Acessibilidade / Reportar erro

Transferência do cuidado de pacientes com baixo risco de mortalidade no pós-operatório: relato de experiência

Transferencia del cuidado de pacientes con bajo riesgo de mortalidad en el postoperatorio: relato de experiencia

Resumo

OBJETIVO

Descrever a implantação de um fluxograma de transferência do cuidado de pacientes em pós-operatório, a partir de um modelo de classificação de risco.

MÉTODO

Relato de experiência sobre a implantação de projeto piloto entre sala de recuperação pós-anestésica e unidade de internação cirúrgica, desenvolvido entre dezembro/2016 e março/2017, visando a transferências do cuidado de pacientes com baixo risco de mortalidade pós-operatória, em um hospital universitário do Sul do Brasil.

RESULTADOS

O projeto possibilitou agilizar a alta do paciente da Sala de Recuperação Pós-Anestésica para a unidade de internação cirúrgica, qualificar os registros quanto aos cuidados de enfermagem e otimizar o tempo dos enfermeiros, em ambas unidades, para as atividades assistenciais.

CONCLUSÃO

A implementação de um fluxograma de transferência do cuidado a partir da classificação de risco para pacientes em pós-operatório contribuiu para uma comunicação mais efetiva, culminando em melhorias na segurança do paciente.

Palavras-chave:
Sistemas de comunicação no hospital; Segurança do paciente; Enfermagem; Gestão de riscos.

Resumen

OBJETIVO

Describir la implantación de un diagrama de flujo de transferencia del cuidado de pacientes en postoperatorio a partir de un modelo de clasificación de riesgo.

MÉTODO

Relato de experiencia sobre la implantación de un proyecto piloto entre sala de recuperación postanestésica y unidad de internación quirúrgica, desarrollado entre diciembre/2016 y marzo/2017, con vistas a transferencias del cuidado de pacientes con bajo riesgo de mortalidad postoperatoria, en un hospital universitario del sur de Brasil.

RESULTADOS

El proyecto posibilitó mayor agilidad del alta del paciente para la unidad de internación quirúrgica, calificación de los registros y cuidados de enfermería referentes al cuadro clínico del paciente, y optimización del tiempo de los enfermeros, en ambas unidades, para las actividades asistenciales.

CONCLUSIÓN

La implementación de un diagrama de flujo de transferencia del cuidado a partir de la clasificación de riesgo para pacientes en postoperatorio contribuyó a una comunicación más efectiva, culminando en mejoras en la seguridad del paciente.

Palavras clave:
Sistemas de comunicación en hospital; Seguridad del paciente; Enfermería; Gestión de riesgos.

Abstract

OBJECTIVE

Describe the implementation of care transfer flow chart in postoperative, based on a risk classification model.

METHOD

Experience report on the implementation of a pilot project between the post-anesthetic recovery room and the surgical hospitalization unit, developed between December/2016 and March/2017, aimed at transferring s the care of patients with low risk of postoperative mortality, in a university hospital in the South of Brazil.

RESULTS

The project made it possible to expedite the discharge of the patient from the Post-Anesthetic Recovery Room to the surgical hospitalization unit, to qualify the records regarding nursing care and to optimize the time of nurses in both units for care activities.

CONCLUSION

The implementation of a care transfer flow chart from the risk classification for postoperative patients contributed to a more effective communication, culminating in improvements in patient safety.

Keywords:
Hospital communication systems; Patient safety; Nursing; Risk management.

Introdução

O incremento tecnológico, com consequente modificações nos serviços de saúde, tem ocasionado aumento na demanda de atendimento dos pacientes hospitalizados exigindo reestruturações nos processos de trabalho das organizações de forma a garantir uma assistência segura11. Oliveira RM, Leitão IMTA, Silva, LMSS, Figueiredo SV, Sampaio RL, Gondim MM. Estratégias para promover segurança do paciente: da identificação dos riscos às práticas baseadas em evidências. Esc Anna Nery. 2014 [citado 2018 jun 26];18(1):122-9. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-81452014000100122&lng=en&nrm=iso&tlng=pt.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
-22. Möller G, Magalhães AMM. Bed baths: nursing staff workload and patient safety. Texto Contexto Enferm. 2015;24(4):1044-52. doi: https://doi.org/10.1590/0104-0707201500003110014.
https://doi.org/10.1590/0104-07072015000...
. Comumente, os eventos adversos no ambiente hospitalar costumam ser associados ao erro humano, no entanto, para uma análise mais acurada é importante considerar as condições do ambiente de prática onde se desenvolvem as ações de cuidado, aspectos estruturais e a complexidade das atividades desenvolvidas11. Oliveira RM, Leitão IMTA, Silva, LMSS, Figueiredo SV, Sampaio RL, Gondim MM. Estratégias para promover segurança do paciente: da identificação dos riscos às práticas baseadas em evidências. Esc Anna Nery. 2014 [citado 2018 jun 26];18(1):122-9. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-81452014000100122&lng=en&nrm=iso&tlng=pt.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
,33. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (BR). Gerência de Vigilância e Monitoramento em Serviços de Saúde. Gerência Geral de Tecnologia em Serviços de Saúde. Investigação de eventos adversos em Serviços de Saúde. Brasília: Anvisa; 2016 [citado 2018 out 28]. Disponível em: https://www20.anvisa.gov.br/segurancadopaciente/index.php/publicacoes/item/caderno-6.. O processo de transferência do cuidado se caracteriza como uma atividade complexa neste contexto, principalmente por envolver a comunicação efetiva como barreira para a continuidade do cuidado seguro e prevenção de eventos adversos.

Os eventos adversos apresentam implicações importantes para a segurança do paciente e devem ser analisados a partir de uma abordagem sistêmica e multifatorial, com vistas a contribuir para melhores resultados assistenciais. Dentre as medidas que favorecem a adoção de uma cultura de segurança do paciente encontra-se o aprimoramento da comunicação entre as equipes44. Pena MM. Ocorre^ncia de eventos adversos e sua relac¸a~o com o fator comunicac¸a~o em um hospital universita´rio [tese]. Sa~o Paulo (SP): Universidade de Sa~o Paulo, Escola de Enfermagem; 2015 [citado 2018 out 28]. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/7/7140/tde-16092015-145053/pt-br.php.-55. Costa NN, Silva AEBC, Lima JC, Barbosa MRS, Freitas JS, Bezerra ALQ. O retrato dos eventos em uma clínica médica: análise de uma década. Cogitare Enferm. 2016;21(esp):1-10. doi: https://doi.org/10.5380/ce.v21i5.45661.
https://doi.org/10.5380/ce.v21i5.45661...
.

No âmbito da enfermagem, um dos eventos adversos mais frequentes está relacionado a falhas na comunicação e na troca de informações durante as transferências de cuidado dos pacientes11. Oliveira RM, Leitão IMTA, Silva, LMSS, Figueiredo SV, Sampaio RL, Gondim MM. Estratégias para promover segurança do paciente: da identificação dos riscos às práticas baseadas em evidências. Esc Anna Nery. 2014 [citado 2018 jun 26];18(1):122-9. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-81452014000100122&lng=en&nrm=iso&tlng=pt.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
. As transições de cuidado eficientes e precisas são ações que poderiam melhorar o fluxo do cuidado dos pacientes e otimizar o uso de recursos garantindo que a assistência seja mais sensível às necessidades do paciente66. Reay G, Norris JM, Hayden KA, Abraham J, Yokom K, Nowell L, et al. Transition in care from paramedics to emergency department nurses: a systematic review protocol. Syst Rev. 2017;6(1): 260. doi: https://doi.org/10.1186/s13643-017-0651-z.
https://doi.org/10.1186/s13643-017-0651-...
).

Para garantir a efetividade na assistência e nas transferências de cuidado, é necessário que os profissionais estejam preparados e capacitados para construir uma comunicação efetiva77. Pena MM, Melleiro MM. Eventos adversos decorrentes de falhas de comunicação: reflexões sobre um modelo para transição do cuidado. Rev Enferm UFSM. 2018 [citado 2018 nov 15];8(3):616-25. Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/reufsm/article/view/25432.
https://periodicos.ufsm.br/reufsm/articl...
, sendo esta uma das estratégias para a segurança do paciente88. Joint Commission International (US). Padrões de acreditação da Joint Commission International para hospitais: incluindo padrões para hospitais - centros médicos acadêmicos. 6ª ed. Oakbrook Terrace; 2017.. As falhas nos processos de comunicação podem ser fatores contribuintes para incidentes de segurança do paciente e promotoras de eventos adversos na assistência ao paciente hospitalizado.

A comunicação pode ser apresentar-se na forma verbal, escrita ou eletrônica. Deve ser precisa, bidirecional, completa e oportuna, de forma a minimizar a ocorrência de erros88. Joint Commission International (US). Padrões de acreditação da Joint Commission International para hospitais: incluindo padrões para hospitais - centros médicos acadêmicos. 6ª ed. Oakbrook Terrace; 2017. e determinar a qualidade e segurança nas transferências do cuidado99. Zavodnick J, Jaffe R, Altshuler M, Cowan S, Wickersham A, Diemer G. Leveraging structural changes in an electronic health record tool to standardize written handoff. Am J Med Qual. 2018;Oct 20:1062860618808018. Epub 2018 Oct 20. doi: https://doi.org/10.1177/1062860618808018.
https://doi.org/10.1177/1062860618808018...
. Nesse contexto, as comunicações não estruturadas e as pressões para a rápida transferência do cuidado dos pacientes são destacados como alguns dos elementos que podem impedir que essa transição ocorra de forma segura1010. Smith CJ, Buzalko RJ, Anderson N, Michalski J, Warchol J, Ducey S, et al. Evaluation of a novel handoff communication strategy for patients admitted from the emergency department. West J Emerg Med. 2018;19(2):372-9. doi: https://doi.org/10.5811/westjem.2017.9.35121.
https://doi.org/10.5811/westjem.2017.9.3...
.

Sistemas de transferência de pacientes estruturados, utilizando ferramentas como acrônimos para organizar a passagem de informações, mostram-se eficientes para garantir os elementos de entrega, otimizar o tempo e diminuir as interrupções1111. Studeny S, Burley L, Cowen K, Akers M, O'Neill K, Flesher SL. Quality improvement regarding handoff. SAGE Open Med. 2017;5:2050312117729098. doi: https://doi.org/10.1177/2050312117729098.
https://doi.org/10.1177/2050312117729098...
. A exemplo disso, citam-se os pacientes submetidos à procedimentos cirúrgicos, os quais podem estar vulneráveis a complicações e erros pelas inúmeras transferências entre distintas unidades de atendimento e múltiplos profissionais44. Pena MM. Ocorre^ncia de eventos adversos e sua relac¸a~o com o fator comunicac¸a~o em um hospital universita´rio [tese]. Sa~o Paulo (SP): Universidade de Sa~o Paulo, Escola de Enfermagem; 2015 [citado 2018 out 28]. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/7/7140/tde-16092015-145053/pt-br.php.. Essa fragmentação da continuidade do cuidado, mesmo que necessária, pode levar a fragilidades em todo o sistema comprometendo a segurança da assistência1212. Stefani LC, Gutierrez CDS, Castro SMJ, Zimmer RL, Diehl FP, Meyer LE, et al. Derivation and validation of a preoperative risk model for postoperative mortality (SAMPE model): An approach to care stratification. PLoS ONE. 2017;12(10):e0187122. doi: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0187122.
https://doi.org/10.1371/journal.pone.018...
.

Algumas estratégias, como a adesão a protocolos que padronizam a execução das atividades e a educação permanente, podem prevenir e reduzir os riscos de eventos adversos, garantindo um cuidado mais seguro e qualificado, ainda que não representem uma solução completa e infalível11. Oliveira RM, Leitão IMTA, Silva, LMSS, Figueiredo SV, Sampaio RL, Gondim MM. Estratégias para promover segurança do paciente: da identificação dos riscos às práticas baseadas em evidências. Esc Anna Nery. 2014 [citado 2018 jun 26];18(1):122-9. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-81452014000100122&lng=en&nrm=iso&tlng=pt.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
,33. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (BR). Gerência de Vigilância e Monitoramento em Serviços de Saúde. Gerência Geral de Tecnologia em Serviços de Saúde. Investigação de eventos adversos em Serviços de Saúde. Brasília: Anvisa; 2016 [citado 2018 out 28]. Disponível em: https://www20.anvisa.gov.br/segurancadopaciente/index.php/publicacoes/item/caderno-6.. Nesse contexto, destaca-se a importância de investir continuamente para melhorias na eficácia da comunicação com enfoque nos processos de transferência do cuidado, visto que este é um dos aspectos fundamentais para garantir a segurança do paciente e a continuidade do cuidado entre a equipe multiprofissional. Para tal, cita-se a implementação de ferramentas de trabalho e o alinhamento de processos assistenciais que envolvam a transferência do cuidado entre os profissionais, como estratégias que podem contribuir para que a comunicação e a assistência ao paciente transcorram de forma mais segura e eficiente.

A visibilidade dos riscos e a identificação precoce de potenciais complicações no período pós-operatório são elementos que podem contribuir para a melhoria da assistência aos pacientes e nos processos de transferência do cuidado. Ao encontro do exposto, com a finalidade de avaliar precocemente o risco de mortalidade pós-operatória, o Serviço de Anestesia e Medicina Perioperatória (SAMPE), de um Hospital Universitário do Sul do Brasil, desenvolveu um modelo de probabilidade de morte no pós-operatório em até 30 dias e o denominou de modelo SAMPE.

O modelo é aplicado aos pacientes maiores de 16 anos e utiliza quatro variáveis identificadas no pré-operatório relacionadas às condições clínicas do paciente (idade e comorbidades) e às características do procedimento (porte cirúrgico e natureza do procedimento - urgência/emergência ou eletiva). Pontos de corte foram estabelecidos para identificar classes de risco, sinalizadas por cores: verde ou baixo risco (probabilidade de morte na internação em até 30 dias < 2%), amarelo ou risco intermediário (probabilidade entre 2 e 5%), laranja ou alto risco (probabilidade entre 5 e 10%) e vermelho ou altíssimo risco (probabilidade acima de 10%)1212. Stefani LC, Gutierrez CDS, Castro SMJ, Zimmer RL, Diehl FP, Meyer LE, et al. Derivation and validation of a preoperative risk model for postoperative mortality (SAMPE model): An approach to care stratification. PLoS ONE. 2017;12(10):e0187122. doi: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0187122.
https://doi.org/10.1371/journal.pone.018...
.

Diante disso, o objetivo deste manuscrito é descrever a implantação de um fluxograma de transferência do cuidado de pacientes com baixo risco de mortalidade pós-operatória, a partir da classificação do modelo SAMPE.

Metodologia

Trata-se de um relato de experiência sobre o processo de implantação de um projeto piloto que utilizou o modelo de risco SAMPE para qualificar e otimizar a transferência do cuidado de pacientes em pós-operatório imediato, da Sala de Recuperação Pós-Anestésica (SRPA) para unidade de internação cirúrgica, em um Hospital Universitário do Sul do Brasil.

A elaboração da proposta iniciou em outubro de 2017, a partir de encontros sistemáticos entre as lideranças da SRPA e de uma unidade de internação cirúrgica do local campo de estudo, a qual foi incluída por apresentar grande demanda de internações de pacientes em pós-operatório classificados como SAMPE verde, critério de inclusão para o projeto proposto. Foram excluídos pacientes classificados como SAMPE amarelo, laranja ou vermelho e/ou transferidos para outras unidades de internação cirúrgica.

A SRPA é constituída por 29 leitos, sendo 18 para pacientes adultos, cinco pediátricos, cinco de cuidados intensivos no pós-operatório e um leito de isolamento. Os pacientes são submetidos a procedimentos anestésico-cirúrgicos de pequeno, médio ou grande porte, permanecendo no local até recuperar a consciência e reflexos protetores, além da estabilidade dos sinais vitais. A unidade de internação cirúrgica compreende 18 leitos, dos quais 12 são destinados a pacientes adultos e seis para pacientes pediátricos, submetidos a procedimentos cirúrgicos ou diagnósticos eletivos, de pequeno e médio porte, que requerem cuidados e internação hospitalar por até 72 horas.

Em dezembro de 2017, após a sensibilização e capacitação das equipes das áreas envolvidas, tais como enfermagem, administrativo e médica, iniciou-se o projeto piloto com previsão de reavaliação dos resultados em três meses.

Resultados e Discussão

O quantitativo de leitos da SRPA, para o atendimento de pacientes adultos em pós-operatório, vem se mostrando insuficiente frente à demanda institucional, ocasionando, muitas vezes, a permanência do paciente no bloco cirúrgico por um tempo maior que o necessário. Esta indisponibilidade de leitos expõe o paciente que está despertando da anestesia a incidentes e riscos, como quedas e lesões de pele, por exemplo, devido ao posicionamento e a vulnerabilidade que se encontram em sala cirúrgica1313. Miranda AB, Fogaça AR, Rizzetto M, Lopes LCC. Surgical positioning: nursing care in the transoperative period. Rev SOBECC. 2016;21(1):52-8. doi: https://doi.org/10.5327/Z1414-4425201600010008.
https://doi.org/10.5327/Z1414-4425201600...
.

Entende-se que alguns fatores podem contribuir para a superlotação da SRPA, tais como a elevada demanda de procedimentos executados no bloco cirúrgico, a complexidade de cuidados decorrentes das cirurgias realizados e das mudanças no perfil clínico dos pacientes, e também, o tempo prolongado para saída após a alta para a unidade de internação. Este último aspecto é influenciado por algumas variáveis dentre elas a dificuldade de contato telefônico entre os enfermeiros, em ambas as unidades, considerando que estes profissionais apresentam diversas atribuições em seus locais de trabalho, as quais nem sempre permitem que, no mesmo momento, estejam disponíveis para a transferência de cuidado do paciente em pós-operatório.

O processo de trabalho institucional anterior à implementação deste projeto, presumia que o enfermeiro da SRPA realizasse contato telefônico com o enfermeiro da unidade de internação cirúrgica, repassando as informações pertinentes do paciente em condições de alta, após realização da cirurgia. Além disso, essas informações eram registradas em evolução no prontuário eletrônico. Após a transferência do cuidado, por meio telefônico, o paciente era inserido em uma lista de transportes da unidade de internação. O transporte dos pacientes entre as unidades é realizado pelos técnicos de enfermagem das áreas envolvidas que ao buscar o paciente, recebiam as informações pertinentes para garantir a continuidade do cuidado.

Diante da necessidade de otimizar a rotatividade de leitos na SRPA e transferência de cuidado para a unidade cirúrgica, foi proposto o desenvolvimento de um fluxograma baseado em um modelo de risco de mortalidade pós-operatória como estratégia para favorecer a movimentação de pacientes entre as áreas. A utilização da classificação de risco é uma metodologia que favorece a tomada de decisão dos profissionais envolvidos na assistência direta ao paciente1414. Shah N, Hamilton M. Clinical review: can we predict which patients are at risk of complications following surgery? Crit Care. 2013;17(3):226. doi: https://doi.org/10.1186/cc11904.
https://doi.org/10.1186/cc11904...
.

Inicialmente, optou-se por incluir no fluxograma pacientes com baixo risco de complicações, os quais são classificados como SAMPE verde e apresentam probabilidade de complicação pós-operatória menor que 2%. Somado a esse critério, foi incluído a necessidade do paciente não ter apresentado qualquer tipo de intercorrência e/ou instabilidade no período trans e pós-operatório, como perdas sanguíneas significativas, instabilidade hemodinâmica sustentada, arritmia sustentada, complicações cirúrgicas (perfuração e/ou laceração de estruturas), dor e/ou presença de náuseas e vômitos de difícil controle, as quais foram elencadas e validadas pelos profissionais envolvidos.

Dessa forma, os pacientes que atendiam aos critérios pactuados entre as áreas, foram transferidos da SRPA para a unidade de internação sem a necessidade de contato telefônico entre os enfermeiros. A segurança no processo de transferência de cuidado foi mantida pela evolução de enfermagem no prontuário eletrônico e o compartilhamento de informações entre os técnicos de enfermagem da SRPA e unidade de internação no momento da transferência física do paciente de uma unidade para outra. Naqueles casos em que o paciente apresentou risco acima de 2% ou intercorrências/instabilidade no período trans e/ou pós-operatório, a transferência de cuidado via contato telefônico entre os enfermeiros foi mantida, além das demais estratégias de comunicação já descritas. A figura 1 ilustra o fluxograma de transferência de cuidado de pacientes com baixo risco de mortalidade no pós-operatório.

Figura 1:
Fluxograma para a transferência de cuidado de pacientes com baixo risco de mortalidade no pós-operatório

Na fase inicial do projeto piloto foi identificado impressão de baixa segurança na equipe de enfermagem, principalmente entre os enfermeiros, pelo fato de encaminharem e/ou receberem o paciente sem realizarem a transferência de cuidado por contato telefônico, o que tradicionalmente fazia parte da organização do processo de trabalho. Ao longo do desenvolvimento do projeto, contudo, a qualificação dos registros na evolução de alta dos pacientes minimizou os julgamentos iniciais de baixa segurança, que presumiam negligência de informações relevantes, ocasionando melhorias na confiança entre as equipes. Outro aspecto aprimorado foi a transferência de cuidado entre os técnicos de enfermagem, possibilitando que estes profissionais se apropriassem das informações repassadas, compreendendo a importância dessa etapa na continuidade da assistência ao paciente.

A comunicação realizada apenas por telefone pode ser mais passível de erro, uma vez que diferentes sotaques, dialetos ou pronúncias, ruídos de fundo, interrupções e terminologias desconhecidas poderiam dificultar a compreensão do receptor e promover falhas. Nesse sentido, a exclusão desta etapa, com consequente qualificação dos registros no prontuário do paciente e maior investimento na qualidade no compartilhamento de informações de maneira verbal entre os profissionais de enfermagem no momento da transferência de cuidado, vem ao encontro do preconizado pelas metas internacionais de segurança no âmbito da comunicação88. Joint Commission International (US). Padrões de acreditação da Joint Commission International para hospitais: incluindo padrões para hospitais - centros médicos acadêmicos. 6ª ed. Oakbrook Terrace; 2017..

O trabalho em equipe pode ser impulsionador de transformações relacionadas a comunicação efetiva e, para uma cultura organizacional positiva, aspecto que representa constante desafio, visto que requer avaliação permanente dos processos somados a valores, hábitos, crenças, normas e experiências vivenciadas e compartilhadas pelos gestores e profissionais das organizações. Nesta perspectiva, a comunicação efetiva refletirá favoravelmente nos processos assistenciais e, consequentemente, na qualidade dos serviços e segurança do paciente1515. Nogueira JWS, Rodrigues MCS. Effective communication in teamwork in health: a challenge for patient safety. Cogitare Enferm. 2015;20(3):630-4. doi: https://doi.org/10.5380/ce.v20i3.40016.
https://doi.org/10.5380/ce.v20i3.40016...
.

Durante o projeto piloto algumas situações que geraram dúvidas entre a equipe de enfermagem foram identificadas e necessitaram de revisão e esclarecimento, como inclusão de pacientes que permaneceram de pernoite na SRPA e pacientes com analgesia contínua em cateter peridural. Foi definido pelas equipes envolvidas que não havendo intercorrências com esses pacientes, eles poderiam permanecer no fluxo definido para pacientes de baixo risco, ou seja SAMPE verde.

Os principais resultados observados pelos profissionais, em ambas unidades, após três meses de implementação do projeto, foram: a agilidade da alta do paciente da SRPA, em decorrência da redução na média de sete minutos de permanência por pacientes, totalizando uma hora diária; redução na frequência de formação de fila de espera de macas para o Bloco Cirúrgico ao final dos turnos; qualificação dos registros quanto aos cuidados de enfermagem referentes ao quadro clínico do paciente; e otimização do tempo dos enfermeiros para atividades assistenciais. Destaca-se que, neste período, não foram observadas intercorrências relacionadas à proposta de transferência de cuidado.

Considerações Finais

A elaboração e aplicação de um fluxograma de transferência do cuidado específico com foco na comunicação efetiva para pacientes em pós-operatório possibilita visibilidade para eventuais complicações, o que durante a internação hospitalar contribui para a segurança do paciente. Além disso, o fato deste modelo ter sido criado e direcionado para o perfil da população, que utiliza os serviços no hospital campo do estudo, faz com que contemple as necessidades e especificidades reais da instituição.

A proposta do presente projeto entre as unidades envolvidas busca melhorias na redução do tempo de permanência do paciente de baixo risco na SRPA e os possíveis eventos adversos a que fica exposto. A implementação do projeto piloto e os ajustes necessários ao longo de sua execução possibilitou adotar o fluxograma proposto de maneira permanente, prevendo sua ampliação para as demais unidades cirúrgicas, contemplando também as outras classificações SAMPE com base em fluxogramas específicos de cuidados para cada uma das classes de risco.

Faz-se necessário que os processos de trabalho voltados para a transferência dos pacientes sejam constantemente avaliados e reestruturados, podendo sofrer adequações de acordo com as necessidades dos usuários e também das instituições de saúde. Por se tratar de um processo inovador, é fundamental um olhar gerencial crítico sobre o processo, a fim de culminar na redução de riscos e danos, e na incorporação de boas práticas que favoreçam a eficácia e a segurança dos cuidados de enfermagem. Devido a estas implicações, a implementação do fluxograma de transferência do cuidado específico com foco na comunicação efetiva para pacientes em pós-operatório poderá trazer contribuições para o ensino, pesquisa e assistência em enfermagem.

As limitações deste estudo estão relacionadas a dados observacionais de um projeto piloto que envolve uma unidade de internação cirúrgica específica. Sugere-se a realização de estudos que avaliem a relação entre tempo de permanência na SRPA, qualificação dos registros da enfermagem e diminuição de eventos adversos, mediante a utilização do fluxograma para a transferência de cuidado de pacientes com baixo risco de mortalidade no pós-operatório.

Referências

  • 1
    Oliveira RM, Leitão IMTA, Silva, LMSS, Figueiredo SV, Sampaio RL, Gondim MM. Estratégias para promover segurança do paciente: da identificação dos riscos às práticas baseadas em evidências. Esc Anna Nery. 2014 [citado 2018 jun 26];18(1):122-9. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-81452014000100122&lng=en&nrm=iso&tlng=pt
    » http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-81452014000100122&lng=en&nrm=iso&tlng=pt
  • 2
    Möller G, Magalhães AMM. Bed baths: nursing staff workload and patient safety. Texto Contexto Enferm. 2015;24(4):1044-52. doi: https://doi.org/10.1590/0104-0707201500003110014.
    » https://doi.org/10.1590/0104-0707201500003110014
  • 3
    Agência Nacional de Vigilância Sanitária (BR). Gerência de Vigilância e Monitoramento em Serviços de Saúde. Gerência Geral de Tecnologia em Serviços de Saúde. Investigação de eventos adversos em Serviços de Saúde. Brasília: Anvisa; 2016 [citado 2018 out 28]. Disponível em: https://www20.anvisa.gov.br/segurancadopaciente/index.php/publicacoes/item/caderno-6.
  • 4
    Pena MM. Ocorre^ncia de eventos adversos e sua relac¸a~o com o fator comunicac¸a~o em um hospital universita´rio [tese]. Sa~o Paulo (SP): Universidade de Sa~o Paulo, Escola de Enfermagem; 2015 [citado 2018 out 28]. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/7/7140/tde-16092015-145053/pt-br.php.
  • 5
    Costa NN, Silva AEBC, Lima JC, Barbosa MRS, Freitas JS, Bezerra ALQ. O retrato dos eventos em uma clínica médica: análise de uma década. Cogitare Enferm. 2016;21(esp):1-10. doi: https://doi.org/10.5380/ce.v21i5.45661.
    » https://doi.org/10.5380/ce.v21i5.45661
  • 6
    Reay G, Norris JM, Hayden KA, Abraham J, Yokom K, Nowell L, et al. Transition in care from paramedics to emergency department nurses: a systematic review protocol. Syst Rev. 2017;6(1): 260. doi: https://doi.org/10.1186/s13643-017-0651-z.
    » https://doi.org/10.1186/s13643-017-0651-z
  • 7
    Pena MM, Melleiro MM. Eventos adversos decorrentes de falhas de comunicação: reflexões sobre um modelo para transição do cuidado. Rev Enferm UFSM. 2018 [citado 2018 nov 15];8(3):616-25. Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/reufsm/article/view/25432
    » https://periodicos.ufsm.br/reufsm/article/view/25432
  • 8
    Joint Commission International (US). Padrões de acreditação da Joint Commission International para hospitais: incluindo padrões para hospitais - centros médicos acadêmicos. 6ª ed. Oakbrook Terrace; 2017.
  • 9
    Zavodnick J, Jaffe R, Altshuler M, Cowan S, Wickersham A, Diemer G. Leveraging structural changes in an electronic health record tool to standardize written handoff. Am J Med Qual. 2018;Oct 20:1062860618808018. Epub 2018 Oct 20. doi: https://doi.org/10.1177/1062860618808018
    » https://doi.org/10.1177/1062860618808018
  • 10
    Smith CJ, Buzalko RJ, Anderson N, Michalski J, Warchol J, Ducey S, et al. Evaluation of a novel handoff communication strategy for patients admitted from the emergency department. West J Emerg Med. 2018;19(2):372-9. doi: https://doi.org/10.5811/westjem.2017.9.35121.
    » https://doi.org/10.5811/westjem.2017.9.35121
  • 11
    Studeny S, Burley L, Cowen K, Akers M, O'Neill K, Flesher SL. Quality improvement regarding handoff. SAGE Open Med. 2017;5:2050312117729098. doi: https://doi.org/10.1177/2050312117729098.
    » https://doi.org/10.1177/2050312117729098
  • 12
    Stefani LC, Gutierrez CDS, Castro SMJ, Zimmer RL, Diehl FP, Meyer LE, et al. Derivation and validation of a preoperative risk model for postoperative mortality (SAMPE model): An approach to care stratification. PLoS ONE. 2017;12(10):e0187122. doi: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0187122.
    » https://doi.org/10.1371/journal.pone.0187122
  • 13
    Miranda AB, Fogaça AR, Rizzetto M, Lopes LCC. Surgical positioning: nursing care in the transoperative period. Rev SOBECC. 2016;21(1):52-8. doi: https://doi.org/10.5327/Z1414-4425201600010008
    » https://doi.org/10.5327/Z1414-4425201600010008
  • 14
    Shah N, Hamilton M. Clinical review: can we predict which patients are at risk of complications following surgery? Crit Care. 2013;17(3):226. doi: https://doi.org/10.1186/cc11904.
    » https://doi.org/10.1186/cc11904
  • 15
    Nogueira JWS, Rodrigues MCS. Effective communication in teamwork in health: a challenge for patient safety. Cogitare Enferm. 2015;20(3):630-4. doi: https://doi.org/10.5380/ce.v20i3.40016.
    » https://doi.org/10.5380/ce.v20i3.40016

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Abr 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    31 Ago 2018
  • Aceito
    30 Nov 2018
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Escola de Enfermagem Rua São Manoel, 963 -Campus da Saúde , 90.620-110 - Porto Alegre - RS - Brasil, Fone: (55 51) 3308-5242 / Fax: (55 51) 3308-5436 - Porto Alegre - RS - Brazil
E-mail: revista@enf.ufrgs.br