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Transição de cuidados para o domicílio na perspectiva de pais de filhos com leucemia

Transición de cuidados para el hogar en la perspectiva de padres de hijos con leucemia

Resumo

OBJETIVO

Descrever as experiências de pais de crianças e adolescentes com leucemia quanto à transição de cuidados do hospital para o domicílio.

MÉTODO

Estudo qualitativo, descritivo, realizado com nove mães e dois pais, em um hospital público pediátrico de São Paulo-SP. Os dados foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas, de maio de 2016 a janeiro de 2017, organizados no software Atlas.ti 7® e submetidos à análise de conteúdo indutiva. Adotou-se a Teoria das Mudanças como referencial teórico.

RESULTADOS

A categoria central foi “A volta para casa: apropriando-se de uma nova realidade, composta de três subcategorias: apreensão com a nova realidade de cuidados; impacto imediato das mudanças; e implementação do plano de orientações.

CONCLUSÃO

A transição para o domicílio fez com que os pais tivessem que se adaptar à nova e complexa realidade de cuidados. Melhorias no planejamento e sistematização da primeira alta mostram-se necessárias.

Palavras-chave:
Enfermagem pediátrica; Enfermagem oncológica; Alta do paciente; Cuidado da criança; Cuidadores

Resumen

OBJETIVO

Describir las experiencias de padres de niños y adolescentes con leucemia en cuanto a la transición de cuidados del hospital para el hogar.

MÉTODO

Estudio cualitativo, descriptivo, realizado con nove madres y dos padres, en un hospital público pediátrica en São Paulo-SP. La recolecta de datos fue llevada a cabo mediante entrevistas semiestructuradas, de mayo de 2016 a enero de 2017, organizados en el software Atlas.ti 7® y sometidos al análisis de contenido inductivo. La Teoría de los Cambios fue utilizada como referencial teórico.

RESULTADOS

La categoría central fue "La volta a casa: el nacimiento de una nova realidad", que derivo tres subcategorías: aprensión con la nova realidad de cuidados; impacto inmediato de las mudanzas; e implementación del plano de orientación.

CONCLUSIÓN

La transición hacia el domicilio ha hecho que los padres se adapten a una nueva y compleja realidad de cuidados. Las mejoras en la planificación y sistematización de la primera alta se muestran necesarias.

Palabras claves:
Enfermería pediátrica; Enfermería oncológica; Alta del paciente; Cuidado del niño; Cuidadores

Abstract

OBJECTIVE

To describe the experiences of parents of children and adolescents with leukemia in regards to the transition from hospital care to home.

METHOD

A qualitative, descriptive study conducted with nine mothers and two fathers, in a pediatric public hospital. The data were collected through semi-structured interviews, from May 2017 to January 2017, organized in the software Atlas.ti 7® and submitted to inductive content analysis. The Change Theory was used as theoretical framework.

RESULTS

The central category was "Returning home: the birth of a new reality", which originated three subcategories: apprehension with the new reality of care; immediate impact of changes; and implementing the guidance plan.

CONCLUSION

The transition to the home setting made parents adapt to a new and complex reality of care. Improvements in the planning and systematization of the first hospital discharge are necessary.

Keywords:
Pediatric nursing; Oncology nursing; Patient discharge; Child care; Caregivers

Introdução

A leucemia linfoblástica aguda (LLA) é o tipo de câncer mais frequente na infância e um dos mais comuns na adolescência11. Ministério da Saúde (BR). Protocolo de diagnóstico precoce do câncer pediátrico. Brasília: Ministério da Saúde; 2017 [citado 2018 jun 24]. Disponível em: http://www1.inca.gov.br/inca/Arquivos/protocolo-de-diagnostico-precoce-do-cancer-pediatrico.pdf.. Uma combinação de terapias elevou a taxa de sobrevivência entre os pacientes pediátricos com LLA, entretanto, o câncer e seu tratamento têm graves implicações para pacientes e familiares22. Ward E, DeSantis C, Robbins A, Kohler B, Jemal A. Childhood and adolescent cancer statistics, 2014. CA Cancer J Clin. 2014;64(2):83-103. doi: https://doi.org/10.3322/caac.21219.
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. O principal tratamento empregado é a quimioterapia33. Kato M, Manabe A. Treatment and biology of pediatric acute lymphoblastic leukemia. Pediatr Int. 2018 Jan;60(1):4-12. doi: https://doi.org/10.1111/ped.13457.
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, podendo haver retorno do paciente para o domicílio no intervalo dos ciclos terapêuticos, a depender das condições gerais, do diagnóstico e do protocolo adotado33. Kato M, Manabe A. Treatment and biology of pediatric acute lymphoblastic leukemia. Pediatr Int. 2018 Jan;60(1):4-12. doi: https://doi.org/10.1111/ped.13457.
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4. Aburn G, Gott M. Education given to parents of children newly diagnosed with acute lymphoblastic leukemia: the parents' perspective. Pediatr Nurs. 2014;40(5):243-8, 256.
-55. Yildirim Sari H, Yilmaz M, Ozsoy S, Kantar M, Cetingul N. Experiences of parents with the physical care needs at home of children with cancer. Cancer Nurs. 2013;36(5):385-93. doi: https://doi.org/10.1097/NCC.0b013e3182a0e221.
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.

O retorno ao domicílio requer a transição de cuidados, que consiste em ações para assegurar a continuidade da assistência quando o paciente transita entre locais ou níveis de atenção66. Naylor M, Keating SA. Transitional care. J Soc Work Educ. 2008;44(3 Suppl.):65-73. doi: https://doi.org/10.5175/JSWE.2008.773247714.
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. Apesar da influência positiva para a recuperação biológica da criança, manutenção de seu bem-estar e qualidade de vida55. Yildirim Sari H, Yilmaz M, Ozsoy S, Kantar M, Cetingul N. Experiences of parents with the physical care needs at home of children with cancer. Cancer Nurs. 2013;36(5):385-93. doi: https://doi.org/10.1097/NCC.0b013e3182a0e221.
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, a ida para casa suscita questões relacionadas aos cuidados que preocupam pais e profissionais que os preparam para esta transição44. Aburn G, Gott M. Education given to parents of children newly diagnosed with acute lymphoblastic leukemia: the parents' perspective. Pediatr Nurs. 2014;40(5):243-8, 256.,77. Rodgers CC, Stegenga K, Withycombe JS, Sachse K, Kelly KP. Processing information after a child's cancer diagnosis: how parents learn: a report from the Children's Oncology Group. J Pediatr Oncol Nurs. 2016;33(6):447-59. doi: https://journals.sagepub.com/doi/10.1177/1043454216668825.
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. É essencial que todas as informações sobre a doença, procedimentos, exames e terapêutica sejam transmitidas de forma clara, para que os pais se tornem capazes de dar continuidade aos cuidados no domicílio diante das diversas mudanças impostas por um diagnóstico de câncer77. Rodgers CC, Stegenga K, Withycombe JS, Sachse K, Kelly KP. Processing information after a child's cancer diagnosis: how parents learn: a report from the Children's Oncology Group. J Pediatr Oncol Nurs. 2016;33(6):447-59. doi: https://journals.sagepub.com/doi/10.1177/1043454216668825.
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. A necessidade de esclarecê-los acerca do diagnóstico e plano de tratamento e capacitá-los para o manejo dos cuidados durante a hospitalização inicial da criança, que geralmente é de curta duração, constitui um desafio para os profissionais de saúde77. Rodgers CC, Stegenga K, Withycombe JS, Sachse K, Kelly KP. Processing information after a child's cancer diagnosis: how parents learn: a report from the Children's Oncology Group. J Pediatr Oncol Nurs. 2016;33(6):447-59. doi: https://journals.sagepub.com/doi/10.1177/1043454216668825.
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-88. Wright LM, Leahey M. Nurses and families: a guide to family assessment and intervention. 6th ed. Philadelphia: F. A. Davis Company; c2013..

Não há estudos nacionais recentes com foco no objeto de estudo em questão e, principalmente, na fase inicial do tratamento, assim como não há pesquisas no contexto brasileiro que tenham utilizado um referencial teórico para discutir esse processo de transição. Identificou-se apenas um estudo99. Comaru NRC, Monteiro ARM. O cuidado domiciliar à criança em quimioterapia na perspectiva do cuidador familiar. Rev Gaúcha Enferm. 2008 [citado 2018 jun 05];29(3):423-30. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/RevistaGauchadeEnfermagem/article/view/6770/4074.
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nacional sobre essa temática.

As famílias enfrentam transformações complexas nesse processo, e os enfermeiros são responsáveis por reconhecer essas mudanças e criar um contexto propício que ajude e apoie os familiares88. Wright LM, Leahey M. Nurses and families: a guide to family assessment and intervention. 6th ed. Philadelphia: F. A. Davis Company; c2013.. Conhecer como e o quanto essas famílias mudam para receber a criança com câncer no domicílio e prestar os seus cuidados antes realizados no hospital é importante para identificar vulnerabilidades e necessidades de cuidado específicas. Assim, particularidades poderão ser consideradas para a capacitação dos pais em relação aos cuidados domiciliares, com o intuito de facilitar as mudanças. Com base no exposto, este estudo teve como objetivo descrever as experiências de pais de crianças e adolescentes com LLA quanto à transição de cuidados do hospital para o domicílio. Para nortear o estudo, estabeleceu-se a seguinte questão de pesquisa: Quais as experiências de pais de crianças e adolescentes com LLA em terapia de indução quanto à transição de cuidados do hospital para o domicílio, após a primeira alta?

Metodologia

Estudo qualitativo, descritivo, que utilizou conceitos da Teoria das Mudanças para melhor compreender e discutir a experiência de pais com filhos diagnosticados com LLA em terapia de indução, na transição do cuidado hospitalar para o domiciliar88. Wright LM, Leahey M. Nurses and families: a guide to family assessment and intervention. 6th ed. Philadelphia: F. A. Davis Company; c2013.. Esta teoria foca em como as famílias permanecem estáveis ou mudam quando há alterações na estrutura familiar ou oriundas de influências externas88. Wright LM, Leahey M. Nurses and families: a guide to family assessment and intervention. 6th ed. Philadelphia: F. A. Davis Company; c2013..

O estudo foi conduzido no serviço de onco-hematologia de um hospital de especialidades pediátricas na cidade de São Paulo - SP. Participaram pais de crianças e adolescentes diagnosticados com LLA e em fase de indução do tratamento oncológico, que já tivessem vivenciado o cuidado domiciliar do filho (a) após a primeira alta hospitalar no início da terapia. Excluíram-se os pais que ainda não haviam retornado para casa após o diagnóstico da doença de seus filhos ou cujas crianças/adolescentes iniciaram a terapia em outro serviço e foram transferidas para a instituição onde o estudo foi realizado.

Os participantes integraram o estudo por conveniência e não houve recusa quanto à participação. Fez-se consulta à agenda do ambulatório e ao censo de pacientes internados para identificar potenciais participantes e, após, os pais foram abordados e convidados a integrar o estudo.

Os dados foram coletados no período de maio de 2016 a janeiro de 2017, em virtude dos critérios restritos de inclusão dos participantes, como a opção por um tipo específico de diagnóstico oncológico (LLA), em uma fase específica do tratamento (indução), além da coleta ter ocorrido em um único serviço. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas, audiogravadas, na enfermaria e ambulatório de onco-hematologia pediátrica. Nesse último, as entrevistas foram realizadas em consultórios disponíveis na ocasião e, na unidade de internação, elas ocorreram em salas de reuniões, a fim de assegurar maior privacidade. Alguns exemplos de perguntas norteadoras da entrevista: “Conte-me sobre a primeira vez que o(a) (nome da criança/adolescente) foi hospitalizado após a descoberta da doença e como foi levá-lo (a) para casa após a alta; "Como você foi preparado(a) e orientado(a) no hospital para cuidar de seu filho em casa?”. De acordo com a interação estabelecida, outras questões foram elaboradas para aprofundamento do tema. Houve apenas um encontro com cada participante, e as entrevistas, com duração média de 35 minutos cada, foram realizadas por auxiliar de pesquisa treinada e supervisionada por pesquisadora experiente na condução de entrevistas desta natureza. Interrompeu-se a coleta quando o conjunto de dados empíricos obtidos mostrou-se suficiente para responder ao objetivo definido para o estudo, possibilitando a compreensão do fenômeno de interesse1010. O'Reilly M, Parker N. Unsatisfatory saturation: a critical exploration of the notion of saturated sample sizes in qualitative research. Qual Res. 2012;13(2):190-7. doi: https://doi.org/10.1177/1468794112446106.
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.

Para a análise dos dados, foram adotados os pressupostos da análise de conteúdo indutiva1111. Elo S, Kyngäs H. The qualitative content analysis process. J Adv Nurs. 2008;60(1):107-15. doi: https://doi.org/10.1111/j.1365-2648.2007.04569.x.
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. Na fase inicial, denominada preparação, houve a transcrição dos depoimentos e a identificação das unidades de significado, representadas por palavras e expressões de interesse para o estudo. Em seguida, procedeu-se à fase de organização, que incluiu o processo analítico de codificação. As duas primeiras fases foram operacionalizadas com auxílio do Atlas.ti 7®, software de face intuitiva, usado com meio facilitador para organização e gerenciamento de dados em pesquisa qualitativa, com base em atividades de codificação. Duas pesquisadoras, experientes na análise de dados qualitativos realizaram a análise de forma independente e, em seguida, compararam e discutiram os códigos elaborados com as demais autoras. Por fim, realizou-se a fase de relato dos resultados, em que se obteve a síntese da análise, apresentada em uma categoria central e suas subcategorias. Foram observadas as diretrizes do COREQ (Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research)1212. Tong A, Sainsbury P, Craig J. Consolidated criteria for reporting qualitative research (COREQ): a 32-item checklist for interviews and focus groups. Int J Qual Health Care. 2007;19(6):349-57. doi: https://doi.org/10.1093/intqhc/mzm042.
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para reportar a pesquisa qualitativa, a fim de aumentar o rigor no relato.

Considerando-se o envolvimento de seres humanos no estudo, obteve-se aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa, sob o número de protocolo 1.419.308/2016, segundo os pressupostos éticos da Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde. Os participantes foram informados sobre os objetivos da pesquisa e procedimentos para a coleta de dados por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Aqueles que concordaram em integrar o estudo assinaram o TCLE, consentindo sua participação na pesquisa e gravação da entrevista.

Resultados e Discussão

Foram entrevistados dois pais e nove mães, com idades entre 29 e 48 anos (Md=37), cujos filhos tinham entre 2 e 17 anos, sendo sete crianças (das mães M2, M5, M6, M7, M8, M9 e do pai P1) e quatro adolescentes (das mães M1, M3, M4 e do pai P2). As crianças e os adolescentes encontravam-se em fase de indução do protocolo Europeu ALL-BFM (Berlin-Frankfurt-Münster), padronizado no serviço em que se deu a coleta dos dados.  O tempo de tratamento foi variável: de 21 a 75 dias. O grau de instrução dos participantes variou do ensino fundamental incompleto ao ensino médio completo. A maioria (n=6) era proveniente de outros estados brasileiros.

Do processo indutivo de análise dos dados foi construída a categoria central intitulada “A volta para casa: apropriando-se de uma nova realidade” e três subcategorias: 1. Apreensão com a nova realidade de cuidados; 2. Impacto imediato das mudanças; e 3. Implementação do plano de orientação. A Figura 1 ilustra essas subcategorias, que representam a experiência dos pais quanto à transição do cuidado para o domicílio após a primeira alta hospitalar do filho com LLA. O cuidado domiciliar caracteriza-se como uma nova realidade, permeada por complexas mudanças que interferem no funcionamento da família no momento em que ela se ajusta para gerenciar o cuidado.

Figura 1:
Categoria central e subcategorias que representam a experiência parental de transição para o cuidado domiciliar de pacientes pediátricos com LLA, após a primeira alta hospitalar

A volta para casa: apropriando-se de uma nova realidade

Apreensão com a nova realidade de cuidados

A alta hospitalar demarcou o início de um processo de responsabilização e de aprendizagem quanto aos cuidados do filho em tratamento oncológico. A primeira volta para casa foi comparada ao desafio de receber um bebê pela primeira vez no lar.

[...]A sensação é como a de alguém que sai da maternidade com um bebezinho pela primeira vez, e aí tudo fica por sua conta, tudo depende de você. A minha sensação foi essa, é como sair da maternidade, porque aí é você quem tem que cuidar[...] (M2)

[...]Foi como levar um bebê para casa. Marinheiro de primeira viagem, tossiu, vomitou, a gente já fica preocupada. É como se ela fosse um neném e você não é mãe antes e não sabe lidar com o neném. (M9)

Segundo a Teoria das Mudanças, as mudanças são contínuas e espontâneas nas famílias, podendo ocorrer ou serem precipitadas por eventos importantes da vida, como o nascimento de uma criança ou sérias doenças88. Wright LM, Leahey M. Nurses and families: a guide to family assessment and intervention. 6th ed. Philadelphia: F. A. Davis Company; c2013.. Como ilustrado nos trechos acima, trazer o filho diagnosticado com câncer para casa remeteu essas mães à experiência de levar o primeiro filho para casa, representando grandes transformações e exigindo responsabilidade, proteção e desenvolvimento de habilidades para cuidar.

Sentimentos de medo e insegurança acompanharam o processo inicial de cuidado ao filho adoecido após a primeira alta hospitalar e foram justificados pela fragilidade da criança, complexidade dos cuidados requeridos e ainda não executados pelos pais, além da necessidade de sentirem-se capazes de autogerenciar o cuidado e estarem vigilantes.

Você acha que aqui (hospital) você está seguro. Então, a princípio, eu fiquei com medo, meio apreensiva, ficava com medo de precisar voltar a qualquer momento, de acontecer alguma coisa e você não perceber. [...] (M10)

O que me causou mais medo...[pausa]. Eu senti que ele estava muito fraco, frágil, era como um cristal quebrado, e era como se eles (equipe multidisciplinar) estivessem consertando esse cristal. Então, eu tive que levar ele para casa e eu não sabia se ele iria se sentir mal, se ele iria comer, como ele iria reagir longe dos médicos. [...] (M4)

Medo, porque, querendo ou não, é uma doença complicada, mas os cuidados [pausa]..., são muitos cuidados que eu tenho que ter[...] (M8)

Apreende-se, com base nos depoimentos, que o temor dos pais esteve relacionado ao fato de não se sentirem capazes de cuidar do filho sem a proteção da instituição hospitalar e pela insegurança de não identificarem algumas complicações clínicas significativas. Estudo aponta que as primeiras semanas em casa são as mais desafiadoras, pois retornar ao domicílio com a criança doente implica diversas novas tarefas, tanto pelo adoecimento como pelo tratamento, o que interfere sobremaneira na rotina familiar55. Yildirim Sari H, Yilmaz M, Ozsoy S, Kantar M, Cetingul N. Experiences of parents with the physical care needs at home of children with cancer. Cancer Nurs. 2013;36(5):385-93. doi: https://doi.org/10.1097/NCC.0b013e3182a0e221.
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. Os sentimentos estão diretamente ligados ao medo do desconhecido, neste caso representado por uma patologia caracterizada por frequentes complicações ao longo do tratamento44. Aburn G, Gott M. Education given to parents of children newly diagnosed with acute lymphoblastic leukemia: the parents' perspective. Pediatr Nurs. 2014;40(5):243-8, 256.-55. Yildirim Sari H, Yilmaz M, Ozsoy S, Kantar M, Cetingul N. Experiences of parents with the physical care needs at home of children with cancer. Cancer Nurs. 2013;36(5):385-93. doi: https://doi.org/10.1097/NCC.0b013e3182a0e221.
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.

É evidente neste estudo como a alta hospitalar representou para os pais a interrupção do apoio profissional e a descontinuidade de um cuidado antes compartilhado e seguro no ambiente hospitalar. A sensação de estarem sozinhos na transição para o cuidado domiciliar potencializou sentimentos de medo entre aqueles que se sentiam mais seguros no hospital em virtude da atenção integral e qualificada oferecida aos filhos.

[...]eu fiquei com muito medo, porque, quando ele estava internado, você abria a porta e tinha uma enfermeira ali para te ajudar no que fosse preciso. Agora em casa, eu sempre morria de medo que ele fizesse algum corte, tivesse sangramento. [...] (M2)

[...] Eu até pensava que aqui no hospital a gente tem uma segurança, porque qualquer coisa é só chamar a enfermeira, e em casa não [pausa]... Então, nos primeiros dias, eu nem dormia, porque toda hora eu ia olhar a (criança) para saber se ela estava com febre [...] (M6)

Os cuidados habituais e de enfermagem a serem prestados no ambiente domiciliar tornam o cuidado uma tarefa desafiadora para as famílias. Outros estudos corroboram esses resultados e mostram que os pais vivenciam diversos medos e apreensões ao levarem seus filhos para casa e sentem-se ansiosos por não saberem ainda como protegê-los dos perigos relacionados à doença, sobretudo febre e risco de infecção77. Rodgers CC, Stegenga K, Withycombe JS, Sachse K, Kelly KP. Processing information after a child's cancer diagnosis: how parents learn: a report from the Children's Oncology Group. J Pediatr Oncol Nurs. 2016;33(6):447-59. doi: https://journals.sagepub.com/doi/10.1177/1043454216668825.
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,1313. Desai AD, Popalisky J, Simon TD, Mangione-Smith RM. The effectiveness of family-centered transition processes from hospital settings to home: a review of the literature. Hosp Pediatr. 2015;5(4):219-31. doi: https://doi.org/10.1542/hpeds.2014-0097.
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. Além disso, percebem-se confrontados pelas adaptações envolvidas no retorno para casa e por uma quantidade considerável de informações a serem aplicadas, as quais nem sempre foram apropriadamente apreendidas no hospital, com o agravante da fragilidade emocional advinda do diagnóstico44. Aburn G, Gott M. Education given to parents of children newly diagnosed with acute lymphoblastic leukemia: the parents' perspective. Pediatr Nurs. 2014;40(5):243-8, 256.,77. Rodgers CC, Stegenga K, Withycombe JS, Sachse K, Kelly KP. Processing information after a child's cancer diagnosis: how parents learn: a report from the Children's Oncology Group. J Pediatr Oncol Nurs. 2016;33(6):447-59. doi: https://journals.sagepub.com/doi/10.1177/1043454216668825.
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.

Esses aspectos tornam o processo de alta hospitalar complexo também para a equipe de saúde, pois ela precisa assegurar a qualidade da transição do cuidado do hospital para a casa, e isso requer desenvolver a capacidade de autogerenciamento dos pais para garantir a segurança do paciente. A segurança do paciente envolve estratégias para reduzir, ao mínimo possível, os riscos e danos desnecessários associados ao cuidado em saúde, identificar situações de risco e implementar ações de prevenção e diminuição de incidentes1414. Ministério da Saúde (BR), Fundação Oswaldo Cruz (BR), Agência Nacional de Vigilância Sanitária (BR). Documento de referência para o Programa Nacional de Segurança do Paciente. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2014 [citado 2018 out 11]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/documento_referencia_programa_nacional_seguranca.pdf.. Portanto, a equipe hospitalar deve, no processo de transição do cuidado, contemplar a provisão de informações de alta qualidade adaptadas ao paciente e à família, a assistência no agendamento de consultas de acompanhamento, a avaliação das necessidades para a alta e, principalmente, o acompanhamento pós-alta, via ligações telefônicas e/ou visitas domiciliares55. Yildirim Sari H, Yilmaz M, Ozsoy S, Kantar M, Cetingul N. Experiences of parents with the physical care needs at home of children with cancer. Cancer Nurs. 2013;36(5):385-93. doi: https://doi.org/10.1097/NCC.0b013e3182a0e221.
https://doi.org/10.1097/NCC.0b013e3182a0...
-66. Naylor M, Keating SA. Transitional care. J Soc Work Educ. 2008;44(3 Suppl.):65-73. doi: https://doi.org/10.5175/JSWE.2008.773247714.
https://doi.org/10.5175/JSWE.2008.773247...
. De acordo com a Teoria das Mudanças, esforços para promover e facilitar as mudanças no sistema familiar devem considerar ainda a percepção dos pais sobre a nova realidade de cuidados, assim como o contexto de restrição e recursos disponíveis para a mudança88. Wright LM, Leahey M. Nurses and families: a guide to family assessment and intervention. 6th ed. Philadelphia: F. A. Davis Company; c2013..

Neste estudo, os pais não tiveram acompanhamento pós-alta, nem contaram com efetiva rede de apoio social, o que incluiria profissionais da atenção primária, secundária ou terciária à saúde, imediatamente após a saída do hospital. Isso mostra como o cuidado foi fragmentado após a alta hospitalar, aspecto que potencializa o risco de dano desnecessário associado ao cuidado de saúde no domicílio. Enfatiza-se a importância de envolver o paciente, a família e outros profissionais de saúde para otimizar o bem-estar da criança e dos familiares no pós-alta, o que poderia ser feito por meio de acompanhamento telefônico1515. Berry JG, Blaine K, Rogers J, McBride S, Schor E, Birmingham J, et al. A framework of pediatric hospital discharge care informed by legislation, research, and practice. JAMA Pediatr. 2014;168(10):955-62. doi: https://doi.org/10.1001/jamapediatrics.2014.891.
https://doi.org/10.1001/jamapediatrics.2...
) e referenciando a família para serviços da Rede de Atenção à Saúde, em especial à Estratégia Saúde da Família (ESF), a fim de assegurar a continuidade dos cuidados e a segurança do paciente.

Ainda em se tratando da rede de apoio social, familiares, vizinhos e amigos podem ser fontes importantes de suporte a esses pais. Estudo55. Yildirim Sari H, Yilmaz M, Ozsoy S, Kantar M, Cetingul N. Experiences of parents with the physical care needs at home of children with cancer. Cancer Nurs. 2013;36(5):385-93. doi: https://doi.org/10.1097/NCC.0b013e3182a0e221.
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sobre cuidados à criança com câncer no domicílio apontou que familiares, e até mesmo outros pais em situação semelhante, foram considerados recursos para o fornecimento de apoio emocional, instrumental e de informação diante das diversas mudanças e respostas adaptativas impostas pela transição de cuidados hospital-domicílio.

Apesar dos relatos de preocupação, medo e insegurança em relação ao retorno domiciliar, quatro mães expressaram alívio em deixar o ambiente hospitalar, pelo bem proporcionado à criança. Isso conferiu à transição hospital-domicílio uma representação dicotômica.

[...]Foi um alívio enorme, foi muito bom, só que ele (criança) estava muito abatido. Na verdade, ele ainda está, e ele também chora muito sempre que tocam nele [...] (M5)

[...]Depois de um bom tempo no hospital você fica louca para voltar para casa, então eu acho que não tive medo não [...] (M7)

Apesar dos sentimentos antagônicos quanto ao retorno ao domicílio, a literatura reforça que os pais tendem a se sentir mais seguros no ambiente hospitalar44. Aburn G, Gott M. Education given to parents of children newly diagnosed with acute lymphoblastic leukemia: the parents' perspective. Pediatr Nurs. 2014;40(5):243-8, 256.,1313. Desai AD, Popalisky J, Simon TD, Mangione-Smith RM. The effectiveness of family-centered transition processes from hospital settings to home: a review of the literature. Hosp Pediatr. 2015;5(4):219-31. doi: https://doi.org/10.1542/hpeds.2014-0097.
https://doi.org/10.1542/hpeds.2014-0097...
,1616. Branowicki PA, Vessey JA, Temple KLJ, Lulloff AJ. Building bridges from hospital to home: understanding the transition experience for the newly diagnosed pediatric oncology patient. J Pediatr Oncol Nurs. 2016; 33(5):370-7. doi: https://journals.sagepub.com/doi/pdf/10.1177/1043454215616606.
https://doi.org/10.1177/1043454215616606...
, possivelmente pela presença e fácil acesso aos profissionais, constantemente atentos às necessidades físicas, emocionais e médicas de seus filhos1313. Desai AD, Popalisky J, Simon TD, Mangione-Smith RM. The effectiveness of family-centered transition processes from hospital settings to home: a review of the literature. Hosp Pediatr. 2015;5(4):219-31. doi: https://doi.org/10.1542/hpeds.2014-0097.
https://doi.org/10.1542/hpeds.2014-0097...
. A maior parte dessas famílias (n=8) residia longe do centro de tratamento do filho, aspecto relevante tendo em vista a distância e o tempo para chegar ao serviço em situações de emergência.

As mães que expressaram alívio em relação ao retorno para casa tinham filhos mais novos (dois anos de idade), faixa etária em que é difícil contar com a colaboração da criança durante a realização dos cuidados e quanto à compreensão do tratamento, o que é imperativo nesse contexto, pois os procedimentos, dolorosos ou não, são frequentes. Crianças nessa faixa etária sentem fortemente as alterações em sua rotina, e isso pode se manifestar sob forma de prejuízos na alimentação, distúrbios do sono, hiperatividade e irritabilidade1717. Rokach A. Psychological, emotional and physical experiences of hospitalized children. Clin Case Rep Rev. 2016;2(4):399-401. doi: https://doi.org/10.15761/CCRR.1000227.
https://doi.org/10.15761/CCRR.1000227...
. Nesses casos, o retorno ao ambiente domiciliar pode ter conferido benefícios emocionais a esses pacientes e minimizado os efeitos da hospitalização66. Naylor M, Keating SA. Transitional care. J Soc Work Educ. 2008;44(3 Suppl.):65-73. doi: https://doi.org/10.5175/JSWE.2008.773247714.
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. A Teoria da Mudança destaca que as mudanças podem ocorrer de forma diferente entre os membros da família, pois elas precipitam em um tempo e afetam as pessoas de forma particular88. Wright LM, Leahey M. Nurses and families: a guide to family assessment and intervention. 6th ed. Philadelphia: F. A. Davis Company; c2013.. Isso explica como a volta para o domicílio pode representar estabilidade para algumas famílias e contribuir para manter certo controle sobre a situação, pois a hospitalização, às vezes, ocasiona a sensação de perda do papel parental1616. Branowicki PA, Vessey JA, Temple KLJ, Lulloff AJ. Building bridges from hospital to home: understanding the transition experience for the newly diagnosed pediatric oncology patient. J Pediatr Oncol Nurs. 2016; 33(5):370-7. doi: https://journals.sagepub.com/doi/pdf/10.1177/1043454215616606.
https://doi.org/10.1177/1043454215616606...
.

Impacto imediato das mudanças

As mudanças iniciadas pelo diagnóstico da doença foram intensificadas na primeira volta para casa. Esse momento foi lembrado pela necessidade de realizar adaptações, consolidando as modificações que tanto interferiram no funcionamento da família. Das diversas mudanças apontadas pelos pais, a transferência do foco familiar para o paciente oncológico pediátrico foi uma das mais significativas, como é possível apreender dos depoimentos a seguir:

[...]tem que ficar de olho, eu não tiro os olhos dele (criança), eu vivo para ele. Eu vejo se tem febre, observo as fezes, a urina, o “corpinho” dele na hora do banho, então assim, tudo tem que observar [...] (M7)

[...]Nossa vida acaba virando do “avesso”, porque a gente acaba vivendo em função deles” (M8)

É notório como o papel de cuidador passa a ser desempenhado de forma intermitente. Assumir o papel de pai e cuidador é uma tarefa desafiadora, pois alguns geralmente acabam colocando sua vida social e planos para o futuro em estado de latência, uma vez que, nesse momento, toda atenção volta-se exclusivamente para a criança doente66. Naylor M, Keating SA. Transitional care. J Soc Work Educ. 2008;44(3 Suppl.):65-73. doi: https://doi.org/10.5175/JSWE.2008.773247714.
https://doi.org/10.5175/JSWE.2008.773247...
,1616. Branowicki PA, Vessey JA, Temple KLJ, Lulloff AJ. Building bridges from hospital to home: understanding the transition experience for the newly diagnosed pediatric oncology patient. J Pediatr Oncol Nurs. 2016; 33(5):370-7. doi: https://journals.sagepub.com/doi/pdf/10.1177/1043454215616606.
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. Outro estudo corrobora este resultado, ao afirmar que os pais vivenciam um momento de luto em relação à perda da rotina familiar habitual após o diagnóstico do filho, seguido da incorporação de uma série de novas atribuições44. Aburn G, Gott M. Education given to parents of children newly diagnosed with acute lymphoblastic leukemia: the parents' perspective. Pediatr Nurs. 2014;40(5):243-8, 256..

Além da mudança de foco na vida dos entrevistados, o aspecto expressivo do funcionamento familiar, referente à inversão de papéis entre os cônjuges, também foi mencionado:

A minha rotina (do pai) também mudou, porque agora eu estou aqui (hospital), e eu tinha alguns negócios, pois eu vendo alguns acessórios de celular para ajudar com a nossa renda (P2)

Meu marido estava desempregado e eu trabalhava, então meu marido cuidava dele (criança) em casa. Ele levava para o hospital (para as sessões de quimioterapia), enquanto eu trabalhava fora. (M5)

De acordo com a Teoria das Mudanças, a reação à mudança ocorre entre os membros da família e, apesar de não acontecer de forma similar, pode estar relacionada à forma como se comportam em relação ao outro88. Wright LM, Leahey M. Nurses and families: a guide to family assessment and intervention. 6th ed. Philadelphia: F. A. Davis Company; c2013.. Assim como em outros estudos publicados na literatura1616. Branowicki PA, Vessey JA, Temple KLJ, Lulloff AJ. Building bridges from hospital to home: understanding the transition experience for the newly diagnosed pediatric oncology patient. J Pediatr Oncol Nurs. 2016; 33(5):370-7. doi: https://journals.sagepub.com/doi/pdf/10.1177/1043454215616606.
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,1818. Silva-Rodrigues FM, Pan R, Sposito AMP, Alvarenga WA, Nascimento LC. Impact of childhood cancer on parents' marital dynamics. Eur J Oncol Nurs. 2016;23(2):34-42. doi: https://doi.org/10.1016/j.ejon.2016.03.002.
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, esses resultados mostram a mudança do papel parental, pois o cuidado antes prioritariamente promovido pela mãe passa a ser exercido também pelo pai, sendo responsável por cuidados como levar a criança para as sessões de quimioterapia, preparar a alimentação, administrar medicações e prestar outros tipos de assistência que o filho adoecido necessite. Estudo mostra que a mãe também passou a assumir outros papéis, como o de provedora do lar1818. Silva-Rodrigues FM, Pan R, Sposito AMP, Alvarenga WA, Nascimento LC. Impact of childhood cancer on parents' marital dynamics. Eur J Oncol Nurs. 2016;23(2):34-42. doi: https://doi.org/10.1016/j.ejon.2016.03.002.
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. Isso demonstra como o diagnóstico do câncer pode alterar o ciclo de vida familiar, implicando novos papéis, alteração dos vínculos e da coesão entre seus membros88. Wright LM, Leahey M. Nurses and families: a guide to family assessment and intervention. 6th ed. Philadelphia: F. A. Davis Company; c2013.,1818. Silva-Rodrigues FM, Pan R, Sposito AMP, Alvarenga WA, Nascimento LC. Impact of childhood cancer on parents' marital dynamics. Eur J Oncol Nurs. 2016;23(2):34-42. doi: https://doi.org/10.1016/j.ejon.2016.03.002.
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.

Os entrevistados relataram mudanças no aspecto instrumental do funcionamento familiar referentes às atividades rotineiras da vida diária, como limpeza domiciliar, com o intuito de minimizar o risco de infecção e sintomas de náuseas no filho.

[...]agora é com álcool, a cama dele, o chão, móveis, tudo é com álcool, nada com produtos que tenham cheiro porque não pode, e o banheiro sempre bem higienizado com álcool, ficou bem [pausa], agora é bem rígido mesmo. [...] (M1)

[...]a minha limpeza mudou, antes eu gostava de coisas cheirosas, e agora eu não posso mais usar, eu uso mais cloro e cândida para limpar a casa e, na hora da limpeza, ele não pode estar lá dentro. Eu também ganhei um litro de álcool gel, então eu passo em volta de toda a cama dele, os lençóis eu troco todos os dias também. [...] (M4)

Similar a esses resultados, outro estudo também assinalou o aumento da preocupação com a limpeza da casa durante o tratamento oncológico de crianças55. Yildirim Sari H, Yilmaz M, Ozsoy S, Kantar M, Cetingul N. Experiences of parents with the physical care needs at home of children with cancer. Cancer Nurs. 2013;36(5):385-93. doi: https://doi.org/10.1097/NCC.0b013e3182a0e221.
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. Para os participantes desse estudo, havia a necessidade de limpar até mesmo pequenos objetos da residência, como maçanetas, rodapés e peitoris de janelas, sempre com solução desinfetante.

Outra mudança instrumental do funcionamento familiar envolveu a alimentação da criança, como esclarecem os depoimentos a seguir:

[...]a alimentação também acaba mudando porque ela não está comendo comida com sal e nem açúcar, assim muda a rotina de todo mundo em casa, porque todos acabam comendo comida “insossa”, por enquanto. [...] (M6)

A alimentação assim, não era regrada, mas agora procura ser bem regrada, os horários das refeições, agora todo mundo come junto. Assim, sou eu, meu marido e minha filha de quatro aninhos, e, então, acabou que nessa mudamos nossos hábitos, não só os dela, mas os dá família também. [...] (M9)

Foram várias as restrições na alimentação da criança, já que muitos alimentos foram banidos do cardápio. Além disso, toda a família foi forçada a se adaptar a tais mudanças, em prol do bem-estar da criança. Outros estudos44. Aburn G, Gott M. Education given to parents of children newly diagnosed with acute lymphoblastic leukemia: the parents' perspective. Pediatr Nurs. 2014;40(5):243-8, 256.-55. Yildirim Sari H, Yilmaz M, Ozsoy S, Kantar M, Cetingul N. Experiences of parents with the physical care needs at home of children with cancer. Cancer Nurs. 2013;36(5):385-93. doi: https://doi.org/10.1097/NCC.0b013e3182a0e221.
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também reportaram alterações significativas no padrão alimentar das famílias de crianças com câncer e ressaltaram a importância de orientações específicas, dadas as restrições durante o tratamento.

Implementação do plano de orientações

Os participantes mencionaram orientações recebidas de forma verbal no momento da alta hospitalar, especificando que elas foram sobretudo relacionadas a medicações, precauções ambientais, medidas profiláticas, alimentação e cuidados gerais. O enfermeiro foi a principal fonte de informação para esses pais, os quais descreveram os profissionais de saúde como fontes seguras e acessíveis em caso de dúvidas durante a hospitalização.

Orientaram (profissionais) a ter cuidado com ele (criança), por exemplo, relacionado ao ambiente, que não poderia ter umidade, que, dependendo do ambiente, ele deveria usar máscara por causa da imunidade baixa, essas foram as recomendações. [...] Nós tínhamos a orientação de não administrar nenhuma outra medicação em casa. (P3)

[...]Sempre que eu tenho alguma dúvida, eles (enfermeiros) orientam muito bem, todas as coisas sobre o cuidado, medicações, quais são os efeitos das medicações. [...] (M8)

Educar os membros da família que cuidarão da criança após a alta é crucial para o sucesso do desenvolvimento e implementação de um plano de alta bem-sucedido, que deve incluir a avaliação do letramento em saúde dos familiares e a confirmação do entendimento para a execução de cada componente pelo qual será responsável no domicílio1313. Desai AD, Popalisky J, Simon TD, Mangione-Smith RM. The effectiveness of family-centered transition processes from hospital settings to home: a review of the literature. Hosp Pediatr. 2015;5(4):219-31. doi: https://doi.org/10.1542/hpeds.2014-0097.
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. Outros estudos também têm destacado o enfermeiro nas orientações para a alta, no apoio emocional e na capacitação da família para a continuidade do tratamento na transição dos cuidados hospitalares para os domiciliares66. Naylor M, Keating SA. Transitional care. J Soc Work Educ. 2008;44(3 Suppl.):65-73. doi: https://doi.org/10.5175/JSWE.2008.773247714.
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,1313. Desai AD, Popalisky J, Simon TD, Mangione-Smith RM. The effectiveness of family-centered transition processes from hospital settings to home: a review of the literature. Hosp Pediatr. 2015;5(4):219-31. doi: https://doi.org/10.1542/hpeds.2014-0097.
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. Isso destaca a responsabilidade deste profissional como facilitador do contexto de mudanças88. Wright LM, Leahey M. Nurses and families: a guide to family assessment and intervention. 6th ed. Philadelphia: F. A. Davis Company; c2013..

A terapia medicamentosa foi o aspecto mais citado no contexto de cuidados domiciliares e considerado o de maior complexidade para os pais.

[...]eu sempre fui muito esquecida com remédios e já até aconteceu de eu esquecer alguns horários. Meu maior medo é esse, porque, internada, todos os remédios são dados no horário certinhoe, em casa, por causa da correria, você faz uma coisa, faz outra e, quando você vai ver, já passou a hora do remédio, isso me deixa um pouquinho preocupada. (M6)

[...]ela [enfermeira] me orientou sobre a receita, a forma de medicação, alimentação, os cuidados que eu deveria ter com ele, a questão de sair de casa; essas coisas que elas recomendam. [...] (M10)

Informações sobre o tratamento medicamentoso em casa também foram mencionadas em outros estudos66. Naylor M, Keating SA. Transitional care. J Soc Work Educ. 2008;44(3 Suppl.):65-73. doi: https://doi.org/10.5175/JSWE.2008.773247714.
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,1818. Silva-Rodrigues FM, Pan R, Sposito AMP, Alvarenga WA, Nascimento LC. Impact of childhood cancer on parents' marital dynamics. Eur J Oncol Nurs. 2016;23(2):34-42. doi: https://doi.org/10.1016/j.ejon.2016.03.002.
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, que destacaram a administração das medicações como principal fonte de dúvida entre os familiares. Erros na execução das instruções de medicação estão entre os problemas mais recorrentes no pós-alta e podem ser minimizados mediante a implementação de intervenções focadas na demonstração da dosagem pelo profissional de saúde, na dosagem observada e no ensino facilitado por instruções impressas padronizadas1919. Glick AF, Farkas JS, Nicholson J, Dreyer BP, Fears M, Bandera C, et al. Parental management of discharge instructions: a systematic review. Pediatrics. 2017;140(2):e20164165. doi: https://doi.org/10.1542/peds.2016-4165.
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. Tais fatos podem ser determinantes para o sucesso do tratamento, uma vez que a adesão comprometida à terapia eleva significativamente as chances de recidiva da doença1919. Glick AF, Farkas JS, Nicholson J, Dreyer BP, Fears M, Bandera C, et al. Parental management of discharge instructions: a systematic review. Pediatrics. 2017;140(2):e20164165. doi: https://doi.org/10.1542/peds.2016-4165.
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.

Das diversas informações e orientações para a alta, os pais destacaram aquelas especificamente relacionadas à necessidade de trazer a criança ou o adolescente de volta ao hospital em situações emergenciais, comuns durante o tratamento oncológico pediátrico. Segundo eles, o fornecimento de informações verbais pelos profissionais permite que identifiquem sinais e sintomas de agravamento clínico de seus filhos e, assim, manejem adequadamente essas situações, administrando medicamentos, levando ao hospital ou mantendo a vigilância do quadro clínico.

[...]Me disseram que se ele (criança) tiver febre, eu deveria dar Dipirona ou Paracetamol, esperar um tempo para ver se abaixa. Se ele tiver febre novamente, sangramento, alguma mancha na pele, então eu tenho que sair correndo (M4)

[...] Então, dependendo do que for, por exemplo, se for uma febre, me orientaram a trazê-la imediatamente ao hospital; uma diarreia ou algo assim que você vê que não vai parar, então eu devo trazê-la [pausa]. Sangramento, coisas assim do tipo, que você não tem como resolver em casa (M6)

[...]se der febre de 37,8ºC, tem que trazer. Mas, se de início você não sabe, não traz. Depois dá uma diarreia, coisas que você vai vendo que acontece fora do normal do tratamento, você tem que trazer para cá (hospital de referência), porque se você fica em casa e dá uma diarreia 4 ou 5 vezes, já desidratou (M11)

É possível notar, nos depoimentos, a vigilância dos pais para o monitoramento de alterações clínicas potencialmente graves e a necessidade de tomar decisões relacionadas às opções terapêuticas, o que implica serem capazes de reconhecer e manejar eventuais emergências oncológicas dos filhos. A febre foi mencionada na totalidade dos discursos, por ser considerada o principal sinalizador de processos infecciosos, os quais poderão ser fatais se não tratados precocemente. O desenvolvimento de competências e conhecimentos relativos aos cuidados domiciliares capacita os cuidadores a reconhecerem precocemente os sinais de emergência e, portanto, é de suma importância no contexto do câncer infantil66. Naylor M, Keating SA. Transitional care. J Soc Work Educ. 2008;44(3 Suppl.):65-73. doi: https://doi.org/10.5175/JSWE.2008.773247714.
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,1616. Branowicki PA, Vessey JA, Temple KLJ, Lulloff AJ. Building bridges from hospital to home: understanding the transition experience for the newly diagnosed pediatric oncology patient. J Pediatr Oncol Nurs. 2016; 33(5):370-7. doi: https://journals.sagepub.com/doi/pdf/10.1177/1043454215616606.
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. Entretanto, revisão sistemática mostrou que mais de 70% dos pais não souberam reconhecer sinais e sintomas importantes, compatíveis com o diagnóstico de seus filhos1919. Glick AF, Farkas JS, Nicholson J, Dreyer BP, Fears M, Bandera C, et al. Parental management of discharge instructions: a systematic review. Pediatrics. 2017;140(2):e20164165. doi: https://doi.org/10.1542/peds.2016-4165.
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. Estudo com pais e mães de crianças oncológicas evidenciou uma grande necessidade de informações por parte dos familiares sobre sinais e sintomas decorrentes da doença e do tratamento, risco infeccioso, alimentação, alterações no sono, cansaço e dor66. Naylor M, Keating SA. Transitional care. J Soc Work Educ. 2008;44(3 Suppl.):65-73. doi: https://doi.org/10.5175/JSWE.2008.773247714.
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.

Apesar de os participantes terem descrito o constante fornecimento de orientações em todos os retornos hospitalares, algumas mães relataram falhas nas informações transmitidas pela equipe médica. Divergência de informação entre profissionais e orientações não compatíveis com o nível de letramento em saúde dos pais foram aspectos que, segundo alguns entrevistados, comprometeram o processo de educação da família:

No começo eu tinha muitas dúvidas, cada médico falava uma coisa, então eu procuro não conversar com muitos médicos, porque cada um tem uma visão. Uns passam que não é uma coisa tão difícil, que é um tratamento pesado, dolorido, mas que não vai ser tão difícil, agora tem outros que te deixam muito assustada, então eu acho melhor não conversar com todos. (M7)

Uma das mães afirmou que, apesar de ter sido orientada, desejava que as orientações fossem mais detalhadas e não em 'língua de médico' (sic) (M9). Outra participante relatou que, apesar de alguns profissionais médicos serem claros nas orientações, outros usavam uma linguagem mais técnica (M10). Ambas se referiram aos jargões da área médica, difíceis de serem assimilados pelos pais no momento em que se apropriam do cuidado domiciliar do filho no contexto hospitalar.

A comunicação eficaz e clara com os profissionais da saúde é essencial no início do tratamento, pois minimiza os temores relacionados aos cuidados na volta para casa, além de ajudar a entender melhor o processo de adoecimento do filho44. Aburn G, Gott M. Education given to parents of children newly diagnosed with acute lymphoblastic leukemia: the parents' perspective. Pediatr Nurs. 2014;40(5):243-8, 256.. Cuidar de uma criança ou de um adolescente em tratamento oncológico é complexo, e a sensação de incapacidade expressa por parte dos pais pode ser agravada por falhas nas orientações ou pelo choque do diagnóstico que pode limitar a compreensão das informações fornecidas66. Naylor M, Keating SA. Transitional care. J Soc Work Educ. 2008;44(3 Suppl.):65-73. doi: https://doi.org/10.5175/JSWE.2008.773247714.
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. Isso torna a segurança do paciente e a qualidade do cuidado centrais para a alta adequada, que inclui o processo de comunicação efetivo, o trabalho em equipe na atenção hospitalar e primária e o envolvimento do paciente e família para a minimizar erros e falhas nos cuidados de saúde2020. World Health Organization (CH). Patient safety: making health care safer. Geneva: WHO; 2017 [cited 2018 May 10]. Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/255507/WHO-HIS-SDS-2017.11-eng.pdf;jsessionid=07B7BD058B36267FC1F2C3C7F89E9867?sequence=1..

Diante disso, as orientações devem ser fornecidas pela equipe no decorrer da internação de forma clara, contínua e paulatina, a fim de possibilitar o aprendizado dos pais para o desempenho de um cuidado seguro e competente em casa55. Yildirim Sari H, Yilmaz M, Ozsoy S, Kantar M, Cetingul N. Experiences of parents with the physical care needs at home of children with cancer. Cancer Nurs. 2013;36(5):385-93. doi: https://doi.org/10.1097/NCC.0b013e3182a0e221.
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. Necessário ainda que a equipe multidisciplinar estabeleça uma relação positiva e transmita aos familiares orientações convergentes44. Aburn G, Gott M. Education given to parents of children newly diagnosed with acute lymphoblastic leukemia: the parents' perspective. Pediatr Nurs. 2014;40(5):243-8, 256.

5. Yildirim Sari H, Yilmaz M, Ozsoy S, Kantar M, Cetingul N. Experiences of parents with the physical care needs at home of children with cancer. Cancer Nurs. 2013;36(5):385-93. doi: https://doi.org/10.1097/NCC.0b013e3182a0e221.
https://doi.org/10.1097/NCC.0b013e3182a0...
-66. Naylor M, Keating SA. Transitional care. J Soc Work Educ. 2008;44(3 Suppl.):65-73. doi: https://doi.org/10.5175/JSWE.2008.773247714.
https://doi.org/10.5175/JSWE.2008.773247...
. O tipo e a maneira de fornecer essas informações podem afetar o conhecimento e a execução das instruções de alta66. Naylor M, Keating SA. Transitional care. J Soc Work Educ. 2008;44(3 Suppl.):65-73. doi: https://doi.org/10.5175/JSWE.2008.773247714.
https://doi.org/10.5175/JSWE.2008.773247...
,1515. Berry JG, Blaine K, Rogers J, McBride S, Schor E, Birmingham J, et al. A framework of pediatric hospital discharge care informed by legislation, research, and practice. JAMA Pediatr. 2014;168(10):955-62. doi: https://doi.org/10.1001/jamapediatrics.2014.891.
https://doi.org/10.1001/jamapediatrics.2...
. Problemas relacionados à comunicação com os profissionais de saúde também foram encontrados em outro estudo1919. Glick AF, Farkas JS, Nicholson J, Dreyer BP, Fears M, Bandera C, et al. Parental management of discharge instructions: a systematic review. Pediatrics. 2017;140(2):e20164165. doi: https://doi.org/10.1542/peds.2016-4165.
https://doi.org/10.1542/peds.2016-4165...
. Os profissionais não ofereciam orientações individualizadas, além de divergirem quanto às informações fornecidas, o que gerou insegurança e fez com que os pais evitassem questionamentos ou buscassem os membros da equipe que lhes transmitissem maior credibilidade44. Aburn G, Gott M. Education given to parents of children newly diagnosed with acute lymphoblastic leukemia: the parents' perspective. Pediatr Nurs. 2014;40(5):243-8, 256.-55. Yildirim Sari H, Yilmaz M, Ozsoy S, Kantar M, Cetingul N. Experiences of parents with the physical care needs at home of children with cancer. Cancer Nurs. 2013;36(5):385-93. doi: https://doi.org/10.1097/NCC.0b013e3182a0e221.
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. Além da falta de compreensão, o eventual esquecimento de informações importantes fornecidas verbalmente torna importante que as orientações sejam repassadas por escrito, para o efetivo desempenho como cuidador no ambiente domiciliar55. Yildirim Sari H, Yilmaz M, Ozsoy S, Kantar M, Cetingul N. Experiences of parents with the physical care needs at home of children with cancer. Cancer Nurs. 2013;36(5):385-93. doi: https://doi.org/10.1097/NCC.0b013e3182a0e221.
https://doi.org/10.1097/NCC.0b013e3182a0...
-66. Naylor M, Keating SA. Transitional care. J Soc Work Educ. 2008;44(3 Suppl.):65-73. doi: https://doi.org/10.5175/JSWE.2008.773247714.
https://doi.org/10.5175/JSWE.2008.773247...
.

No entanto, os pais deste estudo não relataram informações recebidas por escrito, tampouco a opção de ligarem para algum profissional de saúde em casos de dúvidas. A recomendação para aumentar a qualidade do cuidado e a segurança do paciente é que a criança deixe o hospital com todas as instruções de alta escritas em linguagem compatível com o nível de educação dos pais, e que essas sejam claras sobre o que fazer diante de preocupações ou problemas, a quem ligar nesses casos e quando os pacientes devem procurar assistência de emergência1515. Berry JG, Blaine K, Rogers J, McBride S, Schor E, Birmingham J, et al. A framework of pediatric hospital discharge care informed by legislation, research, and practice. JAMA Pediatr. 2014;168(10):955-62. doi: https://doi.org/10.1001/jamapediatrics.2014.891.
https://doi.org/10.1001/jamapediatrics.2...
. Essas recomendações reforçam a necessidade do melhor planejamento e sistematização da alta dos pacientes oncológicos no contexto hospitalar deste estudo. Os enfermeiros devem procurar maneiras de adequar as intervenções ao contexto de mudança das famílias, investigando os problemas familiares, acompanhando o cumprimento de metas específicas no cuidado domiciliar e, sobretudo, modificando a visão ou as crenças da família sobre a doença88. Wright LM, Leahey M. Nurses and families: a guide to family assessment and intervention. 6th ed. Philadelphia: F. A. Davis Company; c2013..

Considerações Finais

A transição dos cuidados do hospital para o domicílio na primeira alta da criança e do adolescente com LLA em fase de indução do tratamento foi marcada por mudanças que impuseram aos pais uma nova realidade de cuidados. As transformações advindas foram permeadas por sentimentos de medo e insegurança, em decorrência da complexidade do tratamento e da necessidade dos pais desenvolverem a capacidade de autogerenciar o cuidado. Foram observadas ainda mudanças relacionadas ao funcionamento familiar. Os enfermeiros destacaram-se no preparo dos pais para a primeira alta, mas a falta de acompanhamento imediatamente após a saída do hospital, divergências de informações entre os profissionais, orientações que desconsideraram o nível de letramento em saúde dos pais ou que não foram transmitidas por escrito foram aspectos observados neste estudo e que podem resultar na fragmentação e inadequação do cuidado domiciliar, além de aumentar a insegurança dos pais.

A Teoria das Mudanças possibilitou apreender as mudanças e o impacto por elas exercido na família. O enfermeiro pode ser um facilitador deste processo de mudança, compartilhando seu conhecimento em relação ao manejo do câncer infantil mediante estratégias educativas de capacitação para o cuidado domiciliar seguro. Para aumentar o sucesso da alta e a qualidade do cuidado no domicílio, múltiplas intervenções centradas no paciente pediátrico e na família precisam ser implementadas no hospital durante a internação.

Manter a comunicação uniforme entre os membros da equipe quanto às orientações de cuidados, apoiar a família após a alta, considerar o letramento em saúde dos pais no ensino das novas competências, além de observá-los e supervisioná-los durante a capacitação para desempenho dos cuidados são estratégias que facilitam a transição do cuidado. Realizar o registro das orientações, abrir espaço para questionamentos dos pais, validar sua compreensão sobre a doença e o tratamento são também possíveis estratégias para reduzir a incidência tanto de eventos adversos após a hospitalização quanto de reinternações.

Os resultados deste estudo apontam para a necessidade de futuras pesquisas que considerem aspectos relacionados à capacitação e ao protagonismo dos pais no cuidado domiciliar após a alta hospitalar. Portanto, estudos que investiguem as melhorias do processo de planejamento e implementação da alta e o aumento do letramento em saúde dos pais para o cuidado domiciliar seguro do paciente certamente contribuirão para o processo de transição entre os cenários em que se dará o tratamento do paciente oncológico pediátrico.

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  • Financiamento:

    Apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico (CNPq), Brasil. Processo nº 20162017.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jun 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    27 Jul 2018
  • Aceito
    21 Jan 2019
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