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Funcionalidade do apoio à família da criança com pneumonia

Funcionalidad del apoyo a la familia del niño con neumonía

Resumo

OBJETIVO

Conhecer a composição e o funcionamento do apoio social utilizado pela família da criança adoecida por pneumonia.

MÉTODO

Pesquisa qualitativa, realizada com quatorze famílias de crianças menores de cinco anos internadas por pneumonia, provenientes de regiões de maior vulnerabilidade social de um município do interior paulista, no período de novembro de 2015 a maio de 2016. Utilizou-se como referencial teórico o Modelo Calgary de Avaliação Familiar, e a Análise de Conteúdo Temática de Bardin como método.

RESULTADOS

A família nuclear e a extensa constituem o apoio social utilizado; a rede de apoio acessada engloba a Atenção Primária de Saúde, Unidades de Pronto Atendimento e hospitais, observando falha na referência e contra-referência intersetoriais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A reorganização familiar mostrou-se relevante e efetiva em períodos de crise; as famílias buscam no nível secundário de atenção à saúde a resolutividade para o adoecimento de seu filho.

Palavras-chave:
Pneumonia; Assistência à saúde; Enfermagem pediátrica; Apoio social; Família

Resumen OBJETIVOConocer la composición y el funcionamiento del apoyo social utilizado por la familia del niño enfermo por neumonía.

MÉTODO

Investigación cualitativa, realizada con catorce familias de niños menores de cinco años internados por neumonía, provenientes de regiones de mayor vulnerabilidad social de un municipio del interior paulista, en el período de noviembre de 2015 a mayo de 2016. Se utilizó el modelo Calgary de evaluación familiar como referencial teórico, y el análisis de contenido temático de Bardin como método.

RESULTADOS

La familia nuclear y la extensa constituyen el apoyo social utilizado. La red de apoyo accedida engloba la Atención Primaria de la Salud, Unidades de Atención de Emergencias y hospitales, donde se observa una falla en la referencia y contra-referencia intersectoriales.

CONSIDERACIONES FINALES

La reorganización familiar se mostró relevante y efectiva en períodos de crisis. Las familias buscan en el nivel secundario de la atención a la salud la resolutividad para la enfermedad de su hijo.

Palabras clave:
Neumonía; Prestación de atención de salud; Enfermería pediátrica; Apoyo social; Familia

Abstract

OBJECTIVE

To know the composition and functioning of the social support used by the family of children with pneumonia.

METHODS

A qualitative study was carried out with fourteen families of children under five years old hospitalized for pneumonia, coming from regions of greater social vulnerability in a city in the state of São Paulo, from November 2015 to May 2016. The theoretical reference used was the Calgary Family Assessment Model, and the Bardin Thematic Content Analysis was used as method.

RESULTS

The nuclear family and the extended family constitute the social support used; the support network accessed includes the Primary Health Care, Emergency Care Units and hospitals, observing intersectoral referral and counter-referral failure.

FINAL CONSIDERATIONS

The family reorganization proved to be relevant and effective in times of crisis; the families seek the secondary level of health care to solve the illness of their child.

Keywords:
Pneumonia; Delivery of health care; Pediatric nursing; Social support; Family

Introdução

A pneumonia é a principal causa de morte de crianças menores de cinco anos de idade e uma das doenças de maior prevalência na infância, tendo ocasionado a morte de quase 1 milhão de crianças menores de cinco anos em 2015 no mundo, cerca de uma criança a cada 35 segundos, mais do que a malária, a tuberculose, o sarampo e a aids juntos11. Amozou A, Carvajal Velez L. One is too many. Ending child deaths from pneumonia and diarrhoea. Nova York: UNICEF; 2016 [cited 2018 Apr 02]. Available from: https://data.unicef.org/wp-content/uploads/2016/11/UNICEF-Pneumonia-Diarrhoea-report2016-web-version_final.pdf..

No Brasil, apesar da redução da taxa de mortalidade estar relacionada à melhora das condições econômicas da população, ao acesso aos cuidados de saúde e à disponibilidade nacional de antibióticos e políticas de vacinação, as infecções do trato respiratório inferior, em especial a pneumonia, permanecem como a terceira causa de mortalidade ao longo dos anos, atingindo um total de 75.602 óbitos, o que corresponde a 5,6% do total de óbitos no país22. Corrêa RA, São José BP, Malta DC, Passos VMA, França EB, Teixeira RA, et al. Burden of disease by lower respiratory tract infections in Brazil, 1990 to 2015: estimates of the Global Burden of Disease 2015 study. Rev Bras Epidemiol. 2017;20(supl 1):171-81. doi: 10.1590/1980-5497201700050014.
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. Por este motivo permanece o interesse em pesquisas com o foco em doenças respiratórias22. Corrêa RA, São José BP, Malta DC, Passos VMA, França EB, Teixeira RA, et al. Burden of disease by lower respiratory tract infections in Brazil, 1990 to 2015: estimates of the Global Burden of Disease 2015 study. Rev Bras Epidemiol. 2017;20(supl 1):171-81. doi: 10.1590/1980-5497201700050014.
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3. Shah SN, Bachur RG, Simel DL, Neuman MI. Does this child have pneumonia?: the rational clinical examination systematic review. JAMA. 2017;318(5):462-71. doi: 10.1001/jama.2017.9039.
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-44. Pina JC, Moraes SA, Furtado MCC, Mello DF. Presence and extent of the primary health care attributes among children hospitalized for pneumonia. Rev Latino-Am Enfermagem. 2015;23(3):512-9. doi: 10.1590/0104-1169.0502.2582.
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, sendo as doenças agudas preocupação em estudos de enfermagem44. Pina JC, Moraes SA, Furtado MCC, Mello DF. Presence and extent of the primary health care attributes among children hospitalized for pneumonia. Rev Latino-Am Enfermagem. 2015;23(3):512-9. doi: 10.1590/0104-1169.0502.2582.
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no sentido de fortalecer o exercício do cuidado para que se torne mais efetivo.

É nesta situação de adoecimento que a criança, conduzida pela família, percorre vários serviços da rede de atenção à saúde, como unidades de atenção primária, unidades de pronto atendimento, hospitais secundários ou terciários, buscando resolutividade, sendo fundamental a coordenação do cuidado da criança com pneumonia possibilitando o diagnóstico e o tratamento precoces, bem como a continuidade do cuidado44. Pina JC, Moraes SA, Furtado MCC, Mello DF. Presence and extent of the primary health care attributes among children hospitalized for pneumonia. Rev Latino-Am Enfermagem. 2015;23(3):512-9. doi: 10.1590/0104-1169.0502.2582.
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Diante da complexidade clínica da criança e a partir do entendimento de que as práticas de cuidado da família inscrevem-se em um quadro de relações sociais, os profissionais de saúde devem considerá-la em seus planos terapêuticos. O núcleo familiar, diante das demandas de atenção da criança com pneumonia e com vistas a supri-las, mobiliza recursos internos e externos a ela, que envolvem a rede social.

Ao abordar as relações familiares nesse texto, a compreendemos como o conjunto de vínculos estabelecidos entre os indivíduos que compõe o núcleo familiar da criança e entre esses com a família extensa55. Silveira AO, Costa BR, Wernet M, Barcelos P, Tatiana AOSA. Family´s social support network and the promotion of child development. REFACS. 2016;4(1):6-16. doi: 10.18554/refacs.v4i1.1528.
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. Neste sentido, a rede de apoio pode ser compreendida pelas diversas relações com instituições assistenciais. O apoio social, por sua vez, é compreendido como um recurso fornecido pelas pessoas que interagem com a família, como familiares, amigos, vizinhos, podendo ocorrer de várias formas tais como emocional, afetivo, instrumental de informação e interação positiva66. França-Santos D, Oliveira AJ, Salles-Costa R, Lopes CD, Sichieri R. Diferenças de gênero e idade no apoio social e índice de massa corporal em adultos na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, Brasil. Cad Saúde Pública. 2017;33(5):e00152815. doi: 10.1590/0102-311X00152815.
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. Os componentes desta rede interagem e somam forças, no intuito de apoiar a família a enfrentar a doença da criança55. Silveira AO, Costa BR, Wernet M, Barcelos P, Tatiana AOSA. Family´s social support network and the promotion of child development. REFACS. 2016;4(1):6-16. doi: 10.18554/refacs.v4i1.1528.
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Na busca por reestabelecer a saúde da criança os serviços de saúde precisam oferecer garantia de capacitação para o cuidado, envolvendo a família, que deve ser apoiada pelos profissionais para exercer sua função55. Silveira AO, Costa BR, Wernet M, Barcelos P, Tatiana AOSA. Family´s social support network and the promotion of child development. REFACS. 2016;4(1):6-16. doi: 10.18554/refacs.v4i1.1528.
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Pesquisas da enfermagem familiar que tem a criança como foco, envolvem temas relativos ao apoio social e à doença crônica77. Barbieri MC, Broekman GVDZ, Souza ROD, Lima RAG, Wernet M, Dupas G. Support network for families of children and adolescents with visual impairment: strengths and weaknesses. Ciênc Saúde Coletiva. 2016;21(10):3213-23. doi: 10.1590/1413-812320152110.19562016.
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8. Polita NB, Tacla MTGM. Network and social support to families of children with cerebral palsy. Esc Anna Nery. 2014;18(1):75-81. doi: 10.5935/1414-8145.20140011.
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9. Sandor ERS, Marcon SS, Ferreira NMLA, Dupas G. Demanda de apoio social pela família da criança com paralisia cerebral. Rev Eletr Enfermagem. 2014;16(2):417-25. doi: 10.5216/ree.v16i2.21112.
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-1010. Silva MEA, Moura FM, Albuquerque TM, Reichert APS, Collet N. Network and social support in children with chronic diseases: understanding the child's perception. Texto Contexto Enferm. 2017;26(1):e6980015. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0104-07072017006980015.
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, prioritariamente. Esse estudo busca inovar ao oferecer um olhar para a criança e sua família relacionando com o apoio social que recebem durante o período de adoecimento agudo. A questão que norteou este estudo foi “Como é a rede de apoio social da criança adoecida por pneumonia?” Assim o objetivo foi conhecer a composição e o funcionamento do Apoio Social utilizado pela família da criança adoecida por pneumonia.

Método

Estudo descritivo de abordagem qualitativa, que busca compreender o significado da experiência e vivência das relações sociais1111. Minayo MCS. Scientificity, generalization and dissemination of qualitative studies. Ciênc Saúde Coletiva. 2017;22(1):16-17. doi: 10.1590/1413-81232017221.30302016.
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. A fim de conhecer a estrutura e o funcionamento da família da criança com pneumonia, optou-se pelo Modelo Calgary de Avaliação Familiar (MCAF)1212. Wright LM, Leahey M. Enfermeiras e famílias: guia para avaliação e intervenção na família. 5. ed. São Paulo: Roca; 2012. para coleta dos dados.

Participaram do estudo quatorze famílias de crianças internadas com pneumonia em um Hospital Universitário de uma cidade do interior do estado de São Paulo. Os critérios de seleção dos participantes foram: a) família de crianças menores de cinco anos de idade; b) morar em região de alta vulnerabilidade social, segundo o Índice Paulista de Vulnerabilidade Social. Os participantes foram identificados a partir da primeira letra do parentesco - mãe (M), pai (P), avó (A) ou tia (T) - estabelecido com a criança, seguido por (F) que representa família e da ordem em que a entrevista foi realizada.

Os potenciais participantes da pesquisa foram levantados de forma retrospectiva a partir de análise de prontuários da unidade de pronto atendimento e internação pediátrica, relativos às internações do ano de 2014 do referido hospital.

Foram levantadas 78 famílias, sendo 22 famílias residentes em região de alta vulnerabilidade social, critério esse escolhido devido à associação já evidenciada pela literatura entre pobreza e adoecimento. A pobreza e as desigualdades ainda são graves problemas nos indicadores de saúde, sendo a sua erradicação, o desenvolvimento econômico inclusivo e a preservação do planeta a chave para a saúde e o bem-estar da população de todo o mundo1313. Organização Pan-Americana da Saúde (US). Saúde nas Américas+: edição de 2017: resumo do panorama regional e perfil do Brasil. Washington, D.C.: OPAS; 2017 [citado 2018 mar 18]. Disponível em: http://iris.paho.org/xmlui/bitstream/handle/123456789/34323/9789275719671_por.pdf?sequence=8&isAllowed=y.
http://iris.paho.org/xmlui/bitstream/han...
.

Das 22 famílias, 5 não foram encontradas por mudança de endereço, o pai de 1 das famílias não permitiu sua participação, outras 2 foram desconsideradas por dados divergentes ao objetivo (descobertos apenas na entrevista), o que totalizou 14 famílias participantes. O domicílio foi o local de escolha para as entrevistas, com objetivo de reunir o maior número de membros da família, e conhecer de perto a sua realidade, conseguindo assim, dados mais representativos, realizadas no período de novembro de 2015 a maio de 2016.

Para coleta de dados utilizou-se do genograma e ecomapa conforme o MCAF1212. Wright LM, Leahey M. Enfermeiras e famílias: guia para avaliação e intervenção na família. 5. ed. São Paulo: Roca; 2012., juntamente com a entrevista semiestruturada. O genograma tem como objetivo principal auxiliar na avaliação, planejamento e intervenção familiar e permite ainda, observar de forma clara quais membros constituem a família, além da identificação das principais enfermidades, facilitando o plano terapêutico1212. Wright LM, Leahey M. Enfermeiras e famílias: guia para avaliação e intervenção na família. 5. ed. São Paulo: Roca; 2012.. O ecomapa vem apresentar a relação da família com seus membros, comunidade e serviços1212. Wright LM, Leahey M. Enfermeiras e famílias: guia para avaliação e intervenção na família. 5. ed. São Paulo: Roca; 2012.. Nesse sentido, permite conhecer os apoios sociais utilizados pela família.

A entrevista semiestruturada utilizou de questões norteadoras buscando apreender o funcionamento e organização familiar nas tarefas realizadas, o papel de cada membro, e a forma como os problemas eram identificados e resolvidos, sempre com o foco na criança com pneumonia e o cuidado relativo a ela. As entrevistas foram gravadas e transcritas, sendo os dados coletados segundo o MCAF1212. Wright LM, Leahey M. Enfermeiras e famílias: guia para avaliação e intervenção na família. 5. ed. São Paulo: Roca; 2012., na busca dos apoios sociais na situação de pneumonia a partir da estrutura e do funcionamento familiar

O MCAF compreende três categorias principais: Estrutual, de Desenvolvimento e Funcional. A Categoria estrutural compreende a estrutura da família e os elementos que podem ser avaliados nas suas subcategorias são: Interna (composição familiar, gênero, orientação sexual, ordem de nascimento, subsistemas e limites), Externa (família extensa e sistemas mais amplos) e Contexto (etnia, raça, classe social, religião e espiritualidade e ambiente)1212. Wright LM, Leahey M. Enfermeiras e famílias: guia para avaliação e intervenção na família. 5. ed. São Paulo: Roca; 2012..

Em relação a categoria de desenvolvimento, essa se refere ao desenvolvimento do ciclo vital de cada família, classificando suas subcategorias em: Estágios, Tarefas e Vínculos. A categoria funcional se refere como os indivíduos da família interagem, podendo ser explorados em duas subcategorias: Funcionamento instrumental (atividades de vida diária) e Funcionamento expressivo (tipos de comunicação, solução de problemas, papéis, crenças, influência e poder, alianças e uniões)1212. Wright LM, Leahey M. Enfermeiras e famílias: guia para avaliação e intervenção na família. 5. ed. São Paulo: Roca; 2012..

Os dados oriundos das entrevistas foram categorizados segundo as dimensões do MCAF, tal qual a análise temática de conteúdo de Bardin1414. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70 - Brasil, 2011.. Esse método envolve um conjunto de técnicas desenvolvido em três etapas: pré-análise, onde se deu a leitura flutuante, organização do material e formulação de hipóteses e objetivos; exploração do material, momento de codificação e classificação em categorias; tratamento dos resultados obtidos e interpretação1414. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70 - Brasil, 2011..

Vale destacar que este estudo faz parte de um recorte da dissertação de mestrado intitulada: Pneumonia e Vulnerabilidade Social: um olhar para a família1515. Souza ROD. Pneumonia e vulnerabilidade social: um olhar para a família [dissertação]. São Carlos (SP): Departamento de Enfermagem, Universidade Federal de São Carlos; 2016., cujo projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) 32621014.6.0000.5504. Os preceitos éticos da Resolução nº 466/12 que regulamenta o desenvolvimento de pesquisas envolvendo seres humanos foram respeitados. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Resultados

Da análise das entrevistas emergiram os apoios sociais utilizados pela família de criança adoecida por pneumonia, bem como as dificuldades vividas com a rede de assistência durante essa trajetória.

Seguindo o MCAF esses apoios estão ancorados pelas categorias Estrutural e Funcional. A primeira descreve as pessoas que fazem parte da família, o vínculo entre elas, e o contexto em que vivem. A segunda categoria se refere às atividades realizadas pela família e à dinâmica funcional. Neste sentido, os dados foram organizados em duas categorias e suas respectivas subcategorias: Potencialidades do Apoio Social e Dificuldades com a rede assistencial.

A figura 1 exemplifica o genograma e o ecomapa de uma família participante, escolhida

por apresentar os diversos tipos de apoio retratados nos resultados.

Figura 1:
Ecomapa e Genograma da família 14.

Potencialidades do Apoio Social

O adoecimento da criança por pneumonia demanda reorganização familiar a fim de atender as necessidades da mesma em diferentes momentos. As relações familiares são reconstruídas para compartilhar o cuidado à criança e o enfrentamento da doença. Frente a isso a família nuclear e extensa se apresenta como apoio, assim como estabelece relação com membros da comunidade.

A família compreende o apoio social em função das relações que constrói ao procurar entender o que está acontecendo, também ao compartilhar o cuidado da criança e durante a vivência frente o adoecimento. Neste sentido, o apoio é decorrente da “Interação familiar”, “Relação com a comunidade” e “Fortalecimento pela espiritualidade”, subcategorias essas que expressam a experiência familiar.

Interação familiar

O adoecimento da criança por pneumonia tem suas consequências amenizadas pelo apoio recebido, referida pelos familiares como suporte que sustenta os obstáculos. O apoio familiar revelou ser a base para a facilidade do cuidado à criança com pneumonia; a família nuclear e extensa se reestrutura para o cuidado mobilizando-se e buscando mecanismos de suporte e colocando-se como apoio para resolução de problemas.

A própria família integra a relação de apoio para enfrentar o processo de adoecimento. Inicialmente o apoio vem de pessoas mais próximas da família da criança, a partir dos familiares presentes no cotidiano, em seguida os menos presentes. A avó materna foi citada pelas famílias como a principal fonte de apoio. Ela foi identificada como fonte de segurança e esperança da melhora da criança, além de participar do momento de reconhecimento da doença, orientações do cuidado, fornecendo amor que conforta na situação difícil.

Quando ela ficou internada, a irmã dela ficou aqui na casa da minha mãe, e eu fiquei todos os dias [no hospital][ ...] mas não queria vir embora. Minha mãe ia para eu vir tomar banho só (MF1).

A minha mãe ajuda, quando [se referindo ao período de internação] precisa ficar com as crianças (MF7).

Minha mãe ficou dois dias com ele durante o dia [se referindo ao período da internação] (MF9).

Percebeu-se na família uma gratidão às pessoas que ofertam e se tornam apoio no momento de cuidar da criança. A família valoriza todos os tipos de apoio recebido e enaltece aquele que proporciona conforto no momento difícil.

Quando o CIF2 ficou internado [referindo a pneumonia], uma noite eu ficava, outra noite ele ficava (PF2). [...] E minha avó ficava cuidando de tudo aqui em casa (MF2).

Teve um período que ela ficou internada [referindo a pneumonia], eu estava doente, que foi a minha irmã que ficou com ela, e a avó dela por parte de pai (MF5).

Um medicamento mais caro ou a minha irmã ajuda, porque ela é madrinha dela, ou a minha mãe ajuda. Sempre são eles, sabe? Ou também minhas tias e o pai dela (MF5).

Minha avó que ia trabalhar no meu lugar, porque não tinha quem fosse [...][se referindo ao período de internação] (MF8).

Na verdade eu que fiquei direto lá [no hospital], e uma irmã minha, foi um período que ela veio passear aqui, mas ajudou bastante, ela que me ajudou a cuidar da CF14 (MF14).

Relação com a comunidade

O cuidado à criança com pneumonia traz para a família sentimentos de medo e insegurança que são amenizados pelo estreitamento dos laços estabelecidos pela interação que a família cria com as pessoas que a rodeiam. Observou-se movimento de apoio a partir de pessoas não tão próximas.

Algumas pessoas, que de alguma forma convivem com a família, ao observar as dificuldades existentes no processo de cuidar da criança com pneumonia, se solidarizam e compreendem a necessidade de ofertar apoio. Neste sentido, os vizinhos também foram considerados importante fonte de apoio para as crianças e famílias, em uma mobilização para fornecer suporte emocional e estrutural.

Essa vizinha da frente já me ajudou muito [...] principalmente quando elas estavam doentes [referindo a pneumonia], e ele estava trabalhando fora [...] desde que eu moro aqui, o que eu preciso ela ajuda. Ela me ajudava a olhar, cuidar (MF14).

Minha neta piorou mesmo [...] febre alta [...] ai corri na vizinha, ela falou: pelo amor de Deus, dá um banho nela, está desfalecida mesmo [...] corre lá põe água na banheira, enquanto isso ligo para a mãe [...] ai catamos ele, já tinha dado um banho, eu vi que ele ia morrer, nunca vi uma pessoa daquele jeito [antes da internação por pneumonia](AF8).

Fortalecimento pela espiritualidade

Refere-se ao apoio percebido pela família em algo maior, que está no controle e pode auxiliar na superação das dificuldades. A espiritualidade pode ser um suporte importante para o enfrentamento do sofrimento diante do processo de adoecimento de um membro da família, proporcionando conforto e apoio, resgatando esperança. Aqui apresentadas na forma de espiritualidade e religiosidade, algumas crenças surgiram ainda na forma de rituais, que são transmitidos de geração para geração, e funcionam como auxílio, para que uma força maior realize uma intervenção em favor da criança.

A religião me ajuda porque tenho fé, tenho fé que Deus pode tudo, Ele é o médico dos médicos, então, numa enfermidade é óbvio que eu vou procurar a medicina, é lógico [...] mas eu creio que Deus pode entrar com o sobrenatural e curar, porque eu já [...] eu conheço pessoas que Deus já fez isso. Meu filho mesmo, ele não tem mais nada. Ele estava fazendo tratamento com a “pneumo”, ele tinha bronquite asmática, com isso, com aquilo [...] e com uma simples oração ele foi curado [...] ele está curado [...] ele não tem nada e nem a doutora entendeu porque (MF4).

Quando doente pede a Deus para cuidar delas, abençoar [...] e ele tem nos ouvido viu? Deus tem nos ouvido muito [...] se elas não melhorarem a gente continua pedindo (MF14).

Eu fiz (simpatia) para bronquite que a minha tia ensinou [...] essa era com prego, você prega o prego na parede e conforme ele vai crescendo a bronquite vai sumindo [ ...] eu fiz (MF8).

Dificuldades com a rede assistencial

O acesso ao atendimento pelos serviços públicos de saúde apresentou-se como entrave na experiência familiar, bem como o relacionamento com os profissionais. Diversas foram as situações que a família se referiu à deficiência no apoio dos serviços de saúde, dentre elas: dificuldade de acesso ao atendimento público, espera prolongada, dificuldade no agendamento de consultas, baixa resolubilidade, falta de atendimento médico especializado, falta de empenho dos trabalhadores dos diversos serviços, dificuldade com o transporte e acolhimento ineficiente em relação à necessidade destas famílias.

Para suprir a falta de apoio de um equipamento de saúde, a família acessa outros meios, a fim de buscar a melhoria do quadro clínico da criança, sendo eles serviços médicos particulares e instituição de saúde de maior complexibilidade. A “Falta de Apoio Estrutural do Serviço”, a “Falta de Comprometimento dos Profissionais” e a “Dificuldade com o transporte público, foram obstáculos mais citados pela família na tentativa por atendimento, expressando as subcategorias.

Falta de apoio estrutural do serviço

Os serviços de saúde apresentaram desorganização estrutural de trabalho frente ao cadastramento das famílias do território, falta de adequação da agenda de consulta frente à demanda da população, falta de medicamentos, bem como dificuldade em atender as necessidades das famílias assistidas. A falta de apoio do serviço de referência atrelada à baixa resolutividade e vínculo não criado com os profissionais, levaram ao descrédito da assistência prestada e à busca por serviços especializados.

Aqui é bem precário [...] nunca tem vaga, porque não é posto, é unidade de saúde da família [...] marca com a enfermeira para depois passar com o médico [...] dificilmente consegue, fala que não tem vaga [...] mas o primeiro lugar que eu levo é no hospital, na unidade de saúde da família nem adianta (TF5).

Quando tem problemas de saúde vou ao hospital [...] quando eu passo na unidade de pronto atendimento, eles encaminham para lá [...] o máximo que eles fazem é medicação para abaixar a febre e encaminham para lá [...] eu só vou ao hospital, direto, já passo com o pediatra (MF4).

Eles nem vem fazer visita na casa [...] eles nem vem fazer o cartãozinho, era para vir ver o endereço que a minha irmã está morando, faz um ano que a minha irmã mudou, aí a gente foi lá (USF) para eles virem aqui na casa, no endereço, o cartãozinho, nem isso eles vieram, porque precisa do cartão para marcar consulta (TF5).

Eu fui até lá (USF), e pedi para eles fazerem um cartão, aí eles me deram um cartão, só que não tinha vaga para consulta [...] a médica na verdade não estava atendendo ainda (MF5).

Medicamento nunca tem no posto, aí a gente sempre compra [...] (MF5).

[...] às vezes no caso dela, o medicamento que tem no posto não resolve, então, tem que comprar (TF5).

Falta de Comprometimento dos profissionais

O adoecimento da criança fragiliza a família que necessita mais que tudo que a situação da criança seja avaliada e encaminhada para resolução, com profissionais que demonstrem se preocupar verdadeiramente com o problema de saúde da criança. Entretanto, a postura do profissional de saúde não supre as necessidades, além do que, em determinadas situações, apresenta atitudes que desqualificam e desacreditam o cuidador, causando revolta e retardando a resolução do quadro de adoecimento da criança.

Quando era a pneumonia e levei lá que ela (CIF14) estava com dor abdominal e a médica falou que era fome. Fiquei com muita raiva dela, falou para dar comida pra ela. Ela estava com muita dor, levei as três que as três estavam ruins... ela [médica] falou que não, que era a tosse, passou um remédio para tosse (MF14).

No hospital, foi uma segunda vez que eu fui lá [se referindo ao período da pneumonia] [...] o médico falou que a CIF14 estava com frescura, eu comecei a chorar lá dentro[ ...] então se eu chegar lá hoje para passar e for com ele, não quero (MF14).

Dificuldade com o transporte público

Na busca por resolutividade, as famílias procuram serviços de saúde fora da sua área de referência, o que requer o uso de transporte público, que nem sempre é acessível por motivo financeiro, de distância, ou ainda em relação à frequência de horários desse transporte.

O hospital é longe, fora de mão, não tem como [...] vai de ônibus até na rodoviária e depois vai a pé o restante [2,3 Km = 29 minutos de caminhada a pé], a CIF6 anda, ela anda bem, não reclama de andar, às vezes eu levo ela um pouquinho no colo, para distrair, disfarçar o cansaço, daí a gente vai andando, da rodoviária até lá (MF6).

Tem que ir de ônibus ou pedir para alguém levar, é longe [...] para ir para o hospital é difícil [...] (PF7).

Nossa, a Unidade de pronto atendimento é muito longe, já teve vez e eu sair daqui 3 ou 4 horas da madrugada que ele estava com febre mesmo e por não ter ambulância, eles perguntam: “ah não tem nenhum vizinho que possa trazer?” [...] aí eu vou sozinha, uns 7 quarteirões de subida, vou andando, pra mim acho longe porque vou com ele no colo. Para mim o Hospital eu já acho mais fácil, porque toda vez que eu preciso ir lá, sempre tem ambulância (MF9).

Discussão

A família é um sistema em constante movimento. Situações como a doença aqui exemplificada pela pneumonia de uma criança, integrante desta família, promovem desequilíbrio, ao qual a família responde, procurando se reorganizar e equilibrar novamente. Nessas ocasiões as relações com os diferentes tipos de apoio se intensificam.

A família se articula para atender as necessidades da criança. Inicialmente busca aqueles que se encontram mais próximos, em sua estrutura interna e extensa. A apreensão da composição e organização familiar se deu pelo genograma que permite a aproximação com a estrutura familiar, dinâmica e relações familiares1212. Wright LM, Leahey M. Enfermeiras e famílias: guia para avaliação e intervenção na família. 5. ed. São Paulo: Roca; 2012..

O cuidar, considerado um papel feminino devido às relações de gênero e às diferentes responsabilidades ligadas à desigualdades constituídas socialmente1616. Muylaert CJ, Delfini PSS, Reis AOA. Relações de gênero entre familiares cuidadores de crianças e adolescentes de serviços de saúde mental. Physis. 2015;25(1):41-58. doi: 10.1590/S0103-73312015000100004.
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, é assim assumido pela família, e o apoio recebido neste sentido é, em geral, oferecido por figuras femininas próximas, como a avó, que cuida da criança adoecida como também das outras que ficam em casa, além de colaborar em algumas necessidades financeiras. Semelhante a estes resultados, outro estudo revela que a família extensa exerce um apoio interfamiliar, que se manifesta a partir de relações de confiança e apoio emocional, assim como um apoio instrumental, exercendo uma função de alicerce nos momentos de crise77. Barbieri MC, Broekman GVDZ, Souza ROD, Lima RAG, Wernet M, Dupas G. Support network for families of children and adolescents with visual impairment: strengths and weaknesses. Ciênc Saúde Coletiva. 2016;21(10):3213-23. doi: 10.1590/1413-812320152110.19562016.
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A família produz cuidados indispensáveis e específicos para saúde, que se desenrolam através de interações afetivas, necessárias ao desenvolvimento pleno da criança. Este estudo revela que, na busca pela saúde da criança, a família encontra apoio informal que oferta suporte necessário para enfrentar o momento conturbado.

No adoecimento o apoio à família ocorre em suas diferentes dimensões: emocional, afetivo, instrumental, informacional e interação positiva. Desta forma o apoio vem de diversas pessoas, com as quais a família possui algum vínculo, tais como: familiares, vizinhos, amigos e profissionais de saúde que interagem somando forças, com o objetivo de auxiliar a família neste momento de estresse88. Polita NB, Tacla MTGM. Network and social support to families of children with cerebral palsy. Esc Anna Nery. 2014;18(1):75-81. doi: 10.5935/1414-8145.20140011.
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A doença aguda é para a família um momento de crise, onde o sofrimento atinge os diversos membros, indicando a necessidade da avaliação familiar1212. Wright LM, Leahey M. Enfermeiras e famílias: guia para avaliação e intervenção na família. 5. ed. São Paulo: Roca; 2012.. Para o MCAF, o olhar para a para a família extensa para além da estrutura, buscando compreender as relações e os vínculos, permite avaliar de forma ampla a qualidade e a quantidade dos apoios disponíveis, resultando em uma avaliação mais profunda, enxergando os múltiplos olhares das relações e, como consequência, as múltiplas visões de apoio1212. Wright LM, Leahey M. Enfermeiras e famílias: guia para avaliação e intervenção na família. 5. ed. São Paulo: Roca; 2012..

Os resultados desse estudo corroboram com a literatura quando demonstram o importante papel de apoio da família extensa em momentos de crise devido à doença, auxiliando tanto nos cuidados diretos à criança como no apoio financeiro. Apoio extra familiar, representados aqui por vizinhos, também são acionados.

Buscando ainda um apoio emocional, e uma confiança em algo maior, a família se apoia na fé/espiritualidade, a qual auxilia na aceitação, adaptação e consolo da família em relação à doença. Autores apontam que, por meio da fé/espiritualidade, busca-se formas de enfrentamento menos dolorosas e consolação. Também os familiares que têm fé sentem-se mais seguros e capazes de vivenciar essa situação88. Polita NB, Tacla MTGM. Network and social support to families of children with cerebral palsy. Esc Anna Nery. 2014;18(1):75-81. doi: 10.5935/1414-8145.20140011.
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. Estudos elucidam a importância da espiritualidade na vida de familiares de crianças adoecidas e/ou hospitalizadas, apontando a fé e a esperança como apoio no alívio da dor e sofrimento causado pela doença no cotidiano1717. Santos LM, Valois HR, Santos SSBS, Carvalho ESS, Santana RCB, Sampaio SS. Aplicabilidade de modelo teórico a famílias de crianças com doença crônica em cuidados intensivos. Rev Bras Enferm. 2014;67(2):187-94. doi: 10.5935/0034-7167.20140024 .
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, resultados estes que também são evidenciados nesse estudo.

Quanto ao apoio de sistemas mais amplos, é nas instituições de saúde que a família busca recurso para a resolução. Para Wright esta busca se dá na relação com diversas instituições e membros externos à família, que possuem uma relação significante, permitindo uma interação positiva ou não1212. Wright LM, Leahey M. Enfermeiras e famílias: guia para avaliação e intervenção na família. 5. ed. São Paulo: Roca; 2012., é desta forma que, apesar da organização hierárquica destas unidades, as famílias acabam por procurar os diversos níveis de atenção de forma aleatória, quase sempre buscando o especialista na intenção da resolução de seus problemas, o que reflete um comportamento baseado no modelo biomédico, em contraste com o modelo assistencial de saúde1818. Fertonani HP, Pires DEPD, Biff D, Scherer MDDA. The health care model: concepts and challenges for primary health care in Brazil. Ciênc Saúde Coletiva. 2015;20(6):1869-78. doi: 10.1590/1413-81232015206.13272014.
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Com maior frequência, a Atenção Primária à Saúde é frequentada pela família no intuito de acompanhar o crescimento e busca de ações preventivas, como a vacinação; entretanto nem sempre se mostram resolutivas quando a criança adoece. Essa relação fragilizada com os serviços de saúde é apontada pela família como desrespeito e incredulidade profissional99. Sandor ERS, Marcon SS, Ferreira NMLA, Dupas G. Demanda de apoio social pela família da criança com paralisia cerebral. Rev Eletr Enfermagem. 2014;16(2):417-25. doi: 10.5216/ree.v16i2.21112.
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Pesquisas apontam que a articulação das Redes de Atenção à Saúde é comprometida pela falta de comunicação, associada ao desconhecimento dos trabalhadores sobre o funcionamento dos serviços, dificuldades essas também observadas nesse estudo. A eficácia do processo de referência e contrarreferência relacionada à atenção multiprofissional eficaz, especialmente na alta hospitalar, proporcionando um cuidado integrado, resolutivo e humanizado para a continuidade da assistência em saúde, deveria ser realizado. O cuidado integral do usuário, requer profissionais envolvidos, motivados, com ações sistematizadas e em equipe multiprofissional, sendo necessário efetivar os processos de referência e contrarreferência, a fim de melhorar o atendimento aos usuários1919. Brondani JE, Leal FZ, Potter C, Silva RM, Noal HC, Perrando MS. Challenges of referral and counter-referral in health care in the Workers' perspective. Cogitare Enferm. 2016 [cited 2018 Mar 18];21(1). Available from: http://revistas.ufpr.br/cogitare/article/view/43350/27701.
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O movimento de referência das unidades básicas para as de maior complexidade é destacado por algumas famílias; entretanto, outras relatam se sentiram perdidas no momento de adoecimento da criança, “jogadas de um lado para o outro” e acabam por buscar em primeira mão as unidades de maior complexidade, à medida que as situações se repetem. O pediatra é visto como o único profissional que pode solucionar os momentos de crise aguda, e sua ausência nas unidades de pronto atendimento, ou mesmo sua falta de prontidão nas unidades básicas leva à busca deste profissional em unidades de maior complexidade, o que, se constitui em um comportamento de rotina.

Estudo revela que a dificuldade de acesso às consultas, o tempo de espera, a escassez de profissionais, a dificuldade de identificá-los e sua abordagem pouco acolhedora e respeitosa, são aspectos apontados pela família como barreiras para a criação de vínculo2020. Silva RM, Jorge MSB, Silva Júnior, AG, organizadores. Planejamento, gestão e avaliação nas práticas de saúde. Fortaleza: Ed UECE, 2015 [citado 2018 mar 18]. Disponível em: http://www.uece.br/eduece/index.php/downloads/doc_download/2057-planejamento-gestao-e-avaliacao-nas-praticas-de-saude-ebook-548pg., dificuldades estas presentes nos falas das famílias desta pesquisa. Outro ponto referido na literatura e que corrobora com os achados deste estudo é a questão geográfica entre o serviço de saúde e o domicílio, que dificulta o acesso2020. Silva RM, Jorge MSB, Silva Júnior, AG, organizadores. Planejamento, gestão e avaliação nas práticas de saúde. Fortaleza: Ed UECE, 2015 [citado 2018 mar 18]. Disponível em: http://www.uece.br/eduece/index.php/downloads/doc_download/2057-planejamento-gestao-e-avaliacao-nas-praticas-de-saude-ebook-548pg.. Essa dificuldade de acesso perpassa ao encaminhamento e acolhimento profissional, direcionando também ao transporte público apontado como entrave pelas famílias pesquisadas na busca por serviços além do território adstrito.

As relações estabelecidas com o sistema de saúde, ainda que problemáticas e fragmentadas, são identificadas como fonte de apoio para o cuidado da criança2020. Silva RM, Jorge MSB, Silva Júnior, AG, organizadores. Planejamento, gestão e avaliação nas práticas de saúde. Fortaleza: Ed UECE, 2015 [citado 2018 mar 18]. Disponível em: http://www.uece.br/eduece/index.php/downloads/doc_download/2057-planejamento-gestao-e-avaliacao-nas-praticas-de-saude-ebook-548pg.. Entender o que acontece com a criança durante seu adoecimento empodera a família na realização dos cuidados cotidianos. No entanto, para que familiares e crianças construam esse saber, os profissionais de saúde devem estar disponíveis para dialogar, ouvir e apoiar1010. Silva MEA, Moura FM, Albuquerque TM, Reichert APS, Collet N. Network and social support in children with chronic diseases: understanding the child's perception. Texto Contexto Enferm. 2017;26(1):e6980015. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0104-07072017006980015.
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Para os autores, a reorganização familiar demandada pelo adoecimento da criança por pneumonia demonstrou a forte participação da família extensa, primordialmente as avós, seguida pelos vizinhos. Esse apoio familiar é buscado de forma mais imediata, devido à aproximação deste com a família nuclear. Já os serviços de saúde foram elencados como intrincados, elucidados principalmente pela falta de vínculo com as unidades de referências e pela falha de comunicação entre os níveis de atenção, provendo uma assistência falha no momento de diagnóstico e cuidado à saúde/família.

Considerações Finais

O objetivo desse estudo foi alcançado, pois se acredita que tenha revelado a composição e o funcionamento do Apoio Social pela família da criança adoecida por pneumonia. Foi possível apreender a família como um sistema em constante movimento, buscando um equilíbrio em situação de adversidade. Diante da doença inesperada da criança, o apoio familiar, dos amigos, instituições formais e informais constituem uma teia de relações que sustenta a família para enfrentar as demandas de cuidado.

A rede de apoio formada nas interações estabelecidas contribui para a tomada de decisão da família nas suas escolhas e decisões. A busca por atendimento nos níveis de maior complexidade para uma resolutividade no tratamento de seu filho surge nas famílias participantes, visto que o suporte recebido na trajetória de cuidado percorrida não se constitui como rede, evidenciando a falha de comunicação intersetorial.

A fragmentação da rede de apoio dificulta a caminhada da família na busca de apoio para assistir às necessidades de saúde da criança. A família necessita de uma rede articulada que a fortaleça e sustente o cuidado designado à criança. Entretanto observa-se que, apesar das políticas públicas de saúde estabelecerem norteadores no sentido de fortalecer a família, esta sente suas necessidades não atendidas e, na falta de resolubilidade da atenção primária à saúde, buscam níveis de maior complexidade, que também fragmenta o apoio à família. Neste sentido o estudo evidenciou a deficiência no processo de referência e contrarreferência, demonstrando dificuldade de vínculo com o serviço, além de gerar insatisfação quanto ao cuidado ofertado.

Por outro lado, o profissional de saúde como integrante desse sistema, necessita compreender a realidade familiar, e o apoio por ela demandado, o que pode permitir ofertar um cuidado integral e assertivo. O Modelo Calgary de Avaliação Familiar possibilita aos profissionais de enfermagem um olhar aprofundado sobre a estrutura, desenvolvimento e funcionalidade da família. Tais dimensões potencializam a realização de um diagnóstico familiar detalhado, a fim de organizar o cuidado e ofertar apoio que atenda às necessidades familiares. O objetivo de conhecer de que forma se dá o apoio à família da criança com pneumonia, através do modelo Calgary de avaliação familiar, permitiu um olhar amplo para as redes próximas e distantes, formais e informais destas famílias, buscando compreender as relações entre os vários integrantes da rede de apoio, em especial serviço de saúde, seus vários equipamentos e suas relações com a família. Neste contexto, o Modelo Calgary de Avaliação Familiar é um instrumento de cuidado que pode ser utilizado na prática dos profissionais de enfermagem de forma contribuir para o desenvolvimento de habilidades para realizar a abordagem familiar.

Quanto aos limites, este estudo reflete o apoio de famílias de regiões de maior vulnerabilidade social, e de crianças com pneumonia que estiveram internadas em um hospital de pequena complexidade, não se estendendo a outras realidades. Portanto sugere-se que outros estudos com famílias de crianças com doença respiratória aguda sejam realizados, abrangendo o atendimento na atenção básica com enfoque na interação família/profissionais de saúde para o atendimento dessas patologias que são tão prevalentes na infância.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Fev 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    28 Maio 2018
  • Aceito
    13 Set 2018
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