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Automedicação em estudantes de enfermagem do Estado do Amazonas – Brasil

La automedicación por los estudiantes de enfermería del Estado de Amazonas – Brasil

RESUMO

Objetivo

Determinar a prevalência e os fatores associados à automedicação entre estudantes de enfermagem.

Método

Estudo transversal realizado com 116 estudantes de enfermagem de uma universidade pública do Estado do Amazonas – Brasil, no período de março a abril de 2014. Utilizou-se questionário constituído por variáveis socioeconômicas e de consumo de medicamentos. Foi realizada a análise bivariada e a regressão logística – nível de significância de 5%.

Resultados

A prevalência de automedicação foi de 76,0%, motivada especialmente pela percepção de que o problema de saúde não requeria visita ao médico (46,6%). Metade dos estudantes relataram queixas álgicas. Os grupos farmacológicos mais consumidos foram anti-inflamatórios não esteroides (63,2%) e antibióticos (11,1%). O desconhecimento das implicações negativas da prática da automedicação foi associado à automedicação (OR=6,0).

Conclusão

A alta prevalência de automedicação, além de poder levar a reações adversas retrata também o uso irracional de medicamentos pelos estudantes, especialmente, quando considerado o papel destes futuros profissionais na segurança do paciente.

Automedicação; Estudantes de enfermagem; Educação em enfermagem; Uso de medicamentos; Segurança do paciente; Assunção de riscos

RESUMEN

Objetivo

Determinar la prevalencia y los factores asociados con la automedicación entre estudiantes de enfermería.

Métodos

Estudio transversal con 116 estudiantes de enfermería de una universidad pública en Amazonas - Brasil, en el período de marzo y abril del 2014. Se utilizó un cuestionario que consta de los niveles socioeconómicos y el consumo de drogas. Se realizó un análisis bivariante y regresión logística -nivel de significación del 5%.

Resultados

La prevalencia de la automedicación fue de un 76,0%, motivada especialmente por la constatación de que el problema de salud requiere no visitar al médico (46,6%). La mitad de los estudiantes reportaron quejas de dolor. Los grupos de fármacos más consumidos fueron los antiinflamatorios no esteroide (63,2%) y antibióticos (11,1%). Ignorar las implicaciones negativas de la práctica de la automedicación se asoció con la automedicación (OR = 6,0).

Conclusión

La alta prevalencia de la automedicación, pueden dar lugar a reacciones adversas, retrata el uso irracional de los medicamentos por los estudiantes, especialmente teniendo en cuenta el papel de estos futuros profesionales de la seguridad del paciente.

Automedicación; Estudiantes de enfermería; Educación en enfermería; Utilización de medicamentos; Seguridad del paciente; Asunción de riesgos

ABSTRACT

Objective

To determine the prevalence of self-medication and associated factors among nursing students.

Method

This is a cross-sectional study with 116 nursing students from the public university in the state of Amazonas, Brazil, from March to April 2014. Data were collected using a questionnaire with socioeconomic and medicine use variables. The data were subjected to bivariate analysis and logistic regression at a significance level of 5%.

Results

The prevalence of self-medication was 76.0%, chiefly motivated by the belief that the health condition did not require a medical appointment (46.6%). Half of the students reported pain-related complaints. The most commonly used pharmacological groups were non-steroidal anti-inflammatory drugs (63.2%) and antibiotics (11.1%). Lack of awareness of the negative implications of self-medication was associated with self-medication (OR = 6.0).

Conclusion

The high prevalence of self-medication that may lead to adverse reactions reveals the students’ irrational use of medicines, especially considering the role of these future professionals in patient safety.

Self-medication; Students, nursing; Education, nursing; Drug utilisation; Patient safety; Risk-taking

INTRODUÇÃO

A automedicação é uma prática frequente em inúmeros grupos etários e em diferentes culturas, que retrata o princípio do próprio indivíduo selecionar e usar espontaneamente algum medicamento que considere adequado para resolver um problema de saúde(11. World Health Organization (CH). Guidelines for the regulatory assessment of medicinal products for use in self-medication. Geneva: WHO; 2000 [cited 2016 Mar 13]. Available from: http://apps.who.int/medicinedocs/pdf/s2218e/s2218e.pdf.
http://apps.who.int/medicinedocs/pdf/s22...

2. Souza LAF, Silva CD, Ferraz GC, Sousa FAEF, Pereira LV. The prevalence and characterization of self-medication for obtaining pain relief among undergraduate nursing students. Rev Lat-Am Enfermagem. 2011 [cited 2015 Feb 16];19(2):245-51. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v19n2/04.pdf.
http://www.scielo.br/pdf/rlae/v19n2/04.p...
-33. Al Hussaini M, Mustafa S, Ali S. Self-medication among undergraduate medical students in Kuwait with reference to the role of the pharmacist. J Res Pharm Pract. 2014 [cited 2016 Jan 10];3(1):23-7. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4078651/.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
). Essa prática inapropriada pode ocasionar resistência antimicrobiana, reações adversas a medicamentos, interações medicamentosas, risco de mascaramento de doenças evolutivas e aumento do uso de recursos financeiros para o sistema de saúde(11. World Health Organization (CH). Guidelines for the regulatory assessment of medicinal products for use in self-medication. Geneva: WHO; 2000 [cited 2016 Mar 13]. Available from: http://apps.who.int/medicinedocs/pdf/s2218e/s2218e.pdf.
http://apps.who.int/medicinedocs/pdf/s22...
).

Os motivos que levam a automedicação apontam experiência prévia com o sintoma ou a doença, crença sobre conhecimento da doença, limitação de recursos financeiros para cuidar da saúde, indisponibilidade de tempo para buscar auxílio médico e atitude do indivíduo face a doença. Os fatores associados a esta prática incluem sexo feminino, faixas etárias mais elevadas, prática de atividade física, consumo de bebidas alcoólicas e possuir plano de saúde(44. Kumar N, Kanchan T, Unnikrishnan B, Rekha T, Mithra P, Kulkarni V, et al. Perceptions and practices of self-medication among medical students in Coastal South India. PLoS One. 2013 [cited 2016 Feb 11];8(8):e72247. Disponível em: http://www.plosone.org/article/fetchObject.action?uri=info:doi/10.1371/journal.pone.0072247&representation=PDF.
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5. Goel D, Gupta S. Self-medication patterns among nursing students in North India. IOSP J Dental Med Sci. 2013 [cited 2016 Feb 11];11(4):14-7. Available from: http://iosrjournals.org/iosr-jdms/papers/Vol11-issue4/D01141417.pdf?id=8203.
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6. Aquino DS, Barros JAC, Silva MDP. A automedicação e os acadêmicos da área de saúde. Ciênc Saúde Coletiva. 2010 [citado 2015 ago 21];15(5):2533-8. Disponível em: http://www.scielosp.org/pdf/csc/v15n5/v15n5a27.pdf.
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-77. Lukovic JA, Miletic V, Pekmezovic T, Trajkovic G, Ratkovic N, Aleksic D, et al. Self-medication practices and risk factors for self-medication among medical students in Belgrade, Serbia. PLoS One. 2014 [cited 2016 Feb 22];9(12):e114644. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4263675/pdf/pone.0114644.pdf.
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles...
).

Dada a magnitude epidemiológica e o impacto negativo, a prática da automedicação entre estudantes da área da saúde é considerada um importante problema de saúde pública.

Estudos mostram taxas de prevalência, que variam de 38,0% a 97,8%, de acordo com o país de origem dos estudantes, do curso de graduação e do período recordativo da automedicação(33. Al Hussaini M, Mustafa S, Ali S. Self-medication among undergraduate medical students in Kuwait with reference to the role of the pharmacist. J Res Pharm Pract. 2014 [cited 2016 Jan 10];3(1):23-7. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4078651/.
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4. Kumar N, Kanchan T, Unnikrishnan B, Rekha T, Mithra P, Kulkarni V, et al. Perceptions and practices of self-medication among medical students in Coastal South India. PLoS One. 2013 [cited 2016 Feb 11];8(8):e72247. Disponível em: http://www.plosone.org/article/fetchObject.action?uri=info:doi/10.1371/journal.pone.0072247&representation=PDF.
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5. Goel D, Gupta S. Self-medication patterns among nursing students in North India. IOSP J Dental Med Sci. 2013 [cited 2016 Feb 11];11(4):14-7. Available from: http://iosrjournals.org/iosr-jdms/papers/Vol11-issue4/D01141417.pdf?id=8203.
http://iosrjournals.org/iosr-jdms/papers...

6. Aquino DS, Barros JAC, Silva MDP. A automedicação e os acadêmicos da área de saúde. Ciênc Saúde Coletiva. 2010 [citado 2015 ago 21];15(5):2533-8. Disponível em: http://www.scielosp.org/pdf/csc/v15n5/v15n5a27.pdf.
http://www.scielosp.org/pdf/csc/v15n5/v1...

7. Lukovic JA, Miletic V, Pekmezovic T, Trajkovic G, Ratkovic N, Aleksic D, et al. Self-medication practices and risk factors for self-medication among medical students in Belgrade, Serbia. PLoS One. 2014 [cited 2016 Feb 22];9(12):e114644. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4263675/pdf/pone.0114644.pdf.
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8. Santos B, Souza LG, Delgado NM, Torres WO. Incidência da automedicação em graduandos de Enfermagem. J Health Sci Inst. 2012 [citado 2016 fev 11];30(2):156-60. Disponível em: http://www.unip.br/comunicacao/publicacoes/ics/edicoes/2012/02_abr-jun/V30_n2_2012_p156-160.pdf
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-99. Ehigiator O, Azodo CC, Ehizele AO, Ezeja EB, Ehigiator L, Madukwe IU. Self-medication practices among dental, midwifery and nursing students. Eur J Gen Dent. 2013 [cited 2015 Mar 20];2(1)54-7. Available from: http://www.ejgd.org/temp/EurJGenDent2154-5369816_145458.pdf.
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).

No Brasil, ainda que estudos prévios conduzidos em grandes centros urbanos apontem que a automedicação entre estudantes de enfermagem é frequente(22. Souza LAF, Silva CD, Ferraz GC, Sousa FAEF, Pereira LV. The prevalence and characterization of self-medication for obtaining pain relief among undergraduate nursing students. Rev Lat-Am Enfermagem. 2011 [cited 2015 Feb 16];19(2):245-51. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v19n2/04.pdf.
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,88. Santos B, Souza LG, Delgado NM, Torres WO. Incidência da automedicação em graduandos de Enfermagem. J Health Sci Inst. 2012 [citado 2016 fev 11];30(2):156-60. Disponível em: http://www.unip.br/comunicacao/publicacoes/ics/edicoes/2012/02_abr-jun/V30_n2_2012_p156-160.pdf
http://www.unip.br/comunicacao/publicaco...
,1010. Silva FM, Goulart FC, Lazarini CA. Caracterização da prática de automedicação e fatores associados entre universitários do curso de enfermagem. Rev Eletr Enferm. 2014 [citado 2016 fev 22];16(3):644-51. Disponível em: https://www.fen.ufg.br/fen_revista/v16/n3/pdf/v16n3a20.pdf.
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), a magnitude do fenômeno é desconhecida na região Norte. As dimensões geográficas, a limitação de acesso aos serviços de saúde, a influência da cultura indígena nos hábitos da população, especialmente no que tange ao uso de plantas medicinais, são aspectos muito peculiares, que podem influenciar a prática da automedicação pelos futuros enfermeiros. Adicionalmente, há que se considerar que a automedicação neste grupo pode influenciar, indiretamente, práticas futuras relativas a administração de medicamentos e afetar a segurança do paciente. Enfermeiros desempenham papel fundamental no uso seguro dos medicamentos, especialmente quanto a educação acerca dos riscos(1111. Debourgh GA, Prion SK. Patient safety manifesto: a professional imperative for prelicensure nursing education. J Prof Nurs. 2012 [cited 2017 Feb 02];28(2):110-8. Available from: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S8755722311000743.
http://www.sciencedirect.com/science/art...
).

Neste sentido, considerando os diferentes aspectos envolvidos na ocorrência da automedicação, emergiu a seguinte questão norteadora: Qual a prevalência e fatores associados a prática da automedicação entre estudantes de enfermagem de Coari-Amazonas? Deste modo, o objetivo do estudo foi determinar a prevalência e fatores associados à automedicação entre estudantes de enfermagem do Estado do Amazonas.

MÉTODO

O estudo transversal foi conduzido com estudantes do curso de graduação em enfermagem (1º, 3º, 5º, 7º e 9º semestre), do Instituto de Saúde e Biotecnologia (ISB) da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), município de Coari, Amazonas. Coari está localizado na região central do Estado do Amazonas, as margens do rio Solimões a 363 Km distante da capital Manaus. Trata-se de um município cuja população foi estimada em 83.078 habitantes, no ano de 2016. A maioria da população é parda (75,6%), nativa da região e 0,6% é autodeclarada indígena. O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) é baixo (0,586), com posição 4.595° entre os municípios brasileiros e 21° no ranking estadual(1212. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [Internet]. Brasília (DF): IBGE; c2016- . Cidades: Coari censo; [citado 2016 jan 15]. Disponível em: http://cidades.ibge.gov.br/v3/cidades/municipio/1301209/pesquisa/23/2010.
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). O acesso ao município é por via fluvial ou aérea.

O ISB foi instituído no ano de 2005 através da política de interiorização e ampliação das atividades da UFAM, com a criação de cursos nas áreas de ciências exatas e da saúde. O curso de enfermagem ofertado pela universidade é o único do interior do Estado do Amazonas, disponibilizando 40 vagas por ano.

A amostra não probabilística foi constituída por 116 estudantes, independentemente da idade, que referiram ter consumido algum medicamento nos últimos 30 dias, no período de março a abril de 2014. O critério de inclusão foi estar regularmente matriculado e frequentar a universidade no período de coleta de dados. O critério de exclusão foi possuir alguma dificuldade que inviabilizasse a comunicação.

Para a coleta de dados utilizou-se um questionário composto por 3 partes, quais sejam: informações socioeconômicas, relativas ao consumo de medicamentos e prática da automedicação (problema de saúde, indicação e principais motivos que levam a prática, obtenção de informações sobre medicamentos, problema prévio com uso de medicamentos e conhecimento sobre os riscos da prática). Realizou-se pré-teste do questionário com 16 estudantes, que resultou no ajuste da ordem das questões). Não foram necessárias alterações de conteúdo.

A aplicação dos questionários foi precedida de autorizações institucionais (diretor do ISB e professores das disciplinas). Os estudantes foram convidados a participar do estudo pelos pesquisadores responsáveis, em sala de aula, nos intervalos das aulas.

A variável dependente foi automedicação, definida como “consumo de medicamento sem a prescrição de médico ou dentista”, a qual foi avaliada por meio das questões “Nos últimos 30 dias, você consumiu algum medicamento? e “O(s) medicamento(s) que você utilizou, foram sob prescrição de médico ou dentista?”. Nos casos em que as respostas foram negativas, considerou-se a prática da automedicação.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Amazonas com processo de número 26982314.4.0000.5020. Os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Os dados foram digitados pelos pesquisadores no programa SPSS (Statistical Package for the Social Sciences) 17.0 for Windows, cuja inclusão dos dados foi feita com conferência cruzada. Para cálculo da prevalência a automedicação foi considerada a partir do uso de pelo menos um medicamento sem prescrição. Foi utilizado o teste do Qui-Quadrado, além de regressão logística para obter estimativas de Odds Ratios (OR) com intervalos de confiança (IC) de 95% e nível de significância de 5%.

RESULTADOS

A prevalência da automedicação foi de 76,0%. A média de idade no grupo automedicação foi 22,3 (dp=4,4), entre os que não praticaram automedicação foi 21,2 (dp=2,9). Não houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos, conforme demonstrado na Tabela 1.

Tabela 1
– Prática da automedicação entre estudantes de enfermagem do Instituto de Saúde e Biotecnologia – UFAM, segundo variáveis socioeconômicas e de consumo de medicamentos. Coari, AM, Brasil, 2014.

Com relação aos problemas de saúde que levaram a prática da automedicação, 50,0% dos estudantes relataram dor, que incluíram dores de cabeça, abdominais e cólicas menstruais. Outras causas foram infecções de garganta e urinária (14,8%), resfriado (10,2%), febre (9,1%), problemas gastrintestinais (6,8%). Menos de 10% foram motivados pela contracepção, presença de alergias, diarreia e tosse.

As principais razões para a prática da automedicação nos últimos 30 dias, foram a percepção de que o problema de saúde não requeria visita ao médico (46,6%), falta de tempo para consultar um médico (28,4%) e dificuldade de acesso aos serviços de saúde (25,0%).

A prática de automedicação, segundo os estudantes, foi influenciada por parentes e amigos (36,4%), uso de prescrições anteriores (30,7%), conhecimento sobre medicamentos utilizados previamente (15,9%) e propagandas em mídias (televisão/rádio/internet) (12,5%).

As informações sobre os medicamentos foram obtidas por meio da leitura de bulas (63,6%), da conversa com profissionais de saúde (13,6%), da propagação de informações em mídias (televisão/rádio/internet) (12,5%) e da informação dada por parentes/amigos/vizinhos (10,3%).

Quanto ao local de aquisição dos medicamentos utilizados na automedicação, mais da metade (53,4%) afirmou ter adquirido diretamente em farmácias, 30,7% relata armazenamento na própria residência ou de parentes/amigos/vizinhos (10,2%) e 5,7% refere ter adquirido durante estágios em Unidades Básicas de Saúde (UBS) ou hospital. Questionados acerca de problemas relativos ao uso de medicamentos pela automedicação, 14,8% apontou algum tipo de intercorrência.

Foram relatados 84 diferentes medicamentos, pertencentes a cinco grupos farmacológicos, dentre os quais destacou-se anti-inflamatórios não esteroides – AINES (63,2%), conforme Figura 1.

Figura 1
– Grupos farmacológicos consumidos entre estudantes de enfermagem, Instituto de Saúde e Biotecnologia – UFAM. Coari, AM, Brasil, 2014

Dentre os medicamentos, os mais consumidos foram paracetamol e dipirona (48,8%), seguidos da cefalexina (6,0%) e complexo B (8,3%). Entre os antimicrobianos, os mais utilizados foram cefalexina (55,6%), amoxicilina (22,2%), ampicilina (11,1%) e azitromicina (11,1%).

A variável desconhecer as implicações negativas da automedicação foi associada à prática da automedicação (OR = 6,0 IC 95% 0,75 – 47,56).

DISCUSSÃO

O presente estudo retrata a prática de automedicação entre estudantes de enfermagem, de diferentes ciclos do curso no Estado do Amazonas. E, ainda que Coari esteja praticamente isolada no mapa do Brasil, que a cultura local seja “empiricamente” a cura dos males por meio de plantas medicinais, evidenciou-se alta prevalência de automedicação com medicamentos alopáticos implicados em importantes reações adversas.

Estudos nacionais desenvolvidos em regiões economicamente mais abastadas e com restrições nos critérios de elegibilidade na amostra – incluso apenas estudantes com dor e cursando o 8º semestre – apontam que a automedicação foi praticada por 38,8% dos estudantes com dor e 65,1% dos estudantes do 8º semestre(22. Souza LAF, Silva CD, Ferraz GC, Sousa FAEF, Pereira LV. The prevalence and characterization of self-medication for obtaining pain relief among undergraduate nursing students. Rev Lat-Am Enfermagem. 2011 [cited 2015 Feb 16];19(2):245-51. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v19n2/04.pdf.
http://www.scielo.br/pdf/rlae/v19n2/04.p...
,88. Santos B, Souza LG, Delgado NM, Torres WO. Incidência da automedicação em graduandos de Enfermagem. J Health Sci Inst. 2012 [citado 2016 fev 11];30(2):156-60. Disponível em: http://www.unip.br/comunicacao/publicacoes/ics/edicoes/2012/02_abr-jun/V30_n2_2012_p156-160.pdf
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). Em ambos, os critérios de inclusão limitados podem ter contribuído para menor prevalência.

Em contraste, a prevalência em Coari encontra-se próxima a taxas identificadas em países em desenvolvimento como Índia (88,2%) e Servia (79,9%)(55. Goel D, Gupta S. Self-medication patterns among nursing students in North India. IOSP J Dental Med Sci. 2013 [cited 2016 Feb 11];11(4):14-7. Available from: http://iosrjournals.org/iosr-jdms/papers/Vol11-issue4/D01141417.pdf?id=8203.
http://iosrjournals.org/iosr-jdms/papers...
,77. Lukovic JA, Miletic V, Pekmezovic T, Trajkovic G, Ratkovic N, Aleksic D, et al. Self-medication practices and risk factors for self-medication among medical students in Belgrade, Serbia. PLoS One. 2014 [cited 2016 Feb 22];9(12):e114644. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4263675/pdf/pone.0114644.pdf.
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles...
). Embora haja diferenças entre esses países, especialmente culturais e de práticas de saúde, é possível que estes cenários apresentem características similares no que tange ao déficit governamental no controle e venda de medicamentos, ao modo pelo qual os serviços de saúde são financiados ou reembolsados e a necessidade de buscar o autocuidado valendo-se de medicamentos. Deste modo, pode-se inferir que a automedicação tenha sido adotada como autocuidado. Essas explanações parecem ser confirmadas pelos respondentes nas questões relativas aos medicamentos consumidos, local de aquisição desses insumos e motivação da automedicação.

O presente estudo confirma achados de outros autores acerca do uso de AINEs entre estudantes(55. Goel D, Gupta S. Self-medication patterns among nursing students in North India. IOSP J Dental Med Sci. 2013 [cited 2016 Feb 11];11(4):14-7. Available from: http://iosrjournals.org/iosr-jdms/papers/Vol11-issue4/D01141417.pdf?id=8203.
http://iosrjournals.org/iosr-jdms/papers...
,99. Ehigiator O, Azodo CC, Ehizele AO, Ezeja EB, Ehigiator L, Madukwe IU. Self-medication practices among dental, midwifery and nursing students. Eur J Gen Dent. 2013 [cited 2015 Mar 20];2(1)54-7. Available from: http://www.ejgd.org/temp/EurJGenDent2154-5369816_145458.pdf.
http://www.ejgd.org/temp/EurJGenDent2154...
) com a finalidade de aliviar a dor(33. Al Hussaini M, Mustafa S, Ali S. Self-medication among undergraduate medical students in Kuwait with reference to the role of the pharmacist. J Res Pharm Pract. 2014 [cited 2016 Jan 10];3(1):23-7. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4078651/.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
,66. Aquino DS, Barros JAC, Silva MDP. A automedicação e os acadêmicos da área de saúde. Ciênc Saúde Coletiva. 2010 [citado 2015 ago 21];15(5):2533-8. Disponível em: http://www.scielosp.org/pdf/csc/v15n5/v15n5a27.pdf.
http://www.scielosp.org/pdf/csc/v15n5/v1...
). Esses medicamentos representam um meio prático e rápido para melhoria de queixas álgicas como, por exemplo, as cólicas menstruais, sintoma característico do sexo feminino, que pode levar a automedicação(33. Al Hussaini M, Mustafa S, Ali S. Self-medication among undergraduate medical students in Kuwait with reference to the role of the pharmacist. J Res Pharm Pract. 2014 [cited 2016 Jan 10];3(1):23-7. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4078651/.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
). As ações farmacológicas abrangentes dos AINEs, que causam alívio da dor e redução da temperatura; o livre acesso do consumidor as prateleiras de farmácia e a presença frequente desta classe terapêutica nas caixinhas de medicamentos caseiras, facilitam o consumo. Adicionalmente, há contribuição da mídia, que influencia os jovens(1313. Klemenc-Ketis Z, Hladnik Z, Kersnik J. A cross sectional study of sex diferences in self-medication practices among university students in Slovenia. Coll Antropol. 2011 [cited 2016 Jan 15];35(2):329-34. Available from: http://hrcak.srce.hr/file/102881.
http://hrcak.srce.hr/file/102881...
).

A despeito da regulamentação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) que proíbe a venda de antibióticos sem receita médica(1414. Ministério da Saúde (BR). Resolução-RDC nº 20, de 5 de maio de 2011. Dispõe sobre o controle de medicamentos à base de substâncias classificadas como antimicrobianos, de uso sob prescrição, isoladas ou em associação. Brasília; 2011 [citado 2016 Jan 15]. Disponível em: http://www.anvisa.gov.br/sngpc/Documentos2012/RDC%2020%202011.pdf?jornal=...(Acessadol.
http://www.anvisa.gov.br/sngpc/Documento...
), o segundo grupo mais consumido foi dos antibióticos. Este achado foi verificado em pesquisas realizadas com estudantes de universidades da África e Ásia(44. Kumar N, Kanchan T, Unnikrishnan B, Rekha T, Mithra P, Kulkarni V, et al. Perceptions and practices of self-medication among medical students in Coastal South India. PLoS One. 2013 [cited 2016 Feb 11];8(8):e72247. Disponível em: http://www.plosone.org/article/fetchObject.action?uri=info:doi/10.1371/journal.pone.0072247&representation=PDF.
http://www.plosone.org/article/fetchObje...
-55. Goel D, Gupta S. Self-medication patterns among nursing students in North India. IOSP J Dental Med Sci. 2013 [cited 2016 Feb 11];11(4):14-7. Available from: http://iosrjournals.org/iosr-jdms/papers/Vol11-issue4/D01141417.pdf?id=8203.
http://iosrjournals.org/iosr-jdms/papers...
,99. Ehigiator O, Azodo CC, Ehizele AO, Ezeja EB, Ehigiator L, Madukwe IU. Self-medication practices among dental, midwifery and nursing students. Eur J Gen Dent. 2013 [cited 2015 Mar 20];2(1)54-7. Available from: http://www.ejgd.org/temp/EurJGenDent2154-5369816_145458.pdf.
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). Nesses países, a automedicação com esta classe terapêutica, muitas vezes é praticada por representar uma alternativa de baixo custo, especialmente para indivíduos que não podem pagar ou não tem acesso aos serviços de saúde. Além disso, a execução das normas de regularização são limitadas, considerando a pouca capacidade de resolutividade dos governos e a tenacidade do mercado farmacêutico na comercialização de antibióticos(44. Kumar N, Kanchan T, Unnikrishnan B, Rekha T, Mithra P, Kulkarni V, et al. Perceptions and practices of self-medication among medical students in Coastal South India. PLoS One. 2013 [cited 2016 Feb 11];8(8):e72247. Disponível em: http://www.plosone.org/article/fetchObject.action?uri=info:doi/10.1371/journal.pone.0072247&representation=PDF.
http://www.plosone.org/article/fetchObje...
,1515. Akinyandenu O, Akinyandenu A. Irrational use and non-prescription sale of antibiotics in Nigeria: a need for change. J Sci Innov Res. 2014 [cited 2015 Mar 20];3(2):251-7. Available from: http://www.jsirjournal.com/Vol3_Issue2_22.pdf.
http://www.jsirjournal.com/Vol3_Issue2_2...
). Essas questões parecem muito similares a realidade do interior do Estado do Amazonas. É possível que os antibióticos sejam dispensados pelas farmácias sem receita médica. Esta suposição é reforçada pelo achado que aponta que mais da metade dos estudantes relatou ter adquirido medicamentos diretamente nas farmácias.

O uso difundido e indevido dos antibióticos pode levar ao desenvolvimento de bactérias resistentes. Além disto, a automedicação com este grupo de medicamentos, na maioria das vezes, é absolutamente inadequada, sobretudo pela influência de leigos e do uso de receitas antigas, elevando o risco de reações adversas(1616. Morgan DJ, Okeke IN, Laxminarayan R, Perencevich EN, Weisenberg S. Non-prescription antimicrobial use worldwide: a systematic review. Lancet Infect Dis. 2011 [cited 2015 Mar 20];11(9):692-701. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3543997/.
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles...
).

Registrou-se o uso de polivitamínicos, assim como entre os estudantes de Recife(66. Aquino DS, Barros JAC, Silva MDP. A automedicação e os acadêmicos da área de saúde. Ciênc Saúde Coletiva. 2010 [citado 2015 ago 21];15(5):2533-8. Disponível em: http://www.scielosp.org/pdf/csc/v15n5/v15n5a27.pdf.
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). O fácil acesso, propaganda associada aos benefícios advindos do uso “milagroso” destes produtos, sobretudo dentre os jovens, com a promessa de benefícios estéticos, aliados à curiosidade e busca por alívio imediato de sintomas, podem contribuir para o uso irracional(66. Aquino DS, Barros JAC, Silva MDP. A automedicação e os acadêmicos da área de saúde. Ciênc Saúde Coletiva. 2010 [citado 2015 ago 21];15(5):2533-8. Disponível em: http://www.scielosp.org/pdf/csc/v15n5/v15n5a27.pdf.
http://www.scielosp.org/pdf/csc/v15n5/v1...
). Desta maneira, o autocuidado com a saúde, muitas vezes, é travestido por fórmulas milagrosas pela ingestão de “cápsulas”, “pílulas” e “comprimidos”, com a promessa advinda das grandes indústrias farmacêuticas, de benefícios ilimitados.

Embora seja esperada a influência indígena sobre os costumes da população local, os estudantes não relataram uso de produtos naturais ou remédios caseiros. Esse achado pode ilustrar a força das campanhas televisivas pró-consumo de medicamentos alopáticos. Por outro lado, os estudantes podem ter subestimado a importância dos produtos naturais no alívio de sinais e sintomas, limitando a aquisição de informações sobre o assunto. Neste ponto, há que se considerar o modelo de formação existente na universidade, que talvez não esteja sensível para capacitar os estudantes com temas relativos às plantas medicinais e fitoterápicos, como preconizado na Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares e Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos do governo brasileiro(1717. Ministério da Saúde (BR). Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS – PNPIC-SUS. Brasília: Ministério da Saúde; 2006 [citado 2016 Jan 15]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/pnpic.pdf.
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). Certamente, a hegemonia do modelo biomédico persiste no corpo docente do ISB, uma vez que parte expressiva dos professores são oriundos de outras regiões brasileiras. O ensino da utilização de terapias naturais com fitoterápicos durante a graduação em enfermagem, pode ajudar a preservar os conhecimentos da cultura local(1818. Brito AGR, Freitas CL, Galvão RC, Nunes JT, Silva JL, Emiliano MDS, et al. Fitoterapia: uma alternativa terapêutica para o cuidado em enfermagem – relato de experiência. Biota Amazônia. 2014 [citado 2016 mar 23];4(4):15-20. Disponível em: http://www.bibliotekevirtual.org/revistas/BIOTA/v04n04/v04n04a04.pdf.
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).

Achado importante, por tratar-se de estudantes, mostrou que 5,7% obtiveram medicamentos em campos de prática durante o curso (UBS e hospital). Este fato preocupante pode ser explicado pela falta de controle de dispensação e prescrição dos medicamentos nos serviços de saúde. Adicionalmente, por tratar-se de um município de pequeno porte, a obtenção dos medicamentos pode ter sido decorrente da relação de proximidade entre os profissionais de saúde e os estudantes. Independente dos potenciais fatores que podem ter ocasionado a obtenção dos medicamentos, seria esperado que o cenário de ensino prático fosse um espaço de educação de boas práticas de saúde, incluindo o uso racional de medicamentos. Os profissionais dos serviços deveriam contribuir na educação dos estudantes acerca dos benefícios e danos causados pelos medicamentos, e coibir práticas desta natureza.

Em concordância com achados de estudos realizados na Sérvia e Índia, a principal razão indicada pelos estudantes como propulsor do uso de medicamentos sem prescrição, foi à crença de que não seria preciso ir ao médico devido a simplicidade da doença(44. Kumar N, Kanchan T, Unnikrishnan B, Rekha T, Mithra P, Kulkarni V, et al. Perceptions and practices of self-medication among medical students in Coastal South India. PLoS One. 2013 [cited 2016 Feb 11];8(8):e72247. Disponível em: http://www.plosone.org/article/fetchObject.action?uri=info:doi/10.1371/journal.pone.0072247&representation=PDF.
http://www.plosone.org/article/fetchObje...
,77. Lukovic JA, Miletic V, Pekmezovic T, Trajkovic G, Ratkovic N, Aleksic D, et al. Self-medication practices and risk factors for self-medication among medical students in Belgrade, Serbia. PLoS One. 2014 [cited 2016 Feb 22];9(12):e114644. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4263675/pdf/pone.0114644.pdf.
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles...
). A autoconfiança dos estudantes da área da saúde, experiências anteriores bem sucedidas, crença de que os conhecimentos adquiridos durante a formação sustentam a seleção correta do medicamento para o quadro clínico, podem contribuir no exercício da prática da automedicação(22. Souza LAF, Silva CD, Ferraz GC, Sousa FAEF, Pereira LV. The prevalence and characterization of self-medication for obtaining pain relief among undergraduate nursing students. Rev Lat-Am Enfermagem. 2011 [cited 2015 Feb 16];19(2):245-51. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v19n2/04.pdf.
http://www.scielo.br/pdf/rlae/v19n2/04.p...
,44. Kumar N, Kanchan T, Unnikrishnan B, Rekha T, Mithra P, Kulkarni V, et al. Perceptions and practices of self-medication among medical students in Coastal South India. PLoS One. 2013 [cited 2016 Feb 11];8(8):e72247. Disponível em: http://www.plosone.org/article/fetchObject.action?uri=info:doi/10.1371/journal.pone.0072247&representation=PDF.
http://www.plosone.org/article/fetchObje...
,66. Aquino DS, Barros JAC, Silva MDP. A automedicação e os acadêmicos da área de saúde. Ciênc Saúde Coletiva. 2010 [citado 2015 ago 21];15(5):2533-8. Disponível em: http://www.scielosp.org/pdf/csc/v15n5/v15n5a27.pdf.
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).

A falta de tempo para consultar um médico representa um dos principais motivos da busca pela automedicação entre os estudantes brasileiros, incluindo os de Coari(66. Aquino DS, Barros JAC, Silva MDP. A automedicação e os acadêmicos da área de saúde. Ciênc Saúde Coletiva. 2010 [citado 2015 ago 21];15(5):2533-8. Disponível em: http://www.scielosp.org/pdf/csc/v15n5/v15n5a27.pdf.
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). De modo geral, nas universidades públicas brasileiras, estudantes da área de saúde, inclusive os de enfermagem, cumprem regime acadêmico integral, aspecto que pode, de fato, impactar na disponibilidade de tempo para procurar atendimento à saúde(22. Souza LAF, Silva CD, Ferraz GC, Sousa FAEF, Pereira LV. The prevalence and characterization of self-medication for obtaining pain relief among undergraduate nursing students. Rev Lat-Am Enfermagem. 2011 [cited 2015 Feb 16];19(2):245-51. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v19n2/04.pdf.
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).

Um quarto dos estudantes apontou dificuldade de acesso aos serviços de saúde como justificativa da prática da automedicação. Apesar de não investigados os motivos dessa limitação de acesso em Coari, fatos regionais podem ter limitado na cobertura dos serviços de saúde. Após o início das obras do Gasoduto Coari/Manaus no ano de 2007, houve crescimento populacional expressivo, que foi de 20,7% até o ano de 2015(1212. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [Internet]. Brasília (DF): IBGE; c2016- . Cidades: Coari censo; [citado 2016 jan 15]. Disponível em: http://cidades.ibge.gov.br/v3/cidades/municipio/1301209/pesquisa/23/2010.
http://cidades.ibge.gov.br/v3/cidades/mu...
). Entretanto, a infraestrutura e recursos humanos na área da saúde do município, não acompanhou tal crescimento, aspecto que pode ter limitado o acesso da população aos serviços.

As informações sobre os medicamentos foram adquiridas pela maioria dos estudantes a partir da leitura de bulas. Esta fonte é importante. Embora a linguagem técnica possa ser incompreensível aos estudantes, especialmente aqueles em semestres iniciais da graduação. Além disto, as informações por vezes são incompletas, e não há descrição de riscos (intoxicações) ou interações medicamentosas com alimentos e/ou produtos naturais (ou fitoterápicos), somado ao fato de que a indústria farmacêutica pode demorar a atualizar reações adversas(1010. Silva FM, Goulart FC, Lazarini CA. Caracterização da prática de automedicação e fatores associados entre universitários do curso de enfermagem. Rev Eletr Enferm. 2014 [citado 2016 fev 22];16(3):644-51. Disponível em: https://www.fen.ufg.br/fen_revista/v16/n3/pdf/v16n3a20.pdf.
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).

Apesar do processo de formação, que teoricamente pode oferecer subsídios para a tomada de decisão mais robusta, houve influência de terceiros na escolha do medicamento. Neste aspecto, há que se considerar a média de idade dos estudantes e a possiblidade de serem influenciados. Neste sentido, ressalta-se a importância transformadora da universidade, a fim de superar paradigmas com a ruptura do culto a medicalização repassada entre as gerações.

Apesar da maioria dos estudantes relatarem conhecimento sobre as implicações negativas da automedicação, estes futuros enfermeiros costumam indicar medicamentos para terceiros. Este aspecto ilustra a seriedade do problema. Além de potencialmente comprometer a própria saúde, eles podem colocar em risco a saúde de outras pessoas, comprometendo a segurança do usuário. Adicionalmente, parecem não reconhecer que, durante o processo de formação acadêmica no curso de enfermagem, não há suporte teórico suficiente que sustente a indicação do uso correto dos medicamentos. Este aspecto é importante, sobretudo no que tange a aspectos que regem a prática profissional, pois enfermeiros não podem prescrever medicamentos, salvo aqueles preconizados nos programas da atenção primária em saúde do Ministério da Saúde, cabendo sanções disciplinares pelo Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem.

A variável desconhecimento das implicações negativas da automedicação associou-se à prática de automedicação. Este achado singular é de suma importância e reflete, indiretamente, o conhecimento superficial ou o desconhecimento dos medicamentos, podendo ser explicado por motivos distintos, porém relacionados. A ciência da farmacologia, ao longo dos anos, sofreu transformações importantes, que ilustram o avanço do conhecimento acerca dos medicamentos, especialmente quanto as indicações terapêuticas e reações adversas(1919. Bittencourt SC, Caponi S, Maluf S. Farmacologia no século XX: a ciência dos medicamentos a partir da análise do livro de Goodman e Gilman. Hist Cienc Saude-Manguinhos. 2013 [citado 2017 fev 02];20(2):499-520. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/hcsm/2013nahead/0104-5970-hcsm-S0104-59702013005000007.pdf.
http://www.scielo.br/pdf/hcsm/2013nahead...
). Tais incrementos podem não ter sido incorporados no ensino da farmacologia nos currículos de enfermagem, ocasionado limitações no conhecimento farmacológico dos futuros enfermeiros(2020. Dilles T, Vander Stichele RR, Van Bortel L, Elseviers MM. Nursing students’ pharmacological knowledge and calculation skills: ready for practice? Nurse Educ Today. 2011 [cited 2017 Feb 02];31(5):499-505. Available from: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0260691710001565.
http://www.sciencedirect.com/science/art...
). Este aspecto pode ocasionar nos estudantes a falsa impressão de segurança no consumo destes insumos, tornando o estudante destemido em relação à decisão de consumo. Parece que os estudantes não temem o desconhecido. Deste modo, ainda que o escopo do estudo não tenha analisado questões relativas aos conteúdos ministrados no curso, é possível que haja inconsistências no processo de ensino, no que tange a abordagem do uso racional de medicamentos no curso de graduação. O uso inapropriado é um dos fatores que contribuem para o uso inseguro do medicamento. A farmacovigilância, área responsável pelo monitoramento dos medicamentos, especialmente no que tange as reações adversas, não integra o rol de conteúdo do ensino da farmacologia no ISB/ UFAM.

O estudo apresentou limitações as quais podem restringir a generalização dos achados. A amostra, apesar de contar com metade dos estudantes de enfermagem, apresentou viés de seleção, uma vez que a participação dos alunos foi voluntaria. Outros alunos praticantes de automedicação podem não ter participado.

CONCLUSÃO

O conjunto dos achados permite afirmar que a automedicação é um problema importante entre estudantes de Coari – Amazonas. Não somente pela expressiva prevalência, mas pelo uso pessoal de medicamentos que podem causar danos, além da indicação dos medicamentos a terceiros, e sobretudo, pela falta de conhecimento dos riscos dessa prática.

Neste sentido, o estudo aponta a necessidade de fortalecer a educação dos estudantes de enfermagem no que tange o uso racional de medicamentos. Desta maneira, indicam-se como estratégias a inserção de tópicos que contemplem a discussão sobre a promoção do uso racional de medicamentos em disciplinas transversais ao longo da graduação, alertando os estudantes acerca dos limites ou fronteiras e responsabilidades de suas ações, sobretudo em relação a indicação de medicamentos e ao gerenciamento responsável dos medicamentos afim de garantir a segurança do paciente.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2017

Histórico

  • Recebido
    31 Maio 2016
  • Aceito
    10 Mar 2017
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