Acessibilidade / Reportar erro

O sentido do cuidado espiritual na integralidade da atenção em cuidados paliativos

El sentido del cuidado espiritual en la integralidad de la atención en cuidados paliativos

RESUMO

Objetivo

Compreender o sentido do cuidado espiritual para a integralidade da atenção à pessoa e para a equipe interdisciplinar de cuidados paliativos.

Métodos

Pesquisa qualitativa com referencial teórico de Viktor Frankl. Os participantes foram nove pessoas em cuidados paliativos e seis profissionais do Programa de Internação Domiciliar Interdisciplinar que atendiam a estes. As informações foram coletadas no domicílio dos participantes, por meio da observação, e entrevistas fenomenológicas realizadas no período de junho a outubro de 2014, gravadas, transcritas e transformadas em texto interpretado, com abordagem fenomenológica hermenêutica.

Resultados

Surgiram as seguintes categorias: Sentido da integralidade do cuidado e O sentido da espiritualidade para os profissionais que cuidam de pessoas em tratamento paliativo, com suas subcategorias.

Conclusão

O cuidado espiritual proporciona conforto e o encontro existencial entre a pessoa em cuidados paliativos e os profissionais da equipe que o cuidam.

Espiritualidade; Cuidados paliativos; Doente terminal; Enfermagem; Integralidade em saúde

RESUMEN

Objetivo

Comprender el sentido del cuidado espiritual para la integralidad de la atención a la persona y el equipo interdisciplinario de cuidados paliativos.

Métodos

Estudio cualitativo y referencial teórico de Viktor Frankl. Los participantes fueron nueve personas en cuidados paliativos y seis profesionales del Progama de Internación Domiciliar Interdisciplinaria. Las informaciones fueron recolectadas en el domicilio de los participantes, a través de la observación y de entrevistas fenomenológicas realizadas en el período de junio a octubre de 2014, grabadas, transcritas y transformadas en texto interpretado con abordaje fenomenológico hermenéutico.

Resultados

Surgieron las siguientes categorías: Sentido de la integralidad del cuidado y El sentido de la espiritualidad para los profesionales que atienden a las personas en tratamiento paliativo, con sus subcategorías.

Conclusión

El cuidado espiritual proporciona el encuentro existencial entre la persona en cuidados paliativos y los profesionales que la cuidan.

Espiritualidad; Cuidados paliativos; Enfermo terminal; Enfermería; Integralidad en salud

ABSTRACT

Objective

To understand the sense of the spiritual care for the integrality of attention to the person and to the interdisciplinary team of palliative care.

Methods

Qualitative research with theoretical framework according to Viktor Frankl theory. Participants were nine people in palliative care and six professionals from the Interdisciplinary Home Health Care Program who attended these people. Information was collected at the participants’ domicile, through observation, and phenomenological interviews that were conducted in the period from June to October 2014, recorded, transcribed and turned into interpreted text with a hermeneutical phenomenological approach.

Results

The following categories emerged: The sense of integrality of care and The sense of spirituality for professionals who care for people in palliative care, with their subcategories.

Conclusion

The spiritual care provides comfort and the existential encounter between the person in palliative care and professional staff that take care of the person.

Spirituality; Palliative care; Terminal patient; Nursing; Integrality in health

INTRODUÇÃO

No processo de trabalho da saúde, conquistou-se o reconhecimento do direito à saúde através da implantação da Política Nacional de Humanização como política de inclusão de todos os sujeitos na construção da saúde individual e coletiva. Além disso, tem-se trabalhado com programas de educação permanente, que ressaltam a necessidade de desenvolverem-se habilidades de acordo com a realidade imposta no cotidiano de trabalho, considerando este como espaço de discussão e apropriação de novos conhecimentos com vistas à interdisciplinaridade e à integralidade da atenção(11. Arrieira ICO, Thofehrn MB, Porto AR, Palma J. Espiritualidade na equipe interdisciplinar que atua em cuidados paliativos às pessoas com câncer. Cienc Cuid Saude. 2011;10(2):314-21.). Este último termo, integralidade da atenção, é entendido como a ação global que tem sido frequentemente associada ao tratamento digno, respeitoso, com qualidade, acolhimento e vínculo, compreendendo o ser humano como biopsicossocial e espiritual(22. González AD, Almeida MJ. Integralidade da saúde: norteando mudanças na graduação dos novos profissionais. Ciênc Saúde Colet. 2010;15(3):757-62.).

Atualmente existem em todo o mundo muitas iniciativas de desenvolvimento dos cuidados paliativos. No Brasil, este movimento vem crescendo, porém em menor intensidade. Uma dessas iniciativas surgiu em Pelotas/RS, em 2005, quando foi criado o Programa de Internação Domiciliar Interdisciplinar (PIDI) Oncológico com o objetivo de atender pessoas em tratamento de câncer com indicação de cuidados paliativos. A Organização Mundial de Saúde (OMS) define os cuidados paliativos como uma abordagem que visa melhorar a qualidade de vida dos doentes e de suas famílias, que enfrentam problemas decorrentes de uma doença incurável com prognóstico limitado e/ou doença grave que ameaça a vida, e suas famílias, através da prevenção e alívio do sofrimento, com recurso à identificação precoce, avaliação adequada e tratamento rigoroso dos problemas não só físicos, como a dor, mas também dos psicossociais e espirituais(33. Organização Mundial de Saúde [Internet]. Genebra: OMS; 2002- [updated 2013 Mar 12, citado 2015 Set 15]. Definition of palliative care. Available from: http://who.into/cancer/palliative/definition.
http://who.into/cancer/palliative/defini...
), sendo que, no Brasil esta definição também foi adotada.

Sabe-se que a crise existencial trazida pela doença leva a pessoa e seu grupo social a importantes questionamentos sobre suas vidas. Tais questionamentos em geral são impregnados de emoção, podendo resultar em amplas transformações positivas ou em grandes catástrofes pessoais e familiares, as quais também são acompanhadas pelos profissionais da saúde(44. Vasconcelos EM. Espiritualidade na educação popular em saúde. Cad CEDES. 2009;29(79):323-34.).

Ainda considerando-se a compreensão do ser humano como um ser integral e, a dimensão espiritual é parte integrante do indivíduo, sendo fundamental na forma de pensar, agir e, por consequência, no modo de cuidar ou cuidar-se(55. Nascimento LC, Santos TFM, Oliveira FCS, Pan R, Flória-Santos M, Rocha SMM. Espiritualidade e religiosidade na perspectiva de enfermeiros. Texto Contexto Enferm. 2013;22(1):52-60.).

A espiritualidade refere-se, neste estudo, às questões que transcendem a vida cotidiana na busca por sentido e significado para o processo de viver e morrer, emergindo sentimentos genuínos, como compaixão, solidariedade e amor incondicional(11. Arrieira ICO, Thofehrn MB, Porto AR, Palma J. Espiritualidade na equipe interdisciplinar que atua em cuidados paliativos às pessoas com câncer. Cienc Cuid Saude. 2011;10(2):314-21.). E o cuidado espiritual pode ser compreendido como respeito pelos pacientes, em interações amigáveis e simpáticas, na partilha de rituais e funciona como potencializador do encontro da força interior por pacientes e profissionais(66. Mahmoodishan G, Alhani F, Ahmadi F, Kazemnejad A. Iranian nurses’ perception of spirituality and spiritual care: a qualitative content analysis study. J Med Ethics Hist Med. 2010;3(6):2-8.).

De acordo com estudo, pessoas que desenvolvem certos valores e práticas, tais como a oração e a meditação, têm melhor qualidade de vida e respondem de maneira mais satisfatória quando submetidas a determinados tratamentos de saúde(77. Koenig HG. Medicina, Religião e Saúde: o encontro da ciência e da espiritualidade. Porto Alegre: L± 2012.). Em outra pesquisa, realizada no Texas com cuidadores de pacientes com câncer avançado, todos relataram que a espiritualidade ajudou a lidar com a doença, e que, para a maioria dos participantes, a presença desses valores teve um impacto positivo sobre os sintomas de seu ente querido, melhorando inclusive os aspectos físicos e emocionais. Esses resultados demonstram a importância da avaliação e apoio espiritual também para os cuidadores de pacientes com doença avançada(88. Guay MOD, Parsons HA, HuiD, De la Cruz MGD,Thorney S, Bruera E. Religiosity, and spiritual pain among caregivers of patients with advanced cancer. Am J Hosp Palliat Care. 2013;30(5):455-61.).

Neste contexto, o tema espiritualidade tem sido foco de atenção, sendo um importante autor sobre a temática o psiquiatra Viktor Frankl. O autor é fundador da Logoterapia, conhecida também como a Psicoterapia do Sentido da Vida, sendo a busca por sentido a principal força motivadora no ser humano, inclusive no processo de terminalidade. Para o sofrimento é inerente ao ser humano e destaca a tríade trágica da existência- dor, culpa e morte. Porém, independentemente do sofrimento, a liberdade espiritualidade, possibilita-lhes configurar o sentido de suas existências. E a forma como pessoa o enfrenta o sofrimento faz toda a diferença, pois encontrar um sentido para tal é uma das formas de amenizá-lo. Frankl procurou dar uma interpretação humanística ao sofrimento, diante do qual o doente não deve se tornar somente um ser passivo, mas ter, com a ajuda da equipe de saúde, uma atitude digna e motivada(9).

Desse modo, valorizar a dimensão espiritual não é uma questão de crer ou não em Deus, mas de, sobretudo, considerar a realidade subjetiva e social que tem uma existência objetiva(44. Vasconcelos EM. Espiritualidade na educação popular em saúde. Cad CEDES. 2009;29(79):323-34.).

Assim, embora estudos tenham sido realizados(77. Koenig HG. Medicina, Religião e Saúde: o encontro da ciência e da espiritualidade. Porto Alegre: L± 2012.-88. Guay MOD, Parsons HA, HuiD, De la Cruz MGD,Thorney S, Bruera E. Religiosity, and spiritual pain among caregivers of patients with advanced cancer. Am J Hosp Palliat Care. 2013;30(5):455-61.), entende-se que ainda existe uma lacuna no conhecimento científico, que se refere ao aprofundamento na busca do sentido do cuidado espiritual para as pessoas que se encontram em cuidados paliativos e também para a equipe que presta o referido cuidado. Justificando-se a relevância deste estudo que traz como questão norteadora: qual o sentido do cuidado espiritual para a integralidade da atenção a pessoa e para a equipe interdisciplinar de cuidados paliativos.

Para responder a esta questão temos como objetivo compreender o sentido do cuidado espiritual para a integralidade da atenção à pessoa e para a equipe interdisciplinar de cuidados paliativos.

METODOLOGIA

O estudo qualitativo que apresenta abordagem fenomenológica e existencialista, tendo como referencial teórico a obra de Viktor Frankl. Este autor propõe, por meio de sua vertente filosófica, a articulação da pesquisa em ciências sócias e humanas. De modo que, que objeto deste estudo, o sentido da espiritualidade para integralidade da pessoa em cuidados paliativos, encontra fundamentação neste referencial.

A investigação na perspectiva do existencialismo e da fenomenologia possibilita compreender o ser humano em suas múltiplas facetas, em suas vivências, experiências e relações com o mundo ao desvelar o fenômeno vivido em sua essência, considerando os fenômenos adoecer, morrer e relacionar-se com o outro, fenômenos que não podem ser compreendidos isolados da pessoa que os vivencia na totalidade de sua existência(1010. Almeida IS, Crivaro ET, Salimena AMO, Souza IEO. O caminhar da enfermagem em fenomenologia: revisitando a produção acadêmica. Rev Eletr Enf. 2009;11(3):695-99.).

O estudo realizou-se na cidade de Pelotas, localizada no sul do estado do Rio Grande do Sul, no Programa de Internação Domiciliar Interdisciplinar (PIDI) Oncológico pertencente ao Hospital Escola da Universidade Federal de Pelotas. Este programa é constituído por duas equipes interdisciplinares para o atendimento de pacientes em cuidados paliativos. Implantado em abril de 2005 com uma equipe e ampliado em 2011 para duas equipes, tal programa veio a somar no cuidado a pacientes vinculados aos serviços de oncologia do município compondo o ciclo de cuidado integral partindo do diagnóstico, tratamento e cura até os cuidados paliativos para as pessoas sem possibilidade de cura, em ambiente domiciliar.

Participaram desta pesquisa nove pessoas incluídas no PIDI Oncológico que estavam vivenciando os cuidados paliativos, por estarem com câncer em estágio avançado e seis profissionais da equipe interdisciplinar que atenderam essas pessoas e suas famílias no processo de terminalidade. Os critérios de inclusão para pessoas em cuidados paliativos foram: estar incluído no PIDI, ter idade igual ou superior a 18 anos e condições clínicas de responder a pesquisa. E o critério de exclusão: condições clínicas que impossibilitam a participação, pacientes muito debilitados fisicamente.

Para os profissionais o critério de inclusão foi ser integrante da equipe do PIDI há pelo menos um ano. Foram excluídos os profissionais que pertenciam à equipe por período inferior a um ano.

Para a elaboração da pesquisa, foi realizado contato prévio com onze pessoas em cuidados paliativos, por meio do acompanhamento das equipes nos atendimentos no domicílio, momento em que a pesquisadora ao apresentar-se, explicou o objetivo do estudo e realizou o convite para participação. Após esta abordagem, duas pessoas expressaram que não gostariam de relatar suas experiências sobre o tema proposto. Nove aceitaram, e então foi agendada a entrevista em seus domicílios. Foram guiadas por uma questão de aproximação e por duas questões norteadoras. Todas as informações foram gravadas em mídia digital e transcritas logo em seguida.

A coleta das informações ocorreu no período de junho a outubro de 2014. Os instrumentos utilizados foram a observação, o diário de campo e a entrevista. O diário de campo serviu para anotar todas as informações observadas, registro das conversas informais, dos comportamentos durante as falas e, ainda, as impressões da pesquisadora. A entrevista possibilitou uma melhor interação com os participantes, permitindo abordagens individuais com o intuito de resgatar a realidade das vivências destas pessoas em cuidados paliativos, pois a pesquisadora passou a se apropriar das descrições experienciais dos entrevistados, para então refletir sobre elas.

O roteiro de entrevista contou com uma questão e aproximação e duas questões norteadoras. Sendo para as pessoas em cuidado paliativo a de aproximação: qual o sentido que tem para você a espiritualidade ou a sua fé neste momento da sua vida? E as norteadoras: fale-me sobre essa experiência e você considera importante que os profissionais que estão lhe atendendo neste período conversem sobre a espiritualidade?

Para o grupo dos profissionais a questão de aproximação foi: qual o sentido que tem para você a espiritualidade como profissional que atende pacientes em cuidados paliativos? E as norteadoras: fale-me sobre sua experiência no convívio com estes pacientes e como você vê a influência da sua espiritualidade durante o seu processo de trabalho?

Para operacionalizar estas informações, seguiu-se interpretação hermenêutica de Paul Ricoeur(1111. Ricouer P. O conflito das interpretações: ensaios de hermenêutica. Rio de Janeiro: Imago; 1978.) que iniciou-se pela elaboração do texto, produção escrita a partir das descrições das informações coletadas através das entrevistas com as pessoas em cuidados paliativos. Primeiro contato da pesquisadora com o texto buscando o sentido das experiências vividas pelos participantes para que fossem existencialmente compreendidas. Momento em que se considera o princípio da fenomenologia de “volta às coisas mesmas”, buscando identificar os sentidos e os significados que emergiram além das palavras, como nos gestos das pessoas em cuidados paliativos, seguida pela releitura atenta dos textos, momento de envolvimento da pesquisadora com o texto na busca de relacionar a compreensão com as significações, considerando que a fenomenologia volta-se à descrição das vivências do entrevistado, sem preocupação em explicá-las, colocando em evidência os sentidos contidos no texto a partir do que foi expresso pelos participantes em um momento existencial.

O passo seguinte foi a interpretação do texto a fim de estabelecer unidades de significado, reunindo unidades de sentido colocadas em evidência. As unidades de significado foram postas em frases que se relacionavam umas com as outras, indicando momentos distinguíveis na totalidade do texto da descrição e por último a compreensão, também denominada de sensibilidade manifesta, considerada a última fase da hermenêutica. Nela ocorre o surgimento de algo que antes era desconhecido através da síntese dos significados expressos pelos participantes, buscando por constitutivos relevantes apontados na descrição da experiência vivida. Considerou-se o que foi dito e também o que não foi dito durante o discurso e elaborou-se as categorias para compreender o sentido da espiritualidade para as pessoas em cuidados paliativos.

Na busca de compreender o sentido de espiritualidade para a integralidade da atenção as pessoas em cuidados paliativos a partir do referencial de Viktor Frankl, foram classificadas as experiências dos participantes em duas categorias, sendo que a primeira foi subcategorizada.

Os princípios éticos estiveram presentes em todos os momentos do estudo, conforme prevê a Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012, do Conselho Nacional de Saúde, do Ministério da Saúde, sobre pesquisa com seres Hhmanos(1212. Ministério da Saúde (BR), Conselho Nacional de Saúde. Resolução 466/2012. Diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil. 2013 jun 13;150(112 Seção 1):59-62.).

A todos os participantes foi garantido o anonimato, sendo identificados pelas letras CP seguido de numeral de acordo com a ordem de coleta das informações. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pelotas com o parecer número 668.915, em 29 de maio de 2014. Todos os participantes assinaram o Temo de Consentimento Livre e Esclarecido.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Caracterização dos participantes

No grupo composto por pessoas em cuidados paliativos, seis eram do sexo masculino, com idades entre 44 e 72 anos, e três do sexo feminino, com idades entre 36 e 68 anos. Entre esses pacientes, três estavam aposentados e os demais em licença de saúde. Em relação à religiosidade, duas declararam não pertencer a nenhuma religião, um afirmou ser espírita, duas evangélicas e quatro relataram ser católicas.

O grupo de profissionais consistiu em uma enfermeira, um cirurgião dentista, uma psicóloga, uma médica clínica, uma nutricionista e uma assistente social, com idades entre 29 e 59 anos. O tempo de atuação mínimo no PIDI Oncológico dos profissionais entrevistados foi de dois anos e meio e o máximo de nove anos. Em relação à religiosidade dos participantes, dois relataram ser espíritas e quatro disseram-se católicos.

O sentido da integralidade do cuidado

Conforto e fé proporcionados pela espiritualidade

A fé traz conforto e explica o que parece inexplicável no enfrentamento de situações difíceis pelas quais passam os pacientes críticos e seus familiares que, diante dos sentimentos de insegurança e tristeza vivenciados, encontram, em suas crenças e práticas espirituais, apoio para o enfrentamento e respostas aos questionamentos, quase nunca explícitos, sobre o viver e o morrer(1313. Anjos LS, Lemos DM, Antunes LA, Andrade JMO, Nascimento WDM, Caldeira AP. Percepções maternas sobre o nascimento de um filho prematuro e cuidados após a alta. Rev Bras Enferm. 2012;65(4):571-7.).

Na experiência dos participantes deste estudo, a espiritualidade dá o sentido de conforto e complemento ao tratamento convencional. Esse foi atribuído à cirurgia espiritual, sensação de presença espiritual do papa já falecido, fé em Deus, assistência de espiritualista, de pastor evangélico e leitura da Bíblia.

A gente fez uma cirurgia espiritual. Eram todas as quartas feiras, três foram as cirurgias e mais três quartas para os curativos. Eu me senti melhor depois da cirurgia espiritual, na segunda vez senti muita dor durante a cirurgia espiritual, que era a dor que eu sentia antes de fazer a cirurgia física, que me abriram e fecharam. Me doía na hora que estava marcada a cirurgia às 10h da noite. No outro dia da cirurgia espiritual também me senti mal. Depois disso me aliviou a dor e nunca mais senti como sentia antes (CP4).

Comigo também sempre teve o papa João Paulo II, sempre na minha cabeceira, bem antes de ele ser canonizado eu tinha muita fé nele, sempre gostei dele. Nunca enxerguei ele, mas sentia que ele estava comigo, a presença, a espiritualidade dele. Toda vez que eu ia pra UTI, minha esposa dizia: “Maria passa na frente”, e eu sentia tranquilidade. Eu tenho a foto do papa e levo sempre comigo (CP5).

A fé que a gente tem que ter é muito grande, porque só o fato da gente acreditar em algo que a gente nunca viu, a gente nunca viu Deus, mas a fé é tão grande que ela pode curar a gente (CP6).

Já me tratei com um espiritualista, eu fui várias vezes e é muita oração, não tem nada de pai de santo. Me fez operação astral, disse que não tinha como me cortar. Aprendi o lado espiritual, o lado da fé, da importância de rezar, o jeito de tratar com os outros. Ele faz uma palestra meia hora antes de iniciar os atendimentos e te fala das coisas como é a vida, tem uma equipe de trinta pessoas que trabalham com ele e a única coisa que ele aceita é que leve uma cadeira pra sentar (CP7).

Estou melhorando e sempre com acompanhamento do pessoal da igreja, vem o pastor da Universal fazer oração por mim. E isso é força total. A minha fé é até nos ossos (CP8).

A minha fé é grande tanto que eu leio a bíblia todos os dias e isso me ajuda um monte, as pessoas também oram por mim na igreja. Lá no hospital também ia uma guria e uma senhora fazer oração (CP9).

Observa-se que, apesar das diferentes manifestações da espiritualidade referidas pelas pessoas em cuidados paliativos, foi unânime o reconhecimento do conforto e auxílio que receberam, sendo, inclusive, atribuído alívio de sintoma físico após a cirurgia espiritual, esclarecimento por meio de palestras e leitura da Bíblia, sensação de tranquilidade e até esperança de cura. Isso trouxe o sentido de complementaridade entre o biopsicossocial e o espiritual, levando à integralidade do cuidado considerando todas as dimensões da pessoa.

Observa-se que, no relato de CP4, que se diz católico, ele afirma que com a doença encontrou sentido na sua busca espiritual através da cirurgia espiritual. Isso mostra que a espiritualidade não tem necessariamente vínculo com a religiosidade, e sim com a necessidade do indivíduo que confere sentido à sua busca.

A fé e a ciência são interdependentes, porque, se a fé é incapaz de se confrontar com a ciência, corre o risco de se transformar em “superstição”. Ainda o princípio e o fim, a origem e o aperfeiçoamento de todas as coisas são competências exclusivas da espiritualidade. Isso porque é por meio da divergência que se torna possível uma visão mais ampla. Dessa forma, apesar de terem segmentos distintos, tanto a espiritualidade quanto a ciência buscam o bem-estar do ser humano(1414. Frankl VE, Lapide P. Búsqueda de Dios y sentido de la vida: diálogo entre un teólogo y un psicólogo. 1. ed. Barcelona: Herder; 2005.).

Presença de Deus

A fé e o suporte promovido pela espiritualidade proporcionam um melhor controle interno frente às situações de terminalidade. Sabe-se que as religiões oferecem soluções para o dilema da morte, geralmente associadas à presença de Deus, independentemente da crença religiosa da pessoa. A prática espiritual torna-se uma estratégia de recuperação de forças perdidas durante a experiência de sofrimento. Nesse contexto, as crenças e práticas religiosas atendem a necessidade da pessoa de ter uma expectativa para o futuro(1515. Bousso RS, Poles K, Serafim TS, Miranda MG. Crenças religiosas, doença e morte: perspectiva da família na experiência de doença. Rev Esc Enferm USP. 2011;45(2):397-403.) .

O sentido da presença de Deus é vivenciado pelos participantes de diferentes formas, que têm significados através do amor, força, fé, tranquilidade, proteção, possibilidade de vencer e transpor obstáculos.

Primeiro lugar, sem um lado o outro não funciona, os dois têm que funcionar em conjunto, tenho que ter fé na parte médica na terra e na parte espiritual (CP1).

Então hoje eu não viveria sem Deus, então eu tenho muita fé nele, ele abriu a minha cabeça. O mundo é criado e construído através do amor, eu fui saber isto muito tarde, sofri muito até entender que Deus é amor e que tem que entrar na linha dele, assim mão direita e essa é a minha compreensão (CP2).

Agora eu acredito que existe uma força que faz a gente melhorar que ajuda, que tem alguém ajudando. Acredito que sejam os espíritos com o consentimento de Deus, porque acima de tudo tem Deus e Jesus Cristo (CP3).

A resposta que tive de Deus foi a minha tranquilidade, não sentia medo de nada. Vários amigos ligavam [e diziam] que estavam orando pra mim. Quando me visitavam, faziam orações e eu tinha fé. Até quando eu saí de coma eu vi que eu estava tranquilo (CP5).

Observa-se que, na vivência das pessoas em cuidados paliativos que se encontram em situação de iminência de morte, a presença de Deus em suas vidas é muito forte, inclusive muitos reconhecem que com a doença isto se intensificou, e ainda fazem uma analogia à saúde física e espiritual, considerando a necessidade dessa complementaridade.

Viver a espiritualidade é a forma amorosa de sentir o tempo, tendo o privilégio de ver Deus, o mistério último, em toda parte. A espiritualidade amplia a visão, possibilitando a relação de transcendência com esta força universal(1616. Mazzarolo I. Religião ou espiritualidade. Rev Bras Hist Religiões. 2011;9(3):1-14.).

Na situação de doença e morte, a família também atribui a Deus ou a forças ocultas não só a causa do evento, como também a possibilidade de superação da experiência, uma maneira de não se perder a esperança. Ao atribuir à vontade de Deus, a aceitação das situações de sofrimento torna-se mais plausível e fácil de seguir adiante, diminuindo o peso na responsabilidade sobre a doença ou morte(1515. Bousso RS, Poles K, Serafim TS, Miranda MG. Crenças religiosas, doença e morte: perspectiva da família na experiência de doença. Rev Esc Enferm USP. 2011;45(2):397-403.).

A presença de Deus como alguém próximo, de fácil acesso, leva à sensação de bem-estar no relato de pacientes em tratamento de câncer, pois faz com que se sintam únicos e especiais perante esta força. Segundo eles, sem esta presença, é mais difícil enfrentar a doença(1414. Frankl VE, Lapide P. Búsqueda de Dios y sentido de la vida: diálogo entre un teólogo y un psicólogo. 1. ed. Barcelona: Herder; 2005.).

Cuidado espiritual

Os profissionais da saúde não podem ignorar o aspecto espiritual no cuidado aos pacientes. Atualmente essa necessidade espiritual está muito mais presente e isso faz com que apareçam os mercenários espirituais, que oferecem serviços de forma enganosa a pessoas que já se encontram fragilizadas pela doença(1717. Mendes J MG. A dimensão espiritual do ser humano: o diagnóstico de angústia espiritual e a intervenção de enfermagem [tese]. Porto: Instituto de Ciências da Saúde, Universidade Católica Portuguesa; 2012.).

Na opinião das pessoas em cuidados paliativos, o cuidado espiritual promovido pelos profissionais é percebido através da fisionomia, pela atenção e amor que expressam em suas ações. É ressaltado que, para eles, essas atitudes auxiliam no tratamento. Em um dos relatos, é feita uma observação de que no hospital é mais difícil haver a abordagem da espiritualidade por parte dos profissionais da saúde, estando esta prática mais presente na atenção domiciliar.

Foi reconhecido, ainda, que atualmente este cuidado é melhor compreendido pelos médicos e que, em geral, a maioria dos profissionais da saúde compreendem a necessidade do cuidado espiritual.

Também foi chamada a atenção para a importância da participação do profissional, junto ao capelão, na abordagem da espiritualidade, inclusive de orações. Essas ações elevam a confiança do usuário na equipe e lhe trazem segurança. Considerando-se que o cuidado espiritual é um meio de alívio do sofrimento, se os pacientes conseguem encontrá-la nos profissionais, esses passam a ser veículos também desse alívio, e tudo aquilo que o profissional passa a realizar pelo paciente faz sentido.

Eu vejo a espiritualidade dos profissionais da saúde pela fisionomia deles, quando são atenciosos, amorosos, eu amo os profissionais tanto que eu sinto saudade deles quando eles não vêm me visitar. Nas minhas internações encontrei também alguns profissionais espiritualizados. Eu chamo vocês os anjos de tapa pó e eu me agarrei em vocês, eu tenho amor por vocês (CP2).

Os profissionais da saúde cada um é um ser, mas é bom gostar da espiritualidade. Porque ajuda outras pessoas e vai ajudar quem está doente (CP3).

Acho muito importante que os profissionais da saúde reconheçam a importância da espiritualidade do paciente e eu acho que a maioria dos profissionais reconhecem, porque não tem como desviar disto (CP4).

Eu acho que os profissionais da saúde devem levar em conta a espiritualidade do paciente. Especificamente sobre a minha espiritualidade nenhum profissional no hospital falou comigo, mas diziam que eu devia ficar tranquilo e ter fé que ia dar tudo certo. Agora no PIDI eu recebi a visita do capelão e eu gostei, muito bom, me trouxe até algumas leituras, eu adorei, gostei, ali tem muita coisa importante (CP5).

Eu acho importante que os profissionais da saúde considerem a espiritualidade do paciente, eu conheci médicos que não acreditavam. Estes dias eu gostei muito porque veio o capelão aqui e a doutora estava ali, eu gostei porque ele começou a ter um diálogo comigo e ela também entrou no meio, e eu achei muito lindo aquilo, eu senti que o que ele estava passando pra mim estava passando pra ela também, e ela estava interagindo naquilo, aí ele fez uma oração e eu notei que ela também participou e eu achei muito lindo. Isso dá mais uma segurança pra gente, saber que aquele profissional confia em Deus também (CP6).

Eu tenho prestado atenção que os médicos antes não acreditavam, se a gente falasse em fé em ser curado por Deus eles achavam tudo bobagem, mas agora eu tenho visto que eles também tão acreditando, tenho reparado que agora está diferente e isso é muito importante (CP8).

Acho muito importante que as pessoas que me cuidam também tenham fé. Vejo que muito poucos profissionais da saúde se importam com isso. É uma pena! Porque isto é tão importante (CP9).

Ressalta-se a importância de os profissionais da saúde compreenderem e aceitarem que o outro é um ser permeado de crenças e valores que não podem ser negligenciados durante suas enfermidades, pois se entende que a espiritualidade, religiosidade ou crenças religiosas ajudam a dar significado às experiências de adoecimento e morte; fornecem suporte social, emocional e espiritual, levando conforto, consolo, motivação e esperança, revigorando suas energias e direcionando inclusive o comportamento da própria pessoa e dos seus familiares durante o processo de aceitação da doença e da morte(1515. Bousso RS, Poles K, Serafim TS, Miranda MG. Crenças religiosas, doença e morte: perspectiva da família na experiência de doença. Rev Esc Enferm USP. 2011;45(2):397-403.).

Em estudo com 101 pacientes de um hospital geral, os quais responderam sobre a percepção da abordagem da espiritualidade realizada pelos médicos e demais profissionais de saúde, a maioria dos pacientes considerou importante sua dimensão espiritual no processo saúde-doença e demonstraram interesse em receber apoio nesse sentido quando necessário. Esse fato foi também demonstrado em outros estudos internacionais e nacionais, concluindo que é papel do profissional de saúde facilitar essa assistência, respeitando os princípios da autonomia e beneficência(1818. Oliveira GR, Fittipaldi Neto J, Salvi MC, Camargo SM. Evangelista JL, Espinha DCM, et al. Saúde, espiritualidade e ética: a percepção dos pacientes e a integralidade do cuidado. Rev Bras Clin Med. 2013;11(2):140-4.-1919. Lucchetti G, Lucchetti AG, Badan-Neto AM, Peres PT, Peres MF, Moreira-Almeida A et. al. Religiousness affects mental health, pain and quality of life in older people in an outpatient rehabilitation setting. J Rehabil Med. 2011;43(4):316-22.).

Frankl afirma que é através da espiritualidade que a pessoa se distingue dos outros animais(2020. Frankl, V. E. Em busca de sentido: um psicólogo no campo de concentração. 35. ed. Petropólis: Vozes; 2014.). Compreende-se, então, que a espiritualidade é uma manifestação exclusivamente humana, e que se constitui também em um caminho ou recurso para a busca do sentido. Isso justifica a necessidade do cuidado espiritual, cuja importância é reforçada pelos participantes que se encontram em cuidados paliativos.

Observa-se que o sentido da vida se reinventa também com a proximidade da morte, sendo a forma que muitas pessoas encontram de se “acertarem” com Deus. O temor de Deus é o que mais as religiões propagam, por isso é difícil senti-lo.

O sentido da espiritualidade para os profissionais que cuidam de pessoas em tratamento paliativo

Sentido para a vida

Para os profissionais que atuam em cuidados paliativos, por meio da espiritualidade, é possível atribuir significado ao cuidado quando as demais possibilidades de tratamento já foram esgotadas. Serve como subsídio para esta vida que teve uma origem e certamente terá um destino, possibilitando ao profissional uma reflexão sobre sua própria vida, questionando seus valores e modificando suas atitudes.

Acho que a espiritualidade dá um significado para vida. Isso é o que eu vejo nos pacientes que eu atendo. Quando nada mais é possível, a espiritualidade é o que dá força, apoio e suporte para eles continuar vivendo (P1).

Subsidia a tua vida do ponto de vista de tu ter uma origem, um destino e isto, enquanto profissional de saúde, eu tenho que respeitar, eu tenho que ter esta equidade independente desta espiritualidade estar relacionada a alguma religiosidade ou não (P2).

Tudo o que a gente vivencia com os nossos pacientes que estão numa fase bem avançada da doença faz com que a gente valorize outras coisas e nos faça pensar diferente e agir diferente (P3).

Observa-se que o sofrimento do outro necessariamente nos remete a pensar e agir diferente, ou seja, nos possibilita questionar nossa própria espiritualidade, os valores e o sentido atribuídos à vida e à espiritualidade como sendo diferentes da religiosidade. A espiritualidade proporciona uma sensação de amparo, seja religiosa ou não, toda pessoa busca fundamentalmente um sentido, sendo o vazio existencial o que mais a atormenta(2020. Frankl, V. E. Em busca de sentido: um psicólogo no campo de concentração. 35. ed. Petropólis: Vozes; 2014.).

Sentido ao sofrimento e à morte

Também a espiritualidade torna possível atribuir sentido ao sofrimento e à morte, uma vez que o cuidado espiritual fortalece e serve como suporte para a família e para o paciente que vivencia este momento.

Eu não acredito que a vida termina com a morte, acredito que aquilo é uma transcendência. Acho que fortalece porque a espiritualidade dá sentido para morte (P1).

A gente tem que ser mais forte e para isso também temos que acreditar no que a gente não vê (P4).

Eu acho que a minha espiritualidade me fortalece, porque a gente consegue encarar o fim da vida de uma maneira mais tranquila, para mim não é o fim da vida na verdade. A espiritualidade nos ajuda a passar um certo conforto para o paciente neste final de vida, na maneira de ele enfrentar, ou seja, no enfrentamento do fim de vida, eu acho que é uma maneira de ajudar o paciente (P5).

Na perspectiva oferecida pelos profissionais, através da espiritualidade, os pacientes, seus familiares e eles próprios encontram sentido que atenda à necessidade de encontrar algo para além da doença e que possa em algum momento fortalecer o espírito, tanto para essa quanto para outra dimensão, servindo de apoio para elaborar o entendimento e a aceitação do processo de morte. Pois, se a vida tem sentido como um todo e o sofrimento como parte da vida também o tem. E para Frankl, quando já não somos capazes de mudar uma situação, somos desafiados a mudar a nós mesmo(2020. Frankl, V. E. Em busca de sentido: um psicólogo no campo de concentração. 35. ed. Petropólis: Vozes; 2014.).

Sentido ao trabalho dos profissionais

A espiritualidade também traz um sentido de harmonia para o trabalho da equipe de cuidados paliativos porque possibilita o bom relacionamento entre os profissionais enriquecendo o cuidado aos pacientes.

Agora que eu tive a possibilidade de me aproximar da espiritualidade, penso que enriquece muito a gente como profissional e enriquece muito no cuidado (P1).

Eu acho que a espiritualidade traz isto, o encontro com a essência da pessoa que tem os seus valores, seus princípios, seus sonhos, desejos, algo que é interno (P3).

A gente precisa deste suporte, todos precisamos da espiritualidade. Às vezes tu tem problema, tem falta de dinheiro, tem problemas na casa, e se pergunta como é que a gente consegue suportar tudo isto porque a gente tem a vida fora também, então só com fé mesmo (P4).

A equipe nos fortalece, o relacionamento é fundamental. Eu sempre tive um bom apoio de todos, a gente sempre teve um bom trabalho em relação ao cuidado integral, incluindo a espiritualidade (P5).

A espiritualidade é uma via de mão dupla, na qual ocorrem trocas solidárias e afetivas entre profissionais e pacientes, possibilitando crer num ser transcendente não necessariamente ligado às religiões. Em outras palavras, significa a conexão do paciente com os processos inconscientes do existir na busca de sentido à vida, além de atuar como harmonizador no processo de trabalho da equipe interdisciplinar(11. Arrieira ICO, Thofehrn MB, Porto AR, Palma J. Espiritualidade na equipe interdisciplinar que atua em cuidados paliativos às pessoas com câncer. Cienc Cuid Saude. 2011;10(2):314-21.).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A fé e o suporte promovidos pela espiritualidade proporcionam um melhor controle interno frente às situações de terminalidade através do sentido da presença de Deus, o qual é vivenciado pelas pessoas em cuidados paliativos de diferentes formas que são significados através do amor, força, fé, tranquilidade, proteção, possibilidade de vencer e transpor obstáculos.

Observa-se que, na vivência das pessoas que se encontram em situação de iminência de morte, a presença de Deus em suas vidas é muito forte. Além de reconhecer a influência da doença na intensificação dessa presença, muitos pacientes ainda fazem uma analogia à saúde física e espiritual, considerando a necessidade desta complementaridade.

Na opinião das pessoas em cuidados paliativos, a espiritualidade dos profissionais é percebida através da fisionomia, pela atenção e amor que expressam em suas ações. É ressaltado que, para eles, essas atitudes auxiliam no tratamento. Os pacientes relatam ainda perceber que no hospital é mais difícil haver a abordagem da espiritualidade por parte dos profissionais da saúde, sendo essa prática mais presente na atenção domiciliar.

Para profissionais que participaram deste estudo, por meio da espiritualidade, sempre é possível oferecer conforto, seja por meio da oração feita juntamente com o paciente e sua família, ou até mesmo individualmente, sempre em prol do paciente e sua família, reconhecendo-a então como um importante recurso terapêutico. Sendo também um fator para a harmonia da equipe interdisciplinar.

Entende-se que, para alcançarmos a integralidade da atenção, faz-se necessária a inclusão do cuidado espiritual em todos os cenários que permeiam o trabalho em saúde, considerando-se a formação, a educação permanente, a atenção e a pesquisa. Compreende-se que as ações dos profissionais da saúde visam à atenção de uma pessoa que é composta pelas dimensões física, emocional, social e espiritual.

Os resultados do presente estudo confirmam a tese de que a espiritualidade e o cuidado espiritual proporcionam o encontro existencial entre a pessoa em cuidados paliativos e os profissionais da equipe que o cuidam, sugerindo-se então que esta seja incluída em todos os cenários da saúde. Tem-se em vista que a morte faz parte da vida e que, em cuidados paliativos, compreende-se que a pessoa tem o direito de ter qualidade de vida até o último momento de sua existência e, ainda, que sua família necessita ser acolhida e acompanhada no processo de luto.

Espera-se que este estudo contribua para a inserção do cuidado espiritual na atenção a pessoas em cuidado paliativo pelos trabalhadores e sistemas de saúde, assim como instigue a produção científica e formação dos profissionais sobre essa temática. Assim, as limitações deste estudo referem-se ao local do estudo, um único programa de atenção domiciliar, o que impede a generalização dos achados, destacando-se a necessidade de estudos sobre a temática em outros cenários de cuidado.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Arrieira ICO, Thofehrn MB, Porto AR, Palma J. Espiritualidade na equipe interdisciplinar que atua em cuidados paliativos às pessoas com câncer. Cienc Cuid Saude. 2011;10(2):314-21.
  • 2
    González AD, Almeida MJ. Integralidade da saúde: norteando mudanças na graduação dos novos profissionais. Ciênc Saúde Colet. 2010;15(3):757-62.
  • 3
    Organização Mundial de Saúde [Internet]. Genebra: OMS; 2002- [updated 2013 Mar 12, citado 2015 Set 15]. Definition of palliative care. Available from: http://who.into/cancer/palliative/definition
    » http://who.into/cancer/palliative/definition
  • 4
    Vasconcelos EM. Espiritualidade na educação popular em saúde. Cad CEDES. 2009;29(79):323-34.
  • 5
    Nascimento LC, Santos TFM, Oliveira FCS, Pan R, Flória-Santos M, Rocha SMM. Espiritualidade e religiosidade na perspectiva de enfermeiros. Texto Contexto Enferm. 2013;22(1):52-60.
  • 6
    Mahmoodishan G, Alhani F, Ahmadi F, Kazemnejad A. Iranian nurses’ perception of spirituality and spiritual care: a qualitative content analysis study. J Med Ethics Hist Med. 2010;3(6):2-8.
  • 7
    Koenig HG. Medicina, Religião e Saúde: o encontro da ciência e da espiritualidade. Porto Alegre: L± 2012.
  • 8
    Guay MOD, Parsons HA, HuiD, De la Cruz MGD,Thorney S, Bruera E. Religiosity, and spiritual pain among caregivers of patients with advanced cancer. Am J Hosp Palliat Care. 2013;30(5):455-61.
  • 9
    Oliveira V, Silveira HHR. Uma espiritualidade comunitária: caminho para o sentido da vida. Rev Logos Existência. 2014;3(2):170-90.
  • 10
    Almeida IS, Crivaro ET, Salimena AMO, Souza IEO. O caminhar da enfermagem em fenomenologia: revisitando a produção acadêmica. Rev Eletr Enf. 2009;11(3):695-99.
  • 11
    Ricouer P. O conflito das interpretações: ensaios de hermenêutica. Rio de Janeiro: Imago; 1978.
  • 12
    Ministério da Saúde (BR), Conselho Nacional de Saúde. Resolução 466/2012. Diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil. 2013 jun 13;150(112 Seção 1):59-62.
  • 13
    Anjos LS, Lemos DM, Antunes LA, Andrade JMO, Nascimento WDM, Caldeira AP. Percepções maternas sobre o nascimento de um filho prematuro e cuidados após a alta. Rev Bras Enferm. 2012;65(4):571-7.
  • 14
    Frankl VE, Lapide P. Búsqueda de Dios y sentido de la vida: diálogo entre un teólogo y un psicólogo. 1. ed. Barcelona: Herder; 2005.
  • 15
    Bousso RS, Poles K, Serafim TS, Miranda MG. Crenças religiosas, doença e morte: perspectiva da família na experiência de doença. Rev Esc Enferm USP. 2011;45(2):397-403.
  • 16
    Mazzarolo I. Religião ou espiritualidade. Rev Bras Hist Religiões. 2011;9(3):1-14.
  • 17
    Mendes J MG. A dimensão espiritual do ser humano: o diagnóstico de angústia espiritual e a intervenção de enfermagem [tese]. Porto: Instituto de Ciências da Saúde, Universidade Católica Portuguesa; 2012.
  • 18
    Oliveira GR, Fittipaldi Neto J, Salvi MC, Camargo SM. Evangelista JL, Espinha DCM, et al. Saúde, espiritualidade e ética: a percepção dos pacientes e a integralidade do cuidado. Rev Bras Clin Med. 2013;11(2):140-4.
  • 19
    Lucchetti G, Lucchetti AG, Badan-Neto AM, Peres PT, Peres MF, Moreira-Almeida A et. al. Religiousness affects mental health, pain and quality of life in older people in an outpatient rehabilitation setting. J Rehabil Med. 2011;43(4):316-22.
  • 20
    Frankl, V. E. Em busca de sentido: um psicólogo no campo de concentração. 35. ed. Petropólis: Vozes; 2014.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2017

Histórico

  • Recebido
    22 Nov 2015
  • Aceito
    06 Fev 2017
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Escola de Enfermagem Rua São Manoel, 963 -Campus da Saúde , 90.620-110 - Porto Alegre - RS - Brasil, Fone: (55 51) 3308-5242 / Fax: (55 51) 3308-5436 - Porto Alegre - RS - Brazil
E-mail: revista@enf.ufrgs.br