Introdução
A mudança do perfil epidemiológico e o aumento da expectativa de vida da população levaram a um consequente aumento da complexidade de procedimentos cirúrgicos. A prevalência de doenças crônicas leva à necessidade de tratamentos contínuos e ocorrência de disfunções e dependência, encaminhando à “prática anestésica-cirúrgica” pacientes cada vez mais complexos, implicando, assim, no planejamento da assistência(¹). Em fevereiro de 2017, em todo o território nacional foram realizadas 48.100 internações, sendo 730 no Estado do Piauí para cirurgias do aparelho circulatório, genitourinário, sistema osteomuscular e cirurgia torácica(2).
O posicionamento do paciente no perioperatório constitui responsabilidade de toda a equipe cirúrgica sendo uma variável de acordo com o procedimento planejado, devendo evitar males(3). Tem como objetivos a visualização cirúrgica adequada, a garantia de dignidade do paciente ao evitar exposições indevidas e estabelecimento e manutenção de via aérea, acesso(s) venoso(s), dispositivos e equipamentos de monitorização, além de promover adequadas perfusão e circulação, protegendo músculos, nervos e proeminências ósseas(4-5).
Os principais fatores de risco para o desenvolvimento de lesões perioperatórias incluem: idade, peso, mobilidade, estado geral de saúde e/ou comorbidades associadas, principalmente, diabetes ou doença vascular, tempo cirúrgico, umidade excessiva, dor, classificação de risco cirúrgico da Sociedade Americana de Anestesiologia (ASA) e o impacto da anestesia(5-7).
Apesar dos diversos avanços na área médico-cirúrgica, ainda existem poucas orientações na rotina assistencial sobre as atitudes relacionadas à segurança dos pacientes e à ergonomia dos profissionais no que diz respeito ao posicionamento cirúrgico. Todavia, a disponibilidade de equipamentos ou sua pouca adequabilidade foram relatadas como fatores determinantes de eventos adversos, principalmente mesas operatórias e braçadeiras nas situações que requerem as posições prona, lateral e litotômica(5).
A pressão direta localizada e prolongada pode resultar em alterações no fluxo capilar de sangue para as estruturas, causando hipotensão arterial e aumento das pressões venosas e, consequentemente levando a lesões por pressão, lesões nervosas e oculares. Em um estudo realizado com 172 pacientes, 12,2% apresentaram algum tipo de lesão perioperatória(8). Desses, 9,9% relataram dor intensa em pontos de pressão e 4,7% neuropatia periférica, sendo 3,5% sensitiva e 1,2% relacionada à neuropatia motora. Assim, podem ser consequências inerentes do posicionamento os danos anatômicos como lesões por pressão, danos nervosos ou alterações fisiológicas sistêmicas(3,6-9).
Tais incidências são preocupantes, requerendo, assim, maiores esforços nesse cenário já que as repercussões dos danos provocados envolvem prolongamento do tempo de internação hospitalar, necessidade de reabordagens e limitações ou incapacidades ao paciente, além de incremento dos custos ao serviço de saúde.
Assim, o estudo objetivou avaliar o risco de desenvolvimento de lesões perioperatórias decorrentes de posicionamento cirúrgico em pacientes submetidos a cirurgias eletivas.
Método
Estudo longitudinal analítico, realizado em um hospital de média e alta complexidade de referência no estado do Piauí, elaborado a partir de monografia apresentada para obtenção de Bacharelado Em Enfermagem na Universidade Federal do Piauí(10), no período de setembro a novembro de 2017. A população do estudo foi composta por 55 pacientes submetidos a cirurgias eletivas. A amostra foi de conveniência e composta por 45 pacientes que atenderam aos seguintes critérios de inclusão: ter idade igual ou superior a 18 anos e realizar cirurgia ginecológica, cardiovascular, urológica e ortopédica. Foram critérios de exclusão: apresentar restrições que impedissem a aplicação dos instrumentos de avaliação, assim como cancelamentos de cirurgias.
Para a coleta de dados, foi utilizado um formulário com dados sociodemográficos (gênero, idade, profissão, procedência) e clínicos (Índice de Massa Corporal (IMC), comorbidades, dor relacionada ao sítio cirúrgico e dor não relacionada ao sítio cirúrgico no pré e no pós-operatório, lesão por pressão (LP) no pré-operatório, lesão por pressão prévia, classificação de risco por meio da Escala de Braden e limitação física)(11). Também foi utilizada a Escala de Avaliação de Risco para o Desenvolvimento de Lesões Decorrentes do Posicionamento Cirúrgico (ELPO), validada para o Brasil(11). A escala é composta por sete itens (tipo de posição cirúrgica, tempo de cirurgia, tipo de anestesia, superfície de suporte, posição dos membros, comorbidades e idade do paciente), medidos em escala Likert de cinco pontos. O escore final pode variar de sete a 35 pontos e pacientes com escore igual ou superior a 20 pontos foram classificados com risco maior(11). A Escala Visual Numérica tem como objetivo a atribuição de uma pontuação de 0 (ausência de dor) a 10 (dor máxima) por meio de uma régua impressa para rastreio de dor e sua mensuração quando presente, facilitando a compreensão de pacientes com boa acuidade visual. Nos pacientes com acuidade visual reduzida esse processo foi feito apenas verbalmente.
Os possíveis participantes da pesquisa foram identificados por meio da programação cirúrgica de acordo com as especialidades estudadas, confirmando sua inclusão na pesquisa após assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Neste momento, foi realizada a primeira avaliação, observando-se integridade da pele e possíveis déficits motores e sensitivos, assim como aplicação do instrumento pré-operatório, Escala de Braden e Escala Visual Numérica para rastreio de dor. Os dados complementares foram investigados em prontuário.
A segunda avaliação foi realizada no momento de entrada do paciente na sala cirúrgica, antes da indução anestésica, pelo preenchimento da parte inicial da ELPO, sendo finalizado no pós-operatório imediato na Sala de Recuperação Pós-Anestésica ou na Unidade de Terapia Intensiva dependendo da cirurgia realizadacom os dados referentes ao tempo e variação de posição durante o procedimento.
Nas avaliações subsequentes, foi aplicado o instrumento pós-operatório até a alta do paciente ou até o quarto dia caso permanecesse no hospital por um período maior. O último dia de pesquisa em campo (01/11/2017) foi considerado para sete participantes que até então ultrapassaram os quatro dias de pós-operatório e não obtiveram alta até o final da coleta como data de desfecho para fins estatísticos.
Os dados do estudo foram processados no software IBM® SPSS®, versão 21.0, e foram calculadas estatísticas descritivas, como médias, medianas, desvio padrão, intervalo interquartil, mínimos e máximos, para as variáveis quantitativas; e frequências, para as qualitativas. Na análise inferencial, foi utilizado o Teste Qui-Quadrado de Pearson para verificação de associações entre o risco para desenvolvimento de lesões perioperatórias e as características dos pacientes. Quando não atendidos os pressupostos deste teste, foi realizado o Teste Exato de Fisher. As variáveis foram dicotomizadas para o cálculo de medidas de efeito. Para as variáveis quantitativas, foi considerada a mediana da distribuição de dados para categorização. Para as associações significativas, foi calculada a razão de prevalência (RP) e seu respectivo intervalo de confiança (IC). Os percentuais da tabela de contingência foram calculados em relação ao total da amostra. O nível de significância adotado foi de 5%.
Foram atendidas as normatizações éticas nacionais e internacionais para realização de pesquisas envolvendo seres humanos. A pesquisa foi autorizada pelo hospital de referência estadual e foi aprovada por Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Piauí, sob parecer n.º 2.256.511. A pesquisa seguiu a Resolução 466/2012 do Conselho Nacional em Saúde que regulamenta projetos de pesquisa envolvendo seres humanos em sua totalidade(12).
Resultados
Dos 55 indivíduos inicialmente listados, foram efetivamente participantes da pesquisa 45 pacientes, com perdas por cancelamento de cirurgias. A média de idade foi de 50,9 (±15,6) anos, com mínima de 22,0 e máxima de 88,0 anos. Predominaram pacientes do gênero feminino 35 (77,8%); 16 (35,6%) empregados ou 14 (8,9%) do lar, sendo que 11 (24,4%) eram aposentados e 24 (53,3%) procedentes da capital ou de outros municípios do Piauí, 21 (46,7%). Foram caracterizados quanto aos aspectos clínicos (Tabela 1), avaliados e classificados quanto ao risco para o desenvolvimento de lesões perioperatórias decorrentes do posicionamento cirúrgico (Tabela 2) e foram verificadas associações entre o risco e as características dos pacientes (Tabela 3).
Tabela 1: Caracterização clínica dos pacientes submetidos a cirurgias ortopédicas, cardíacas, ginecológicas e urológicas (n=45). Piauí, Brasil, 2017
Característica | M | DP | n | % |
---|---|---|---|---|
Especialidade cirúrgica | ||||
Ginecologia | 25 | 55,6 | ||
Urologia | 8 | 17,8 | ||
Ortopedia | 6 | 13,3 | ||
Cardiologia | 6 | 13,3 | ||
IMC | 25,2 | 4,6 | ||
Comorbidades | ||||
Sim | 16 | 35,6 | ||
Dor relacionada ao sítio cirúrgico no pré-operatório | 5,3 | 2,3 | ||
Sim | 3 | 6,7 | ||
Dor não relacionada ao sítio cirúrgico no pré-operatório | 5,4 | 2,3 | ||
Sim | 5 | 11,1 | ||
Lesão por pressão no pré-operatório | ||||
Sim | 1 | 2,2 | ||
Lesão por pressão prévia | ||||
Sim | 3 | 6,7 | ||
Classificação da Escala de Braden | ||||
Risco elevado (10 a 12) | 1 | 2,2 | ||
Risco moderado (13 a 14) | 1 | 2,2 | ||
Em risco (15-16, adulto; 17-18, idoso) | 2 | 4,4 | ||
Sem risco (19 ou maior) | 41 | 91,1 | ||
Limitação física | ||||
Limitação relacionada à idade/outra | 5 | 11,1 | ||
Paresia | 1 | 2,2 | ||
Plegia | 2 | 4,4 | ||
Sem limitação | 37 | 82,2 | ||
Dor relacionada ao sítio cirúrgico no pós-operatório | 3,5 | 0,7 | ||
Sim | 2 | 4,4 | ||
Dor não relacionada ao sítio cirúrgico no pós-operatório | 2,0 | - | ||
Sim | 1 | 2,2 | ||
Total | 45 | 100,0 |
Fonte: Santos, Oliveira(¹0), 2017.
Legenda: M: media; DP: desvio padrão
O índice de massa corporal dos pacientes foi de, em média (±DP), 25,2 (±4,6) kg/m², variando de 15,8 a 26,8 kg/m². Foram 16 (35,6%) os que apresentaram alguma comorbidades, destacando-se: hipertensão arterial sistêmica 15 (33,4%), doença vascular 10 (22,2%), Diabetes Mellitus 5 (11,1%) e cardiopatia 5 (11,1%). Dor relacionada ao sítio cirúrgico no pré-operatório teve média 5,3 (±2,3), variando de 4,0 a 8,0 pontos na escala visual, para os 3 (6,7%) pacientes que apresentaram, enquanto dor não relacionada ao sítio cirúrgico no pré-operatório teve média 5,4 (±2,3), variando de 3,0 a 9,0 pontos, dentre os 5 (11,1%) que a referiram (Tabela 1).
Lesões por pressão no pré-operatório foi apresentada por 1 (2,2%) paciente, sendo que 3 (6,7%) tinham história de LP prévia. Foram 4 (8,9%) os pacientes classificados com risco para desenvolvimento de lesão por pressão em algum nível conforme avaliação da Escala de Braden e 8 (17,8%) apresentaram alguma limitação física, principalmente relacionada à idade 5 (11,1%) e plegia 2 (4,4%). Dor relacionada ao sítio cirúrgico no pós-operatório teve média 3,5 (±0,7), variando de 3,0 a 4,0 pontos na escala visual, para os 2 (4,4%) pacientes que a apresentaram. Apenas 1 (2,2%) paciente referiu dor não relacionada ao sítio cirúrgico no pós-operatório, com nível 2,0 na escala visual (Tabela 1).
O desenvolvimento de lesões por pressão foi avaliado no pós-operatório imediato até o quarto dia de pós-operatório e apenas 1 (2,2%) paciente teve o problema. Foram 38 (84,4%) os pacientes que receberam alta hospitalar e 7 (15,6%) tiveram tempo de internação superior ao período de coleta. O intervalo médio de avaliação entre a cirurgia e a última avaliação do paciente foi de 5,5 (±9,1) dias, variando de um a 33 dias.
Tabela 2: Risco para desenvolvimento de lesões perioperatórias decorrentes do posicionamento cirúrgico nos pacientes submetidos a cirurgias ortopédicas, cardíacas, ginecológicas e urológicas (n=45). Piauí, Brasil, 2017
Itens da ELPO | Md | IIQ | n | % |
---|---|---|---|---|
Posição cirúrgica | 1,0 | 4,0 | ||
Supina | 29 | 64,5 | ||
Litotômica | 13 | 28,9 | ||
Prona | 2 | 4,4 | ||
Lateral | 1 | 2,2 | ||
Tempo de cirurgia | 2,0 | 2,0 | ||
Até 1 hora | 15 | 33,3 | ||
1 hora até 2 h | 17 | 37,9 | ||
2 horas até 4 horas | 11 | 24,4 | ||
4 horas até 6 horas | 2 | 4,4 | ||
Tipo de anestesia | 3,0 | 1,0 | ||
Regional | 31 | 68,9 | ||
Geral | 9 | 20,0 | ||
Geral e regional | 3 | 6,7 | ||
Local | 1 | 2,2 | ||
Sedação | 1 | 2,2 | ||
Superfície de suporte | 4,0 | 3,0 | ||
Espuma e coxins de algodão | 28 | 62,2 | ||
Viscoelástico e coxins de viscoelástico | 16 | 35,6 | ||
Espuma e coxins de viscoelástico | 1 | 2,2 | ||
Posição dos membros | 2,0 | 3,0 | ||
Posição anatômica | 13 | 28,9 | ||
Abertura dos MMII <90º | 10 | 22,2 | ||
Elevação dos joelhos <90º e abertura dos MMII <90º ou pescoço sem alinhamento mento-esternal | 6 | 13,3 | ||
Elevação dos joelhos >90º ou abertura dos MMII >90º | 16 | 35,6 | ||
Comorbidades | 1,0 | 1,0 | ||
Sem comorbidades | 29 | 64,5 | ||
Doença vascular | 10 | 22,2 | ||
Diabetes Mellitus | 5 | 11,1 | ||
LP ou neuropatia previamente diagnosticada ou TVP | 1 | 2,2 | ||
Idade do paciente (anos) | 2,0 | 1,0 | ||
≥18 e ≤39 | 10 | 22,2 | ||
≥40 e ≤59 | 23 | 51,1 | ||
≥60 e ≤69 | 4 | 8,9 | ||
≥70 e ≤79 | 5 | 11,1 | ||
≥80 | 3 | 6,7 | ||
Total | 45 | 100,0 |
Fonte: Santos, Oliveira(¹0), 2017.
Legendas: Md: mediana; IIQ: intervalo interquartil; ELPO: Escala de Avaliação de Risco para o Desenvolvimento de Lesões Decorrentes do Posicionamento Cirúrgico; MMII: membros inferiores; LP: lesão por pressão; TVP: trombose venosa profunda
A média dos escores da ELPO foi de 16,9 (±3,9) pontos, com mínimo de 9,0 e máximo de 25,0 pontos. Ao final, 14 (31,1%) dos pacientes submetidos a cirurgias eletivas foram classificados com maior risco, enquanto 31 (68,9%) apresentaram menor risco.
As maiores medianas (±IIQ) de escores foram identificadas nos itens superfície de suporte 4,0 (±3,0), com máximo de 4,0 pontos, e tipo de anestesia 3,0 (±1,0), com máximo de 5,0 pontos, em que as características de maior gravidade contribuintes corresponderam ao uso de espuma e coxins de algodão 28 (62,2%), além de anestesia regional 31 (68,9%), geral 9 (20,0%) ou ambas 3 (6,7%), apresentados na Tabela 2.
Para os demais itens, os pacientes com características de maior gravidade foram: 13 (28,9%) em posição litotômica e 2 (4,4%) de prona; 11 (24,4%) submetidos a duas a quatro horas de cirurgia e 2 (4,4%) que passaram por quatro até seis horas de cirurgia; 16 (35,6%) com elevação dos joelhos superior a 90º ou abertura dos membros inferiores maior que 90º, além de 6 (13,3%) com elevação dos joelhos menor que 90º e abertura dos membros inferiores inferior a 90º ou pescoço sem alinhamento mento-esternal; comorbidades 16 (35,6%) e idade mais avançada 12 (26,7%) (Tabela 2).
Tabela 3: Associações entre o risco para desenvolvimento de lesões decorrentes do posicionamento cirúrgico e as características dos pacientes submetidos a cirurgias ortopédicas, cardíacas, ginecológicas e urológicas(n=45). Piauí, Brasil, 2017
Característica | Classificação ELPO | ||||
---|---|---|---|---|---|
Maior risco | Menor risco | p | |||
n | % | n | % | ||
Gênero | 0,469b | ||||
Feminino | 12 | 26,7 | 23 | 51,1 | |
Masculino | 2 | 4,4 | 8 | 17,8 | |
Idade (anos) | 0,013a | ||||
≤46 | 3 | 6,7 | 19 | 42,2 | |
≥46 | 11 | 24,4 | 12 | 26,7 | |
Profissão | 0,343b | ||||
Aposentado/empregado | 10 | 22,2 | 17 | 37,8 | |
Desempregado/do lar | 4 | 8,9 | 14 | 31,1 | |
Procedência | 0,763a | ||||
Teresina (urbana e rural) | 7 | 15,6 | 17 | 37,8 | |
Outros municípios do Piauí | 7 | 15,6 | 14 | 3,1 | |
Especialidade cirúrgica | 0,525b | ||||
Ginecologia | 9 | 20,0 | 16 | 35,6 | |
Urologia, ortopedia ou cardiologia | 5 | 11,1 | 15 | 33,3 | |
IMC | 0,520b | ||||
24 ou maior | 6 | 13,3 | 18 | 40,0 | |
Menor que 24 | 8 | 17,8 | 13 | 28,9 | |
Hipertensão arterial sistêmica | 0,039b | ||||
Sim | 8 | 17,8 | 8 | 17,8 | |
Não | 6 | 13,3 | 23 | 51,1 | |
DRSC no pré-operatório | 1,000b | ||||
Sim | 1 | 2,2 | 2 | 4,4 | |
Não | 13 | 28,9 | 29 | 64,4 | |
DNRSC no pré-operatório | 0,166b | ||||
Sim | 3 | 6,7 | 2 | 4,4 | |
Não | 11 | 24,4 | 29 | 64,4 | |
Lesão por pressão no pré-operatório | 0,311b | ||||
Sim | 1 | 2,2 | 0 | 0,0 | |
Não | 13 | 28,9 | 31 | 68,9 | |
Lesão por pressão prévia | 0,224b | ||||
Sim | 2 | 4,4 | 1 | 2,2 | |
Não | 12 | 26,7 | 30 | 66,7 | |
Classificação de Braden | 0,578b | ||||
Algum risco | 2 | 4,4 | 2 | 4,4 | |
Sem risco | 12 | 26,7 | 29 | 64,4 | |
Limitação física | 0,231b | ||||
Alguma limitação | 4 | 8,9 | 4 | 8,9 | |
Sem limitação | 10 | 22,2 | 27 | 60,0 | |
DRSC no pós-operatório | 0,530b | ||||
Sim | 1 | 2,2 | 1 | 2,2 | |
Não | 13 | 28,9 | 30 | 66,7 | |
DNRSC no pós-operatório | 0,311b | ||||
Sim | 1 | 2,2 | 0 | 0,0 | |
Não | 13 | 28,9 | 31 | 68,9 | |
Total | 14 | 31,1 | 31 | 68,9 |
Fonte: Santos, Oliveira (10), 2017.
Legendas: ELPO: Escala de Avaliação de Risco para o Desenvolvimento de Lesões Decorrentes do Posicionamento Cirúrgico; DRSC: dor relacionada ao sítio cirúrgico; DNRSC: dor não relacionada ao sítio cirúrgico; p: significância da associação; a: Teste Qui-Quadrado de Pearson; b: Teste Exato de Fisher.
Foram verificadas associações estatisticamente significativas entre o risco para desenvolvimento de lesões decorrentes do posicionamento cirúrgico e idade (p=0,013) e hipertensão arterial sistêmica (p=0,039). Pacientes com idade igual ou superior a 46 anos tiveram prevalência 3,5 vezes maior (IC95%=1,127-10,911) de classificações de maior risco em comparação aos com menos de 46 anos; e aqueles que apresentaram hipertensão arterial sistêmica tiveram prevalência 2,7 vezes maior (IC95%=1,131-6,290) de classificações em maior risco em relação aos que não apresentavam o problema.
Discussão
No hospital onde foi desenvolvido o estudo, 68,9% dos pacientes submetidos a cirurgias eletivas das especialidades pesquisadas apresentaram risco reduzido de acordo com a ELPO, com uma média de 16,9 pontos, com mínimo de 9,0 e máximo de 25,0 pontos.
O posicionamento mais relatado nesse estudo refere-se ao decúbito dorsal, com prevalência de 64,5%. É naturalmente a posição do corpo quando em repouso, permitindo a disposição do dorso do cliente e da coluna vertebral na superfície da mesa cirúrgica, facilitando a abordagem das regiões torácica, abdominal e de membros superiores e inferiores. Apesar disso, esta posição oferece riscos de várias lesões musculares e nervosas por compressão e estiramento(13-15).
As superfícies de apoio dispostas produzidas à base de espuma ou gel são consideradas de menor eficácia na proteção da pele, enquanto que superfícies à base de polímero de viscoelástico e colchões a ar dinâmico ou sistema micropulsante apresentam boa adequabilidade no alívio de pressão, sendo eficazes para proteção no período perioperatório(13). Mesmo não sendo o preconizado como ideal uma das estratégias utilizadas no ato cirúrgico para substituir as superfícies de apoio de coxins de espuma e viscoelástico, foi o uso de coxins de algodão em 62,2% dos casos, como artifício para continuidade da assistência e promoção da segurança com mais eficácia do que a disposição do paciente na mesa sem nenhum apoio para reduzir a pressão.
Assim, estratégias de posicionamento por meio de superfícies de apoio e suporte promovem maior segurança e contribuem para preservar a integridade da pele e reduzir o impacto de pressões nervosas, articulares e musculares(13).
Evidenciou-se prevalência de pacientes do gênero feminino, empregados, procedente da capital do estado. O gênero feminino é apontado como maior prevalência, visto que é maioria no perfil populacional, amostral e por possuir melhor conhecimento em relação ao seu estado de saúde e maior preocupação, gerando maior procura por serviços de saúde e maior notificação(16-17).
Foi possível identificar 37,77% de pacientes com comorbidades, destes 37,5% apenas com hipertensão arterial sistêmica, porque em um universo de 17 pacientes com comorbidades, 16 apresentavam hipertensão as outras patologias foram em associação a ela seguida por 25 % com diabetes mellitus, 12,5% de cardiopatas e 6,25% da associação entre elas que são; 6,25% hipertensão com doença vascular, 6,25% hipertensão com doença vascular mais lesão por pressão e 6,25% hipertensão com doença vascular mais cardiopatia. Estudos evidenciam prevalência de hipertensão arterial, sendo mais elevada entre as mulheres de todas as faixas etárias. Em outro estudo, a hipertensão arterial atingiu uma prevalência de 16,3% em adultos com idade inferior a 59 anos, ocorrendo um acréscimo de 10% na chance de se apresentar hipertensão a cada ano de vida(16,18).
Indicada como uma das comorbidades de maior prevalência, principalmente com a mudança do perfil clínico e sociodemográfico brasileiro, a hipertensão arterial pode afetar a capacidade sensorial, reduzindo a circulação sanguínea e, consequentemente, a oxigenação, aumentando o risco de formação de lesões por pressão. Além disso, em uma revisão retrospectiva com mais de 380.000 casos evidenciou relação significativa entre hipertensão e neuropatia intraoperatoria, com incidência de 345 de todos os casos com lesão(19).
Em segundo lugar, com uma incidência de 25% nesse estudo, os casos de pacientes com diabetes mellitus, relatados em estudos semelhantes com 24 vezes mais chances de desenvolver lesões nervosas durante o procedimento cirúrgico, uma vez que por conta desta comorbidade apresentam redução do potencial de ação do nervo sensorial e da velocidade de condução do potencial de ação do músculo quando submetidos a estresses isquêmicos leves(17,19).
Com uma média de idade equivalente a 50,9 anos dentre os participantes da pesquisa submetidos a cirurgias eletivas, tais dados corroboram com achados em outros estudos relacionados à integridade da pele, uma vez que a incidência de lesões de pele em pacientes idosos é atribuída à alterações fisiológicas na estrutura da pele como diminuição da elasticidade, circulação e nutrição, assim como do processo de reposição celular e cicatrização, tornando-a mais frágil e susceptível a interrupção da integridade(16).
Com o aumento da expectativa da vida, pacientes idosos são cada vez mais submetidos à cirurgia de revascularização do miocárdico, exigindo cuidados mais intensivos devido ao risco de complicações pós-operatórias quando associados a fatores associados à idade avançada, o que gera aumento do tempo de internação hospitalar(17).
Em relação ao tempo de internação, a pesquisa desenvolveu-se com uma média de 5,5 dias de acompanhamento, com o desfecho de alta hospitalar para 84,4% dos participantes e 15,6% com tempo de internação superior ao período de coleta devido a complicações do estado geral de saúde, principalmente nos casos pós-operatórios de cirurgia cardíaca.
Outra complicação bastante abordada por especialistas é a dor, que se torna um fator indicativo de complicações e possíveis retardos no processo de recuperação. Em um estudo realizado com mulheres em pré-operatório de cirurgia ginecológica aproximadamente um terço relatou interferência moderada a grave com o sono, atividade geral, prazer, humor e trabalho, relacionando variáveis como idade, raça, IMC, tabagismo, ansiedade e depressão como sendo significativamente relacionadas com a experiência de dor(18).
No presente estudo foi possível identificar incidências de 11,1% e 6,7% para dor pré-operatória não relacionada e relacionada ao sítio cirúrgico, respectivamente. No pós-operatório os casos de dor não relacionada ao sítio cirúrgico reduziram para 2,2%, enquanto que foram relatados casos de dor localizada ao local da cirurgia em 4,4% dos casos. O manejo da dor é mais eficaz quando são utilizadas intervenções precocemente. Intervenções de Enfermagem pré-operatórias de educação em saúde sobre o processo cirúrgico, preocupações e expectativas com o tratamento, podem facilitar a situação, reduzindo o tempo de exposição à dor e, assim, otimizando a satisfação do paciente, atribuindo qualidade ao cuidado no período perioperatório(18,20).
Estudos indicam probabilidade maior de desenvolvimento de lesões nos casos de pacientes submetidos a anestesia peridural 68% do que os induzidos com anestesia geral 20%, convergindo com os achados no presente estudo. A sedação e anestesia anulam a capacidade de sentir desconforto e de mudar de posição durante o procedimento cirúrgico, pois bloqueiam a sensibilidade do corpo à dor e à pressão, causando vasodilatação e consequentemente redução da pressão arterial e perfusão tecidual. Assim, quantidades anormais de pressão em áreas corporais podem causar ruptura do tecido isquêmico e desenvolvimento de lesões por pressão(8,14).
A partir da aplicação da Escala de Braden foi possível classificar 8,9% dos participantes com grupo de risco para desenvolvimento de lesões por pressão, sendo que 2,2% destes desenvolveram LPP no pré-operatório, reincidindo em 6,7% destes com histórico de lesão. Além disso, 17,8% apresentaram alguma limitação física, sendo 11,1% dos casos relacionados à alterações inerentes à idade, e 2 casos de plegia por sequela de acidente vascular encefálico isquêmico e outro por ferimento por arma de fogo.
Um total de 24,4% dos pacientes passou pelo procedimento cirúrgico por cerca de duas a quatro horas, enquanto que apenas 4,4% foram submetidos a um tempo maior de quatro a seis horas, não permanecendo o tempo suficiente na mesa operatória para causar danos à integridade da pele e músculos. Em outros estudos, a pressão constante a qual os tecidos ficam expostos por um período de duas a três horas pode causar lesões por pressão e alopecia focal, existindo o risco de evolução para estágios mais críticos de acordo com as características dos tecidos envolvidos, sendo importante a avaliação de risco para melhor planejamento da assistência(11,15).
Conclusão
É possível afirmar que os objetivos desse estudo foram alcançados à medida que foi possível avaliar o risco para o desenvolvimento de lesões perioperatórias decorrentes do posicionamento, no qual 31,1% dos participantes foram avaliados como de alto risco. A idade acima de 46 anos e o diagnóstico de hipertensão arterial sistêmica foram associados com maior risco de lesões cirúrgicas por posicionamento.
As limitações do estudo consistiram no tempo de coleta, sendo menor do que o planejado desde a realização da entrevista pré-operatória até o momento de alta do paciente, assim como atrasos e cancelamentos de cirurgias devido a questões administrativas. Além disso, não foi possível identificar lesões decorrentes do posicionamento cirúrgico, já que apenas um participante apresentou lesão por pressão preexistente ao ato cirúrgico.
A experiência no desenvolvimento deste estudo representou importante etapa para exploração de conhecimentos e enriquecimento para a prática de enfermagem, à medida que foi possível discussão e interação com a equipe assistencial e fortalecimento do vínculo ensino e pesquisa, oferecendo importante subsídio para o planejamento de cuidados perioperatórios.
Encoraja-se a realização de pesquisas mais robustas que avaliem o risco de desenvolvimento de lesões perioperatórias, assim como sejam feitas propostas de intervenção com o intuito de promover contribuições para a segurança do paciente cirúrgico.