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Feridas em membros inferiores em diabéticos e não diabéticos: estudo de sobrevida

Heridas en miembros inferiores en diabéticos y no diabéticos: estudio de supervivencia

Resumo

OBJETIVO

Avaliar a sobrevida de feridas em membros inferiores de pacientes diabéticos e não diabéticos.

MÉTODO

Estudo de coorte retrospectivo de pacientes com úlceras de membros inferiores tratados em centro especializado entre 2011 e 2013. Desfecho: cicatrização de lesões de membros inferiores em dias. Realizou-se análise da função de sobrevida das feridas de membros inferiores e das diferenças entre diabéticos e não diabéticos. Aplicou-se o teste Log-rank para comparação das curvas de sobrevida entre os grupos de estudo.

RESULTADOS

Em até 600 dias, 23% dos diabéticos apresentaram cicatrização das feridas, enquanto 63% dos não diabéticos tiveram suas feridas cicatrizadas, com diferença estatística das curvas de sobrevida na comparação entre os grupos. Os Hazard Ratios (HR) de cicatrização foram menores para pacientes diabéticos (HR = 0,13, IC95% = 0,02-0,97).

CONCLUSÃO

Os resultados mostram que há retardo na cicatrização de feridas em pacientes diabéticos.

Palavras-chave:
Cicatrização; Diabetes mellitus; Análise de sobrevida; Incidência; Epidemiologia

Resumen

OBJETIVO

Evaluar la supervivencia de las heridas en miembros inferiores de pacientes diabéticos y no diabéticos.

MÉTODO

Estudio de cohorte retrospectivo de pacientes con úlceras de miembros inferiores tratados en centro especializado entre 2011 y 2013.

CONCLUSIÓN

cicatrización de lesiones de miembros inferiores, en días. Se realizó un análisis de la función de supervivencia de las heridas de miembros inferiores y de las diferencias entre diabéticos y no diabéticos. Se aplicó el test Log-rank para la comparación de las curvas de supervivencia entre los grupos de estudio.

RESULTADOS

En un total de 600 días, el 23% de los diabéticos presentaron cicatrización de las heridas, mientras que el 63% de los no diabéticos tuvieron sus heridas cicatrizadas, con diferencia estadística de las curvas de sobrevida en la comparación entre los grupos. Los Hazard Ratios (HR) de cicatrización fueron menores para pacientes diabéticos (HR = 0,13, IC95% = 0,02-0,97).

CONCLUSIÓN

Los resultados muestran que hay retraso en la cicatrización de heridas en pacientes diabéticos.

Palabras clave:
Cicatrización de heridas; Diabetes mellitus; Análisis de supervivencia; Incidencia; Epidemiología

Abstract

OBJECTIVE

To evaluate the survival of wounds in lower limbs of diabetic and non-diabetic patients.

METHOD

Retrospective cohort study of patients with lower limb ulcers treated at a specialized center between 2011 and 2013. Outcome: healing of lower limb injuries in days. The survival function of lower limb wounds and the differences between diabetic and non-diabetic were analyzed. The Log-rank test was used to compare the survival curves between the study groups.

RESULTS

In up to 600 days, 23% of the diabetic patients presented wound healing, while 63% of the non-diabetic patients had their wounds healed, with a statistically significant difference in survival curves in comparison between the groups. The Hazard Ratios (RH) of healing were lower for diabetic patients (HR = 0.13, 95% CI = 0.02-0.97).

CONCLUSION

The results show that there is a delay in wound healing in diabetic patients.

Keywords:
Wound healing; Diabetes mellitus; Survival analysis; Incidence; Epidemiology

Introdução

As Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT) representam, atualmente, 38 milhões de casos de óbitos por ano no mundo e, desses casos, mais de 14 milhões de mortes ocorrem entre as idades de 30 a 70 anos, sendo 85% destas em países em desenvolvimento11. World Health Organization (CH). Noncommunicable diseases country profiles 2014. Geneva: WHO; 2014 [cited 2015 Mar 10]. Available from: http://www.who.int/nmh/publications/ncd-profiles-2014/en/.
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. No Brasil, as DCNT são igualmente importantes, com destaque para as doenças do aparelho circulatório (31%), neoplasias (17%), doenças respiratórias crônicas (6%) e Diabetes mellitus (6%)11. World Health Organization (CH). Noncommunicable diseases country profiles 2014. Geneva: WHO; 2014 [cited 2015 Mar 10]. Available from: http://www.who.int/nmh/publications/ncd-profiles-2014/en/.
http://www.who.int/nmh/publications/ncd-...
.

O Diabetes mellitus (DM) representa um importante problema de saúde pública em todo o mundo. Cerca de 382 milhões de pessoas têm DM e 80% dessas vivem em países de baixa e média renda22. Sociedade Brasileira de Diabetes. Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes: 2014-2015. São Paulo: AC Farmacêutica; 2015 [citado 2015 mar 18]. Disponível em: http://www.diabetes.org.br/publico/images/2015/area-restrita/diretrizes-sbd-2015.pdf.
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. Segundo a International Diabetes Federation33. International Diabetes Federation (BE). IDF Diabetes Atlas. 6th ed. Brussels: IDF; 2013 [cited 2015 Jun 12]. Available from: http://www.diabetesatlas.org/component/attachments/?task=download&id=76.
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, no ano de 2013, o Brasil tinha o maior número de diabéticos da América do Sul e Central, correspondendo a 11,9 milhões de pessoas33. International Diabetes Federation (BE). IDF Diabetes Atlas. 6th ed. Brussels: IDF; 2013 [cited 2015 Jun 12]. Available from: http://www.diabetesatlas.org/component/attachments/?task=download&id=76.
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. Informações do Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e de Proteção para Doenças Crônicas Não Transmissíveis por Inquérito Telefônico (Vigitel), revelam um aumento significativo dos casos autorreferidos de DM em indivíduos maiores de 18 anos, entre 2006 e 201344. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Vigitel Brasil 2013: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico. Brasília: Ministério da Saúde; 2014 [citado 2015 maio 16]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/vigitel_brasil_2013.pdf.
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. Avaliando-se o ano de 2013, a frequência da doença foi maior em indivíduos com menor escolaridade e se tornou mais comum com o envelhecimento populacional, principalmente a partir dos 45 anos44. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Vigitel Brasil 2013: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico. Brasília: Ministério da Saúde; 2014 [citado 2015 maio 16]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/vigitel_brasil_2013.pdf.
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.

O DM apresenta repercussões sistêmicas em longo prazo e as suas complicações podem ser classificadas em agudas e crônicas55. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Estratégias para o cuidado da pessoa com doença crônica: diabetes mellitus. Brasília: Ministério da Saúde; 2013 [citado 2015 maio 16]. Cadernos de Atenção Básica. Available from: http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab/publicacoes/caderno_36.pdf.
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. Em relação às complicações crônicas, destaca-se o aparecimento de nefropatias, retinopatias, neuropatias e vasculopatias, sendo as duas últimas as principais responsáveis pelo aparecimento de feridas em membros inferiores (MMII) e nos pés22. Sociedade Brasileira de Diabetes. Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes: 2014-2015. São Paulo: AC Farmacêutica; 2015 [citado 2015 mar 18]. Disponível em: http://www.diabetes.org.br/publico/images/2015/area-restrita/diretrizes-sbd-2015.pdf.
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,66. Grupo de Trabalho Internacional sobre Pé Diabético. Consenso internacional sobre pé diabético. Andrade AC, Pedrosa HC, tradutoras. Brasília: Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal; 2001 [citado 2015 abr 25]. Disponível em: http://189.28.128.100/dab/docs/publicacoes/geral/conce_inter_pediabetico.pdf.
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.

As feridas causadas por neuropatia diabética podem apresentar-se de diversas maneiras. Entretanto, a mais comum é a que ocorre devido à neuropatia sensitivo-motora e autonômica, que causa enfraquecimento muscular e alterações anatomopatológicas e neurológicas periféricas dos pés, além de mudanças na pele (ressecamento e fissuras), o que pode favorecer o aparecimento das úlceras66. Grupo de Trabalho Internacional sobre Pé Diabético. Consenso internacional sobre pé diabético. Andrade AC, Pedrosa HC, tradutoras. Brasília: Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal; 2001 [citado 2015 abr 25]. Disponível em: http://189.28.128.100/dab/docs/publicacoes/geral/conce_inter_pediabetico.pdf.
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. Essas feridas decorrem de traumas que, muitas vezes, não são percebidos pelo paciente, devido à diminuição ou perda da sensibilidade dolorosa66. Grupo de Trabalho Internacional sobre Pé Diabético. Consenso internacional sobre pé diabético. Andrade AC, Pedrosa HC, tradutoras. Brasília: Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal; 2001 [citado 2015 abr 25]. Disponível em: http://189.28.128.100/dab/docs/publicacoes/geral/conce_inter_pediabetico.pdf.
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.

As feridas crônicas, independente de sua etiologia, têm elevadas taxas de incidência, trazem diminuição da qualidade de vida dos pacientes e causam impactos socioeconômicos importantes para os familiares e serviços de saúde66. Grupo de Trabalho Internacional sobre Pé Diabético. Consenso internacional sobre pé diabético. Andrade AC, Pedrosa HC, tradutoras. Brasília: Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal; 2001 [citado 2015 abr 25]. Disponível em: http://189.28.128.100/dab/docs/publicacoes/geral/conce_inter_pediabetico.pdf.
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-77. Dias ALP, Silva LD. Perfil do portador de lesão crônica de pele: fundamentando a autopercepção de qualidade de vida. Esc Anna Nery. 2006;10(2):280-5. doi: 10.1590/S1414-81452006000200016.
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. As úlceras venosas crônicas são as mais frequentes e mais de 70% delas não cicatrizam mesmo com terapia tópica adequada e terapia compressiva, levando às recidivas88. Stone RC, Stojadnovic O, Rosa AM, Ramirez HA, Badiavas E, Blumemberg M, et al. A bioengineered living cell construct activates an acute wound healing response in venous leg ulcers. Sci Transl Med. 2017;9(371):eaaf8611. doi: 10.1126/scitranslmed.aaf8611.
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. As arteriais, por exemplo, são a principal causa de amputação.

Diante do exposto, o objetivo deste estudo foi avaliar a sobrevida de feridas em MMII de pacientes diabéticos e não diabéticos.

Métodos

Artigo baseado em monografia defendida na UFMG, em 201599. Oliveira MF, Viana BJF, Matozinhos FP. Feridas em membros inferiores em diabéticos e não diabéticos: estudo de sobrevida [monografia]. Belo Horizonte (MG): Universidade Federal de Minas Gerais; 2015.). Trata-se de um estudo de coorte retrospectivo, em que foi utilizada uma amostra de conveniência (não sendo realizadocálculo amostral), composta por 78 indivíduos tratados em centro especializado para cicatrização de feridas de uma instituição hospitalar privada na cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais, entre janeiro de 2011 e dezembro de 2013.

O Centro de Cicatrização de Feridas (CCF) é um serviço ambulatorial localizado na região Centro-Sul de Belo Horizonte, especializado no diagnóstico e tratamento de feridas cutâneas. O serviço oferece atendimento multiprofissional aos pacientes, por meio de uma equipe composta por clínicos, ortopedistas, cirurgiões vasculares e plásticos, enfermeiro, acadêmicos de enfermagem, técnicos de enfermagem e podóloga. São atendidos pacientes que possuem feridas causadas por etiologias diversas, como: insuficiência venosa, insuficiência arterial, neuropatia diabética, úlcera por pressão e queimaduras.

Foram incluídos os pacientes com úlceras de MMII de etiologia vascular, causadas por insuficiência arterial ou venosa, e úlceras neuropáticas; e excluídos os pacientes com lesões por pressão, queimaduras e após traumas de partes moles dos MMII. A coleta de dados foi realizada entre janeiro e fevereiro de 2015 por duas autoras devidamente treinadas e ocorreu em duas etapas: na primeira, foram analisados os prontuários dos pacientes atendidos no ambulatório. Na segunda etapa, os pacientes foram entrevistados diretamente ou foi realizado contato telefônico para completar os dados sóciodemográficos que não constavam nos prontuários. A coleta sistematizada de dados foi feita por formulário estruturado com informações socio-demográficas e clínicas, comorbidades, histórico da doença e informações sobre o tratamento.

A variável desfecho ou dependente foi o tempo até a cicatrização de lesões de MMII, em dias. As variáveis independentes foram: sexo, idade, índice de massa corporal (IMC), escolaridade, diabetes mellitus, tabagismo, tipo de úlcera - arterial, venosa ou neuropática, bota de Unna, terapia compressiva, bypass, angioplastia, desbridamento cirúrgico, amputação menor (definida com amputação de pododáctilos ou do ante-pé), amputação maior (definida como proximal ao ante-pé) e enxertia de pele.

A análise descritiva das variáveis categóricas foi apresentada por meio da frequência absoluta e percentual e, das variáveis contínuas, por meio de medidas de tendência central. Foram calculadas a taxa de cicatrização em número de eventos/1000 pessoas/dia.

Para a análise de sobrevida, foi considerado como evento a cicatrização de feridas, definida como a epitelização de 90% ou mais da área acometida. No final do estudo, os pacientes que abandonaram o acompanhamento ambulatorial, aqueles cujas feridas não cicatrizaram até o último dia da coleta de dados ou os que evoluíram para óbito no período do estudo foram censurados e excluídos, contribuindo até o momento do evento de censura. Foram censurados 26 pacientes e as datas das censuras foram as que constavam no último registro dos prontuários dos mesmos.

A sobrevida das feridas em MMII foi estimada por meio da técnica de de Kaplan-Meier (KM) e a comparação das curvas foi realizada usando o teste Log-rank. Adicionalmente, foram estimados os valores de Hazard Ratios (HR) e intervalos de confiança de 95% (IC95%) não ajustados, utilizando o modelo de riscos proporcionais de Cox, estratificado por diabéticos e não diabéticos. O pressuposto da proporcionalidade necessária ao modelo de Cox foi testado com o método gráfico. Foi adotado nível de significância de 0,05 para todos os procedimentos analíticos.

As análises estatísticas foram realizadas com o auxílio do programa estatístico Statistical Software for Professionals (Stata), versão 14.01010. Statacorp (US). Stata Statistical Software: Release 12. College Station, TX: StataCorp LP; 2011..

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética do hospital em que se localiza o ambulatório (Parecer nº 799.991) e os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) ao iniciar o tratamento.

Resultados

Foram recrutados 78 pacientes, sendo 48 (61,54%) diabéticos. A mediana referente ao tempo de cicatrização foi de 248 dias (IQ = 125-492). Foram registrados 26 casos incidentes de cicatrização, sendo de 27.271 dias o tempo total de acompanhamento. Dessa forma, a taxa de cicatrização foi de 0,95 cicatrizações/1000 pessoas-dia (IC95% = 0,65-1,40). As frequências das variáveis sóciodemográficas e de saúde estão apresentadas nas Tabelas 1 e 2.

Tabela 1:
Frequências de variáveis sociodemográficas, IMC e tabagismo na amostra total
Tabela 2:
Frequências de variáveis de saúde na amostra total

Observou-se predomínio de indivíduos do sexo feminino - 45 (57,7%) mulheres, 54 (69,2%) indivíduos na faixa etária superior a 65 anos, 52 (70,3%) indivíduos com excesso de peso, 41 (62,1%) indivívuos com baixa escolaridade e 49 (63,6%) não tabagistas. Para a variável idade, encontrou-se como mínimo 36 e máximo 93 anos e mediana de 72 anos (IQ = 61-79). Entre as principais intervenções cirúrgicas realizadas pelos pacientes destacam-se: angioplastia em 21 (26,9%) pacientes, desbridamento cirúrgico em 14 pacientes (17,9%) e enxertia em 13 (16,7%) pacientes. Quanto às amputações, 12 pacientes (15,4%) da amostra realizou amputação menor e 3 pacientes (3,8%) amputação maior. Ressalta-se que, devido às diferentes taxas de não respostas para as variáveis estudadas, os totais podem apresentar variação.

A Tabela 3 mostra as taxas de cicatrização de acordo com as variáveis sóciodemográficas e de saúde, estratificadas por presença ou ausência de diabetes.

Tabela 3:
Taxas de incidência de cicatrização (eventos/1000 pessoas-dia), segundo variáveis sóciodemográficas e de saúde, estratificadas por pacientes diabéticos e não diabéticos

Na Figura 1 está representada a curva de Kaplan-Meyer de sobrevida de feridas de MMII. Nesta, a função de sobrevida (t) está representada no eixo vertical e o tempo de sobrevida (T), em dias, no eixo horizontal. Ela indica a probabilidade da ferida apresentar cicatrização durante um período específico de tempo.

Figura 1:
Probabilidade de cicatrização de úlceras em membros inferiores

A Figura 2, por sua vez, demonstra a probabilidade de cicatrização em pacientes diabéticos e não diabéticos, com significância estatística para o teste de Log-rank (p = 0,019) ao se comparar os grupos. Em até 600 dias, 23% dos diabéticos apresentaram cicatrização das feridas, enquanto 63% dos não diabéticos tiveram suas feridas cicatrizadas.

Figura 2:
Probabilidade de cicatrização de úlcera em MMII, comparando-se diabéticos e não diabéticos

Por fim, na Tabela 4, estão apresentados os valores não ajustados de Hazard Ratio (HR) para cicatrização segundo o a presença ou ausência de diabetes. Não foram observadas diferenças estatisticamente significativas nos HR entre as variáveis propostas, exceto para pacientes que apresentaram úlcera venosa no grupo de pacientes não diabéticos, os quais tiveram uma menor probabilidade de cicatrização (HR = 0,13, IC 95% = 0,02-0,97) quando comprados com aqueles sem úlceras venosas.

Tabela 4:
Hazard Ratio bruto e IC95% para cicatrização, não ajustado, em pacientes

Discussão

Os resultados deste trabalho mostraram um maior percentual de pacientes do sexo feminino, faixa etária superior a 65 anos, baixa escolaridade e portadores de doenças crônicas. A probabilidade de cicatrização das feridas foi significativamente menor no grupo de diabéticos quando comparada ao grupo de não diabéticos. Ademais, a menor taxa de ocorrência de cicatrização ocorreu no grupo de pacientes com úlceras venosas em comparação àqueles sem úlceras venosas.

A média de idade dos participantes do estudo foi de 72 anos. A maior prevalência da população idosa, neste estudo, está em conformidade com a realidade existente no país, que passa por um processo de intensa transição demográfica nos últimos anos1111. Lebrão ML. O envelhecimento no Brasil: aspectos da transição demográfica e epidemiológica. Saúde Colet. 2007 [citado 2015 mar 02];4(17):135-40. Disponível em: https://www.nescon.medicina.ufmg.br/biblioteca/imagem/2559.pdf.
https://www.nescon.medicina.ufmg.br/bibl...
. Concomitantemente a essas mudanças, também se tem verificado alterações no padrão nutricional e de morbimortalidade da população. Como essas doenças e agravos crônicos têm acometido de forma mais significativa indivíduos em idades avançadas, é de se esperar um aumento do número de casos de feridas em MMII. Essa associação foi previamente descrita na literatura1212. Moffatt CJ, Doherty DC, Smithdale R, Franks PJ. Sociodemographic factors in chronic leg ulceration. Br J Dermatol. 2006;155(2):307-12. doi: 10.1111/j.1365-2133.2006.07265.x.
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Neste estudo, dentre as DCNT, foi considerado especialmente o DM, pois estava presente em 61,54% da amostra e seus efeitos metabólicos subjacentes podem interferir na cicatrização de feridas. De acordo com a Sociedade Brasileira de Diabetes22. Sociedade Brasileira de Diabetes. Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes: 2014-2015. São Paulo: AC Farmacêutica; 2015 [citado 2015 mar 18]. Disponível em: http://www.diabetes.org.br/publico/images/2015/area-restrita/diretrizes-sbd-2015.pdf.
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, o envelhecimento populacional, o sedentarismo, a incidência crescente de doenças como a obesidade e a maior sobrevida dos portadores de DM são fatores que têm contribuído para o aumento do número desses indivíduos22. Sociedade Brasileira de Diabetes. Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes: 2014-2015. São Paulo: AC Farmacêutica; 2015 [citado 2015 mar 18]. Disponível em: http://www.diabetes.org.br/publico/images/2015/area-restrita/diretrizes-sbd-2015.pdf.
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. Quando não controlada, essa doença pode levar a diversas complicações, tais como a neuropatia e a vasculopatia, que de forma individual ou associada, são responsáveis pelo aparecimento da úlcera neuropática1313. Alavi A, Sibbald RG, Mayer D, Goodman L, Botros M, Armstrong DG, et al. Diabetic foot ulcers: part I. Pathophysiology and prevention. J Am Acad Dermatol. 2014;70(1): 1.e1-18. doi: 10.1016/j.jaad.2013.06.055.
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.

No presente estudo, 32,05% dos pacientes eram portadores de úlceras neuropáticas. Essas úlceras surgem como feridas localizadas nos pés, presentes em 4 a 10% dos diabéticos66. Grupo de Trabalho Internacional sobre Pé Diabético. Consenso internacional sobre pé diabético. Andrade AC, Pedrosa HC, tradutoras. Brasília: Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal; 2001 [citado 2015 abr 25]. Disponível em: http://189.28.128.100/dab/docs/publicacoes/geral/conce_inter_pediabetico.pdf.
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e são consideradas problema desafiador. Tal fato se deve ao tempo de cicatrização superior ao ideal, principalmente quando não há controle do DM e quando o paciente não recebe acompanhamento contínuo da equipe multidisciplinar de saúde66. Grupo de Trabalho Internacional sobre Pé Diabético. Consenso internacional sobre pé diabético. Andrade AC, Pedrosa HC, tradutoras. Brasília: Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal; 2001 [citado 2015 abr 25]. Disponível em: http://189.28.128.100/dab/docs/publicacoes/geral/conce_inter_pediabetico.pdf.
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,1313. Alavi A, Sibbald RG, Mayer D, Goodman L, Botros M, Armstrong DG, et al. Diabetic foot ulcers: part I. Pathophysiology and prevention. J Am Acad Dermatol. 2014;70(1): 1.e1-18. doi: 10.1016/j.jaad.2013.06.055.
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.

Quanto às úlceras de outras etiologias, 48,72% dos pacientes eram portadores de úlceras venosas e 38,46% portadores de úlceras arteriais. A proporção de pacientes com úlceras venosas aproximou-se à do estudo de Afonso e colaboradores (2013), 56%, cujo objetivo foi caracterizar os doentes com úlcera crônica ativa, identificar a patologia vascular envolvida e os fatores relacionados ao atraso da cicatrização. Entretanto, no presente estudo, a proporção relacionada à úlcera arterial foi superior ao dos referidos autores, os quais encontraram 18% de casos desse tipo de ferida1414. Afonso A, Barroso P, Marques G, Gonçalves A, Gonzalez A, Duarte N, et al. Úlcera crônica do membro inferior: experiência com cinquenta doentes. Angiol Cir Vasc. 2013;9(4):148-53. doi: 10.1016/S1646-706X(13)70035-1.
https://doi.org/10.1016/S1646-706X(13)70...
. Acredita-se que a maior ocorrência de feridas de etiologia isquêmica possa estar relacionada ao fato de a equipe ser composta por diversos cirurgiões vasculares, o que geraria mais encaminhamentos de pacientes com feridas desta etiologia.

Ao se avaliar a taxa de cicatrização, observou-se que essa diminui em relação ao aumento do número de dias. Para Borges (2008), a cicatrização é um processo complexo, que sofre interferência de fatores sistêmicos, relacionados às condições gerais do indivíduo, tais como idade, estado nutricional e presença de DCNT; e de fatores locais, tais como infecção e presença de tecido necrótico, que podem prolongar o processo de restauração da ferida1515. Borges EL. Fatores intervenientes no processo de cicatrização. In: Borges EL, Saar SRC, Magalhães MBB, Gomes FSL, Lima VLAN. Feridas: como tratar. 2. ed. Belo Horizonte: Coopmed; 2008. p. 45-53..

Verificou-se significância estatística na maior sobrevida de feridas para o grupo de pacientes diabéticos, ou seja, o tempo requerido para a cicatrização foi superior em relação ao grupo de pacientes não diabéticos. É sabido que em pacientes diabéticos, o processo de reparação das feridas pode ser prejudicado devido à diminuição da síntese de colágeno e da angiogênese. Destacam-se, também, as alterações provocadas por processos de arteriosclerose, nos quais há redução na oxigenação tissular e na alteração na sensibilidade protetora ocasionada por alteração na inervação periférica1515. Borges EL. Fatores intervenientes no processo de cicatrização. In: Borges EL, Saar SRC, Magalhães MBB, Gomes FSL, Lima VLAN. Feridas: como tratar. 2. ed. Belo Horizonte: Coopmed; 2008. p. 45-53..

Por sua vez, o tempo de cicatrização prolongado em diabéticos pode estar relacionado ao aparecimento de outras complicações. Dentre elas, destacam-se as infecções, as osteomielites e, consequentemente, a amputação de extremidades. As amputações não traumáticas muitas vezes ocorrem após o desenvolvimento de úlceras de pé em pacientes com DM e quando é em nível maior - acima do nível do médio tarso -, está associada às elevadas taxas de mortalidade66. Grupo de Trabalho Internacional sobre Pé Diabético. Consenso internacional sobre pé diabético. Andrade AC, Pedrosa HC, tradutoras. Brasília: Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal; 2001 [citado 2015 abr 25]. Disponível em: http://189.28.128.100/dab/docs/publicacoes/geral/conce_inter_pediabetico.pdf.
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Quanto à infecção, os pacientes diabéticos apresentam alteração da resposta inflamatória, que, associada às mudanças metabólicas do organismo e da anatomia do membro, faz com que as consequências da infecção sejam mais graves. Assim, muitos pacientes precisam ser internados para intervenção cirúrgica e antibioticoterapia, o que torna os custos do tratamento ainda mais onerosos e impacta na qualidade de vida dos mesmos66. Grupo de Trabalho Internacional sobre Pé Diabético. Consenso internacional sobre pé diabético. Andrade AC, Pedrosa HC, tradutoras. Brasília: Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal; 2001 [citado 2015 abr 25]. Disponível em: http://189.28.128.100/dab/docs/publicacoes/geral/conce_inter_pediabetico.pdf.
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Conclusão

Neste estudo, foi demonstrado que os pacientes com diabetes apresentam menor probabilidade de cicatrização de feridas quando comparados àqueles sem a doença. Esses achados podem auxiliar os profissionais da equipe de enfermagem que, frequentemente, se envolvem em atividades de promoção à saúde e na predição do tempo de tratamento de feridas em pacientes com diabetess. Ademais, os aspectos aqui explicitados enfatizam a necessidade de cuidados preventivos por toda a vida, especialmente em pacientes com maior risco de desenvolver úlceras neuropáticas ou que já apresentaram eventos prévios dessas feridas ou de amputações.

É importante considerar algumas limitações nesta pesquisa, dentre elas a utilização de uma amostra por conveniência, o que tornam necessários novos estudos sobre o tema, sobretudo com amostra aleatória e maior tempo de seguimento dos pacientes. Entretanto, ressalta-se o rigor metodológico empregado neste trabalho e sua contribuição para a literatura por ser longitudinal, uma vez que estudos de enfermagem que utilizam esse delineamento ainda são escassos no Brasil.

Em relação às contribuições desta pesquisa, ressalta-se que conhecer o tempo de cicatrização de feridas e os fatores que interferem nesse processo pode contribuir para a assistência de enfermagem, minimizar as consequências de doenças, como o DM, e impactar positivamente no tratamento e qualidade de vida dos pacientes, além da redução de custos para o sistema de saúde.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Fev 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    18 Fev 2018
  • Aceito
    05 Out 2018
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