qualitativas em saúde: contribuições teóricas. Cad. Saúde Pública. 2008 [citado 2014 jan 10]; 24(1):17-27. Disponível em: http://www.scielosp.org/pdf/csp/v24n1/02.pdf.
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Aos participantes foi apresentado Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e as entrevistas somente ocorreram após consentimento do participante. O presente estudo fez parte de uma pesquisa matriz, que buscou investigar o processo de construção da identidade docente entre professores enfermeiros (Parecer nº 711.121, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, em 07/07/2014).

O processo de coleta de dados ocorreu entre setembro e dezembro de 2014. Como recurso para a obtenção dos dados foi utilizada a entrevista semi-estruturada1212. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec; 2014.,1515. Lüdke M.; André MEDA. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: E.P.U.; 2012.realizadas na própria instituição de ensino do participante, em sala reservada para essa finalidade, com duração média de uma hora. As questões norteadoras da entrevista foram: Como você se tornou professor? Como você se percebe na sua atuação profissional docente? Como você se descreve como professor? O que faria de diferente na sua trajetória profissional? Você tem planos para sua carreira profissional docente? O que facilita o desempenho de sua profissão docente? O que dificulta o desempenho de sua profissão docente?

Foi realizada a gravação em áudio e a transcrição das entrevistas, e para preservar a identidade do participante substituiu-se o nome real por um nome fictício. Foram entrevistados 11 professores nos cursos selecionados.

A análise de dados foi fundamentada pela análise de conteúdo, mais especificamente nas categorias temáticas segundo Bardin1616. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2011.. A análise temática buscou constituir os “núcleos de sentidos” inseridos nas transcrições das entrevistas, e cujas presenças ou frequências de aparição apresentavam significado para a questão de pesquisa. A técnica de análise desenvolveu-se em três fases: pré-análise, seleção das unidades de análise e o processo de categorização1616. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2011.. A contribuição do referencial teórico proposto por Dubar99. Dubar, C. A crise das identidades: a interpretação de uma mutação. São Paulo: Ed. Universidade de São Paulo; 2009.-1010. Dubar, C. A socialização: construção das identidades sociais e profissionais. São Paulo: Martins Fontes; 2005. foi apresentada nas discussões a partir da análise dos conceitos centrais apresentados na sua obra em articulação com as falas das participantes.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Como características de aproximação mais relevantes entre as participantes estão o sexo, todas são mulheres, o estado civil de casada para sete em 11 participantes, e ter filhos para oito participantes que tem entre um e três filhos. A idade das participantes variou entre 28 e 58 anos, sendo a média de 37,9 anos. Três das 11 participantes trabalham em regime de dedicação exclusiva, além dessas, duas trabalham exclusivamente na docência do ensino superior, e seis atuam em mais de um emprego a maior parte deles como enfermeiras assistencialistas. Sete participantes têm vínculo efetivo nas instituições de ensino e quatro trabalham com vínculo de contrato temporário.

O tempo de experiência na docência universitária entre as professoras variou entre 35 e três anos, compondo uma média de 11 anos. No ciclo de vida profissional docente tem-se seis professoras na fase de estabilização; quatro na fase de diversificação e questionamento e duas na fase de distanciamento afetivo e desinvestimento. Quanto a qualificação acadêmica das participantes três são doutoras, três são mestres e cinco são especialistas. Nove das docentes atuam entre três e cinco disciplinas na graduação. Três das docentes atuam em cargos de gestão acadêmica no curso em que estão vinculadas. Apenas duas em 11 das docentes também atuam em cursos de pós-graduação stricto sensu.

A partir da análise dos dados foram identificadas três categorias temáticas: O ingresso na docência do ensino superior em enfermagem; O processo de constituição identitária do docente em enfermagem e Identidade, trajetória e permanência na profissão docente.

O ingresso na docência do ensino superior em enfermagem

A contingência se destacou como fator que motivou o ingresso na profissão para a maior parte das participantes prevalecendo como justificativa o acaso por meio do uso de expressões como “caí de paraquedas”, ou ainda como uma determinação divina:

Eu nunca pensei que eu ia ser docente, eu acho que quase todo mundo cai um pouco de paraquedas né, porque eu caí de paraquedas, também[...] (Joana).

Eram duas vagas, eu passei em primeiro lugar e passei com dez [...] Então acho que era plano de Deus na minha vida (Lia).

Apenas três, em 11 participantes, manifestaram um desejo e planejamento para ingressar na profissão. Como estratégias que propiciaram sua preparação para a entrada na profissão estão a realização de monitorias durante a graduação, investimento na qualificação por meio da realização de cursos de pós-graduação, que privilegiaram reflexões sobre o exercício da docência universitária:

Eu fiz orientação vocacional com psicólogo e já me direcionei para isso, esse era o meu interesse. Então eu acabei optando pela enfermagem porque eu achava que eu teria possibilidades de trabalhar como professora nessa área, desde a graduação eu sempre me envolvi com atividades de pesquisa, eu me envolvi em monitorias, então desde a graduação eu tinha esse interesse (Sofia).

As participantes consideraram como processo exigente a assunção da identidade profissional docente reconheceram que a formação profissional como enfermeiras não ofereceu condições para trabalharem como professoras indicando a necessidade de investimentos na formação profissional docente como evidenciado nas falas a seguir22. Braga MJG. Ser professor: um estudo sobre a constituição identitária profissional do enfermeiro docente. Cad Educ. 2013;13(25):98-117.,55. Backes VMS, Moyá JLM, Prado ML. Processo de construção do conhecimento pedagógico do docente universitário de enfermagem. Rev Latino-Am Enfermagem. 2011mar-abr [citado 2015 jun 12];19(2):[08 telas]. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v19n2/pt_26.pdf
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-66. Aguayo-González M, Monereo-Font C. The nurse teacher: construction of a new professional identity. Invest Educ Enferm. 2012;30(3):398-405..

É engraçado, eu falo que quem faz o curso de Enfermagem eu acho que não aprende a ser professora. Eu falo isso, não formei para ser docente. [...] a gente não tem uma visão muito ampla da docência. Mas aí a gente vai aprendendo (Vitória).

[...]Mas especialização em docência universitária, em uma capacitação específica para professor, para formação, não fiz [...]Eu acho que se tivesse um curso de capacitação realmente para o docente, seria mais viável. Acho que todo professor deveria passar (Rosa).

Assim, compreender o ingresso na profissão está diretamente ligado ao processo de constituição da identidade profissional, sendo para as docentes participantes a compreensão que tem sobre a motivação para o ingresso na profissão situadas num campo mais externo (uma contingência da vida) que interno (uma escolha)1010. Dubar, C. A socialização: construção das identidades sociais e profissionais. São Paulo: Martins Fontes; 2005..

O processo de constituição identitária do docente em enfermagem

Nesta categoria a partir da descrição profissional das participantes foram evidenciados aspectos que possibilitaram a compreensão de como se deu a constituição de sua identidade profissional, pois, o que “existe são modos de identificação, variáveis no decorrer da história coletiva e da vida pessoal, destinações a categorias diversas que dependem do contexto”99. Dubar, C. A crise das identidades: a interpretação de uma mutação. São Paulo: Ed. Universidade de São Paulo; 2009.. As maneiras de identificar são duas: as identificações atribuídas pelos outros e as identificações reivindicadas por si mesmo, fundamentos para a noção de formas identitárias99. Dubar, C. A crise das identidades: a interpretação de uma mutação. São Paulo: Ed. Universidade de São Paulo; 2009.-1010. Dubar, C. A socialização: construção das identidades sociais e profissionais. São Paulo: Martins Fontes; 2005..

Assim, não se pretendeu fazer uma oposição entre a forma identitária assumida pelos participantes, ou qual delas é preferível, mas compreender qual a crença que elas têm na assunção da identidade para si e para os outros e como elas as relacionam para configurar a sua identidade. Nos relatos das docentes se evidenciou a assunção de uma denominação para si como “exigente” criando um ideal de professor, que ensina e protege os estudantes do sofrimento futuro, justificado como elas indicaram, por vivências do passado:

Eu me vejo exigente, eu sou exigente porque eu percebo sim, muita coisa que eu sofri na minha vida profissional foi porque professores não me ensinaram eu lembro muito do que eu sofri, [...] e por causa disso, por eu saber que eles vão sofrer e não vão sofrer pouco por que a exigência lá fora é muito grande por isso que eu tento cobrar muito (Helena).

Por que eu quero, assim, chegar lá e tudo o que os meninos me questionarem, eu me sinto na obrigação de... de saber passar, esclarecer (Clarice).

Olha, a enfermagem, ela tem fama, a gente teve uma formação muito severa, até pela minha insegurança, quando eu comecei na docência, era uma professora totalmente intransigente, entendeu? Eu era igual uma ex-professora de fundamentos, colocava os meninos para sofrer (Fernanda).

A identidade professoral pretendida neste caso é a do professor com domínio técnico e que sabe “transmitir”, aspecto diretamente ligado ao modelo tradicional de ensino, centrado na figura do docente como detentor de conhecimentos88. Adams R. Exploring dual professional identities, the role of the nurse tutor in higher education in the UK: role complexity and tensions. J Adv Nurs. 2011;67(4):884-92.. O que pode contribuir para a compreensão desse modelo assumido na constituição identitária das docentes desta pesquisa foi que a vivência como enfermeiras na prática assistencial esteve muitas vezes relacionada ao sofrimento e a exigência profissional, visto que, elas não se sentiram devidamente preparadas para essa realidade durante o ensino de graduação. Desse modo, assumiram um papel protetor diante dos estudantes/futuros enfermeiros com a intenção de ensiná-los a lidar com essa possível realidade simulando esse cenário de exigências no âmbito do processo de ensino e aprendizagem como se fosse uma ‘obrigação’ a ser defendida e que também revelou o forte papel da afetividade nas relações de ensino22. Braga MJG. Ser professor: um estudo sobre a constituição identitária profissional do enfermeiro docente. Cad Educ. 2013;13(25):98-117.,66. Aguayo-González M, Monereo-Font C. The nurse teacher: construction of a new professional identity. Invest Educ Enferm. 2012;30(3):398-405..

Contudo, no processo de constituição identitária, existe a possibilidade de o indivíduo aceitar ou negar aquilo que é determinado pelo outro, e se reconstruir de outra forma, neste caso, somente o estudante realizará os processos de escolha para a sua identidade profissional1010. Dubar, C. A socialização: construção das identidades sociais e profissionais. São Paulo: Martins Fontes; 2005.. Foi identificado como aspecto de fortalecimento da confiança docente o reconhecimento de limites e também de possibilidades de transformações como apresentado na fala a seguir:

[...] eu me vejo assim nem tão muito nem tão pouco, tento exigir o máximo que eu posso e tento fazer o que eu posso de melhor, mas tem muitas limitações eu acho (Joana).

Desse modo, para consolidarem a identidade profissional como professores elas necessitam investir em seu desenvolvimento profissional, sobretudo, gerando condições de ampliação da autonomia pessoal e confiança55. Backes VMS, Moyá JLM, Prado ML. Processo de construção do conhecimento pedagógico do docente universitário de enfermagem. Rev Latino-Am Enfermagem. 2011mar-abr [citado 2015 jun 12];19(2):[08 telas]. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v19n2/pt_26.pdf
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,1717. Bolzan PVB, Isaia SMA, Maciel AMR. Formação de professores: a construção da docência e da atividade pedagógica na educação superior. Rev Diálogo Educ. 2013;13(38):49-68.. As participantes também revelaram que modelos de professores com quem entraram em contato no decorrer de sua experiência como estudantes forneceram elementos importantes para o processo de constituição da identidade profissional docente:

Eu acho que a enfermagem é um pouco metódica nesse sentido, muito rígida, tem que ser muito severa, isso não foi legal para mim na graduação, eu optei por não repetir, ao longo dos anos, eu já vi tantos professores tranquilos, de outros cursos, que levam as coisas mais tranquilas, entendeu? (Fernanda).

Não sei, eu acho que assim, a gente acaba sendo um pouco de cópia do que a gente sentia dos professores e a gente acaba usando alguns dos professores você meio que acaba repetindo aquilo que a gente aprendeu do que era ser professor [...] (Roberta).

[...]eu acho que talvez eu reproduzia aquilo que eu tinha vivido na graduação [...] então acho que talvez era uma reprodução. Através do mestrado eu comecei a refletir mais e o que mais eu poderia trazer de contribuição [...] (Marta).

Outra influência significativa para as participantes quando ingressaram na profissão docente foi o convívio com professores experientes no contexto de trabalho, representando para elas uma estratégia de formação profissional por meio das trocas e partilhas intergeracionais33. Spencer C. From bedside to classroom: From expert back to novice. Teach Learn Nurs. 2013;8:13-6.,55. Backes VMS, Moyá JLM, Prado ML. Processo de construção do conhecimento pedagógico do docente universitário de enfermagem. Rev Latino-Am Enfermagem. 2011mar-abr [citado 2015 jun 12];19(2):[08 telas]. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v19n2/pt_26.pdf
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,1717. Bolzan PVB, Isaia SMA, Maciel AMR. Formação de professores: a construção da docência e da atividade pedagógica na educação superior. Rev Diálogo Educ. 2013;13(38):49-68.. O relacionamento entre professores que são contemporâneos pois compartilham o existir e o trabalho no mesmo momento no entanto, com experiências diferentes já que se encontram em diferentes fases do ciclo de vida profissional do professor1111. Huberman M. O ciclo de vida profissional dos professores. In: Nóvoa A, organizador. Vidas de professores. Porto: Porto Editora, 2013. p. 31-62., como observado a seguir:

[...]o que me ajudou a construir eu ser professora, as minhas professoras, reflexo dos meus professores e o convívio com os professores daqui. Pedi muita ajuda no início, perguntava como é que eu faço isso, é dessa forma; lembrando dos meus professores, o que que meu professor me ensinou o que ele fez, ele fez assim assado, e pedindo ajuda para os meus colegas mais antigos aqui da instituição (Helena).

[...] Então nesse início eu já tive contato com muitos professores bons, assim, aqui na Faculdade que já estavam há um tempo, e que puderam me ajudar nessa experiência, essa troca de experiência de quem está chegando com quem já está algum tempo na academia, é muito interessante mesmo (Sofia).

Essas considerações mostram como o aprendizado da docência foi influenciado por experiências anteriores e durante o exercício da docência, no entanto, a complexidade da ação docente exige investimentos na valorização da profissionalização, especialmente nos seus aspectos inerentes a formação pedagógica do docente77. Lazzari DD, Martini JG, Busana JA. Teaching in higher education in nursing: an integrative literature review. Rev Gaúcha Enferm. 2015;36(3):93-101.,1111. Huberman M. O ciclo de vida profissional dos professores. In: Nóvoa A, organizador. Vidas de professores. Porto: Porto Editora, 2013. p. 31-62.,1717. Bolzan PVB, Isaia SMA, Maciel AMR. Formação de professores: a construção da docência e da atividade pedagógica na educação superior. Rev Diálogo Educ. 2013;13(38):49-68..

Diante da identificação de diversas situações angustiantes vivenciadas pelas participantes no processo de constituição da identidade profissional considerou a existência de um “jogo identitário”, em que o professor temia os atos de atribuição que recebia e oferecia, especialmente na relação com os alunos99. Dubar, C. A crise das identidades: a interpretação de uma mutação. São Paulo: Ed. Universidade de São Paulo; 2009.,1010. Dubar, C. A socialização: construção das identidades sociais e profissionais. São Paulo: Martins Fontes; 2005..

Identidade, trajetória e permanência na profissão docente

O desenvolvimento da identidade acompanha o processo de maturidade do docente na profissão, quanto maior a sua experiência maior a sua segurança em identificar-se como docente e acompanhar as fases de maior ou menor aproximação com a profissão, como num processo de metamorfose77. Lazzari DD, Martini JG, Busana JA. Teaching in higher education in nursing: an integrative literature review. Rev Gaúcha Enferm. 2015;36(3):93-101.,1111. Huberman M. O ciclo de vida profissional dos professores. In: Nóvoa A, organizador. Vidas de professores. Porto: Porto Editora, 2013. p. 31-62.. A participante Vitória reconheceu que a ausência de formação pedagógica dificultou sua atuação especialmente, diante dos aspectos técnicos e metodológicos inerentes ao exercício docente bem como no reconhecimento das suas fragilidades e dos estudantes:

Eu não sabia nem falar com o diário. Eu tinha que relatar lá a metodologia, recursos, conteúdo programático, [...], o primeiro dia de aula, quando eu tinha que preencher o meu diário já, ‘quais os termos que se usam? Qual foi o tipo de metodologia que eu usei para dar essa aula?’. Então assim, uma das coisas que eu mais tive dificuldade aí, de cara. [...] A gente não aprendeu a ser professora. Eu me percebo uma eterna aprendiz. Eu não me sinto a dona do saber, eu não me sinto a dona da verdade (Vitória).

O caráter laborioso e heterogêneo da docência exige do professor a habilidade de reflexão crítica sobre ela, compreendendo as suas possibilidades e limitações, o que pode produzir efeitos sobre o seu desenvolvimento pessoal, profissional e institucional e também sobre a autonomia11. Diniz-Pereira JE. A construção do campo da pesquisa sobre formação de professores. Rev FAEEBA - Educ Contemp. 2013;22(40):145-54.-22. Braga MJG. Ser professor: um estudo sobre a constituição identitária profissional do enfermeiro docente. Cad Educ. 2013;13(25):98-117.,1717. Bolzan PVB, Isaia SMA, Maciel AMR. Formação de professores: a construção da docência e da atividade pedagógica na educação superior. Rev Diálogo Educ. 2013;13(38):49-68..

As professoras Luiza e Lia destacam situações e impressões do processo de amadurecimento profissional e a capacidade de reconhecer-se nas fases de ‘serenidade e distanciamento afetivo’ e ‘conservantismo’ do ciclo de vida profissional dos professores1111. Huberman M. O ciclo de vida profissional dos professores. In: Nóvoa A, organizador. Vidas de professores. Porto: Porto Editora, 2013. p. 31-62. em que a valorização da pessoa do professor situou-se além das obrigações da profissão (como os aspectos relacionados essencialmente a produtividade acadêmica), permitindo a reflexão sobre questões filosóficas da pessoa e da influência do desenvolvimento profissional em suas vidas e nas vidas dos estudantes:

Por isso que a idade alguma vantagem trás, não só desvantagens, não é? Mas tem que ter vantagem. E a vantagem é a maturidade que se manifesta pela serenidade, quando você é capaz de olhar as coisas e filtrar (Lia).

A carga é pesada para ser professor, é pesada, porque a gente tem que assumir PIBIC (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica), PIVIC (Programa Institucional de Voluntários de Iniciação Científica), Extensão, pesquisa, quando nós estamos no mestrado é uma outra cobrança de níveis de publicação, e não vale mais publicação agora tem que ser internacional, então, assim fica aquela coisa, mensagens que a gente recebe no whatsapp [...] tem horas que eu tenho medo de abrir e-mail [...] Só que acho que a gente está assim meio que cansado, meio que sobrecarregado demais (Luiza).

O desenvolvimento docente ao longo da trajetória de vida e o processo de despedir-se da profissão, a partir das experiências das participantes com maior tempo de docência e que vivenciam a aproximação da aposentadoria, revelaram os dilemas por elas enfrentados também no que se refere ao contexto das relações com os pares considerados ingressantes na carreira e as formas identitárias na relação eu-outros (os pares) na percepção de si mesmo, assumindo um caráter de lamentação e de sentimento de desvalorização do trabalhador1111. Huberman M. O ciclo de vida profissional dos professores. In: Nóvoa A, organizador. Vidas de professores. Porto: Porto Editora, 2013. p. 31-62.:

É um desrespeito absoluto pela carreira docente, pela história de vida, pelos anos de contribuição, é um horror, é uma coisa desumana demais, ao ponto da pessoa nunca mais botar o pé aqui é forte demais, é nunca mais. As pessoas se aposentam só faltam falar assim: Ufa! [...] (Lia).

Na busca para minimizar as condições que geram desgaste e contrariedade aos seus ideais ou propósitos de vida, a professora Luiza manifestou seu descontentamento com as condições de trabalho e também com as relações interpessoais frágeis, expandindo o foco de sua condição de satisfação para além do trabalho, ou seja, reconhece toda a contribuição que ofereceu ao longo da sua carreira profissional e despede-se ou se afasta num movimento de desinvestimento sereno1111. Huberman M. O ciclo de vida profissional dos professores. In: Nóvoa A, organizador. Vidas de professores. Porto: Porto Editora, 2013. p. 31-62.:

[...]a identidade nossa vai passando por períodos, e isso não significa que você não tem identidade, muito pelo contrário, mas a gente vai amadurecendo, e o processo de amadurecimento é belíssimo [...]é olhar para isso e desfrutar o sabor, é dar leveza para as coisas, esse é o exercício de dar leveza para as coisas, ser professor, ser enfermeiro, tem horas que é difícil, mas é saboroso demais (Luiza).

Essa concepção do processo de desenvolvimento profissional expressada pela participante Luiza na fala acima, demonstrou que o processo de constituição da identidade profissional partiu da valorização e da construção de si, demonstrado pela manifestação de sentimentos positivos em relação a sua pessoa e ao investimento realizado para desenvolver a sua profissionalidade1010. Dubar, C. A socialização: construção das identidades sociais e profissionais. São Paulo: Martins Fontes; 2005.,1717. Bolzan PVB, Isaia SMA, Maciel AMR. Formação de professores: a construção da docência e da atividade pedagógica na educação superior. Rev Diálogo Educ. 2013;13(38):49-68.-1818. Coutinho MC, Magro MLPD, Budde C. Entre o prazer e o sofrimento: um estudo sobre os sentidos do trabalho para professores universitários. Psicol: Teor Prat. 2011;13(2):154-67..

As participantes manifestaram um desejo quase que unânime em continuar a profissão docente, dizem que não se veem exercendo outra profissão, e reconhecem situações que justificam sua permanência na docência universitária. Esse desejo de permanência na profissão foi exposto ora como representatividade de uma completa satisfação profissional, como reflexo de todos os desejos esperados para a carreira profissional e como oportunidade de constante aperfeiçoamento, ora como um refúgio do drama experimentado que é ser enfermeira assistencial do ponto de vista da pouca valorização social, da sobrecarga de trabalho e baixa remuneração. Como evidenciado nos relatos a seguir:

É eu gosto muito de ser enfermeira, e, ensinar enfermagem para outro é para mim aquilo que eu tenho muito orgulho de ser isso, acho que faz toda a diferença [..]para quem é professor. Então para mim eu não penso em abandonar essa carreira e fazer outra coisa. Eu penso sempre em me diversificar naquilo que me propus a fazer (Sofia).

Não mudaria, seria enfermeira de novo [...] eu acho que no futuro não tão distante, eu acho que vou me manter só na docência, não sei, acho que sim, é o que eu estou visualizando. Não que eu não goste da assistência, mas eu acho que nesse sentido a docência financeiramente é mais interessante do que a assistência[...] (Roberta).

Como perspectivas para o planejamento e desenvolvimento na profissão a partir das falas das docentes foram destacados os principais eixos de investimento pretendidos:

Desenvolvimento da carreira docente no sentido de arriscar-se em campos para além do ensino e que são ocupados/exigidos como a inserção em programas de pós-graduação, ocupação de cargos administrativos ou de gestão universitária:

Eu gostaria de amadurecer um pouco mais, enquanto pesquisadora, de aprimorar no sentido de construir projetos de pesquisa bem interessantes, que deem retorno para aquelas populações para as quais eu trabalho, eu gostaria de no futuro me envolver no programa de pós-graduação, que eu ainda não sou professora no programa de pós, dar minha colaboração nesse sentido, já pensei no futuro em ir para a área administrativa, na coordenação de graduação ou diretoria (Sofia).

Investimento na qualificação, especialmente por via de cursos de pós-graduação stricto sensu:

O que eu gostaria, como meta, é investir, meu sonho é fazer meu doutorado, eu gostaria de poder ter esse meu momento de fazer só pesquisa, eu gostaria (Fernanda).

O desenvolvimento do estudante, como modo de envolvimento com o processo de ensino e como modo de satisfação e meta a ser alcançada como capacidade para atuação docente:

Eu quero ser uma professora, continuar envolvida, compromissada com o aprendizado, mais atenta ao que cada acadêmico têm, a sua dificuldade, necessidade, prestar mais a atenção nessa particularidade do acadêmico (Marta).

Fortalecimento da área de atuação no ensino e pesquisa como modo de deixar um legado/marca ou contribuição para o grupo:

Então agora, meu papel aqui, na minha área especialmente, é fortalecer, a minha área, criei um grupo de pesquisa, que ele está se consolidando com esses colegas que estão lá a gente, tem parcerias ótimas, nós estamos muito bem nos serviços (Luiza).

Apesar dos dilemas enfrentados na profissão as professoras identificam na docência uma profissão capaz de promover satisfações possibilitando inclusive o planejamento para o futuro profissional1919. Chamon EMQO. Estratégias identitárias de professores em uma formação docente. Rev Ibero-Am Est Educ. 2015;10(3):874-87.-2020. Raitz TR, Silva CDL. Trajetórias identitárias e sentidos do trabalho docente para professores universitários. Psicol Soc. 2014;26(1):204-13.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A construção da identidade profissional docente entre as participantes da pesquisa ocorreu diante de uma complexa negociação entre os aspectos biográficos e relacionais, primeiramente, enfrentaram o dilema de ingressar no trabalho docente com pouca ou nenhuma formação pedagógica. Diante disso buscaram diversas estratégias para a constituição identitária como a apropriação de modelos de professores que consideraram exitosos e marcantes durante a experiência como estudantes e a valorização da experiência profissional como enfermeiras num movimento de transposição de identidades, que ao longo do processo de amadurecimento profissional foi se modificando. Dentre as participantes havia uma distinção em relação as fases do ciclo de vida profissional do professor revelando modos diversos para lidar com os dilemas da profissão, sendo que, quanto mais avançam no ciclo de vida profissional mais se sentiam seguras e autônomas para o exercício profissional.

Houve o reconhecimento da formação pedagógica como elemento fundamental para a identificação com a profissão professor; e para o fortalecimento docente no enfrentamento das suas fragilidades. Também foi manifestado o desejo unânime de permanecer na docência com indicativos de planos para o futuro da carreira docente. Nesse sentido, a constituição da identidade profissional docente pode ser considerada como processual e vivida de modo específico para cada participante no contexto complexo e dinâmico da profissão docente.

Foi considerado como uma limitação para comparações e reflexões com os resultados desse estudo o quantitativo de pesquisas publicadas nesta temática na área da enfermagem, com o escopo de compreender a constituição identitária dos docentes no ensino superior com o referencial teórico proposto. Desse modo indica-se a necessidade de privilegiar outros estudos que como este buscam compreender os processos de constituição identitária docente podendo constituir em fundamentação teórica para intervenções políticas e institucionais visando a qualidade de trabalho e ensino na educação superior.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2017

Histórico

  • Recebido
    03 Maio 2016
  • Aceito
    17 Fev 2017
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