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Grupo terapêutico em saúde mental: percepção de usuários na atenção básica

Resumo

Objetivo:

Compreender a percepção de usuários da atenção básica diante do sofrimento mental e da participação em um grupo terapêutico de convivência.

Métodos:

Pesquisa Convergente Assistencial de abordagem qualitativa realizada com quatro participantes de um grupo terapêutico em uma Estratégia Saúde da Família. Foi utilizada a entrevista semiestruturada, realizadas em fevereiro de 2018, e o software Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires para codificação dos dados.

Resultados:

O grupo terapêutico em saúde mental pode contribuir para a redução do estigma relacionado ao adoecimento mental e para promoção e prevenção em saúde mental utilizando como principais ferramentas tecnologias relacionais de cuidado, de baixo custo e acessíveis aos profissionais.

Conclusão:

O estudo contribuiu para inspirar novas ações e revitalizar práticas de saúde mental por meio de uma intervenção passível de ser implementada e que pode trazer benefícios aos envolvidos no contexto da Atenção Básica.

Palavras-chave:
Atenção primária à saúde; Estresse psicológico; Assistência à saúde mental; Terapêutica; Estrutura de grupo

Abstract

Objective:

To understand the perception of primary care users in the face of mental suffering and participation in a coexistence therapeutic group.

Methods:

Convergent Care Research of qualitative approach performed with four participants of a therapeutic group in a Family Health Strategy. Was used the semi-structured interview, carried out in February 2018, and the software Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires for coding the data.

Results:

The therapeutic group in mental health can contribute to the reduction of stigma related to mental illness and to promotion and prevention in mental health, using relational technologies, low-cost and accessible for professionals.

Conclusion:

The study contributed to inspire new actions and revitalize mental health practices through an intervention that can be implemented and that can bring benefits to those involved in the context of Primary Care.

Keywords:
Primary health care; Stress psychological; Mental health assistance; Therapeutics; Group structure

Resumen

Objetivo:

Comprender la percepción de los usuarios de la atención básica ante el sufrimiento mental y la participación en un grupo terapéutico de convivencia.

Métodos:

Investigación Convergente Asistencial de abordaje cualitativo realizada con cuatro participantes de un grupo terapéutico en una Estrategia de Salud Familiar. Se utilizó la entrevista semiestructurada, realizada en febrero de 2018, y el software Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires para codificación de los datos.

Resultados:

El grupo terapéutico en salud mental puede contribuir a la reducción del estigma relacionado con la enfermedad mental y para la promoción y prevención en salud mental utilizando como principales herramientas técnicas relacionales de cuidado, de bajo costo y accesibles a los profesionales.

Conclusión:

El estudio contribuyó a inspirar nuevas acciones y revitalizar prácticas de salud mental a través de una intervención pasible de ser implementada y que puede traer beneficios a los involucrados en el contexto de la Atención Básica.

Palabras clave:
Atención primaria de salud; Estrés psicológico; Atención a la salud mental; Terapéutica; Estructura de grupo

INTRODUÇÃO

O movimento da Reforma Psiquiátrica (RP) ganhou forças em meados das décadas de 1970 e 1980, contemporâneo ao movimento sanitário que culminou na criação do Sistema Único de Saúde (SUS). A RP é um movimento social complexo que desenvolveu um pensamento crítico, contrário à institucionalização da loucura e o paradigma psiquiátrico baseado na exclusão social, com ela surgiu a perspectiva de criar serviços com práticas inovadoras, alternativos ao modelo hospitalar predominante e às práticas manicomiais, onde ocorriam graves violações aos direitos humanos(11. Amarante P, Nunes MO. A reforma psiquiátrica no SUS e a luta por uma sociedade sem manicômios. Ciênc Saúde Coletiva. 2018;23(6):2067-74. doi: https://doi.org/10.1590/1413-81232018236.07082018
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Com um histórico de lutas, conquistas e desafios que até hoje permanecem, a RP subsidiou um novo modelo assistencial que vem sendo implantado no Brasil, no contexto da saúde mental, que propõe o cuidado centrado na pessoa conforme suas necessidades de saúde e sua reinserção na comunidade.

Ser acompanhado em um serviço comunitário permeia os diferentes princípios do SUS, consolidando-se como direito, sendo prevista a tessitura de uma rede de atenção psicossocial (RAPS), interligando os diferentes pontos da rede de atenção à saúde, independente da complexidade ou densidade tecnológica, dispondo serviços descentralizados e distribuídos pelo território. Dentre os componentes que constituem a RAPS está a Atenção Básica (AB) em saúde, cujas diretrizes se encontram na Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), sendo a Estratégia Saúde da Família (ESF) elegida para sua consolidação(22. Ministério da Saúde (BR). Portaria nº 3.088, de 23 de dezembro de 2011. Institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União da República Federativa do Brasil. 2011 dez 30;148(251 Seção1):59-61.).

Diante da desinstitucionalização da loucura promovida pela RP, com a redução dos leitos psiquiátricos hospitalares e o fortalecimento da rede de cuidados na comunidade, a ESF tornou-se um espaço importante para a realização de ações de saúde mental. Devido ao seu poder de inserção no território, a longitudinalidade do cuidado como diretriz e por desenvolver inúmeras práticas que auxiliam na manutenção da saúde mental(33. Silva GD, Iglesias A, Dalbello-Araújo M, Badaro-Moreira MI. Práticas de cuidado integral às pessoas em sofrimento mental na atenção básica. Psicol Ciênc Prof. 2017;37(2):404-17. doi: https://doi.org/10.1590/1982-3703001452015
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, como atividades educativas, atividades em grupo, consultas médicas, visitas domiciliares(44. Camatta MW, Tocantins FR, Schneider JF. Ações de saúde mental na Estratégia Saúde da Família: expectativas de familiares. Esc Anna Nery. 2016 cited 2019 May 17; 20(2):281-8. Available from: http://www.eean.edu.br/detalhe_artigo.asp?id=1394
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, elaboração de projetos terapêuticos, organização e ordenação do cuidado diante dos serviços de saúde, dentre outras. Além dessas características, a ESF é um cenário generalista, livre do estigma que contribui para o afastamento daqueles que necessitam de cuidados em saúde mental, comumente associado às instituições psiquiátricas clássicas(55. Wenceslau LD, Ortega F. Saúde mental na atenção primária e Saúde Mental Global: perspectivas internacionais e cenário brasileiro. Interface (Botucatu). 2015;1955:1121-32. doi: https://doi.org/10.1590/1807-57622014.1152
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No entanto, apesar de todas as suas potencialidades, percebe-se que a longitudinalidade do cuidado não está consolidada na atenção à saúde mental ofertada pela ESF. Vê-se como práticas predominantes as consultas médicas, a medicalização do sujeito e a renovação de receitas prescritas por psiquiatras sem confirmação ou avaliação da necessidade terapêutica; raras vezes, visitas domiciliares e atendimentos coletivos, sendo escassos os grupos terapêuticos voltados à saúde mental e frequente que estes, quando realizados, se tornem um mecanismo facilitador para a troca de receitas, não havendo um espaço coletivo para discussão de dúvidas e promoção à saúde(66. Gryschek G, Pinto AAM. Saúde Mental: como as equipes de Saúde da Família podem integrar esse cuidado na Atenção Básica? Ciênc Saúde Coletiva. 2015;20(10):3255-62. doi: https://doi.org/10.1590/1413-812320152010.13572014
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-77. Yoneyama BC, Esteves RZ, Maruiti AMP. Um olhar sobre os usuários de medicamentos psicoativos acompanhados na Atenção Primária em Saúde em Maringá-Paraná. Espaço Saúde. 2016 cited 2018 Oct 31;17(1):114-20. Available from: http://espacoparasaude.fpp.edu.br/index.php/espacosaude/article/view/375
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Existem muitas possibilidades de cuidado em saúde mental na AB, como o acompanhamento terapêutico, terapias comunitárias e grupos terapêuticos, possíveis por meio do uso de tecnologias leves de cuidado em saúde, logo, é necessário que seus profissionais superem o conhecimento técnico de condições psiquiátricas, e avancem no sentido de desenvolver ações de atenção e manejo dos problemas psicossociais pautados na integralidade e apoio matricial(66. Gryschek G, Pinto AAM. Saúde Mental: como as equipes de Saúde da Família podem integrar esse cuidado na Atenção Básica? Ciênc Saúde Coletiva. 2015;20(10):3255-62. doi: https://doi.org/10.1590/1413-812320152010.13572014
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Considerando que são muitas as demandas relacionadas à saúde mental na AB, assim como suas potencialidades e incumbências dentro da RAPS, fica evidente a necessidade de se avaliar e repensar as práticas em saúde mental na ESF. A vivência em um cenário como o descrito, com o predomínio de ações fragmentadas e pautadas na medicalização do sofrimento, foi o fator motivador para a implementação de um grupo terapêutico em saúde mental em uma ESF e para a realização desta pesquisa.

Este estudo parte do pressuposto de que grupos terapêuticos em saúde mental, promovendo intervenção psicossocial, podem ser eficazes no acompanhamento de pessoas com sofrimento psíquico ou transtorno mental. Portanto, é norteado pela seguinte questão de pesquisa: como a realização de um grupo terapêutico em saúde mental pode beneficiar o acompanhamento de usuários em sofrimento psíquico no contexto da AB?

A partir desse questionamento, o objetivo desta pesquisa foi compreender a percepção de usuários da atenção básica diante do sofrimento mental e da participação em um grupo terapêutico de convivência.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo de abordagem qualitativa que utilizou como referencial metodológico a Pesquisa Convergente Assistencial (PCA), cuja principal característica é a possibilidade de desenvolver conjuntamente ações de investigação científica e assistência. Esta abordagem permite a imersão do pesquisador no processo de coleta de dados, orientado pelo compromisso de estudar e operar na prática, realizando mudanças e introduzindo inovações, a fim de elaborar um conhecimento que leve à melhoria das práticas assistenciais. A PCA divide-se em quatro fases, sendo elas: concepção, instrumentação, perscrutação e análise(88. Trentini M, Paim L, Silva DMGV. Pesquisa convergente assistencial: delineamento provocador de mudanças nas práticas de saúde. 3. ed. Porto Alegre: Moriá; 2014.).

Na fase de concepção, foi definido o tema de pesquisa e iniciada a investigação na literatura com a finalidade de alcançar suporte teórico e metodológico para o desenvolvimento do estudo. Já na fase de instrumentação foram definidos o local, participantes, proposta de intervenção e técnicas de coleta de dados. A perscrutação ocorreu interligada às fases de instrumentação e análise, traduzindo-se em averiguação rigorosa, perpassando desde a escolha da técnica para coleta de dados até a proposição e apuração de inferências. A análise de dados consistiu nos processos de apreensão, síntese e teorização, iniciou-se ainda na coleta de dados, com a apreensão das informações obtidas durante as entrevistas, passando pela codificação dos mesmos, e envolvendo as formulações teórico-conceituais para a compreensão do objeto de estudo, no processo de teorização.

O cenário foi uma ESF de Rondonópolis, município da microrregião sul do estado de Mato Grosso, com 4.928 usuários cadastrados no serviço, e território adstrito dividido em sete micro áreas, sendo que duas não são acompanhadas por um agente comunitário de saúde (ACS). Além dos profissionais da equipe mínima, havia três residentes de um Programa de Residência em Saúde da Família (enfermeira, farmacêutica e psicóloga).

Por meio do diagnóstico situacional, realizado no início das atividades do programa de residência, verificou-se que aproximadamente 7% da população cadastrada fazia uso de medicamentos psicotrópicos e havia uma demanda constante por troca de receitas. Observou-se ainda, que esses usuários não passavam por consultas regularmente e com a inserção das residentes na equipe, criou-se uma demanda frequente por acompanhamento com a equipe multiprofissional. Esse contexto motivou a implementação do grupo de convivência como intervenção terapêutica para o acompanhamento dos usuários em sofrimento psíquico.

A convivência em grupo é importante para o equilíbrio biopsicossocial, redução de conflitos pessoais e facilitação da socialização, além de permitir o compartilhamento de histórias de vida, de sofrimento e de superação, promovendo a aceitação do diferente(99. Nogueira ALG, Munari DB, Fortuna CM, Santos LF. Pistas para potencializar grupos na Atenção Primária à Saúde. Rev Bras Enferm. 2016;69(5):964-71. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2015-0102
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O grupo realizava atividades diversas, não possuía um número de encontros previamente determinados e ocorria quinzenalmente. Durante os encontros foram trabalhadas atividades que se alinhavam às necessidades dos participantes, sempre buscando promover a integração e a autonomia destes nas decisões, sendo o grupo nomeado pelos próprios participantes como “Infinito”. Recursos de mídia (vídeos), músicas e dinâmicas foram utilizados como disparadores para as discussões. Em algumas ocasiões também foram realizadas atividades artesanais e atividades físicas, como alongamento e caminhada.

Sua principal finalidade era contribuir para a atenção integral à saúde dos usuários, visando promover a autonomia, melhorar a autoimagem do grupo, oportunizar a livre expressão dos participantes, fortalecer o vínculo com os profissionais e ampliar o acesso a outros serviços oferecidos no sistema de saúde e na comunidade.

O grupo destinava-se aos usuários cadastrados na unidade de saúde, com alguma forma de sofrimento psíquico, sob tratamento farmacológico ou não, e aos familiares destes, contando com uma média de seis participantes por encontro. A maior parte dos usuários não possuía um diagnóstico fechado de transtorno mental, suas necessidades eram avaliadas conforme as demandas apresentadas à equipe, incluindo sinais e sintomas relacionados ao sofrimento psíquico e comportamentos que prejudicavam o bem-estar, o convívio social e o desempenho das atividades diárias, sendo estas pessoas convidadas a participar do grupo.

A coleta de dados foi realizada por meio de entrevistas semiestruturadas com os usuários participantes do grupo, organizadas em dois eixos: definição e descrição do sofrimento psíquico e avaliação da participação no grupo terapêutico. Todas as entrevistas foram audiogravadas e transcritas na íntegra, realizadas entre os meses de fevereiro e março de 2018, após a realização de nove encontros do grupo. Os critérios de inclusão foram: idade igual ou superior a 18 anos, ser cadastrado no serviço e considerar-se membro do grupo. Quanto aos critérios de exclusão: ter participado de apenas um ou dois encontros, não referindo-se membro do grupo.

Dentre os usuários que participavam dos encontros, quatro se encaixaram nos critérios de inclusão e apresentavam participação assídua, sendo este o critério utilizado para convidá-los a participar da pesquisa. Estes usuários foram abordados individualmente na unidade de saúde, sendo informados sobre a pesquisa; as entrevistas agendadas aconteceram em seus domicílios ou na própria unidade, conforme preferência de cada um. Todas foram conduzidas pela enfermeira residente, com duração média de 40 minutos. Não houve recusa por nenhum dos usuários convidados a participar do estudo.

A análise dos dados seguiu os processos propostos para a PCA(88. Trentini M, Paim L, Silva DMGV. Pesquisa convergente assistencial: delineamento provocador de mudanças nas práticas de saúde. 3. ed. Porto Alegre: Moriá; 2014.), apresentados anteriormente. Para a codificação dos dados, durante o processo de síntese, utilizou-se como estratégia a Classificação Hierárquica Descendente (CHD) pelo software Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires (IRAMUTEQ). A CHD classifica os segmentos de texto em função dos seus respectivos vocabulários, então os divide em classes com vocabulário semelhante entre si, respeitando a frequência das palavras lematizadas, isso é feito através de repetidos cruzamentos de matrizes de palavras e aplicação de testes do tipo chi-quadrado. Cria, então, uma interface que permite a localização de cada palavra no corpus textual e a identificação de seu contexto para que se realize a análise qualitativa.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal de Mato Grosso - Campus Universitário de Rondonópolis, sob o parecer consubstanciado nº 2.230.468 (CAAE: 72511417.0.0000.8088). Foram respeitados os preceitos éticos e legais da Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde e a coleta de dados iniciou-se somente após aprovação do projeto pelo CEP. A pesquisa foi desenvolvida com a anuência da secretaria municipal de saúde do município. Todos os participantes foram informados sobre os objetivos do estudo e técnica de coleta adotada, assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

RESULTADOS

Participaram das entrevistas quatro mulheres, cuja caracterização é apresentada no Quadro 1. Com relação à Participante 1 cabe destacar que esta negava diagnóstico de transtorno mental, mas relatava um histórico de depressão secundária associada a uma condição crônica, e fazia uso de ansiolítico; sobre a Participante 4, esta negava transtorno mental e não fazia uso de psicotrópicos, no entanto, demonstrava interesse por atividades em grupo, sendo possível perceber em suas falas que as atividades das quais participava contribuíam para manutenção de sua saúde. As participantes apresentaram em comum baixo grau de escolaridade, predominando o ensino fundamental; todas exerciam suas funções no lar, e três referiram a realização de trabalhos informais, como venda de itens de perfumaria, alimentos caseiros e peças artesanais.

Participante Idade Escolaridade Profissão Diagnóstico Uso de psicotrópicos 1 57 Fundamental Do lar Nega diagnóstico atual Sim 2 46 Fundamental Do lar Depressão Sim 3 66 Analfabeta Do lar Depressão Sim 4 70 Médio Do lar Não possui Não Quadro 1 - Caracterização das participantes do estudo. Rondonópolis, Mato Grosso, Brasil, 2018 Fonte: Dados da pesquisa, 2018.

O banco de dados obtido com as entrevistas foi submetido à codificação pelo software IRAMUTEQ, e verificou-se um corpus geral constituído por quatro textos separados em 231 segmentos de texto (ST), com aproveitamento de 196 ST (84,85%). Emergiram 9.430 ocorrências, sendo 1.376 palavras distintas e 681 com uma única ocorrência. O corpus em análise foi dividido em dois subcorpus (A e B), compondo um dendograma com as seguintes classes: Classe I, com 24 ST (12,24%); Classe II, com 24 ST (12,24%); Classe III, com 39 ST (19,9%); Classe IV, com 39 ST (19,9%); Classe V, com 32 ST (16,33%); Classe VI, com 38 ST (19,4%).

Figura 1
Dendograma resultante da Classificação Hierárquica Descendente do conteúdo submetido à análise pelo IRAMUTEQ.

O subcorpus A, foi denominado “Fatores relacionados ao adoecimento mental”, composto pelas classes IV e V, enquanto o subcorpus B, “Percepções relacionadas ao sofrimento mental e ao grupo terapêutico”, composto pelas classes I, II, III e VI. Neste artigo, serão apresentados e discutidos os resultados relacionados ao subcorpus B (Figura 1), visto que o mesmo, correspondeu ao objetivo do estudo, possibilitando compreender a percepção das participantes diante das dificuldades relacionadas ao sofrimento mental e da participação no grupo, o que será percebido na medida em que serão demonstrados os resultados.

As classes foram nomeadas utilizando-se falas representativas das participantes e não serão apresentadas por ordem numérica, mas conforme sua proporção no corpus textual, respeitando a codificação possibilitada pelo software.

Classe III: “Eu tenho tanto medo, eu peço para Deus!”

Nesta classe, as palavras Deus, Jesus e Senhor, relacionadas à religiosidade das usuárias, foram identificadas em dois campos semânticos diferentes. Primeiro, como uma súplica para o livramento de um transtorno mental, em segundo, como um recurso que pode servir de apoio diante do sofrimento.

Senhor da glória, não sei nem te explicar porque eu tenho tanto medo, é uma doença que eu tenho tanto medo, tanto medo, eu peço para Deus. (Participante 1)

Eu tenho fé, eu confio em Deus. (Participante 2)

Eu peguei com Deus e o doutor, na igreja também .... (Participante 3)

As palavras conhecer, dificuldade, estranho, contar, precisar e psiquiatra apareceram relacionadas ao medo de adoecer, e também diante da necessidade de procurar ajuda ou de contar sobre sua vida a outra pessoa, considerada estranha, o que pode atrapalhar o cuidado em saúde mental.

Eu tive essa resistência ... eu vou contar minha vida para um estranho, você tem aquela dificuldade, você não conhece a pessoa .... (Participante 1)

Ah, mas psiquiatra ah, mas psicóloga é para quem é louco, eu não sou louca .... (Participante 1)

O estigma da loucura, ou a ideia de que psicologia e psiquiatria são para “loucos”, também se mostrou um fator que gera insegurança e resistência ao cuidado. Nesse aspecto, o grupo terapêutico pode auxiliar no enfrentamento desse estigma ao promover discussões sobre a temática.

Classe VI: “Me senti muito bem!”

Esta classe permitiu identificar falas das usuárias sobre o quanto foi “bom” ou como se sentiram “bem” ao participarem das atividades no grupo terapêutico, estas, reconhecidas no corpus textual a partir das palavras dia, chegar, palestra, conversa.

É bom, a gente passa o dia bem tranquilo .... (Participante 3)

Eu sinto assim bastante aliviada ... muito bom, as pessoas se sentem bem e falam que quando elas vão lá elas se sentem mais reforçadas, mais animadas. (Participante 4)

O acolhimento apareceu na fala de uma das participantes qualificado pelo adjetivo “bacana”:

... eu estava bastante mal, com vontade de voltar correndo para trás com aquele povo, eu não queria ver ninguém na minha frente, aí uma pessoa foi lá e me acolheu bacana .... (Participante 1)

Nesta fala o acolhimento é percebido como uma tecnologia muito importante para o cuidado em saúde mental, mostrou-se essencial para que os usuários se sintam bem, vinculados ao grupo e possam aderir à atividade.

Classe I: “É a saúde mental...”

A palavra mais frequente nesta classe foi “pessoa”, e na medida que aprofunda-se na análise percebe-se que esta pessoa é o eu, mas também a pessoa que sofre, participa, convida, precisa de ajuda, se incomoda, diz não e tem o seu querer, o agente envolvido em vários processos, inclusive naqueles relacionados ao grupo terapêutico em saúde mental.

O que mais chama a atenção nesta classe é o potencial do grupo terapêutico para promoção e prevenção em saúde mental.

... muitas coisas a gente não se abre em casa, a gente comunica aqui entre o grupo ... a gente comunica muito com os outros, vê que não é só eu que tenho problema, outras pessoas também têm e precisam de ajuda. (Participante 2)

Às vezes a pessoa pode estar com alguma coisa, aí vai ali e já sai livre. (Participante 3)

Pode ajudar e bastante porque ali vocês ensinam as pessoas a mexerem com a mente, é desenvolver a mente ... é a saúde mental, é bom esse grupo de saúde mental. (Participante 4)

A frase que dá título à essa classe é da participante quatro, que não possuía diagnóstico de transtorno mental e não fazia uso de psicotrópicos, o que ela refere como “desenvolver a mente” pode ser entendido como promoção à saúde mental, e demonstra o potencial do grupo enquanto intervenção não apenas para usuários com queixas atuais que caracterizem o sofrimento psíquico, mas também para promoção à saúde daqueles que se interessam por essas atividades.

Ainda nesta classe, a palavra mental mais uma vez reflete o estigma percebido na fala das usuárias, inclusive como um impeditivo para a participação no grupo.

Mental que você fala é pessoas que é meio fraco da cabeça? (Participante 2)

Muitos falam não vou porque não tenho problema mental. (Participante 4)

Os dados mostram a influência que o estigma quanto ao adoecimento mental exerce sobre a sociedade, impedindo muitas pessoas de buscarem o cuidado, o que também pode justificar o baixo número de participantes no grupo terapêutico.

Classe II: “Cada um fala uma coisa, ajuda muito as pessoas.”

No desenvolvimento do grupo, o diálogo e a escuta são compreendidos como instrumentos de trabalho e elementos terapêuticos, o que apareceu como algo benéfico relacionado à participação no grupo, identificado especialmente a partir das palavras conversar e falar.

A gente começou a ficar escutando, aí um fala uma coisa, fala outra e aí saí de lá outra pessoa, cheguei em casa de boa, fiquei foi alegre. (Participante 3)

Vocês já conversavam mais, o grupo de vocês já tinha outros diálogos, cada um fala uma coisa. (Participante 3)

A ausência de diálogo também foi associada ao adoecimento, no sentido de que a pessoa em sofrimento mental ou “deprimida” não “conversa”, não se “comunica”.

na depressão a pessoa fica deprimida, fica triste não se comunica ... ficam quietos não conversam muito, só falam se perguntar as coisas se não perguntar não fala. (Participante 4).

Os resultados apresentados revelam que a relação coletiva construída no grupo é terapêutica, pois, em oposição ao silêncio diante do sofrimento, encontra-se uma oportunidade de falar sobre esse sofrimento e também de ouvir o outro, o que nem sempre é possível em outro contexto, de forma que, quando as participantes compartilhavam suas vivências e saberes, algumas vezes a intervenção dos profissionais tornava-se dispensável.

DISCUSSÃO

A cada ano, milhões de pessoas adoecem mentalmente e muitas, especialmente aquelas que foram institucionalizadas e/ou hospitalizadas, são consideradas inválidas, desmoralizadas ou sem esperança, o que mostra que o estigma construído historicamente não está no passado, mas é um problema atual, que reforça ainda mais a depressão e a autodepreciação de pessoas em sofrimento psíquico(1010. Winn JS. An existential-phenomenological investigation of the experience of being accepted in individuals who have undergone psychiatric institutionalization. Indo-Pac J Phenomenol. 2016;16(supl1):1-14. doi: https://doi.org/10.1080/20797222.2016.1164992
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Historicamente, a doença mental era vista como punição divina e tratada por meio de rituais, essas almas eram consideradas atravessadas pelo mal e até mesmo uma contaminação para suas famílias, fatos que contribuíram para a estigmatização da loucura e a exclusão daqueles que não se encaixavam nas normas para o convívio social(1010. Winn JS. An existential-phenomenological investigation of the experience of being accepted in individuals who have undergone psychiatric institutionalization. Indo-Pac J Phenomenol. 2016;16(supl1):1-14. doi: https://doi.org/10.1080/20797222.2016.1164992
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-1111. Tanaka C, Tuliao MTR, Tanaka E, Yamashita T, Matsuo H. A qualitative study on the stigma experienced by people with mental health problems and epilepsy in the Philippines. BMC Psychiatry. 2018;18:325. doi: https://doi.org/10.1186/s12888-018-1902-9
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Na contramão dessas concepções, a RP é um movimento social complexo não apenas pela oposição ao modelo asilar e hospitalocêntrico, mas por propor uma redefinição da relação social com a loucura, com a reinserção da pessoa com doença mental na comunidade, provocando uma ruptura com a história da psiquiatria e um enfrentamento ao estigma social construído ao longo do tempo(1212. Amarante P, Torre EHG. Loucura e diversidade cultural: inovação e ruptura nas experiências de arte e cultura da Reforma Psiquiátrica e do campo da Saúde Mental no Brasil. Interface (Botucatu). 2017;2163:763-74. doi: https://doi.org/10.1590/1807-57622016.0881
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No entanto, os dados deste estudo demostram que apesar dos esforços da RP e das mudanças já alcançadas através da RAPS, o estigma quanto ao adoecimento mental continua presente como um problema que agrava ainda mais as condições de saúde daqueles que vivenciam o adoecimento mental ou o sofrimento psíquico e precisam recorrer ao atendimento com profissionais de saúde, como pode ser observado nas falas das Classe I e III.

Nas falas que remetem à religiosidade das usuárias, é possível perceber o medo de adoecer psiquicamente, ou ainda, de serem vistas como loucas ou incapazes, o que leva à súplica a Deus pelo livramento da doença, remetendo à construção histórica da loucura. No entanto, a religiosidade é identificada como um meio para o bem-estar pessoal, podendo ser reconhecida como um recurso para o cuidado e para promoção à saúde a ser estimulado por profissionais, pois pode contribuir para prevenção do isolamento e maior capacidade de adequação diante das adversidades da vida(1313. Nery BLS, Cruz KCT, Faustino AM, Santos CTB. Vulnerabilidades, depressão e religiosidade em idosos internados em uma unidade de emergência. Rev Gaúcha Enferm. 2018;39:e2017-0184. doi: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2018.2017-0184
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)
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O medo e o estigma relacionados ao adoecimento mental, ainda presentes na sociedade conforme descrito, justificam a necessidade de integração entre saúde mental e AB, o que pode contribuir para a redução do estigma devido ao cenário mais generalista e integrado desses serviços, e é atraente aos pacientes e familiares preocupados com esse estigma(55. Wenceslau LD, Ortega F. Saúde mental na atenção primária e Saúde Mental Global: perspectivas internacionais e cenário brasileiro. Interface (Botucatu). 2015;1955:1121-32. doi: https://doi.org/10.1590/1807-57622014.1152
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)
. Essa realidade também reforça a importância de estudos que abordem essa temática de maneira prática, retratando intervenções implementadas no contexto da ESF, por exemplo, assim como procura-se fazer neste estudo, a fim de incentivar e orientar os profissionais atuantes nessa área para a renovação das práticas em saúde mental.

Nesse cenário, o grupo terapêutico é uma intervenção psicossocial que pode contribuir para o enfrentamento do estigma, ao propor discussões sobre a temática, acolher pessoas com diferentes singularidades como pertencentes a um território comum e possuir um viés não apenas terapêutico, mas também educativo, contemplando diversos aspectos que caracterizam o trabalho com grupos de saúde mental na AB(1414. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção à Saúde. Saúde Mental. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2013 cited 2019 Feb 10. Caderno de Atenção Básica n. 34. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cadernos_atencao_basica_34_saude_mental.pdf).

A redução do estigma pode advir ainda do fortalecimento da tolerância e aceitação do diferente, promovido pelo convívio em grupo, pois o compartilhamento de vivências possibilita o crescimento pessoal(99. Nogueira ALG, Munari DB, Fortuna CM, Santos LF. Pistas para potencializar grupos na Atenção Primária à Saúde. Rev Bras Enferm. 2016;69(5):964-71. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2015-0102
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. Outra forma pela qual o grupo pode contribuir para a redução do estigma é através da socialização de pessoas em sofrimento psíquico com a comunidade, pois não se tratava de um grupo fechado, sendo aberto à participação da comunidade, especialmente durante as atividades de alongamento e caminhada, semelhante ao que foi visto em outro estudo(1515. Minóia NP, Minozzo F. Acolhimento em saúde mental: operando mudanças na Atenção Primária à Saúde. Psicol Ciênc Prof. 2015;35(4):1340-9. doi: https://doi.org/10.1590/1982-3703001782013
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)
.

Sobre os sentimentos relatados pelas usuárias com a participação no grupo, verificados na Classe VI, foi possível analisar que esse encontro permite o aprendizado e mudanças de vida significativas, pois o instrumento de terapia é a relação com o coletivo, de modo que o compartilhamento de ideias e sentimentos leva a uma ressignificação individual do sofrimento que se dá na presença do outro, ou seja, na convivência(1414. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção à Saúde. Saúde Mental. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2013 cited 2019 Feb 10. Caderno de Atenção Básica n. 34. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cadernos_atencao_basica_34_saude_mental.pdf-1515. Minóia NP, Minozzo F. Acolhimento em saúde mental: operando mudanças na Atenção Primária à Saúde. Psicol Ciênc Prof. 2015;35(4):1340-9. doi: https://doi.org/10.1590/1982-3703001782013
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. O processo grupal permite uma troca de experiências e transformações subjetivas que não poderiam ser alcançadas em um atendimento individualizado(55. Wenceslau LD, Ortega F. Saúde mental na atenção primária e Saúde Mental Global: perspectivas internacionais e cenário brasileiro. Interface (Botucatu). 2015;1955:1121-32. doi: https://doi.org/10.1590/1807-57622014.1152
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)
. Essas características do grupo terapêutico certamente remetem aos sentimentos de bem-estar, alívio e ânimo referidos pelas usuárias, que só foram possíveis no encontro com os demais participantes.

Para qualquer abordagem assistencial em saúde, há um encontro entre pessoas que atuam uma sobre a outra através de tecnologias relacionais ou leves, como o acolhimento, o vínculo, a comunicação e a confiança, ferramentas essenciais ao cuidado em saúde mental(1414. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção à Saúde. Saúde Mental. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2013 cited 2019 Feb 10. Caderno de Atenção Básica n. 34. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cadernos_atencao_basica_34_saude_mental.pdf,1616. Franco TB, Bueno WS, Merhy EE. O acolhimento e os processos de trabalho em saúde: o caso de Betim, Minas Gerais, Brasil. Cad Saúde Pública. 1999;15(2):345-53. doi: https://doi.org/10.1590/S0102-311X1999000200019
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)
, evidenciadas neste estudo, principalmente nas classes I e II.

Com relação ao acolhimento, destacado na fala de uma das usuárias, é conhecido que em todo encontro entre profissional e usuário operam-se processos tecnológicos, esfera das tecnologias relacionais, dentre as quais o acolhimento, sem o qual não é possível que haja vinculação, responsabilização e, consequentemente, resolutividade na promoção de saúde(1616. Franco TB, Bueno WS, Merhy EE. O acolhimento e os processos de trabalho em saúde: o caso de Betim, Minas Gerais, Brasil. Cad Saúde Pública. 1999;15(2):345-53. doi: https://doi.org/10.1590/S0102-311X1999000200019
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. Como percebido na fala da participante deste estudo, o acolhimento aconteceu e foi primordial para que ela enfrentasse suas dificuldades e buscasse auxílio profissional para sua condição de saúde. Cabe destacar ainda, que o acolhimento pode ser realizado por qualquer profissional de saúde e possibilita maior resolubilidade da equipe no caso de usuários que necessitam de apoio psicossocial(1515. Minóia NP, Minozzo F. Acolhimento em saúde mental: operando mudanças na Atenção Primária à Saúde. Psicol Ciênc Prof. 2015;35(4):1340-9. doi: https://doi.org/10.1590/1982-3703001782013
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).

Essas tecnologias relacionais se mostraram essenciais ao andamento do grupo e à vinculação das participantes, pois o acolhimento realizado levou as usuárias a aceitarem o convite para participação no grupo, onde a comunicação, o diálogo e a troca de vivências fortaleceu o vínculo e a confiabilidade, tornando a relação no grupo segura para falarem sobre suas angústias e sofrimentos e, consequentemente, para realização de promoção e prevenção em saúde mental, como destacado na Classe II. Esses momentos de falas, escutas e interpretações são criados entre as pessoas acolhidas no encontro, permitindo momentos de possível cumplicidade, responsabilização, confiança e esperança(1717. Merhy EE. O ato de governar as tensões constitutivas do agir em saúde como desafio permanente de algumas estratégias gerenciais. Ciênc Saúde Coletiva. 1999;4(2):305-14. doi: https://doi.org/10.1590/S1413-81231999000200006
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, claramente percebidos nos movimentos do grupo, expressos nas falas das usuárias.

Enfim, é necessário apresentar o diálogo como um eixo norteador do processo grupal, consoante ao verificado em outro estudo sobre a operação de grupo para a promoção da saúde mental(1818. Dutra WH, Corrêa RM. O grupo operativo como instrumento terapêutico-pedagógico de promoção à saúde mental no trabalho. Psicol Ciênc Prof. 2015;35(2):515-27. doi: https://doi.org/10.1590/1982-370302512013
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, sendo enriquecedor inserir-se em uma relação com canais abertos e sentir-se pertencente a um grupo onde é possível comunicar seus sentimentos de mundo, outrora escondidos sob o sintoma, o que contribui para a autonomia dos participantes(33. Silva GD, Iglesias A, Dalbello-Araújo M, Badaro-Moreira MI. Práticas de cuidado integral às pessoas em sofrimento mental na atenção básica. Psicol Ciênc Prof. 2017;37(2):404-17. doi: https://doi.org/10.1590/1982-3703001452015
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,1818. Dutra WH, Corrêa RM. O grupo operativo como instrumento terapêutico-pedagógico de promoção à saúde mental no trabalho. Psicol Ciênc Prof. 2015;35(2):515-27. doi: https://doi.org/10.1590/1982-370302512013
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)
. Concordamos, então, que o cuidado efetivo só é possível por meio da construção de uma relação dialógica, entre usuário-usuário e usuário-profissional, pois, dessa forma é possível conhecer a realidade e as necessidades de cada um, elevando o cuidado em saúde mental a um patamar mais próximo da integralidade(33. Silva GD, Iglesias A, Dalbello-Araújo M, Badaro-Moreira MI. Práticas de cuidado integral às pessoas em sofrimento mental na atenção básica. Psicol Ciênc Prof. 2017;37(2):404-17. doi: https://doi.org/10.1590/1982-3703001452015
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)
.

Considerando a necessidade de uma relação dialógica a fim de qualificar as práticas de saúde mental na AB, e que esta construção é possível na convivência entre profissionais e participantes nas relações criadas no grupo, foi exímia a escolha da PCA como referencial metodológico para este estudo, visto que estabelece o envolvimento do pesquisador na prática assistencial. Logo, enquanto pesquisadoras envolvidas no contexto assistencial, as residentes puderam vivenciar essa construção e todos os sentimentos e movimentos expressos pelo grupo verificados nos resultados, e que, ao longo de todo o processo, contribuiu para sua formação profissional.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estigma relacionado ao adoecimento mental é um problema persistente, tornando-se um obstáculo para que as pessoas procurem ajuda ou tratamento adequado para sua condição, fato demonstrado neste estudo.

Ao compreender as percepções das participantes sobre o sofrimento mental e o grupo terapêutico, evidenciou-se entre as potencialidades desta intervenção a redução do estigma, ao promover tolerância, envolver pessoas em sofrimento psíquico com a comunidade, permitir o compartilhamento de sentimentos e debater essa temática em um cenário generalista e livre de preconceitos. Além disso, está entre seus benefícios realizar promoção e prevenção em saúde mental através de tecnologias relacionais, de baixo custo e acessíveis a todos os profissionais.

O grupo terapêutico de convivência é uma intervenção psicossocial coletiva que pode trazer benefícios para os participantes e profissionais envolvidos, podendo contribuir para a redução de demandas por atendimentos individualizados e constituindo um ambiente onde, o profissional atento, identifica demandas específicas e realiza ações, igualmente significativas, para promoção à saúde e prevenção de agravos, o que nem sempre é possível no atendimento individual devido ao tempo disponível.

Enquanto limitação deste estudo e dificuldade para a realização do grupo na AB, tem-se o pequeno número de participantes, o que pode ser consequência tanto do estigma relacionado ao adoecimento mental, como da dificuldade dos profissionais da ESF em participar efetivamente da atividade e acolher as demandas de saúde mental. Por outro lado, o pequeno grupo também pode ser visto como uma vantagem, pois pode ser considerado mais protegido ou seguro, favorecendo o diálogo e as trocas entre seus participantes.

O estudo é relevante para a enfermagem e demais áreas profissionais, pois desvela aspectos que tornam possível a realização de grupos terapêuticos na AB, de forma a inspirar novas ações e revitalizar as práticas em saúde mental em um contexto onde verifica-se o predomínio de condutas fragmentadas. Contribuindo ainda, para a formação profissional das pesquisadoras, diretamente ligadas à prática assistencial durante a realização do estudo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Out 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    29 Mar 2019
  • Aceito
    06 Maio 2019
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