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Objeto e tecnologias do processo de trabalho de uma equipe itinerante em saúde mental

Objeto e tecnologías del proceso de trabajo de un equipo itinerante en salud mental

RESUMO

Objetivo

Analisar o objeto de trabalho e tecnologias do processo de trabalho de uma Equipe Itinerante de Saúde Mental na atenção aos usuários de drogas.

Métodos

Estudo de caso, qualitativo, desenvolvido em um município do Sul do Brasil. O referencial teórico foi o Processo de Trabalho em Saúde. Utilizou-se observação participante e entrevista semiestruturada com os profissionais de uma Equipe Itinerante no ano de 2015. Os dados foram analisados por meio da Análise de Conteúdo Temática.

Resultados

Na primeira categoria empírica – objeto de trabalho – o usuário é considerado como foco, trazendo novos desafios na relação da equipe com a rede. Na segunda categoria – tecnologias do processo de trabalho – são destacadas potencialidades e contradições dos instrumentos de trabalho da equipe.

Conclusões

De modo inovador, a Equipe Itinerante imprime novas possibilidades de cuidado ao usuário de drogas, ao mesmo tempo em que exige novos arranjos institucionais com a rede de saúde mental.

Saúde mental; Reforma dos serviços de saúde; Políticas públicas; Usuários de drogas

RESUMEN

Objectivo

Analizar el objeto de trabajo y las tecnologías del proceso de trabajo de un Equipo Itinerante en Salud Mental en la atención a los usuarios de drogas.

Métodos

Estudio de caso, cualitativo, desarrollado en una ciudad del Sur de Brasil. El referencial teórico fue el Proceso de Trabajo en Salud. Se utilizó observación participante y entrevista semiestructurada con los profesionales de un equipo itinerante en el año 2015. Los datos fueron analizados por medio del Análisis de Contenido Temático.

Resultados

En la primera categoría empírica - objeto de trabajo - el usuario es considerado como foco, trayendo nuevos desafíos en la relación del equipo con la red. En la segunda categoría - tecnologías del proceso de trabajo - se destacan potencialidades y contradicciones de los instrumentos de trabajo del equipo.

Conclusiones

De modo innovador, el equipo itinerante imprime nuevas posibilidades de cuidado al usuario de drogas, aunque traiga nuevos desafíos de promover articulaciones institucionales con la red de salud mental.

Salud mental; Reforma de los servicios de salud; Políticas públicas; Usuarios de drogas

ABSTRACT

Objective

To analyze the work object and the technologies in the working process of a Mental Health Itinerant Team in the attention to drug users.

Methods

Qualitative case study, carried out in a municipality in the South of Brazil. The theoretical framework was the Healthcare Labor Process. The data was collected through participant observation and semi-structured interviews with the professionals of an itinerant team in the year of 2015. For data analysis we used the Thematic Content Analysis.

Results

In the first empirical category - work object - the user is considered as a focus, bringing new challenges in the team’s relationship with the network. In the second category - technologies of the work process - potentialities and contradictions of the team work tools are highlighted.

Conclusions

As an innovation in the mental health context, the itinerant team brings real possibilities to reinvent the care for the drug user as well as new institutional challenges.

Mental health; Health services reform; Public policies; Drug users

INTRODUÇÃO

A III Conferência Nacional de Saúde Mental de 2001, com o lema “cuidar sim, excluir não”, destacou a importância na reorientação do modelo assistencial em saúde mental, abordando a necessidade de equipes itinerantes no âmbito da atenção básica como um método de trabalho para o cuidado de indivíduos e famílias(11. Ministério da Saúde (BR), Conselho Nacional de Saúde. Relatório Final da III Conferência Nacional de Saúde Mental; 2001 dez 11-15; Brasília (DF), Brasil. Brasília (DF); 2002.). Nesse sentido, o que se considera itinerância vai ao encontro da necessidade de compreender um novo lugar para o cuidado, ou seja, o território, prevendo o deslocamento dos profissionais para esses espaços. Por esse motivo, a itinerância é, em si, não somente uma nova abordagem conceitual, mas também tecnológica de organizar o trabalho em saúde(22. Lemke RA, Silva RAN. Um estudo sobre a itinerância como estratégia de cuidado no contexto das políticas públicas de saúde no Brasil. Physis. 2011;(3):979-1004.).

As práticas itinerantes são utilizadas para o deslocamento nos territórios de vida das pessoas, em uma lógica de busca ativa, que seja capaz de atender a grupos vulneráveis e necessidades de saúde de populações que não se adaptam aos equipamentos tradicionais de cuidado. Dentre elas, destacam-se: comunidades indígenas de costumes nômades, moradores de rua e usuários de drogas, que, frequentemente, não se adaptam a protocolos clínicos tradicionais(22. Lemke RA, Silva RAN. Um estudo sobre a itinerância como estratégia de cuidado no contexto das políticas públicas de saúde no Brasil. Physis. 2011;(3):979-1004.).

Essas equipes têm importante papel na atenção de pessoas em uso de drogas, pois é no território que o usuário vive e usa a substância, sendo necessário que o profissional de saúde, itinerante, se aproxime dessa realidade e a viva também, em um contínuo esforço de formação de vínculos, diálogo e escuta. Além disso, as equipes itinerantes também convivem como intermediadoras do usuário com a sociedade, de modo a tentar ressignificar o nosso olhar sobre o tema, ainda muito pautado na exclusão, na repressão, na coerção, no preconceito e na moralização(33. Passos EH, Souza TP. Redução de danos e saúde pública: construções alternativas à política global de “guerra às drogas”. Psicol Soc. 2011;(1):154-62.).

O Movimento de Reforma Psiquiátrica, enquanto balizador de um processo de mudança de modelo em saúde mental, que não se descola dessa realidade, nos oferece uma possibilidade de ruptura epistemológica com esses modelos tradicionais. Ao promover iniciativas e experiências inovadoras de cuidado contra-hegemônico, as Equipes Itinerantes surgem entre elas(44. Yasui S. Rupturas e encontros: desafios da reforma psiquiátrica brasileira. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2010.).

Nesse sentido, destaca-se a relevância dessas equipes na composição da rede de cuidados em saúde mental, não somente por parte da consolidação de novas políticas públicas no setor, mas também no sentido de firmar compromisso social e sanitário com as pessoas e seus locais de vida e experiência. Isso quer dizer que as equipes precisam desenvolver continuamente estratégias capazes de focar o cuidado no território, envolvendo relações de cuidado entre diferentes setores, serviços e atores.

Deste modo, no ano de 2014, a gestão de saúde mental do município estudado investiu na composição de uma Equipe Itinerante de Saúde Mental, responsável pelo recebimento e acompanhamento dos processos judiciais da área. Dentre eles, também estão problemas relacionados ao uso de drogas. A referida equipe nasceu como iniciativa para diminuir a judicialização da saúde mental e promover a aproximação com o setor judiciário, no intuito de ampliar o olhar da justiça em relação ao cuidado e oportunizar amarrações intersetoriais(55. Eslabão AD. O cuidado ao usuário de drogas: uma análise das tecnologias presentes no cotidiano do trabalho de uma Equipe Itinerante [dissertação]. Porto Alegre (RS): Escola de Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2016.).

Como se trata de uma inovação no contexto local, teve-se como objetivo conhecer o objeto e as tecnologias presentes no cotidiano de trabalho desta Equipe Itinerante em especial. Diante disso, a questão norteadora do estudo foi: Que objeto de trabalho e tecnologias de cuidado estão presentes no processo de trabalho de uma Equipe Itinerante em Saúde Mental na atenção aos usuários de drogas?

MÉTODO

Estudo de abordagem qualitativa do tipo estudo de caso, orientado pelo referencial teórico do Processo de Trabalho em Saúde(66. Marx K. A ideologia alemã. São Paulo: Martins Fontes; 1998.-77. Pires D. Processo de trabalho em saúde, no Brasil, no contexto das transformações atuais na esfera do trabalho. Estudo em instituições escolhidas [tese]. São Paulo (SP): Universidade Estadual de Campinas; 1996.). O processo de trabalho modifica-se de acordo com a organização da sociedade. Na concepção marxista, o capitalismo é responsável pela organização do processo de trabalho em três elementos distintos: “a atividade adequada a um fim, isto é, o próprio trabalho; a matéria a que se aplica o trabalho, o objeto de trabalho; e os meios de trabalho, o instrumental do trabalho”(66. Marx K. A ideologia alemã. São Paulo: Martins Fontes; 1998.).

O objeto pode ser natural ou uma matéria-prima, mas o objeto somente será considerado um objeto de trabalho quando o homem tiver um destino em mente para ele. Os meios de trabalho é um conjunto complexo e necessário de coisas com diferentes propriedades químicas, físicas e mecânicas que o trabalhador utiliza, entre si e o objeto, para realizar seu trabalho. Por fim, o produto que será o resultado da ideia que o homem operou. Assim, ao finalizar o processo, o homem terá um material da natureza adaptado às suas necessidades através da mudança do objeto(66. Marx K. A ideologia alemã. São Paulo: Martins Fontes; 1998.).

Na área da saúde o processo de trabalho é essencial para a sobrevivência humana, sendo sua produção não material, pois não resulta em uma produção comercializável, e ocorre no momento de realização da ação, o produto é inseparável do processo de sua formação. O objeto de trabalho em saúde é o indivíduo ou grupos sadios ou doentes com diferentes necessidades, para o qual se destinam tecnologias, marcadas pelas suas dimensões técnicas e sociais. As tecnologias, colocadas em ato, geram finalidades, que seriam o resultado do processo de trabalho, ou o próprio objeto transformado pelo ato de criação e da ação humana pelo trabalho(77. Pires D. Processo de trabalho em saúde, no Brasil, no contexto das transformações atuais na esfera do trabalho. Estudo em instituições escolhidas [tese]. São Paulo (SP): Universidade Estadual de Campinas; 1996.).

Este estudo foi realizado com uma Equipe Itinerante de Saúde Mental de um município do Sul do Brasil. A Equipe Itinerante era composta por quatro profissionais: três psicólogos e uma oficineira. Como o critério de exclusão era estar afastado por licença-saúde e/ou estar em período de férias durante a coleta de dados, uma participante foi excluída. Desse modo, este estudo contou com a participação de três profissionais.

A coleta de dados ocorreu com o uso das técnicas de observação participante e entrevista semi-estruturada. A observação participante foi realizada entre os meses de julho e setembro de 2015, em dias variados da semana. Dentre as atividades acompanhadas, destacam-se: visitas domiciliares, busca ativa, discussões de casos nos serviços de saúde e acompanhamento da equipe na redação de respostas a casos analisados para a promotoria de justiça. As observações totalizaram 180 horas. A entrevista semi-estruturada foi realizada no final do mês de setembro de 2015. Todas as entrevistas foram gravadas e, após, transcritas na íntegra, para serem analisadas.

Para realizar a análise dos dados utilizou-se a “Análise de Conteúdo Temática”, que é composta por três etapas: pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados. Na primeira etapa foi realizada a leitura flutuante e exaustiva de todo o material, para sensibilização com o conteúdo empírico. Na segunda fase, realizou-se a separação de fragmentos e trechos comuns, identificados como “unidades de informação”, que, reunidos, deram origem às unidades de sentido. Por fim, na terceira etapa, foi realizada uma síntese interpretativa das unidades de sentido, que derivaram as categorias empíricas do estudo(88. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 10. ed. São Paulo: Hucitec; 2007.).

A partir do tratamento dos dados, surgiram duas categorias empíricas: 1) objeto de trabalho da Equipe Itinerante de saúde mental e 2) Tecnologias de cuidado no processo de trabalho da Equipe Itinerante de saúde mental.

A pesquisa contemplou as prerrogativas bioéticas, conforme Resolução n.º 466, de 12 de dezembro de 2012, do Conselho Nacional de Saúde. Obteve-se aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul em julho de 2015 (parecer número 1.144.089). Os participantes do estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Informado e foram identificados com a letra T de trabalhador, por exemplo, T01, T02. Os trechos do diário de campo foram representados pela sigla DC.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Objeto de trabalho da Equipe Itinerante de saúde mental

O trabalho da Equipe Itinerante é novo na realidade estudada, e, talvez, inédito, pois foi criada para atender a demandas urgentes do município - diminuir a judicialização da saúde mental. Assim, por ser um trabalho novo, gerava dúvidas nos trabalhadores em relação à natureza, à concepção do trabalho e ao papel da equipe no contexto da Rede de Atenção Psicossocial.

Nos relatos a seguir, é possível constatar que o objeto de trabalho da equipe parece ser o usuário, e as respostas dadas ao Ministério Público são uma consequência das ações desenvolvidas, fruto do encontro entre usuário e trabalhador:

[...] A principal resposta que a gente tem que ter é em relação ao cuidado do usuário, então a resposta ao Ministério [Público] é uma consequência disso [...] é nosso usuário da saúde mental, claro que a Equipe Itinerante não é a referência, não vai ser a referência do cuidado [...] mas um trabalho articulado, num trabalho às vezes de apoio dos CAPS tu tem que pode perceber que aquele usuário também é teu [...] (T03).

[...] A ideia é que seja possível de seguir acompanhando o que está sendo executado, como está sendo feito o cuidado [...] Mas, o acompanhamento é de outra forma, a gente segue no contato com o serviço, daí eu vejo como um trabalho quase de matriciamento, talvez, da questão do jurídico [...] (T02).

A ação pontual no trabalho não é avaliada a partir de uma determinada demanda específica, mas pensada enquanto estratégia de continuidade, de seguir acompanhando o caso do usuário. E, de fato, o trabalho dessa equipe de saúde mental se assemelha ao de Equipes de Matriciamento, mesmo que o foco seja a diminuição dos processos que judicializam as demandas da saúde, uma vez que requer movimentos contínuos/recorrentes e de profundidade nas relações com os serviços de referência.

Logo, essa equipe, que tem como objeto de trabalho o usuário, provoca os trabalhadores a pensar e executar estratégias que possibilitem a continuação do cuidado ao usuário nos serviços especializados, em parceria com a Itinerante:

[...] É atribuição, responsabilidade maior do CAPS é, mas se a itinerante foi criada no sentido de diminuir a judicialização então não é só os casos novos, não é só trazer para a acolhida, é pra trazer para a ‘reacolhida’, é pra pensar junto com o CAPS o cuidado daquele usuário, que é uma guia pra, enfim pensar maneiras e estratégias de se evitar que daqui a pouco essa família entre com um processo [...] (T03).

Os CAPS são constantemente referenciados pelos trabalhadores da Equipe Itinerante, especialmente por serem esses dispositivos os principais componentes da rede especializada de cuidado em saúde mental. No entanto, é preciso estar atento e realizar outras parcerias institucionais, dentro e fora do setor saúde.

Nesse sentido, o processo de Reforma Psiquiátrica Brasileira destaca a rede como um importante operador conceitual de mudanças e prevê que as ações de cuidado sejam realizadas em redes. Logo, o modelo psicossocial de atenção em saúde mental destaca as redes formais e informais dos indivíduos e família como norteadoras para a realização do cuidado que deve ser centrado na comunidade(99. Collares PMC. Análise da rede assistencial em saúde mental: o exemplo de inserção social promovida pelo CAPSi em Fortaleza-CE [dissertação]. Fortaleza (CE): Universidade de Fortaleza; 2010.).

Desse modo, entende-se que os desdobramentos do processo de trabalho da equipe devem ser guiados para a construção de redes de cuidado, ampliando para além dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). E, embora o CAPS seja a referência para desenhar as trajetórias de cuidado ao usuário de drogas pelos serviços, a Equipe Itinerante deve atentar para os princípios de articulação em rede que se embasam nos pressupostos reformistas, sempre valorizando o diálogo e o trabalho compartilhado com diferentes serviços de base comunitária, como destaca o depoimento a seguir:

[...] Não faz muito sentido um trabalho de uma equipe itinerante que seja só pontual, que seja só marcado pela relação com o jurídico. Parece-me que não teria quase relação com o cuidado, algo muito distante mesmo. Então, acho que tentando se aproximar e fazendo essa relação com o serviço, tentando pensar numa equipe que de certa forma é um anexo de cada um dos CAPS, acho que as possibilidades elas são muito diferentes, o cuidado é muito diferente [...] (T02).

As intervenções de cuidado em saúde mental para os usuários de drogas requerem um acompanhamento intersetorial, envolvendo educação, saúde, justiça, assistência social, Organizações Não-Governamentais, entre outros. Sendo esse trabalho complexo e mutante, inserir o usuário é estar sempre acompanhando e fazendo um trabalho coletivo em busca de novos prazeres e satisfações que possam substituir o que a droga e o tráfico proporcionam para o indivíduo(1010. Scisleski ACC, Maraschin C. Internação psiquiátrica e ordem judicial: saberes e poderes sobre adolescentes usuários de drogas ilícitas. Psicol Estud. 2008;13(3):457-65.).

Assim, o trabalho da Equipe Itinerante traz riqueza às políticas de saúde mental locais, pois possibilita o constante encontro dos trabalhadores de saúde com os usuários em seus espaços de vida, no território. No entanto, em relação ao papel desse serviço, aparecem divergências de concepções, principalmente, em relação às responsabilidades técnicas. A equipe parece ter claro que o objeto de trabalho em saúde é o usuário, mas acaba responsabilizando os CAPS, como serviços especializados, por esse cuidado:

[...] Entendo que é uma atribuição do CAPS, de trabalhar com esta família e essa sensibilização [...] ir construindo essas outras formas de cuidado com essa família e a marca que fica uma internação psiquiátrica para um menino de quinze anos, isso é uma atribuição do CAPS no meu entendimento [...] (T01).

[...] A nossa proposta de atuação de cuidado em saúde mental são os CAPS, é o cuidado no território [...] implica vínculo, a continuidade do cuidado, vários valores, princípios que a gente entende que uma equipe de CAPS tem mais possibilidade de fazer, considerando que a equipe itinerante vai fazer algo mais pontual, acessar aquele usuário, fazer uma intervenção, avaliar conforme a solicitação do processo, responder e não vai dar continuidade aquele cuidado [...] a itinerante vai se ater com a questão judicial [...] (T02).

Logo, o cuidado não parece ser função da Equipe Itinerante, e sim dos serviços de referência, uma vez que a equipe precisa responder aos processos judiciais da saúde. Segundo T01, por exemplo, é responsabilidade do serviço de referência cuidar do usuário e da família, criando estratégias de vinculação nos serviços. Portanto, para realizar o cuidado do usuário, os trabalhadores entendem que é preciso contratualidade, seguimento, longitudinalidade características essas que o CAPS tem maior propriedade em oferecer.

No campo da saúde, conceitos como interdisciplinaridade, integralidade, territorialidade, articulação em rede e incentivo à participação social fazem parte da agenda das políticas públicas. Desse modo, ações de prevenção e promoção da saúde levam em conta a complexidade do cuidado que é de responsabilidade de todos, e cada trabalhador/serviço precisa encontrar seu lugar nessa rede(1111. Hori AA, Nascimento AF. O Projeto Terapêutico Singular e as práticas de saúde mental nos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF) em Guarulhos (SP), Brasil. Cienc Saude Coletiva. 2014;19(8):3561-3571.).

Aqui entra uma questão interessante em relação à Equipe Itinerante: o seu lugar nessa rede é de diálogo com o judiciário, promovendo o cuidado do usuário junto a este setor:

[...] Eu acho que depende, se você quiser acompanhar a terapêutica de tratamento do usuário, talvez, se tu queres ser uma peça dessa terapêutica, talvez não seja o momento de trabalhar na itinerante, mas se tu quiseres participar disso e cuidar desse usuário junto ao judiciário. Às vezes são detalhes de respostas, [...] são sutilezas que é outra forma de cuidar sabe, que é tu mostrar pra essa pessoa que tem também outros jeitos [...] (T01).

O papel do trabalhador na equipe não é de continuidade das ações voltadas para o usuário, mas de propor outros modos de cuidado junto ao setor judiciário. Trata-se de um grande exercício técnico de articulação, no sentido de evitar apenas o trabalho operacional de responder às demandas do poder judiciário. É preciso salientar que o judiciário faz parte da rede de cuidado em saúde mental e a procura por esse serviço também é para encontrar medidas de tratamento.

O trabalho na Equipe Itinerante se mostra desafiador, pois é algo novo, sendo esperadas dúvidas em relação ao trabalho nessa composição diferenciada. Assim, a discussão constante sobre as estratégias de articulação intrasetorial e intersetorial, o enfrentamento das dificuldades de comunicação, além do papel dos trabalhadores nesse cenário traz novas possibilidades de produzir práticas em saúde mental articuladas com a realidade local.

Tecnologias de cuidado no processo de trabalho da Equipe Itinerante de Saúde Mental

Para discutir as tecnologias do processo de trabalho é preciso compreender que estas não são apenas equipamentos/instrumentos/ferramentas envolvidas nas ações, mas um saber tecnológico e um modus operandi que dão sentido ao que será ou não a “razão instrumental” do equipamento(1212. Merhy EE, Feuerwerker CM. Novo olhar sobre as tecnologias de saúde: uma necessidade contemporânea. In: Mandarino ACS, Gomberg E, organizadores. Leituras de novas tecnologias e saúde. Salvador: EDUFBA; 2009. p. 29-74.).

É preciso saber usar as tecnologias de trabalho e ter claro qual o objetivo do seu uso, e qual a sua finalidade. Isso porque não basta saber usar os instrumentos técnicos, pois é necessário saber operar de forma a realizar intervenções voltadas para a integralidade em saúde. Assim, os instrumentos de trabalho utilizados pela Equipe Itinerante no cuidado dos usuários de drogas são: Guia de Encaminhamento, Visita Domiciliar e Internação Psiquiátrica.

Guias de Encaminhamento

A Guia de Encaminhamento originou-se de um acordo realizado entre os setores de saúde e justiça. O Ministério Público encaminha o usuário aos serviços de saúde mental para ser acolhido e acompanhado por meio da referida guia. Trata-se de uma maneira de responsabilizar o setor saúde pelo cuidado, evitando a abertura de processos judiciais.

Na Guia de Encaminhamento são descritos: número da guia, emitente (Defensoria Pública) e o destinatário (Secretária Municipal de Saúde). O nome do serviço pode constar ou não na guia. Também está presente o assunto, que, muitas vezes, é avaliação e tratamento em saúde mental. Por fim, uma orientação ao serviço de saúde mental para informar a Defensoria Pública a despeito do atendimento e as condutas realizadas.

A Guia de Encaminhamento é um importante instrumento de trabalho para os serviços de saúde mental e para a Equipe Itinerante, pois podem evitar os processos de judicialização da saúde (como as internações compulsórias) e promover o uso racional das ações terapêuticas disponíveis no município:

[...] guias não são processos, são coisas diferentes, as guias me parecem que é algo de um controle, de um cuidado no sentido de a saúde mental se responsabilizar mais pelas suas demandas, não que não se responsabilizasse antes, mas a intenção é de que se fique mais de olho, mais perto com cuidado mais afetivo, evitando a criação de processos [...] (T02).

[...] A guia vai trazer um monitoramento junto ao Ministério Público. Ela seria algo que a gente costuma dizer que seria feito antes de um processo acho que também em termos de gestão de serviço a guia ela onera muito menos ao município do que um processo aberto aqui, que gera muito custo e a guia não. Em termos de cuidado eu acho que a guia também facilita que a gente tenha um monitoramento e um acompanhamento maior ou mais aproximado talvez mais qualificado [...] (T03).

Esse instrumento ajuda as famílias a conhecerem os serviços de saúde mental disponíveis para o cuidado do usuário de drogas, pois muitas pessoas não os identificam como espaço de cuidado em saúde. Assim, o setor judiciário se transforma numa porta de entrada para promover cuidado, ao favorecer também a divulgação dos serviços de saúde mental para a comunidade.

A implantação da Guia de Encaminhamento facilitou a articulação em rede de maneira mais lógica e efetiva, evitando a abertura de processos onerosos ao setor público. Considera-se que essa articulação responde a uma necessidade de melhorar a gestão do cuidado, fazendo a rede se movimentar, pois tornou um processo passivo de cumprimento de uma ordem judicial em um artifício ativo de problematização do cuidado do usuário. No entanto, do outro lado dessa articulação, está a família do usuário de drogas, que recebe a guia e precisa acompanhar esse fluxo.

No município estudado, esse fluxo de corresponsabilização da família compreende o seguinte processo: a família procura o sistema judiciário e recebe a guia de encaminhamento e de posse dela, deve acionar o sistema de saúde. A partir do momento que a guia chega ao serviço de referência (geralmente um CAPS), os profissionais precisam criar estratégias para vincular o usuário ao serviço, e se o serviço de referência não consegue realizar a inserção do usuário, a Equipe Itinerante é acionada, devendo realizar a busca ativa do usuário e da família.

No entanto, em alguns momentos, isso se torna uma cobrança adicional ao próprio familiar para responsabilizar-se mais pelo cuidado:

[...] A trabalhadora fala que fez uma visita na casa da [nome da jovem], usuária de drogas, disse que a mãe falou que ia trazer a menina ao serviço. Ela observa que a mãe não sabia como funcionavam as guias, disse que a mesma achou que ia ajudar a filha, mas que percebe uma grande cobrança para que a menina faça o tratamento no serviço. Além disso, a mãe afirma que não consegue levar a filha, pois ela não aceita tratamento e precisa trabalhar [...] (DC).

Muitas famílias, sem saber lidar com a questão do uso de drogas, procuram o setor judiciário para resolver o problema, mas dependendo do esgotamento do familiar, este pode não querer se envolver no cuidado. Essa questão já vem sendo debatida em alguns estudos(1313. Seadi SMS, Oliveira MS. Terapia multifamiliar e dependência química. Psic Clin. 2009 [citado 2015 jul 20];21(2):363-78. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/pc/v21n2/08.pdf.
http://pepsic.bvsalud.org/pdf/pc/v21n2/0...

14. Duarte MLC. Familiares dos usuários de crack em um CAPS AD III: avaliação das necessidades de cuidado [tese]. Porto Alegre (RS): Escola de Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2013.
-1515. Medeiros KT, Maciel SC, Sousa PF, Souza, FMT, Dias CCV. Representações sociais do uso e abuso de drogas entre familiares de usuários. Psicol Estud. 2013;18(2):269-79.), que trazem não somente a falta de envolvimento do familiar, copartícipe desse processo, como também a necessidade de relativizar essa responsabilidade, pois o uso de drogas é um fenômeno complexo, traz repercussões importantes no funcionamento da família, além de sofrimento, sobrecarga de cuidados e esgotamento emocional.

A participação da família no tratamento é muito importante e é bem recebida pelos trabalhadores, mas algumas equipes de saúde tendem a responsabilizar os familiares pelo cuidado. Deste modo, é preciso investir em debates para impedir que o sucesso da terapêutica fique a cargo dessa participação, pois isso poderia trazer à família uma responsabilidade extra pelos sucessos ou fracassos nas intervenções(1616. Pinho LB, Hernández AMB, Kantorski LP. Reforma psiquiátrica, trabalhadores de saúde mental e a “parceria” da família: o discurso do distanciamento. Interface Comunic Saude Educ. 2010;14(32):103-13.).

Assim, os profissionais colocam-se numa posição resignada de que “fizeram o que podiam” e podem acabar transferindo a responsabilidade pelo insucesso numa terapêutica para a família. Ao realizarem a transferência da responsabilidade para a família formam um circuito que inicia e termina na equipe, pois os trabalhadores responsabilizam a família pelo afastamento na terapêutica, mas ficam responsabilizados implicitamente pelo desconhecimento e pelo cuidado dessa mesma unidade familiar(1616. Pinho LB, Hernández AMB, Kantorski LP. Reforma psiquiátrica, trabalhadores de saúde mental e a “parceria” da família: o discurso do distanciamento. Interface Comunic Saude Educ. 2010;14(32):103-13.).

Diante dessa situação, muitas famílias podem pedir o cancelamento da Guia de Encaminhamento, para não haver pressões adicionais oriundas das equipes de saúde. Por isso, considera-se necessário e fundamental dimensionar as questões qualitativas que contemplam a singularidade de cada situação, de forma a não engessar o próprio fluxo de trabalho e a trazer a família como verdadeira parceira para o tratamento, considerando suas dificuldades, potencialidades e limitações.

Visita domiciliar

A visita domiciliar é um instrumento de trabalho que revela um universo de informações sobre o usuário e suas condições de vida, possibilitando ao trabalhador a interação no ambiente familiar e social, conhecendo o cotidiano, a cultura, as crenças e os costumes. Essa ferramenta proporciona experiências enriquecedoras para os trabalhadores, usuários e famílias(1717. Lima CHR, Silva DG, Almeida CAPL, Rocha Neta AS, Moura LKM, Souza FDL. A visita domiciliar como tecnologia do cuidado familiar: análise reflexiva. Rev Interd. 2015;8(2):209-14.).

No contexto da Equipe Itinerante, é na visita domiciliar em que ocorrem os primeiros contatos entre os trabalhadores, usuários e familiares, um arranjo cujo resultado deve ser pautado em uma intervenção terapêutica que responda ao judiciário, mas que também traga respostas mais precisas aos problemas do usuário ou da família. A Equipe Itinerante compreende que a visita domiciliar deva ser em conjunto com os trabalhadores do serviço de referência, por exemplo, o CAPS AD, e há um grande esforço dos trabalhadores envolvidos nesse sentido:

[...] Eu acho que é muito rico tu poder ir até o usuário sabe, e é isso que a gente tem trazido cada vez mais pros CAPS. Bom, a gente vai até o usuário, a gente conhece o contexto em loco a situação dele, eu acho que a casa, o lugar onde a pessoa vive diz muito dela também [...] (T03).

[...] [nome da idosa] é idosa cuidadora da mãe que tem Alzheimer e do filho que é usuário de drogas e está com tuberculose, sem tratamento clínico. O caso da [nome da idosa] chegou para a Equipe Itinerante como uma solicitação de avaliação psicológica e clínica para a sua mãe, mas ao irmos à casa da família a mesma relata que quer levar a mãe para uma casa de idosos, pois já está muito cansada cuidando dela e do filho. [nome da idosa] contou na primeira visita que já entrou com um processo judicial para tratamento e internação do filho também [...] (DC).

É possível perceber que, além da demanda judicial, se viabiliza a importância da construção de vínculo, da relação de acolhida, da ajuda e do respeito ao sujeito e à sua história de vida. Deste modo, o cenário de uma visita domiciliar se mostra desafiador, pois se evidenciam situações delicadas de vida, exigindo sensibilidade, cuidado e atenção dos trabalhadores. Na visita domiciliar é realizado o conhecimento do usuário e da família, possibilitando fortalecer vínculos entre todos os sujeitos envolvidos e construir planos terapêuticos que irão ao encontro da realidade de vida das pessoas. Para o profissional possibilita almejar a prevenção, promoção, o cuidado e a reabilitação de doenças e agravos(1717. Lima CHR, Silva DG, Almeida CAPL, Rocha Neta AS, Moura LKM, Souza FDL. A visita domiciliar como tecnologia do cuidado familiar: análise reflexiva. Rev Interd. 2015;8(2):209-14.).

No entanto, há um dilema com a Equipe Itinerante. O fato de estar representando dois setores (saúde e judiciário) parece interferir na hora do encontro entre o trabalhador e o usuário. Chegar à casa de um indivíduo com uma demanda judicial também pode gerar anseio e desconfiança. A visita realizada à casa de um usuário exemplifica um pouco essa situação:

[...] Uma profissional da equipe itinerante chega de uma visita domiciliar, realizada em conjunto com o CAPS Infantil, e começa a contar como foi a intervenção com um adolescente. O processo foi movido pela mãe do menino. Ao chegar à casa do menino a mãe e o mesmo estavam brigando e quando o jovem viu a equipe correu para dentro do banheiro e se trancou [...] (DC).

Os desafios da equipe se tornam maiores, pois os trabalhadores precisam mediar situações de conflito familiar e construir com os usuários e a família uma ponte de comunicação a favor do cuidado e que a união dos setores de saúde e justiça possa contribuir de fato para diminuir medos e desconfianças. Observa-se a necessidade das equipes de saúde e justiça em rediscutir a imagem presente na sociedade em relação ao setor judiciário, que pode, sim, delegar e ordenar, mas também pode ser um possível apoiador no cuidado.

Internação psiquiátrica

Raízes históricas apontam para a internação psiquiátrica como uma modalidade assistencial na saúde mental. Das origens pinelianas, observa-se a internação como uma possibilidade de compreender melhor o processo de desenvolvimento das doenças mentais(1818. Desviat M. A Reforma psiquiátrica. Rio de Janeiro: Fiocruz; 1999.). Muito questionada atualmente, com a reestruturação da assistência a partir dos princípios reformistas e, principalmente, quando realizada no hospital psiquiátrico, a internação psiquiátrica em hospitais psiquiátricos também foi usada como dispositivo de punição e encarceramento.

No Brasil, a internação psiquiátrica teve sua regulamentação revisada com a Lei 10.216 de 2001. Esta pode ser de três tipos: a internação voluntária, com o consentimento do usuário; a internação involuntária, sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiros, como a família; e a internação compulsória, determinada pela Justiça. Nesse último caso, a internação compulsória precisa ser homologada pela autoridade judicial, quando solicitada pela equipe de saúde, e não pode se configurar como internação de longa permanência.

No caso do município, a Equipe Itinerante se depara diariamente com solicitações de internações compulsórias, trazendo também desafios aos trabalhadores, pois são solicitadas, geralmente, por familiares que buscam o poder judiciário a priori:

[...] Eu acho que é na questão de tu pode pensar realmente, sabe no que vai ser bom pra esse usuário [...] é muito bom quando tu percebes que consegue oferecer algo que vem realmente ao encontro da saúde das pessoas, por que você levar uma pessoa amarrada ao hospital sem essa necessidade eu não acredito que isso possa ser terapêutico [...] (T01).

Neste sentido, o município possui uma construção bem peculiar em relação ao uso da internação psiquiátrica como tecnologia de cuidado em saúde mental. Em um estudo, realizado no mesmo município, observou-se a preocupação da gestão de saúde mental em garantir outros modos de cuidado extra-hospitalar, deixando a internação como última alternativa a ser realizada e, quando necessária, condicionada a uma avaliação rigorosa dos trabalhadores dos CAPS(1919. Pinho LB, Olschovsky A, Wetzel C, Nasi C, Kohlrausch ER, Schneider JF, et al. Avaliação qualitativa da rede de serviços de saúde mental de Viamão para atendimento a usuários de crack: viaREDE. Escola de Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 2014.).

Incorporando essa lógica de funcionamento, a Equipe Itinerante se situa no dilema entre reconhecer a necessidade da internação face ao esgotamento de outras possibilidades de cuidado na rede e, por outro lado, a dificuldade de acessar essa modalidade de cuidado frente à indisponibilidade de leito e de infraestrutura.

Assim, o que mais trouxe reflexões à equipe é admitir que “a internação faz parte do cuidado” para si e para a rede. Isso, no decorrer da prática profissional, esbarra nos entraves da rede:

[...] É sempre muito difícil pra equipe quando a gente se dá conta de que, não, essa pessoa precisa ser internada sabe! para as equipes como um todo, pra itinerante, pros CAPS [...]. Se chegou num determinado usuário, se eu não me engano era do CAPSi, se chegou a uma conclusão de que aquele adolescente precisava ser internado sabe, e ai tu vai fazer contato, articular a rede e não tem vaga no hospital da cidade, e ai tu faz o que? [...] (T03).

Dessa forma, é preciso olhar para a internação como uma ferramenta de cuidado que, se bem utilizada, traz benefícios aos usuários, sendo necessário se despir do medo de considerar toda e qualquer internação como uma medida punitiva, mesmo quando provêm do poder judiciário. A Equipe Itinerante, como observado nas falas, tem apontado a sua preocupação em relação aos espaços de discussão para a não realização de internações de modo iatrogênico, e sem avaliação criteriosa dos trabalhadores da rede envolvidos.

Por outro lado, a equipe tem dificuldades de acessar a rede quando há a necessidade de realizar uma internação psiquiátrica. Aqui aparecem algumas lacunas, entre elas a dificuldade de conseguir um leito psiquiátrico no hospital geral do município e a disponibilidade de uma ambulância para conduzir o usuário ao serviço de saúde.

Essas dificuldades são ansiogênicas para os trabalhadores da Equipe Itinerante, e expõem desnecessariamente o usuário de drogas e sua família. Alguns estudos já apontam essa questão(2020. Zambenedetti G, Silva RAN. A noção de rede nas reformas sanitária e psiquiátrica no Brasil. Psicol Rev. 2008;14(1):131-50.-2121. Ministério da Saúde (BR). Política Nacional de Humanização da Atenção e Gestão do SUS. Brasília (DF); 2009.). Logo, para realizar movimentos em rede, deve-se estimular a participação de todos os trabalhadores envolvidos no cuidado, sejam eles do setor saúde ou de outros setores.

CONCLUSÃO

Os trabalhadores identificam o usuário como objeto de trabalho e a finalidade, para alguns participantes, é o cuidado enquanto ação terapêutica, sendo a resposta ao Ministério Público uma consequência das ações que podem promover a diminuição na abertura de novos processos judiciais. Diante dessa concepção, a própria equipe propõe a utilização de instrumentos tecnológicos que nos permitem analisar o processo de trabalho, sempre levando-se em consideração o seu papel na construção do cuidado e nos arranjos em rede.

A Guia de Encaminhamento, enquanto um desses instrumentos de trabalho, foi criada pela gestão de saúde mental do município e é algo inovador na prática de saúde, mas é preciso saber utilizá-la sem transferir para a família uma responsabilidade de cuidado que é, principalmente, da equipe de saúde.

No caso da visita domiciliar, aponta-se para a emergência de situações delicadas de vida, exigindo maior participação da Equipe Itinerante na mediação de conflitos e encontro de soluções em parceria.

Em relação à internação psiquiátrica, dentro da prateleira de instrumentos da Equipe Itinerante, é importante salientar que ela deve ser percebida como uma possibilidade de tratamento no cuidado, de forma que a equipe tenha garantia de acesso aos leitos em hospitais gerais, quando for necessário, de forma a proporcionar movimentos na rede.

Por fim, como uma inovação no contexto da saúde mental, a Equipe Itinerante trouxe possibilidades concretas de reinventar o cuidado, em que o compartilhamento das experiências são fundamentais e reforçam a urgência das parcerias intersetoriais no campo da saúde mental.

A despeito da importância do estudo para conhecer a realidade locorregional, uma das limitações é o fato de não ser possível comparar outras experiências semelhantes, com as quais poderíamos ter maiores subsídios para conhecer e analisar os processos de trabalho. Assim, sugere-se novos estudos que abordem o processo de trabalho no campo da saúde mental, em especial analisando o modo como essas experiências inovadoras realmente se materializam no cotidiano das práticas assistenciais.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2017

Histórico

  • Recebido
    24 Ago 2016
  • Aceito
    12 Maio 2017
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