Acessibilidade / Reportar erro

Adaptação transcultural do Inventory of Callous-Unemotional Traits para avaliação de traços de insensibilidade e afetividade restrita de adolescentes no Brasil

Adaptación transcultural del Inventory of Callous-Unemotional Traits para evaluación de trazos de insensibilidad y afectividad restricta de adolescentes en Brasil

RESUMO

Objetivo

Realizar a adaptação transcultural para o português brasileiro do instrumento Inventory of Callous-Unemotional Traits (ICU) para avaliação de traços de insensibilidade e afetividade restrita de adolescentes.

Método

Estudo metodológico que envolveu as etapas de tradução, retradução, avaliação por comitê de especialistas e de clareza da versão pré-final do ICU, avaliado por 40 adolescentes, entre 10 e 17 anos, de ambos os sexos, de uma escola pública.

Resultados

A versão pré-final do ICU foi aprovada pelo comitê de especialistas e pelo autor do instrumento. A avaliação da clareza revelou uma boa compreensão dos itens. Os 10 itens com menor clareza foram modificados conforme as sugestões.

Conclusão

A versão final do ICU para o português brasileiro mostrou ser similar ao instrumento original no que se refere à equivalência semântica, operacional e conceitual. Recomenda-se a realização de estudos que evidenciem a validade psicométrica do ICU adaptado para o português brasileiro.

Adolescente; Estudos de avaliação; Escolas

RESUMEN

Objetivo

Realizar la adaptación transcultural para el portugués brasileño del instrumento Inventory of Callous-Unemotional Traits (ICU) para evaluación de trazos de insensibilidad y afectividad restricta de adolescentes.

Método

Estudio metodológico que abarcó las etapas de traducción, re-traducción, evaluación por comité de expertos y de claridad de la versión pre-final del ICU, evaluado por 40 adolescentes, entre 10 y 17 años, de ambos los sexos, de una escuela pública.

Resultados

La versión pre-final del ICU ha sido aprobada por el comité de expertos y por el autor del instrumento. La evaluación mostró claramente una buena comprensión de los ítems. Sin embargo, 10 ítems con menos claridad se modificaron como sugerencias.

Conclusión

La versión final del ICU para el portugués brasileño resultó ser similar a la del instrumento original en lo relativo a la semántica, operacional, así como la equivalencia conceptual. Se recomiendan estudios que revelen la validez psicométrica del ICU adaptado para el portugués brasileño.

Adolescente; Estudios de evaluación; Escuelas

ABSTRACT

Objective

To perform the cross-cultural adaptation of the Inventory of Callous-Unemotional Traits (ICU) for Brazilian Portuguese to evaluate callous-unemotional traits in Brazilian adolescents.

Method

A methodological study involving the stages of translation, back-translation, expert committee review and assessment of the clarity of the pre-final version of the ICU, tested by 40 adolescents aged 10-17 years, of both sexes, attending a public school.

Results

The pre-final version of the ICU was approved by the expert committee and by the original developer of the questionnaire. The assessment of clarity showed good understanding of questionnaire items. Ten items found to be the least clear were modified according to the suggestions of the respondents.

Conclusion

The final Brazilian Portuguese version of the ICU proved to be similar to the original instrument regarding semantic, experiential and conceptual equivalence. Further studies are warranted to evaluate the psychometric properties of the adapted Brazilian Portuguese version of the ICU.

Adolescent; Evaluation studies; Schools

INTRODUÇÃO

O comportamento antissocial é uma razão frequente para que adolescentes sejam referenciados para acompanhamento em serviços de saúde mental(11. White SF, Frick PJ. Callous-Unemotional Traits. In: Levesque RJR (editor). Encyclopedia of Adolescence. New York: Springer Science+Business Media; 2011. p. 369-75.). Além disso, comportamento antissocial na adolescência é um forte preditor de transtorno de personalidade antissocial na vida adulta, especialmente, quando acompanhado de traços de insensibilidade (callous) – falta de preocupação com os sentimentos ou problemas dos outros; ausência de culpa ou remorso – e afetividade restrita (unemotional) – pouca reação a situações emocionalmente excitantes, experiência e expressão emocionais contritas, indiferença e distanciamento em situações geralmente atraentes(22. Frick PJ, White SF. Research review: the importance of callous-unemotional traits for developmental models of aggressive and antisocial behavior. J Child Psychol Psychiatry. 2008;49(4):359-75.). Devido à importância da presença de tais traços para o entendimento do desenvolvimento de jovens com comportamento antissocial, faz-se necessário um instrumento que meça essas características de forma confiável e eficiente nessa população.

Neste sentido, o instrumento Inventory of Callous-Unemotional Traits (ICU) foi desenvolvido com o objetivo de mensurar essa característica em adolescentes americanos(33. Kimonis ER, Frick PJ, Skeem JL, Marsee MA, Cruise K, Munoz LC, et al. Assessing callous-unemotional traits in adolescent offenders: validation of the Inventory of Callous-Unemotional Traits. Int J Law Psychiatry. 2008;31(3):241-52.). O ICU é composto por 24 itens, metade dos quais em ordem reversa (requer inverter valores dos escores). Cada item é avaliado, usando-se uma escala de quatro pontos: 0 = “não é verdade”; 1 = “é um pouco verdade”; 2 = “é muito verdade”; 3 = “é totalmente verdade”. O escore final varia entre 0 e 72, sendo que quanto maiores os escores, mais fortes são os traços(33. Kimonis ER, Frick PJ, Skeem JL, Marsee MA, Cruise K, Munoz LC, et al. Assessing callous-unemotional traits in adolescent offenders: validation of the Inventory of Callous-Unemotional Traits. Int J Law Psychiatry. 2008;31(3):241-52.).

No entanto, o ICU (traduzido como Inventário de traços de insensibilidade e afetividade restrita) ainda não foi traduzido e adaptado para o português do Brasil. O processo de adaptação transcultural compreende a tradução linguística dos termos do instrumento, considerando os aspectos culturais e o contexto em que foram aplicados, tendo como objetivo maximizar as equivalências semânticas e conceituais entre o instrumento original e o resultante do processo(44. Beaton DE, Bombardier C, Guillemin F, Ferraz MB. Recommendations for the Cross-Cultural Adaptation of Health Status Measures. Toronto: Institute for Work & Health; 2007 [cited 2015 Aug 10]. Available from: http://www.dash.iwh.on.ca/sites/dash/files/downloads/cross_cultural_adaptation_2007.pdf.
http://www.dash.iwh.on.ca/sites/dash/fil...
-55. Borsa JC, Damásio BF, Bandeira DR. Adaptação e validação de instrumentos psicológicos entre culturas: algumas considerações. Paidéia. 2012;22(53):423-32.). Após à adaptação transcultural de uma escala, é necessário que etapas específicas, relacionadas ao processo da medida psicométrica do instrumento, sejam realizadas(66. Pacico LC, Hutz CS. Validade. In: Hutz CS, Bandeira DR, Trentini CM (organizadores). Psicometria. Porto Alegre: Artmed; 2015. p. 71-84.).

O ICU também foi adaptado em outros países. Por exemplo, em uma amostra comunitária de 1.143 adolescentes alemães(77. Essau CA, Sasagawa S, Frick PJ. Callous-unemotional traits in a community sample of adolescents. Assessment. 2006;13(4):454-69.) e em outra amostra de 347 adolescentes gregos, entre 12 a 18 anos(88. Fanti KA, Frick PJ, Georgiou S. Linking Callous-Unemotional Traits to instrumental and non-instrumental forms of aggression. J Psychopathol Behav Assess. 2009;31(4):285-98.). As evidências de validação das propriedades psicométricas foram consideradas satisfatórias(77. Essau CA, Sasagawa S, Frick PJ. Callous-unemotional traits in a community sample of adolescents. Assessment. 2006;13(4):454-69.-88. Fanti KA, Frick PJ, Georgiou S. Linking Callous-Unemotional Traits to instrumental and non-instrumental forms of aggression. J Psychopathol Behav Assess. 2009;31(4):285-98.) nos estudos supracitados. Um instrumento adaptado transculturalmente possibilita maior precisão na avaliação e, consequentemente, na indicação de intervenções com foco biopsicossocial, uma vez que a mais recente versão do Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais-5 (DSM-5) aponta que as avaliações dimensionais de psicopatologia complementa os tradicionais diagnósticos categóricos(99. American Psychiatric Association (US). Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5. 5. ed. Porto Alegre: Artmed; 2014.).

De fato, traços de insensibilidade e afetividade restrita estão fortemente associados a uma disfunção emocional subjacente, característica essencial da psicopatia(1010. Feilhauer J, Cima M, Arntz A. Assessing Callous-Unemotional traits across different groups of youths: further cross-cultural validation of the Inventory of Callous-Unemotional traits. Int J Law Psychiatry. 2012;35(4):251-62.). São, contudo, relativamente estáveis ao longo da passagem da infância para a adolescência, se comparados a outros atributos de personalidade e psicopatologias nesta faixa etária(11. White SF, Frick PJ. Callous-Unemotional Traits. In: Levesque RJR (editor). Encyclopedia of Adolescence. New York: Springer Science+Business Media; 2011. p. 369-75.). No entanto, a estabilidade apresentada pelos traços de insensibilidade e afetividade restrita ao longo do tempo não significa que não sejam modificáveis(99. American Psychiatric Association (US). Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5. 5. ed. Porto Alegre: Artmed; 2014.).

O presente estudo pretende realizar a adaptação transcultural da versão original em inglês do Inventory of callous-unemotional (ICU) para o português do Brasil para avaliar traços de insensibilidade e afetividade restrita em adolescentes brasileiros.

MÉTODO

Estudo metodológico proveniente de dissertação(1111. Rigatti R. Adaptação transcultural e evidências de validação psicométricas do Inventory of Callous-Unemotional traits (ICU) para avaliação de traços de insensibilidade e afetividade restrita de adolescentes no Brasil [dissertação]. Porto Alegre (RS): Escola de Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2016.) que trata de uma adaptação transcultural de acordo com etapas padronizadas(44. Beaton DE, Bombardier C, Guillemin F, Ferraz MB. Recommendations for the Cross-Cultural Adaptation of Health Status Measures. Toronto: Institute for Work & Health; 2007 [cited 2015 Aug 10]. Available from: http://www.dash.iwh.on.ca/sites/dash/files/downloads/cross_cultural_adaptation_2007.pdf.
http://www.dash.iwh.on.ca/sites/dash/fil...
). A adaptação do ICU para o Brasil iniciou com a tradução para o português, realizada por dois tradutores bilíngues, possuindo o português como língua-materna, de forma independente, para minimizar erros de interpretação. Posteriormente, os dois tradutores discutiram as versões elaboradas até alcançarem um consenso sobre a tradução. A próxima etapa foi a realização da retradução (back-translation) da versão do consenso em português para o idioma original inglês. A retradução foi realizada por outros dois tradutores cuja língua-materna era o inglês, de forma independente, que se reuniram para gerar a versão retraduzida de consenso(44. Beaton DE, Bombardier C, Guillemin F, Ferraz MB. Recommendations for the Cross-Cultural Adaptation of Health Status Measures. Toronto: Institute for Work & Health; 2007 [cited 2015 Aug 10]. Available from: http://www.dash.iwh.on.ca/sites/dash/files/downloads/cross_cultural_adaptation_2007.pdf.
http://www.dash.iwh.on.ca/sites/dash/fil...
) .

A etapa do comitê de especialistas foi para consolidar todas as versões do ICU e desenvolver a versão pré-final para testes de campo. O material à disposição do comitê incluiu o questionário original e todas as traduções. O comitê foi composto por uma pesquisadora com experiência no método de validação transcultural, por dois psicólogos e por duas enfermeiras com experiência em psiquiatria da infância e adolescência. O resultado dessa etapa foi a versão pré-final do instrumento em português e em inglês, a qual foi enviada para o autor da escala original.

A etapa de avaliação da clareza da versão pré-final destinou-se a verificar o entendimento dos itens por adolescentes. Considera-se como suficiente a avaliação dos itens por 30 a 40 sujeitos(44. Beaton DE, Bombardier C, Guillemin F, Ferraz MB. Recommendations for the Cross-Cultural Adaptation of Health Status Measures. Toronto: Institute for Work & Health; 2007 [cited 2015 Aug 10]. Available from: http://www.dash.iwh.on.ca/sites/dash/files/downloads/cross_cultural_adaptation_2007.pdf.
http://www.dash.iwh.on.ca/sites/dash/fil...
) . A amostra que avaliou a clareza do ICU foi composta por estudantes, entre 10 a 17 anos, de ambos os sexos, matriculados em uma das escolas públicas de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, participantes do projeto, com coleta de dados realizada entre os meses de outubro a dezembro de 2014. Foram incluídos os alunos que estavam presentes em sala de aula no dia da aplicação do instrumento de avaliação da clareza da versão pré-final do ICU. Exclusos os alunos que se abstiveram de avaliar o instrumento no decorrer da aplicação.

A clareza dos 24 itens foi verificada por meio de uma escala de três pontos, em que: 0 corresponde a “não entendi”, 1 “entendi mais ou menos” e 2 “entendi completamente”. A questão norteadora foi a seguinte: “O quanto você entendeu a questão?. Ao final da aplicação do ICU, foi solicitado que os alunos informassem os itens que foram de menor entendimento e que sugerissem como poderiam ficar mais claros.

Este estudo é parte do projeto de pesquisa “Programa Antibullying na Escola: epidemiologia, etiologia e intervenções avaliadas em ensaio clínico randomizado em cluster” aprovado pelo Comitê de Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (CAEE nº 19651113.5.3001.5347). O autor do instrumento original ICU, Paul J. Frick, da University of New Orleans, dos Estados Unidos, autorizou a validação transcultural do ICU para o português do Brasil. Os pais ou responsáveis receberam um termo de dissentimento para autorizar a participação dos filhos no estudo e os alunos receberam um termo de assentimento no momento da aplicação do instrumento.

RESULTADOS

Os consensos gerados a partir das traduções e retraduções foram analisados pelo comitê de especialistas o qual concordou com as versões apresentadas (Tabela 1).

Tabela 1
– Consensos da tradução para o português e da retradução para o inglês do ICU. Porto Alegre, Brasil

A versão foi retraduzida para o inglês e enviada para o autor do ICU e, após a concordância do autor, a versão pré-final do ICU, em português, foi submetida à avaliação da clareza. Um total de 40 estudantes de uma das escolas foi incluído nessa etapa do estudo, sendo 21(52%) meninos, com média de idade de 13,3(DP=1,15) anos.

Os resultados da avaliação da clareza do ICU estão apresentados naTabela 2 e a média (desvio padrão) geral foi de 1,72 (DP=0,71). Considerando que os valores próximos a 2 correspondem a “entendi completamente”, observa-se que houve compreensão dos itens.

Tabela 2
– Avaliação da clareza da versão pré-final do ICU (n=40). Porto Alegre, Brasil

Os alunos sugeriram modificações para melhorar a clareza dos itens considerados de menor entendimento na avaliação deles. As adequações propostas pelos estudantes e os itens modificados foram os seguintes: 4 – “Eu não me importo com quem eu tenho que machucar para conseguir o que eu quero” modificou para “Eu não me importo em machucar alguém para conseguir o que quero”; 8 – “Eu me preocupo com os sentimentos dos outros” modificou para “Eu me importo com os sentimentos dos outros”; 9 – “Eu não me importo se eu me meto em encrencas” modificou para “Eu não me importo de me meter em confusão”; 12 – “Eu pareço muito frio(a) e insensível com os outros” modificou para “Eu pareço indiferente e insensível com os outros” e 13 – “Eu admito facilmente quando estou errado(a)” modificou para “É fácil para mim admitir que estou errado(a)”.

Outras dificuldades encontradas pelos alunos estavam relacionadas a termos como “remorso” e “expressivos”, estes, considerados sofisticados na avaliação deles. Os itens que constavam os termos citados foram: 18 – “Eu não sinto remorso quando faço alguma coisa errada” modificou para “Eu não me sinto culpado (a) quando faço alguma coisa errada” e 19 – “Eu sou muito expressivo (a) e emotivo(a)” modificou para “Eu demonstro meus sentimentos e sou muito emotivo(a)”.

Também foi observado que no item 20, os alunos encontraram dificuldade no entendimento da expressão “fazer as coisas bem-feitas”. Além disso, essa expressão fazia parte de uma frase negativa. Assim, este item foi adaptado de 20 – “Eu não gosto de gastar muito tempo para fazer as coisas bem-feitas” para 20 – “Para mim, fazer as coisas bem-feitas é perda de tempo”. Finamente, o termo “duro” (hard), utilizado no item 23, conduziu a uma conotação sexual, na avaliação dos estudantes, gerando risadas e piadas entre eles. Logo, foi modificado de 23 – “Eu trabalho duro em tudo o que eu faço” para 23 – “Eu me dedico muito a tudo o que eu faço”.

Posteriormente à adequação dos itens conforme a avaliação da clareza pelos alunos, gerou-se a versão final do ICU para o português falado no Brasil, apresentada em Apêndice.

DISCUSSÃO

Após a tradução e adaptação semântica do ICU, a versão final do instrumento demonstrou boa clareza dos itens, em geral, por parte dos adolescentes. A versão final do ICU para o português brasileiro mostrou ser similar ao instrumento original no que se refere à equivalência semântica, operacional e conceitual.

Os achados desse estudo estão de acordo, por exemplo, com um estudo de adaptação transcultural envolvendo a avaliação das equivalências semântica, de itens e conceitual do instrumento Vécu et Santé Perçue de l’Adolescent (VSP-A), desenvolvido na França, para avaliar a qualidade de vida relacionada à saúde de adolescentes. A versão em português do VSP-A, testada em uma amostra de adolescentes de uma escola pública do estado do Rio de Janeiro, mostrou-se semanticamente equivalente à original, apesar da necessidade de se modificar alguns itens para facilitar o seu uso no Brasil(1212. Aires MT, Werneck GL. Equivalências semântica e de itens da edição em português do Vécu et Santé Perçue de l’Adolescent: questionário de avaliação da qualidade de vida do adolescente. Cad Saude Pública. 2012;28(10):1993-2001.).

No presente estudo, 10 itens do ICU foram considerados os de menor entendimento entre os adolescentes. Por exemplo, os itens 4 e 9, iniciam com uma negação, porém, exigiram apenas a substituição de termos sinônimos em seu conteúdo para melhor entendimento. Já no item 20, não houve clareza da sentença por se tratar de uma frase negativa. Desse modo, o item foi adaptado para uma frase afirmativa. Nos itens 8 e 13, os verbos foram considerados formais, por grande parte dos alunos, logo, foram substituídos, respectivamente, por um verbo sinônimo coloquial e por outro tempo verbal de fácil compreensão. Os achados estão de acordo com o processo de adaptação transcultural de outros instrumentos em que houve a necessidade de se modificar alguns itens para facilitar a utilização no Brasil(1212. Aires MT, Werneck GL. Equivalências semântica e de itens da edição em português do Vécu et Santé Perçue de l’Adolescent: questionário de avaliação da qualidade de vida do adolescente. Cad Saude Pública. 2012;28(10):1993-2001.).

Nas questões 12 e 18, foram adaptados outros adjetivos sinônimos usuais, para clareza da frase, visto que os utilizados, primeiramente, eram formais segundo os adolescentes. As frases 19 e 20, respectivamente, foram reformuladas para melhor clareza do conteúdo e para a remoção de um termo de denotação sexual, entendida pelos alunos, na primeira versão. Essa situação pode estar relacionada ao processo de transição da infância para a adolescência, tendo em vista que, nessa fase, ocorrem inúmeras mudanças físicas, fisiológicas, cognitivas e sociais que podem afetar a capacidade de autopercepção dos jovens(1313. Borsa JC, Bandeira DR. Uso de instrumentos psicológicos de avaliação do comportamento agressivo infantil: análise da produção científica brasileira. Aval Psicol. 2011;10(2):193-203.-1414. Roehrs H, Maftum MA, Zagonel, IPS. Adolescência na percepção de professores do ensino fundamental. Rev Esc Enferm USP. 2010;44(2):421-8.).

O ICU adaptado para o português torna-se viável para avaliação precoce de traços de insensibilidade e afetividade restrita, podendo ser utilizado não só por profissionais especializados em psicologia comportamental, mas também por diferentes profissionais da área de saúde em contextos diversos, como em escolas e na atenção primária(1414. Roehrs H, Maftum MA, Zagonel, IPS. Adolescência na percepção de professores do ensino fundamental. Rev Esc Enferm USP. 2010;44(2):421-8.-1515. Nobréga JF, Nitschke RG, Silva FP, Carraro CAG, Alves C. A careful look to postmodern tribes: caring for adolescent health in the context of their everyday lives. Rev Gaúcha Enferm. 2013;34(3):201-5.). Sobretudo, ao enfermeiro vinculado a Estratégia de Saúde da Família compete identificar as demandas nas escolas, planejar ações e executar em conjunto com a equipe da atenção primária intervenções de promoção a saúde(1414. Roehrs H, Maftum MA, Zagonel, IPS. Adolescência na percepção de professores do ensino fundamental. Rev Esc Enferm USP. 2010;44(2):421-8.,1616. Mendes CS. Prevenção da violência escolar: avaliação de um programa de intervenção. Rev Esc Enferm USP. 2011;45(3):581-8.). Assim, a partir da identificação precoce dos problemas, o ICU adaptado pode viabilizar também a avaliação de resultados de intervenções com foco em comportamentos desadaptados dirigidas ao público alvo(11. White SF, Frick PJ. Callous-Unemotional Traits. In: Levesque RJR (editor). Encyclopedia of Adolescence. New York: Springer Science+Business Media; 2011. p. 369-75.).

CONCLUSÕES

Este estudo metodológico realizou a adaptação transcultural da versão original em inglês do instrumento Inventory of Callous-unemotional Traits para o português do Brasil para avaliar os traços de insensibilidade e afetividade restrita de adolescentes brasileiros.

A adaptação transcultural do ICU seguiu as recomendações estabelecidas na literatura, envolvendo a participação de um comitê de especialistas e a aplicação do instrumento na população-alvo para avaliação da clareza. Isso permitiu uma formulação clara dos itens e uma equivalência com a versão original, adequando o ICU à realidade brasileira e para a sua aplicação na prática clínica, no ensino e na pesquisa.

O instrumento validado supre uma lacuna no contexto brasileiro da avaliação de traços de insensibilidade e afetividade restrita de adolescentes escolares, uma vez que tais traços podem desencadear problemas de saúde mental e impactar na qualidade de vida dos sujeitos. Contudo, como limitação, é apontada a falta de estudos nacionais sobre o tema, o que impede comparações com pesquisas na área. Ademais, para organizar programas de forma confiável, é indispensável a disponibilidade de instrumentos que tenham sido validados para a cultura brasileira de acordo com procedimentos padronizados.

Estudos futuros deverão aprofundar a investigação das propriedades psicométricas da versão final do ICU, como por exemplo, a consistência interna e análise fatorial. A utilização do instrumento poderá ser útil para monitorar mudanças de comportamento e na avaliação de intervenções com foco biopsicossocial dirigidas a adolescentes com traços de insensibilidade e afetividade restrita.

APÊNDICE

Inventário traços de insensibilidade e afetividade restrita – ICU

Instruções: Leia cada afirmação e decida o quanto cada uma delas descreve você. Marque sua resposta circulando o número mais apropriado. Por favor, não deixe nenhuma afirmação sem resposta.

Não é verdade É um pouco verdade É muito verdade Definitivamente é verdade 1 Eu mostro meus sentimentos abertamente. ◻ ◻ ◻ ◻ 2 O que eu acho ser certo e errado é diferente do que outras pessoas acham. ◻ ◻ ◻ ◻ 3 Eu me importo se estou indo bem na escola ou no trabalho. ◻ ◻ ◻ ◻ 4 Eu não me importo em machucar alguém para conseguir o que quero. ◻ ◻ ◻ ◻ 5 Eu me sinto mal ou culpado(a) quando faço algo errado. ◻ ◻ ◻ ◻ 6 Eu não monstro minhas emoções para as outras pessoas. ◻ ◻ ◻ ◻ 7 Eu não me importo de chegar atrasado. ◻ ◻ ◻ ◻ 8 Eu me importo com o sentimento dos outros. ◻ ◻ ◻ ◻ 9 Eu não me importo de me meter em confusão. ◻ ◻ ◻ ◻ 10 Eu não deixo os meus sentimentos me controlarem. ◻ ◻ ◻ ◻ 11 Eu não me importo em fazer as coisas bem-feitas. ◻ ◻ ◻ ◻ 12 Eu pareço indiferente e insensível com os outros. ◻ ◻ ◻ ◻ 13 Para mim, é fácil admitir quando estou errado(a). ◻ ◻ ◻ ◻ 14 É fácil para os outros perceberem como eu estou me sentindo. ◻ ◻ ◻ ◻ 15 Eu sempre tento fazer o melhor que eu posso. ◻ ◻ ◻ ◻ 16 Eu peço desculpas (digo “eu sinto muito”) para pessoas que eu machuco. ◻ ◻ ◻ ◻ 17 Eu tento não ferir os sentimentos dos outros. ◻ ◻ ◻ ◻ 18 Eu não me sinto culpado(a) quando faço alguma coisa errada ◻ ◻ ◻ ◻ 19 Eu demonstro meus sentimentos e sou muito emotivo(a). ◻ ◻ ◻ ◻ 20 Para mim, fazer as coisas bem-feitas é perda de tempo ◻ ◻ ◻ ◻ 21 Os sentimentos dos outros não são importantes para mim. ◻ ◻ ◻ ◻ 22 Eu escondo os meus sentimentos dos outros. ◻ ◻ ◻ ◻ 23 Eu me dedico muito a tudo o que eu faço. ◻ ◻ ◻ ◻ 24 Eu faço coisas para que os outros se sintam bem. ◻ ◻ ◻ ◻

REFERÊNCIAS

  • 1
    White SF, Frick PJ. Callous-Unemotional Traits. In: Levesque RJR (editor). Encyclopedia of Adolescence. New York: Springer Science+Business Media; 2011. p. 369-75.
  • 2
    Frick PJ, White SF. Research review: the importance of callous-unemotional traits for developmental models of aggressive and antisocial behavior. J Child Psychol Psychiatry. 2008;49(4):359-75.
  • 3
    Kimonis ER, Frick PJ, Skeem JL, Marsee MA, Cruise K, Munoz LC, et al. Assessing callous-unemotional traits in adolescent offenders: validation of the Inventory of Callous-Unemotional Traits. Int J Law Psychiatry. 2008;31(3):241-52.
  • 4
    Beaton DE, Bombardier C, Guillemin F, Ferraz MB. Recommendations for the Cross-Cultural Adaptation of Health Status Measures. Toronto: Institute for Work & Health; 2007 [cited 2015 Aug 10]. Available from: http://www.dash.iwh.on.ca/sites/dash/files/downloads/cross_cultural_adaptation_2007.pdf
    » http://www.dash.iwh.on.ca/sites/dash/files/downloads/cross_cultural_adaptation_2007.pdf
  • 5
    Borsa JC, Damásio BF, Bandeira DR. Adaptação e validação de instrumentos psicológicos entre culturas: algumas considerações. Paidéia. 2012;22(53):423-32.
  • 6
    Pacico LC, Hutz CS. Validade. In: Hutz CS, Bandeira DR, Trentini CM (organizadores). Psicometria. Porto Alegre: Artmed; 2015. p. 71-84.
  • 7
    Essau CA, Sasagawa S, Frick PJ. Callous-unemotional traits in a community sample of adolescents. Assessment. 2006;13(4):454-69.
  • 8
    Fanti KA, Frick PJ, Georgiou S. Linking Callous-Unemotional Traits to instrumental and non-instrumental forms of aggression. J Psychopathol Behav Assess. 2009;31(4):285-98.
  • 9
    American Psychiatric Association (US). Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5. 5. ed. Porto Alegre: Artmed; 2014.
  • 10
    Feilhauer J, Cima M, Arntz A. Assessing Callous-Unemotional traits across different groups of youths: further cross-cultural validation of the Inventory of Callous-Unemotional traits. Int J Law Psychiatry. 2012;35(4):251-62.
  • 11
    Rigatti R. Adaptação transcultural e evidências de validação psicométricas do Inventory of Callous-Unemotional traits (ICU) para avaliação de traços de insensibilidade e afetividade restrita de adolescentes no Brasil [dissertação]. Porto Alegre (RS): Escola de Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2016.
  • 12
    Aires MT, Werneck GL. Equivalências semântica e de itens da edição em português do Vécu et Santé Perçue de l’Adolescent: questionário de avaliação da qualidade de vida do adolescente. Cad Saude Pública. 2012;28(10):1993-2001.
  • 13
    Borsa JC, Bandeira DR. Uso de instrumentos psicológicos de avaliação do comportamento agressivo infantil: análise da produção científica brasileira. Aval Psicol. 2011;10(2):193-203.
  • 14
    Roehrs H, Maftum MA, Zagonel, IPS. Adolescência na percepção de professores do ensino fundamental. Rev Esc Enferm USP. 2010;44(2):421-8.
  • 15
    Nobréga JF, Nitschke RG, Silva FP, Carraro CAG, Alves C. A careful look to postmodern tribes: caring for adolescent health in the context of their everyday lives. Rev Gaúcha Enferm. 2013;34(3):201-5.
  • 16
    Mendes CS. Prevenção da violência escolar: avaliação de um programa de intervenção. Rev Esc Enferm USP. 2011;45(3):581-8.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2017

Histórico

  • Recebido
    16 Maio 2016
  • Aceito
    24 Maio 2017
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Escola de Enfermagem Rua São Manoel, 963 -Campus da Saúde , 90.620-110 - Porto Alegre - RS - Brasil, Fone: (55 51) 3308-5242 / Fax: (55 51) 3308-5436 - Porto Alegre - RS - Brazil
E-mail: revista@enf.ufrgs.br