Acessibilidade / Reportar erro

A reabilitação psicossocial na rede oeste do município de São Paulo: potencialidades e desafios

La rehabilitación psicosocial en la red oeste del municipio de São Paulo: potencialidades y desafíos

Resumo

OBJETIVO

Descrever as estratégias de Reabilitação Psicossocial conduzidas na Rede de Atenção Psicossocial da região Oeste do munícipio de São Paulo.

METODOLOGIA

estudo qualitativo descritivo, realizado com 123 profissionais, de setembro de 2015 a julho de 2016. Dados processados pelo software Alceste e analisados a luz da categoria analítica Reabilitação Psicossocial de Benedetto Saraceno e literatura complementar.

RESULTADOS

Emergiram três classes que tratam do potencial e escassez dos serviços residenciais terapêuticos enquanto espaço de retomada da vida cotidiana; importância das atividades culturais para troca de identidades e cuidado para além do âmbito da saúde e; a

potencialidade dos projetos de geração de trabalho e renda para retomada do poder contratual.

CONCLUSÃO

As estratégias contribuem para construção da subjetividade e retomada da cidadania. Para sustentar a Reabilitação Psicossocial é necessário superar as fragilidades de recursos humanos, físicos e estruturais. Ainda assim, há potencialidade no trabalho colaborativo e de responsabilização das equipes.

Palavras chave:
Saúde mental; Serviços de saúde mental; Assistência à saúde mental; Política de saúde; Pesquisa qualitativa; Assistência à saúde

Resumen

OBJETIVO

Describir las estrategias de Rehabilitación Psicosocial conducidas en la Red de Atención Psicosocial de la región Oeste del municipio de São Paulo.

METODOLOGÍA

Estudio cualitativo y descriptivo, realizado con 123 profesionales, de septiembre de 2015 a julio de 2016. Datos procesados ​​por el software Alceste y analizados a la luz de la categoría analítica Rehabilitación Psicosocial de Benedetto Saraceno y literatura complementaria.

RESULTADOS

Emergieron tres clases que tratan del potencial y de la escasez de los servicios residenciales terapéuticos como espacio de retomada a la vida cotidiana; la importancia de las actividades culturales para el intercambio de identidades y del cuidado más allá del ámbito de la salud; y la potencialidad de los proyectos de generación de trabajo y renta para reanudación del poder contractual.

CONCLUSIÓN

Las estrategias contribuyen a construir la subjetividad y a reanudar la ciudadanía. Para sostener la Rehabilitación Psicosocial, es necesario superar las debilidades de los recursos humanos, físicos y estructurales. Sin embargo, hay potencialidad en el trabajo colaborativo y de responsabilidad de los equipos.

Palabras clave:
Salud mental; Servicios de salud mental; Atención a la salud mental; Política de salud; Investigación cualitativa; Prestación de atención de salud

Abstract

OBJECTIVE

To describe the strategies of the Psychosocial Rehabilitation conducted in the Network of Psychosocial Care of the western region of the municipality of São Paulo.

METHODOLOGY

Descriptive qualitative study, carried out with 123 professionals, from September 2015 to July 2016. Data processed by the software Alceste and analyzed in light of the analytical category Psychosocial Rehabilitation of Benedetto Saraceno and complementary literature.

RESULTS

Three classes emerged that address the potential and scarcity of therapeutic residential services as a space to resume the daily life; importance of cultural activities for the exchange of identities and care beyond the scope of health; the potential of projects to generate work and income to regain the contractual power.

CONCLUSION

The strategies contribute to the construction of subjectivity and the resumption of the citizenship. In order to sustain the Psychosocial Rehabilitation it is necessary to overcome the weaknesses of human, physical and structural resources. Still, there is potential in the collaborative work and accountability of the teams.

Keywords:
Mental health; Mental health services; Mental health assistance; Health policy; Qualitative research; Delivery of health care

INTRODUÇÃO

Em meados da década de 70 a mobilização de profissionais de saúde mental e de familiares de pessoas com transtornos mentais insatisfeitos com o modelo de assistência vigente, desencadeou uma sucessão de movimentos antimanicomiais no Brasil. Esses acontecimentos conduziram ao processo de rompimento da forma tradicional de tratamento, centrado no desrespeito às escolhas, autonomia e singularidades do sujeito, culminando na Reforma Psiquiátrica (RP) e na Política Nacional de Saúde Mental (PNSM), sustentada na Lei nº 10.216/2001.

Atualmente, o campo da saúde mental se mobiliza na construção e sedimentação da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), instituída pela Portaria 3.088/201111 Ministério da Saúde (BR). Portaria nº. 3088, de 23 de dezembro de 2011. Institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Brasília; 2011 [citado 2017 nov 07]. Disponível em: Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt3088_23_12_2011_rep.html .
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis...
, tendo como arcabouço para seu êxito a Reabilitação Psicossocial (RP), compreendida como um conjunto de estratégias que visa aumentar as oportunidades das pessoas com transtornos mentais trocarem recursos e afetos, bem como ampliarem seu poder contratual22 Saraceno B. A cidadania como forma de tolerância. Rev Ter Ocup Univ São Paulo. 2011; 22(2):93-101. doi: http://dx.doi.org/10.11606/issn.2238-6149.v22i2p93-101.
http://dx.doi.org/10.11606/issn.2238-614...
.

Na RP os processos reabilitativos não podem enquadrar o sujeito em modelos instituídos na expectativa de conduzi-lo a um estado de normalidade, ao contrário, devem contribuir para produção de suas potencialidades, e no contexto de atuação, os profissionais devem destituir-se de práticas e sentidos manicomiais33 Gruska, V Dimenstein, M . Reabilitação Psicossocial e Acompanhamento Terapêutico: equacionando a reinserção em saúde mental. Psicologia Clínica. 2015;27(1):101-22. 122. doi: https://dx.doi.org/10.1590/0103-56652015000100006.
https://dx.doi.org/10.1590/0103-56652015...
. É nesse aspecto que Benedetto Saraceno22 Saraceno B. A cidadania como forma de tolerância. Rev Ter Ocup Univ São Paulo. 2011; 22(2):93-101. doi: http://dx.doi.org/10.11606/issn.2238-6149.v22i2p93-101.
http://dx.doi.org/10.11606/issn.2238-614...
coloca a RP como recurso que visa o resgate da singularidade e subjetividade do indivíduo em sofrimento psíquico, e ancora-se no respeito a sua integralidade e existência, construídas a partir dos eixos: Morar, Rede Social e Trabalho com Valor Social.

O eixo Morar engloba os conceitos de “casa” e de “habitar”. Considera-se casa como um direito, apoiado nas estratégias do programa de Volta para Casa e nos Serviços de Residência Terapêutica (SRT). No segundo eixo, a Rede Social, também chamada de “Trocar as identidades”, parte da premissa que a desabilidade do indivíduo é também empobrecimento quantitativo e qualitativo de sua rede social, sendo por meio desta que a pessoa com transtorno mental conseguirá se (re) inserir na comunidade22 Saraceno B. A cidadania como forma de tolerância. Rev Ter Ocup Univ São Paulo. 2011; 22(2):93-101. doi: http://dx.doi.org/10.11606/issn.2238-6149.v22i2p93-101.
http://dx.doi.org/10.11606/issn.2238-614...
. O terceiro eixo é o Trabalho com Valor Social e considera o “sentido do trabalho”, como “a função de produção de sentido econômico, social e psicológico”22 Saraceno B. A cidadania como forma de tolerância. Rev Ter Ocup Univ São Paulo. 2011; 22(2):93-101. doi: http://dx.doi.org/10.11606/issn.2238-6149.v22i2p93-101.
http://dx.doi.org/10.11606/issn.2238-614...
) compreendidos e trabalhados como meio de emancipação e inclusão social44 Lussi IAO, Pereira MAO. Concepções sobre trabalho elaboradas por usuários. Rev Ter Ocup Univ São Paulo. 201324(3):208-15. doi: https://doi.org/10.11606/issn.2238-6149.v24i3p208-215.
https://doi.org/10.11606/issn.2238-6149....
.

A RP implica no desenvolvimento de um conjunto de ações emancipatórias nos heterogêneas nos campos do trabalho, educação, cultura, habitação, saúde, dentre outras possibilidades e necessidades que, desenvolvidas de forma articulada com os recursos do território promovem o protagonismo de usuários e familiares para o pleno exercício da cidadania. Entretanto, para que sua proposta esteja alinhada ao ponto de vista da Clínica Ampliada, é preciso uma prática de transformação do sujeito e da sociedade55 Dettmann APS, Aragão EMA, Margotto, LR. Uma perspectiva da Clínica Ampliada: as práticas da Psicologia na Assistência Social. Fractal: Rev Psicol. 2016;28(3):362-9. doi: https://dx.doi.org/10.1590/1984-0292/1232.
https://dx.doi.org/10.1590/1984-0292/123...
, e isso envolve pluralidade de atores, em um jogo dinâmico, contínuo e, em grande parte conflitivo66 Costa PHA, Ronzani TM Colugnati FAB. “No papel é bonito, mas na prática…”: análise sobre a rede de atenção aos usuários de drogas nas políticas e instrumentos normativos da área. Saude Soc. 2017;26(3):738-50. doi: http://dx.doi.org/10.1590/s0104-12902017170188.
http://dx.doi.org/10.1590/s0104-12902017...
.

Em outras palavras, o trabalho deve ser comprometido e solidário com a pessoa em sofrimento psíquico, na esperança de expandir as suas possibilidades como um ser de direitos. Nesse sentido, estudos destacam que o cuidado em saúde mental pautado na lógica da RP ainda é incipiente no Brasil devido à ausência de uma RAPS própria ou pactuada nos municípios77 Costa A, Silveira M, Vianna P, Silva-Kurimoto T. Desafios da Atenção Psicossocial na Rede de Cuidados do Sistema Único de Saúde do Brasil. Rev Port Enferm Saúde Mental. 2012 [citado 2018 fev 27];(7):46-53. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1647-21602012000100008&lng=pt .
http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?scri...
, desarticulação entre os componentes da RAPS, ausência de iniciativas para a inclusão social pelo trabalho, falta de capacitação dos profissionais de saúde88 Amorim MF, Otani MAP. Psychosocial rehabilitation in psychosocial care centers: an integrative review. SMAD: Rev Eletrôn Saúde Mental Álcool Droga. 2015;11(3),168-77. doi: https://doi.org/10.11606/issn.1806-6976.v11i3p168-177.
https://doi.org/10.11606/issn.1806-6976....
, e que a superação desses entraves exige dos profissionais enfrentamento político e posturas flexíveis em relação aos usuários, porém com direcionamentos claros no interior do trabalho coletivo99 Ribeiro MC, Bezerra WC. A reabilitação psicossocial como estratégia de cuidado. Rev Ter Ocup Univ São Paulo. 2015;26(3):301-8. doi: http://dx.doi.org/10.11606/issn.2238-6149.v26i3p301-308.
http://dx.doi.org/10.11606/issn.2238-614...
.

Ainda que os profissionais no contexto da prática cotidiana tenham diferentes entendimentos conceituais, a RP pode ser desenvolvida em qualquer nível de atenção a saúde mental, e tencionar sobre como acontece sua operacionalização na práxis, contribui para uma análise crítica acerca dos desafios e impasses no cuidado de pessoas em sofrimento mental.

Sustentado nesses questionamentos e atentas a importância que as estratégias de RP têm na plataforma da PNSM, compreender como estas se processam - com vistas a qualificar o cuidado em saúde mental - o estudo norteou-se pela questão: O cuidado em saúde mental é conduzido na perspectiva da Reabilitação Psicossocial?

Acredita-se que este estudo oferece subsídios para fomentar a análise crítica-reflexiva sobre as potencialidades e fragilidades da RP. Partindo do exposto, o estudo tem como objetivo descrever as estratégias de RP conduzidas na RAPS da Região Oeste do munícipio de São Paulo.

METODOLOGIA

O presente estudo é parte da pesquisa “A Rede de Atenção Psicossocial da Região Oeste do Município de São Paulo” realizada nas regiões de Saúde Lapa, Perdizes, Leopoldina e Pinheiros, que atende uma população de 595.269 habitantes.

Dos 25 pontos de atenção que compõe a rede de saúde mental da Coordenadoria Oeste fizeram parte do estudo 23 pontos: 10 Unidades Básicas de Saúde (UBS), quatro delas com equipe de saúde mental, as demais recebem apoio de três Núcleos de Atenção a Saúde da Família (NASF); 5 Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) - 2 CAPS II adulto, 1 CAPS II para usuários abusivos de drogas, 1 CAPS II para atendimento de crianças e adolescentes, 1 CAPS III adulto; 1 Pronto Socorro - Setor de Emergência Psiquiátrica (PS) com nove leitos (a rede não conta com leitos psiquiátricos em hospital geral); 1 Centro de Convivência e Cooperativa (CECCO); 2 Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT), sendo 1 misto e 1 feminino; 2 equipes de Consultório na Rua (CR) que desenvolve ações compartilhadas e integradas aos outros pontos de atenção e 2 equipes de Núcleos de Atenção a Saúde da Família (NASF). Os serviços que não participaram alegaram impedimento de agenda das equipes: 1 CAPS II para usuários abusivos de drogas e 4 UBS (1 delas com equipe de saúde mental e três tradicionais).

Participaram 123 profissionais de nível superior da área da saúde dos 263 atuantes na rede que constavam no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde do Brasil. Os critérios de seleção dos participantes foram: atuar na prática clínica ou gestão. Os critérios de exclusão foram estar de férias ou licença para tratamento de saúde no período da coleta de dados. O estudo foi concebido com uma pesquisa exploratória e descritiva com abordagem qualitativa, que tem como caraterística responder a questionamentos particulares de uma determinada realidade que não pode ser quantificável1010 Taquette S. Análise de dados de pesquisa qualitativa em saúde. CIAIQ2016[Internet] . 2016 [citado 2017 nov 16];2:524-33. Actas: Investigação Qualitativa em Saúde. Disponível em: Disponível em: http://proceedings.ciaiq.org/index.php/ciaiq2016/article/view/790/777 .
http://proceedings.ciaiq.org/index.php/c...
.

A coleta de dados aconteceu de setembro de 2015 a julho de 2016, simultaneamente entre os pontos da rede, e foi conduzida com entrevistas gravadas em áudio, com duração média de 45 minutos, apoiadas por roteiro contendo questões semiestruturadas elaboradas para o estudo. Todas realizadas no ponto de atenção onde o profissional atuava em datas e horários pré-agendados. A proposição realizada na entrevista foi: Como é conduzida a Reabilitação Psicossocial na Rede de Atenção Psicossocial da região Oeste?

Os dados foram codificados e categorizados no programa Analyse Lexicale par Contexte d`un Ensemble de Segments de Texte (ALCESTE) versão 2010. Este realiza uma classificação estatística de enunciados simples, adotando as leis de distribuição do vocabulário para a análise léxica das palavras de um conjunto de textos, independente da origem de sua produção1111 Azevedo DM, Costa RKS, Miranda FAN. Use of the ALCESTE in the analysis of qualitative data: contributions to researches in nursing. Rev Enferm UFPE On Line 2013[citado 2017 nov 07];7(esp):5015-22. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaenfermagem/article/view/11764 .
https://periodicos.ufpe.br/revistas/revi...
.

O processo partiu da definição de cada entrevista como uma Unidade de Contexto Inicial (UCI), com a fragmentação inicial das 123 UCIs. Na primeira etapa, o programa reconhece as UCIs, separa em partes de texto de tamanhos iguais, denominadas de Unidades de Contexto Elementar (UCEs), que são segmentos de textos constituídos de enunciados linguísticos. Posteriormente, agrupa as ocorrências das palavras, de acordo com as raízes, calculando as frequências dessas formas reduzidas. Na segunda etapa realiza cálculo das matrizes de dados e a classificação das UCEs. O conjunto dessas é fracionado em função das similaridades das palavras e de número de vezes que aparece.

Ainda nesta etapa, o programa aplica a classificação hierárquica descendente e gera uma classificação definitiva. Na terceira etapa o programa origina a Classificação Hierárquica Descendente (CHD), com as relações entre as classes, descrição de cada uma delas pelo vocabulário léxico e pelas variáveis consideradas nas linhas de comando. Finalizando, na quarta etapa faz a seleção das UCEs mais recorrentes e contextualiza o vocabulário mais significativo das classes1111 Azevedo DM, Costa RKS, Miranda FAN. Use of the ALCESTE in the analysis of qualitative data: contributions to researches in nursing. Rev Enferm UFPE On Line 2013[citado 2017 nov 07];7(esp):5015-22. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaenfermagem/article/view/11764 .
https://periodicos.ufpe.br/revistas/revi...
.

O estudo tem como pressuposto que o desenvolvimento da estratégia de RP sustenta a o cuidado em saúde mental conforme preconiza a PNSM e a RAPS na coordenadoria Oeste. Os dados empíricos foram trabalhados à luz da categoria analítica Reabilitação Psicossocial proposta por Benedetto Saraceno e literatura complementar. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo sob o parecer no. 1.274.734 e todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Estes foram identificados por números, categoria profissional e ponto de atenção em que atua.

RESULTADOS

Dos 123 profissionais que participaram 22,8% são enfermeiros, 24,4% psicólogos, 20,3% médicos, 10,6% terapeutas ocupacionais, 9,8% assistentes sociais, 4,1% fisioterapeutas e 8,1% dentistas, farmacêuticos, nutricionistas e fonoaudiólogos. Componentes da RAPS em que atuam 55,5% em UBS; 24,5% CAPS; 4,9% CECCO; 6,5% PS; 3,2% NASF; 4% CR e 1,6% SRT. Maioria do sexo feminino, com idades variando entre 27 e 66 anos. Tempo de graduado superior a 20 anos em metade da amostra. Apresentam título de especialização (86,5%). Atuam no ponto da rede entre 10 e 20 anos (27,6%), menos de um ano (23,6%), mais de 20 anos (6,5%). Exercem função assistencial (87,6%), com carga horária de trabalho de 40 horas semanais (43,4%).

Com a redução das palavras às suas raízes por meio da CHD conduzida pelo Alceste, foram consideradas para análise da pesquisa 1.256 UCEs das 9.246 inicialmente divididas, com aproveitamento 83% do conteúdo submetido à análise, o que é considerado bom1111 Azevedo DM, Costa RKS, Miranda FAN. Use of the ALCESTE in the analysis of qualitative data: contributions to researches in nursing. Rev Enferm UFPE On Line 2013[citado 2017 nov 07];7(esp):5015-22. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaenfermagem/article/view/11764 .
https://periodicos.ufpe.br/revistas/revi...
. Das estruturas de relevância extraídas pelo Alceste emergiram três classes temáticas: Classe 1-A moradia assistida: barreiras a superar; Classe 2- Atividades culturais: práticas e limitações; e Classe 3- Economia solidária: protagonismo na rede.

A classe 1 compreende 553 das 1.256 UCEs que foram analisadas, o que representa 44% do corpus de análise, com as formas reduzidas, o ponto de corte mínimo foi 9 e o máximo 21. Os radicais encontrados foram: Rec_Hum+(09 x² Recurso Humano), Consegue+(12 x² Consegue), Pac+ (12 x² Paciente), Intern+ (12 x² Internação), Mor+ (12 x² Morar), Pass+(13 x² Passado), Fam+(14 x² Família), Volt+ +(14 x² Voltar), Cheg+(15 x² Chegar), Quer+ (15 x² Querer) e Fic+(21 x² Ficar). Na classe 2 das 1.256 UCEs que foram analisadas 377 compõe essa classe, o que equivale a 30% do corpus de análise, com formas reduzidas variando de 12 a 34, a saber: Articul+ (34 x² Articulação), Servi+ (29 x² Serviços), Reuni+ (26 x² Reunião), Fort+ (17 x² Fortalecer), Nec+(16 x² Necessidades), Pon+ (15 x² Pontos), Cultur+ (14 x² Cultura), Sau_Men+(15 x² Saúde Mental) e Inv+(12 x² Investimento).

Na classe 3 das 1.256 UCEs que foram analisadas 326 compõe essa classe, o que equivale a 26% do corpus de análise, com formas reduzidas variando de 09 a 22 dentre os quais estão: Reab+ (22 x² Reabilitação), Cont+ (21 x² Contratualidade), Des+ (17 X² Desafio), Trab+ (15 x² Trabalho), Ampl+ (13 x² Ampliação), Ativ+ (13 x² Atividades), Inser+ (13 x² Inserção), Constru+ (11 x² Construção), Avanç+ (11 x² Avanços), Prát+ (11 x² Práticas), Mat+ (09 x² Materiais).

Classe 1 - refere-se a importância dos SRT’s enquanto espaço de retomada da vida cotidiana, e as dificuldades em termos quantitativos no processo de RP. Para os profissionais da RAPS Oeste, os SRT’s são cenários para o exercício de retomada da vida cotidiana dos usuários, e enquanto intermediários nesse processo, precisam se comprometer e lidar com os desafios do ponto de vista da relação e das fragilidades sustentação desse dispositivo.

...esse é um espaço para sustentar os cuidados...de entrosamento do usuário com outras pessoas...apesar das dificuldades com o déficit de RT que temos (E85 Psic Caps).

Precisamos de muita disponibilidade, não é só de tranquilidade, o trabalho é difícil, é muita vontade de estar aqui nós temos (E72 Psic Caps).

Na tentativa de superar as dificuldades e solidificar o construto SRT’s, os profissionais consideram que as práticas de cuidado devem ser pautadas em ações complexas e interligadas.

A residência faz um trabalho diário, para a vida, e acontece em conjunto nas e com outras equipes... (E53 Enf Caps).

No propósito de conduzir ações de RP, manifestam-se na cobrança de novos SRT’s para fortalecer o empoderamento e construção de identidades de seus moradores:

Necessitamos de mais residências terapêuticas, pois sem essa é complicado fazer reabilitação psicossocial (E99 Enf Caps).

Temos uma estrutura mínima da rede de atenção psicossocial, mas ainda acho que a questão com a moradia, principalmente, é um desafio a avançar (E115 Psic Caps).

Classe 2- compreende como conteúdo geral a importância da proposição de atividades artístico-culturais como possibilidades de cuidado para além do âmbito da saúde, sustentando o eixo rede social de acordo com as diretrizes da Reabilitação Psicossocial de Saraceno e também abrange as ações de enfrentamento necessárias para a solidificação dessas propostas.

As indicações de atividades artístico-culturais constituem para os profissionais da RAPS Oeste uma estratégia de RP que transcende o espaço da clínica e se articula ao eixo rede social como fundamentais para estimular a troca de identidades.

Fiz parceria com museus...foi uma coisa bem interessante para usar outros cenários, sair do campo da saúde (E107 Psic Cecco).

Constituem um valor terapêutico e importante estratégia de RP e sua prática exige articulação entre os dispositivos da rede atenção psicossocial.

Estamos tentando ampliar as atividades socioculturais deles, pensamos em ir ao teatro ou alguns espaços culturais, dialogar com outros serviços (E99 Enf CAPS).

Na RAPS Oeste, a ampliação da rede social do usuário impõe desafios. Os profissionais destacam que na iniciativa privada ainda há restrição na disponibilidade de espaços para o desenvolvimento de ações artístico-culturais em horários comerciais, destinados ao público em geral, e demonstra que o estigma é um obstáculo a ser superado.

Conseguimos fazer boa parceria com um banco que tem um cinema, eles se programam e podem ir, normalmente é às quatorze horas, preço simbólico e quando há menos gente, mas já é um avanço superar isso (E53 Enf CAPS).

Colocam os Cecco’s em evidência e reconhecem que apesar de poucos, os mesmos favorecem a circulação da própria autonomia pela cidade, e ainda sustentam que isso imprime responsabilidade aos usuários em suas escolhas e decisões.

Temos o Cecco que é um ponto importante da rede, apesar de terem pouquíssimos recursos humanos para realizar seu trabalho, tem a ideia de ampliar o leque de opções para os usuários... (E88 A. Social CAPS).

Apontam ainda que os Cecco’s atuam como lugar de reconhecimento da diversidade e da convivência cidadã, de resgate dos espaços públicos, e além de ofertar atividades de arte e cultura complementam as ações no campo dos dispositivos de especialidade.

Posso falar da articulação com os Cecco’s, porque lá tem possibilidades, oportunidades de convivência, possibilidade de circulação além do Caps (E17 Psic CAPS).

Os entrevistados expressam os obstáculos que encaram na esfera da integração dos usuários de saúde mental à vida social e cultural, referindo-se à carência de equipamentos físicos que trabalhem com atividades artístico-culturais e propiciem o encontro de um grupo excluído com aqueles circula em espaços públicos como os Cecco’s.

Não vejo grande investimento nos Cecco’s (E31 Fisio UBS).

Os Cecco’s não estão em todos os lugares, acho que fazemos milagre porque temos poucos recursos (E99 Enf Caps).

Nesse caminho, as equipes clamam usuários e comunidade a participarem da construção dessas atividades e fortalecer essa vertente de cuidado em saúde mental.

Falta participação das pessoas que se tratam no CAPS e recursos mais territoriais para que isso ocorra de uma maneira mais efetiva (E86 Med Caps).

Tentamos articular com outros atores e recebemos um monte de não. Falta sensibilizar a população daqui que dá para abrir as portas para alguma coisa, precisa trabalhar mais com a comunidade (E70 Psic Ubs).

Classe 3- trata da potencialidade dos projetos de geração de trabalho e renda desenvolvidos na rede, e das possibilidades para a retomada do poder contratual dos usuários, aproximando-se do eixo trabalho-valor social proposto pela RP. Os profissionais apontam a Economia Solidária (ECOSOL) como forte estratégia para potencializar o resgate do poder contratual dos usuários, que para além de gerar renda e capacitação por meio do trabalho, constrói espaços de socialização, aprendizagem e cooperação entre os envolvidos:

A ECOSOL é ponto muito alto na questão da reabilitação, para pensar a inclusão pelo trabalho (E88 A. Social Caps).

Quando compreendida como projeto de caráter emancipatório e de cidadania, a ECOSOL não está restrita ao campo da saúde:

A ECOSOL é um ponto que precisamos e tem frente a vários outros lugares além da Saúde Mental (E115 Psic Caps).

Destaca-se a participação dos usuários em atividades produtivas com vistas a ampliar possibilidades de sua inclusão social.

Por meio do trabalho enfatizamos o potencial do indivíduo, sua autonomia e integração social (E81 Enf Ubs).

Nesse caminho, os pontos da RAPS buscam fortalecer o trabalho como valor social, que desenvolvido de forma solidária, impulsiona a reestruturação da autonomia individual e coletiva, igualmente, estimula o potencial e a superação de limitações decorrentes do processo de adoecimento dos usuários.

Tentamos que o indivíduo assuma seu cotidiano, sua autonomia e que se gerencie na medida do possível... (E10 Psic UBS).

Nessa concepção, um profissional traz que a ECOSOL vem alcançando certa robustez, e emerge com resultados satisfatórios por meio de tentativas de interlocução com outros componentes da rede:

Temos várias redes de economia solidária, com interfaces com outros dispositivos da rede (EC109 Med Cecco).

Mesmo que preconizada para se constituir externamente ao CAPS, a ECOSOL ainda é desenvolvida, em sua maioria, dentro dos serviços substitutivos.

Tentamos vender os trabalhos feitos pelos pacientes, é difícil, mas tentamos melhorar cada vez mais esses trabalhos...sair de dentro dos CAPS (E107 Psic Cecco).

Para avançar, os profissionais consideram a importante a apropriação do território e a disposição em torná-lo potente para favorecer oportunidades e experimentação de novos cardápios no viver comunitário, e abordam que a mercantilização dos produtos acontece com um público que exige qualidade, mas processa-se de modo respeitoso com sua lógica.

Temos toda uma preocupação de como ocupar esse território nas suas várias possibilidades, produzir e trazer produtos vendáveis nas feiras das redes de ecosol, sem desgastes para o usuário (E88 A. Social Caps).

DISCUSSÃO

Embora apresentada na portaria da RAPS11 Ministério da Saúde (BR). Portaria nº. 3088, de 23 de dezembro de 2011. Institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Brasília; 2011 [citado 2017 nov 07]. Disponível em: Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt3088_23_12_2011_rep.html .
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis...
como um componente, a RP representa um processo abrangente e complexo, que orienta as ações desenvolvidas pelos serviços/profissionais, norteando a lógica da desinstitucionalização e da política de saúde mental, deste modo, sua práxis não é simples de ser conduzida.

Nesta perspectiva, o presente estudo, encontrou que a RP na RAPS da Região Oeste do munícipio de São Paulo enfrenta desafios do ponto de vista estrutural, em função do déficit de SRT’s que possam sustentar ações de resgate da subjetividade do indivíduo em sofrimento psíquico, e contribuir na trajetória de construção de uma nova identidade. Enquanto um espaço de convivência e moradia para indivíduos que passaram por processo de institucionalização, as fragilidades em relação a esse recurso compromete a retomada da vida em sociedade de pessoas que não apresentam vínculos e/ou condições de retorno ao núcleo familiar1212 Matsumoto LSO, Barros S, Cortes JM. Moradores de um serviço residencial terapêutico: as histórias que imprimem um perfil. Rev Enferm UFPE On Line. 2016 [citado 2017 nov 16];10(Supl. 5):4198-2007. Disponível em: Disponível em: http://www.revista.ufpe.br/revistaenfermagem/index.php/revista/article/view/11164/12690 .
http://www.revista.ufpe.br/revistaenferm...
.

Considerando seu potencial, o SRT não é somente um lugar material onde se vive, ou está, ao contrário, representa um lar, uma casa, com possibilidade de contratualidade em relação à organização material e simbólica dos espaços e objetos, e é nesse espaço onde se exercita a base da fundamental da RP que é o poder de fazer escolhas22 Saraceno B. A cidadania como forma de tolerância. Rev Ter Ocup Univ São Paulo. 2011; 22(2):93-101. doi: http://dx.doi.org/10.11606/issn.2238-6149.v22i2p93-101.
http://dx.doi.org/10.11606/issn.2238-614...
. Em resistência, os profissionais na RAPS Oeste cotidianamente superam suas próprias paralisações para atender as exigências de cuidado e não incorrer no risco de retroceder ao modelo manicomial, caracterizado por imposições e perda de direitos.

Ao surgirem, os SRT’s vêm com intuito de proporcionar uma chance de resgate de vida para esses indivíduos, além de contribuir para o reconhecimento destes enquanto cidadãos de direitos, e destituí-los do papel de objeto que a instituição asilar lhes imprimiu. E mesmo com dificuldades em termos quantitativos, observa-se que os profissionais atuam como intermediários no (re) aprendizado das atividades “naturais” do cotidiano dos usuários, e reforçam que o trabalho nesse componente da RAPS é permeado por constantes transformações, e a invenção de novos meios de conduzi-lo é um exercício diário, uma vez que a (re) significação de vida de seus moradores é um processo dinâmico.

Na compreensão de que a RP é construída no cotidiano da prática e que respostas aos desafios se processam no enfrentamento destes99 Ribeiro MC, Bezerra WC. A reabilitação psicossocial como estratégia de cuidado. Rev Ter Ocup Univ São Paulo. 2015;26(3):301-8. doi: http://dx.doi.org/10.11606/issn.2238-6149.v26i3p301-308.
http://dx.doi.org/10.11606/issn.2238-614...
, os trabalhadores na RAPS Oeste (co) responsabilizam-se com a produção de saúde, da eficácia das práticas, da promoção da individualidade e da cidadania em um sentido mais amplo. Com essas ações, reforçam o compromisso com a PNSM, e enfrentam as carências estruturais que impactam na retomada das habilidades sociais dos usuários que foram subtraídas devido à exclusão social imposta.

Considerando que os SRT’s são espaços para os indivíduos chamarem de casa, e sustentarem a retomada de decisões sobre a própria vida1313 Nóbrega MPSS, Veiga TFM. O Significado de morar em um serviço residencial terapêutico. Revista de Enfermagem do Centro-Oeste Mineiro. 2017;7:e1388. doi: http://dx.doi.org/10.19175/recom.v7i0.1388.
http://dx.doi.org/10.19175/recom.v7i0.13...
, é necessário atentar para que este importante dispositivo não se transforme em um espaço de retomada de uma vida moralmente aceitável, mas sim de valorização de singularidades e de protagonismos1414 Antonacci MH, Kantorski LP, Guedes AC, Cortes JM. O trabalho no serviço residencial terapêutico: possibilidades na reconstrução de vidas fora dos manicômios. Rev Pesqui Cuid Fundam. 2017;9(3):831-9.doi: http://dx.doi.org/10.9789/2175-5361.2017.v9i3.831-839.
http://dx.doi.org/10.9789/2175-5361.2017...
), por essa ótica, ao proteger este espaço, concretiza-se o eixo morar proposto por Saraceno22 Saraceno B. A cidadania como forma de tolerância. Rev Ter Ocup Univ São Paulo. 2011; 22(2):93-101. doi: http://dx.doi.org/10.11606/issn.2238-6149.v22i2p93-101.
http://dx.doi.org/10.11606/issn.2238-614...
. No quesito cuidado, os SRT’s requerem uma equipe multiprofissional integrada e ampliada, espaço onde os enfermeiros/equipe, enquanto agentes terapêuticos se inserem e contribuem na edificação das histórias de seus moradores.

Em relação ao eixo rede social da RP, os profissionais da RAPS Oeste investem em atividades artístico-culturais, e reconhecem o quanto essas práticas constroem e humanizam o cuidado, (co) produzem subjetividade, catalisam afetividade e a reinserção social1515 Galvanese ATC, D’Oliveira AFPL, Lima EMFA, Pereira LMF, Nascimento AP, Nascimento AF. Arte, saúde mental e atenção pública: traços de uma cultura de cuidado na história da cidade de São Paulo. História, Ciências, Saúde. Manguinhos, Rio de Janeiro. 2016;23(2):431-52. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-59702016000200006.
http://dx.doi.org/10.1590/S0104-59702016...
. Ainda que uma proposta em ascensão, os atores sociais desse contexto, tem em mente que para o êxito das atividades artístico-culturais, é fundamental não confundi-las com ações de entretenimento e/ou ocupação passageira, e que suas vivências devem gerar sentido às necessidades de vida de seus participantes e meio de circulação destes no espaço público.

Uma vez que a escassez de recursos físicos, humanos e estruturais tem comprometido a condução dos projetos terapêuticos, são imperativos planejamento e investimento que atendam as especificidades da rede, além do entendimento que o capital cultural representa uma necessidade ética para sustentar as escolhas de pessoas em processo de RP. Nesse panorama, o exercício da cidadania, por meio de atividades artístico-culturais amplia as relações dos usuários com o mundo exterior, ou seja, extra-Caps.

Conduzindo esse processo, os Centros de Convivência e Cooperativa (Cecco’s), apesar de insuficientes quantitativamente nas redes dos municípios brasileiros, fazem um excelente trabalho e promovem o movimento do usuário no contexto onde vive1515 Galvanese ATC, D’Oliveira AFPL, Lima EMFA, Pereira LMF, Nascimento AP, Nascimento AF. Arte, saúde mental e atenção pública: traços de uma cultura de cuidado na história da cidade de São Paulo. História, Ciências, Saúde. Manguinhos, Rio de Janeiro. 2016;23(2):431-52. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-59702016000200006.
http://dx.doi.org/10.1590/S0104-59702016...
. Tem por atribuições na RAPS, a promoção, a reinserção social e a integração no mercado de trabalho de pessoas com transtornos mentais, bem como da população em geral em situação de vulnerabilidade11 Ministério da Saúde (BR). Portaria nº. 3088, de 23 de dezembro de 2011. Institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Brasília; 2011 [citado 2017 nov 07]. Disponível em: Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt3088_23_12_2011_rep.html .
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis...
) além de sustentar intervenções na área social com interconexões no plano da educação, cultura e saúde.

A RAPS Oeste conta apenas com um Cecco, que tem se articulado com os demais dispositivos da rede na perspectiva de que estes encaminhem ou mesmo estimulem a busca espontânea dos usuários por esse serviço, desafio que implica no apoio a autonomia e iniciativa para que os mesmos circulem mais pelo território. Nessa lógica, os enfermeiros/equipe precisam avançar e contribuir no fortalecimento dos Cecco’s, transitar para além dos cenários clínicos e ampliar o escopo de sua prática. Para tal, é necessário que se permitam um novo aprendizado e tenham compreensão de que produzir saúde, no seu sentido mais amplo, transcende as possibilidades tradicionais de assistência.

A articulação da PNSM com o campo da cultura  aproxima os CAPS dos Cecco’s e de outros cenários possíveis, ampliando e fortalecendo as atividades de inserção nos espaços sociais1515 Galvanese ATC, D’Oliveira AFPL, Lima EMFA, Pereira LMF, Nascimento AP, Nascimento AF. Arte, saúde mental e atenção pública: traços de uma cultura de cuidado na história da cidade de São Paulo. História, Ciências, Saúde. Manguinhos, Rio de Janeiro. 2016;23(2):431-52. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-59702016000200006.
http://dx.doi.org/10.1590/S0104-59702016...
. Entretanto, ainda há dificuldade de integração dos Cecco’s com os demais dispositivos da rede, inquietação que só pode ser mudada ao se desconstruir a visão deste como espaço de tratamento ou de terapia. Ainda que o seja, deve funcionar em uma modalidade que se diferencie dos demais serviços, pois, enquanto um espaço de convívio produz novos e diferentes modos de pensar a ação terapêutica1616 Ferigato SH, Carvalho SR, Teixeira RR. Os centros de convivência: dispositivos híbridos para a produção de redes que extrapolam as fronteiras sanitárias. CadBras Saúde Ment. 2016 [citado 2017 nov 16];8(20):80-103. Disponível em: Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1984-21472016000300006&lng=pt&tlng=pt.18 .
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
.

As dificuldades na e para a construção de novos modelos de cuidado exigem o entendimento que saúde não deve ser construída apenas no interior dos serviços de saúde1717 Santos IMM, Barros S, Santos JC. Projetos culturais nos centros de atenção psicossocial: um desafio em direção à cidadania. Cad Bras Saúde Ment. 2016 [citado 2017 nov 16];8(20):118-41. Disponível em: Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1984-21472016000300008&lng=pt&tlng=pt .
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
). Ao envolver o usuário em propostas externas, barreiras para a convivência em sociedade podem ser superadas, desde que a visão da inclusão não seja contraposta à exclusão, pois dessa forma não produz aquisição de recursos para enfrentar as normas do jogo social22 Saraceno B. A cidadania como forma de tolerância. Rev Ter Ocup Univ São Paulo. 2011; 22(2):93-101. doi: http://dx.doi.org/10.11606/issn.2238-6149.v22i2p93-101.
http://dx.doi.org/10.11606/issn.2238-614...
.

O contexto histórico da saúde mental no Brasil mostra que a institucionalização produziu um exílio da pessoa com transtorno mental e perda de seu valor social, colocando-a à margem da sociedade, na inércia do processo de produção. Assim, a proposição da ECOSOL na RAPS Oeste é uma potencialidade e valoriza ações que ativam o papel de protagonismo do usuário, reconstituindo seu poder de contratualidade e funcionamento psicossocial, sem, no entanto, instituí-lo em um processo normalizador.

Os projetos solidários se fundamentam na cooperação, solidariedade e partilha, e refuta práticas da competição, exploração e lucratividade capitalista, mas traz como premissa a geração de retorno financeiro, fundamental para recompor autonomia e independência1818 Moraes RCP, Castro-Silva CR. Sentidos e processos psicossociais envolvidos na inclusão pelo trabalho na saúde mental. Psicol Cienc Prof. 2016 [citado 2017 nov. 07]36(3):748-62. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S141498932016000300748&lng=en&nrm=iso&tlng=pthttp://dx.doi.org/10.1590/1982-3703002372015 .
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
. Gradativamente, vêm fortalecendo a RP na RAPS Oeste no incremento de ações que produzem transformação social. Nesta referência de cuidado, os enfermeiros/equipe, ainda poucos expressivos nessa vertente de atuação, podem abrir a possibilidade de contribuir com uma abordagem mais ampliada, criando intervenções de RP sustentadas no paradigma da Reforma Psiquiátrica.

Para avanço, a rede estudada tem o desafio de explorar o território e consolidá-lo como um lugar social para os usuários de saúde mental, além de auxiliar no enfraquecimento do estigma e da exclusão vivida por estes1919 Bonadio AN, Silveira C. Economia solidária e reabilitação vocacional no campo da drogadição: possibilidades e limites das práticas atuais. Saúde Soc.2013;22(1):99-108. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-12902013000100010.
http://dx.doi.org/10.1590/S0104-12902013...
. Quando a economia solidária surge no início do século XIX, a partir de causas de trabalhadores, vem em busca de melhores condições de vida, e na contemporaneidade, emerge do enfrentamento ao modelo neoliberal e lugar de encontro de identidades que produzem diversidades de sujeitos e de sentidos22 Saraceno B. A cidadania como forma de tolerância. Rev Ter Ocup Univ São Paulo. 2011; 22(2):93-101. doi: http://dx.doi.org/10.11606/issn.2238-6149.v22i2p93-101.
http://dx.doi.org/10.11606/issn.2238-614...
.

Mesmo não tendo as mesmas condições do comércio formal, a ECOSOL desenvolve um trabalho emancipador e não apenas a inserção no mercado de trabalho, porém, o investimento na qualificação da produção é uma exigência que convoca ação política dos envolvidos e iniciativas para seu fortalecimento econômico e político2020 Rêgo DFA. As dificuldades de comercialização da economia solidária: uma análise a partir do mapeamento nacional da economia solidária de 2012. Revista Mundo Trabalho Contemporâneo. 2017 [citado 2017 nov16];2(1):4-28.Disponível em: Disponível em: http://periodicos.unb.br/index.php/mtc/article/view/27547/19386
http://periodicos.unb.br/index.php/mtc/a...
. Na RAPS Oeste há preocupação em não produzir ou agravar estados de adoecimento diante de cobranças postas sobre o rendimento do usuário, em oposição ao propósito maior que a promoção de saúde. Portanto, a ECOSOL solicita prudência quanto ao seu exercício, para evitar a produção focada apenas na lucratividade sem qualquer finalidade terapêutica.

Embora jovem, a portaria da RAPS tem desafiado os profissionais e gestores do campo da saúde mental. Nessa acepção, os resultados desse estudo convocam uma prática da enfermagem psiquiátrica mais aberta e ampliada, comprometida com os pressupostos da Reforma Psiquiátrica e da Reabilitação Psicossocial. Reconhece-se que, a mudança de paradigma para um novo modus operandi de prática profissional exige que a formação acadêmica transite por diferentes cenários de atendimento em saúde mental, e que esteie reflexão e criticidade quanto ao potencial transformador necessário para ampliação e materialização das diretrizes de uma politica pública em ascensão.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo mostra que as estratégias de RP na coordenadoria de Saúde da região Oeste sustentam o cuidado em saúde mental conforme preconizado na PNSM e nas diretrizes da portaria da RAPS. Essas são constituídas por meio de Atividades Culturais (rede social), Economia Solidária (trabalho com valor social) Serviços Residenciais Terapêuticos (morar), ancoradas no referencial da Reabilitação Psicossocial. A operacionalização dessas estratégias contribui para a construção da subjetividade e possibilita abrir caminhos para retomada da cidadania, no entanto, enfrenta barreiras devido às fragilidades de recursos humanos, físicos e estruturais para sustentá-las. Assim, medidas são necessárias para superar os obstáculos que comprometem o trabalho da RP nessa RAPS.

Apesar das dificuldades expostas, há potencialidade no trabalho colaborativo e de responsabilização por parte dos profissionais atuantes na rede, e dentre estes, enfermeiros e equipe, que devem refletir sobre seu papel e potencial no envolvimento de ações que ajudem a sustentar o trabalho da RP na RAPS. Diante disso, ratifica-se que o êxito da RP depende de uma RAPS fortalecida e bem articulada, que também garanta os princípios da Reforma Psiquiátrica, da Política Nacional de Saúde Mental e do Sistema Único de Saúde.

As limitações da pesquisa recaem sobre a leitura das estratégias de RP em uma específica RAPS do município de São Paulo. Reconhece-se a magnitude dos achados na oferta de elementos que colaboram para ampliação e funcionamento de uma rede temática. Por fim, conhecer a aplicabilidade de estratégias promotoras de RP nessa RAPS fomenta seu processo de materialização e estimula o entendimento de outras redes e suas especificidades.

REFERÊNCIAS

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2018

Histórico

  • Recebido
    16 Nov 2017
  • Aceito
    23 Abr 2018
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Escola de Enfermagem Rua São Manoel, 963 -Campus da Saúde , 90.620-110 - Porto Alegre - RS - Brasil, Fone: (55 51) 3308-5242 / Fax: (55 51) 3308-5436 - Porto Alegre - RS - Brazil
E-mail: revista@enf.ufrgs.br