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Intervenção breve antibullying para adolescentes em escolas públicas

RESUMO

Objetivos:

Avaliar os resultados de uma intervenção breve antibullying para adolescentes de escolas públicas.

Método:

Estudo experimental controlado, com 1.043 estudantes do 5º ao 9º ano de escolas públicas de Porto Alegre/RS, realizado entre abril e novembro de 2015. Os adolescentes e os professores das escolas sorteados para o grupo intervenção participaram de dois encontros com foco em aspectos educativos sobre bullying. O desfecho foi avaliado por meio do Questionário de Bullying versão vítima e versão agressor. Utilizou-se o Generalized Estimating Equations para avaliar o efeito da intervenção.

Resultados:

A média de idade foi de 12,5 (DP=1,62) anos. Um total 613 (58,7%) adolescentes receberam a intervenção e foram comparados com 430 (41,3%) participantes do grupo controle. Não foi observada diferença significativa nos escores de bullying após a intervenção.

Conclusões:

Os resultados indicam a utilidade de se esclarecer o que é o bullying, como uma estratégia educativa inicial sobre o tema.

Palavras-chave:
Bullying; Adolescente; Serviços de saúde escolar

ABSTRACT

Objectives:

To assess the results of a brief antibullying intervention for adolescents in public schools.

Method:

This was a controlled experimental study whose subjects were 1,043 students in 5th through 9th grades from public schools in Porto Alegre/State of Rio Grande do Sul, conducted between April and November 2015. Adolescents and school teachers randomly assigned to the intervention group participated in two meetings focused on educative aspects of bullying. Outcome was assessed using the Bullying Questionnaire - victim and perpetrator version. Generalized Estimating Equations was used to evaluate the effect of the intervention.

Results:

Average age of subjects was 12.5 (SD=1.62) years. A total of 613 (58.7%) adolescents participated in interventions. They were compared to 430 (41.3%) participants in the control group. The study did not observe any significant difference in bullying scores after the intervention.

Conclusions:

This study indicates the usefulness of clarifying precisely what bullying is in schools as part of an initial approach to an educative strategy on this topic.

Keywords:
Bullying; Adolescent; School health services

RESUMEN

Objetivos:

Evaluar los resultados de una intervención breve antibullying para adolescentes de escuelas públicas.

Método:

Se trata de estudio experimental controlado, con 1.043 estudiantes del 5º al 9º año de escuelas públicas de Porto Alegre/RS, realizado entre abril y noviembre de 2015. Los adolescentes y los profesores de las escuelas sorteados para el grupo la intervención participaron de dos encuentros con enfoque en aspectos educativos sobre bullying. Los demás adolescentes participaron del grupo control. El resultado se evaluó utilizando Bullying Questionnaire versión para víctimas y la versión para agresores. Se utilizaron Generalized Estimating Equations para evaluar el efecto de la intervención.

Resultados:

El promedio de edad fue de 12,5 (DP=1,62) años. Un total 613 (58,7%) adolescentes recibieron la intervención y fueron comparados con 430 (41,3%) participantes del grupo control. No se observó diferencia significativa en los resultados de bullying después de la intervención.

Conclusiones:

Los resultados indican la utilidad de aclarar en las escuelas precisamente que es el bullying, como una estrategia educativa inicial sobre el tema.

Palabras clave:
Acoso escolar; Adolescente; Servicios de salud escolar

INTRODUÇÃO

O bullying é entendido como um comportamento agressivo, ofensivo, repetitivo e frequente, perpetrado por uma pessoa ou um grupo contra outra pessoa ou outro grupo, com a intenção de ferir ou humilhar, caracterizado por uma relação desigual de poder11. Juvonen J, Graham S. Bullying in schools: the power of bullies and the plight of victims. Annu Rev Psychol. 2014;5:159-85. doi: https://doi.org/10.1146/annurev-psych-010213-115030
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-22. Malta DC, Porto DL, Crespo CD, Silva MMA, Andrade SSC, Mello FCM, et al. Bullying in Brazilian school children: analysis of the National Adolescent School-based Health Survey (PeNSE 2012). Rev Bras Epidemiol. 2014;17(Suppl 1):92-105. doi: https://doi.org/10.1590/1809-4503201400050008
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. A classificação do comportamento de bullying é determinada de acordo com o tipo e a forma de envolvimento. Assim, aquele que o pratica é denominado de agressor, enquanto os que o sofrem são chamados de vítimas11. Juvonen J, Graham S. Bullying in schools: the power of bullies and the plight of victims. Annu Rev Psychol. 2014;5:159-85. doi: https://doi.org/10.1146/annurev-psych-010213-115030
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. Quanto à forma de agressão, pode ser definida como direta física ou verbal, quando o comportamento ocorre na presença do agressor (por exemplo: bater, xingar, etc.), ou indireta, quando não há comunicação presencial entre a vítima e o agressor (por exemplo: difamar, destruir objetos, etc.)22. Malta DC, Porto DL, Crespo CD, Silva MMA, Andrade SSC, Mello FCM, et al. Bullying in Brazilian school children: analysis of the National Adolescent School-based Health Survey (PeNSE 2012). Rev Bras Epidemiol. 2014;17(Suppl 1):92-105. doi: https://doi.org/10.1590/1809-4503201400050008
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.

O bullying tem-se mostrado um problema prevalente nas escolas brasileiras. De acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde Escolar (PeNSE), realizada em 2015 com mais de 100 mil alunos do 9º ano de escolas públicas e privadas de cinco regiões do país, apontou-se que 40% dos estudantes haviam sido eventualmente vítimas de bullying, sendo 7,4% quase sempre ou sempre no último mês33. Mello FCM, Malta DC, Santos MG, Silva MMA, Silva MAI. Evolution of the report of suffering bullying among Brazilian schoolchildren: National Scholl Health Survey - 2009 to 2015. Rev Bras Epidemiol. 2018;21 (Suppl 1):e180015. doi: https://doi.org/10.1590/1980-549720180015.supl.1
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. Em comparação com os dados do PeNSE utilizando-se o mesmo método de coleta em 2009, o resultado indicou que houve aumento de 37% nos relatos desse tipo de ocorrência ao longo de seis anos.

O impacto negativo do bullying entre jovens, tanto vítimas quanto agressores, vem sendo evidenciado em curto e em longo prazo. Entre as consequências, salientam-se a dificuldade de aprendizagem e a evasão escolar, o abuso de substâncias e os problemas de saúde mental externalizantes (como transtorno de conduta) e internalizantes (como depressão e ansiedade)44. Luk JW, Patock-Peckham JA, Medina M, Terrell N, Belton D, King KM. Bullying perpetration and victimization as externalizing and internalizing pathways: a retrospective study linking parenting styles and self-esteem to depression, alcohol use, and alcohol-related problems. Subst Use Misuse. 2016;51(1):113-25. doi: https://doi.org/10.3109/10826084.2015.1090453
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-66. Sentse M, Prinzie P, Samivalli C. Testing the direction of longitudinal paths between victimization, peer rejection, and different types of internalizing problems in adolescence. J Abnorm Child Psychol. 2017;45(5):1013-23. doi: https://doi.org/10.1007/s10802-016-0216-y
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. Devido ao efeito nocivo do bullying sobre os envolvidos e à sua alta prevalência, sobretudo nas escolas, o desenvolvimento de programas de intervenção antibullying para crianças e adolescentes tem sido alvo de estudos77. Silva JL, Oliveira WA, Mello FCM, Andrade LS, Bazon MR, Silva MAI. Anti-bullying interventions in schools: a systematic literature review. Ciênc Saúde Coletiva. 2017;22(7):2329-40. doi: https://doi.org/10.1590/1413-81232017227.16242015
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-88. Wölfer R, Scheithauer H. Social influence and bullying behavior: intervention-based network dynamics of the fairplayer manual bullying prevention program. Aggress Behav. 2014;40(4):309-19. doi: https://doi.org/10.1002/ab.21524
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.

O resultado de uma revisão sistemática com o objetivo de avaliar o efeito das intervenções antibullying indicou que, de modo geral, os programas são efetivos para a redução dos casos de bullying. Entre as principais estratégias, observou-se que maior supervisão na hora do intervalo, capacitação dos professores para manejo em sala de aula, estabelecimento de regras claras e envolvimento da família são eficazes para minimizar o bullying. A revisão destacou ainda que a intensidade e a duração dos programas antibullying estavam associadas à efetividade, assim como as abordagens múltiplas - envolvendo professores, pais e alunos - mostraram-se mais efetivas do que as abordagens únicas77. Silva JL, Oliveira WA, Mello FCM, Andrade LS, Bazon MR, Silva MAI. Anti-bullying interventions in schools: a systematic literature review. Ciênc Saúde Coletiva. 2017;22(7):2329-40. doi: https://doi.org/10.1590/1413-81232017227.16242015
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. Nesse contexto, intervenções que visem prevenir e diminuir tais ocorrências no ambiente escolar têm sido postas em prática na Europa e nos Estados Unidos88. Wölfer R, Scheithauer H. Social influence and bullying behavior: intervention-based network dynamics of the fairplayer manual bullying prevention program. Aggress Behav. 2014;40(4):309-19. doi: https://doi.org/10.1002/ab.21524
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.

No Brasil, estudos que tratam de intervenções antibullying ainda são escassos. Em 2015, entrou em vigência a Lei nº 13.185, que institui o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying) em todo o território nacional. Entre seus objetivos, destacam-se: a prevenção e o combate à prática da intimidação sistemática em toda a sociedade; a capacitação de docentes e equipes pedagógicas para a implementação das ações de discussão, prevenção, orientação e solução do problema99. Ministério da Educação (BR). Lei nº 13.185, de 6 de novembro de 2015. Institui o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying). Brasília (DF); 2015 [cited 2018 Apr 25]. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13185.htm
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. Atualmente, as ações de saúde nas escolas públicas são realizadas por meio do Programa Saúde na Escola (PSE)1010. Presidência da República (BR). Decreto nº 6.286, de 5 de dezembro de 2007. Institui o Programa Saúde na Escola (PSE) e dá outras providências. Brasília (DF); 2007 [cited 2017 Apr 20]. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/d6286.htm
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, sendo que a política de combate ao bullying pode ser implementada via equipe multiprofissional das Unidades Básicas de Saúde (UBS) e das Estratégias de Saúde da Família (ESF).

O PSE tem como um de seus objetivos promover a saúde e a cultura da paz, enfatizando-se não só a prevenção de agravos à saúde, mas também a articulação de ações dos setores da saúde e da educação, aproveitando o espaço escolar e seus recursos para fortalecer o enfrentamento das vulnerabilidades1010. Presidência da República (BR). Decreto nº 6.286, de 5 de dezembro de 2007. Institui o Programa Saúde na Escola (PSE) e dá outras providências. Brasília (DF); 2007 [cited 2017 Apr 20]. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/d6286.htm
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. Além disso, o programa tem o intuito de estabelecer uma interface entre a saúde e a educação, promovendo um trabalho interdisciplinar e intersetorial com possibilidades concretas de intervenções. Nesse cenário, a enfermagem assume importante papel, na medida em que pode atuar, junto aos professores, nas etapas de identificação e prevenção de bullying e na realização de intervenções antibullying1111. Silva MAI, Silva JL, Pereira BO, Oliveira WA, Medeiros M. The view of teachers on bullying and implications for nursing. Rev Esc Enferm USP. 2014;48(4):723-30. doi: https://doi.org/10.1590/S0080-623420140000400021
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.

Considerando-se a relevância de estudos em escolas na temática bullying, o presente estudo pretende avaliar os resultados de uma intervenção breve antibullying para adolescentes de escolas públicas. A hipótese de pesquisa pressupõe que uma intervenção breve pode diminuir a ocorrência de bullying entre adolescentes de escolas públicas.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo experimental controlado1212. Bottan G. Avaliação de resultados de intervenção breve antibullying para adolescentes em escolas públicas [tese]. Porto Alegre (RS): Escola de Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2018. . A seleção da amostra ocorreu em outubro de 2014, a partir de uma lista de nove escolas que aderiram ao PSE fornecida pela Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre/RS. O tamanho da amostra foi calculado pelo Programa WINPEPI versão 11.43, sendo que a amostra mínima calculada foi de 280 indivíduos para cada grupo. Tendo em vista que a média por escola era de 250 alunos do 5º ao 9º ano, foram sorteadas duas escolas para o grupo intervenção e duas para o grupo controle.

Para a inclusão dos adolescentes no estudo, foram definidos os seguintes critérios: ter idade entre 10 e 17 anos, ser de ambos os sexos, estar matriculado nas escolas selecionadas e estar presente em sala de aula nos dias de coleta de dados. Como critérios de exclusão, consideraram-se o diagnóstico conhecido e informado pela escola de déficit cognitivo ou de transtorno global do desenvolvimento e o não preenchimento dos instrumentos na etapa inicial da pesquisa. A amostra analisada, conforme os critérios definidos, constituiu-se de 1.043 adolescentes, sendo 613 no grupo intervenção e 430 no grupo controle.

Estudantes de graduação e pós-graduação de enfermagem, psicologia e psiquiatria compuseram a equipe de pesquisa, tendo passado por capacitações para a utilização dos instrumentos descritos a seguir. Os pais ou responsáveis receberam um termo de dissentimento, acompanhado do prazo de sete dias para manifestar-se caso não autorizassem a participação do(s) filho(s) no estudo. Os alunos autorizados pelos pais e que aceitaram participar do estudo assinaram um termo de assentimento.

A coleta de dados dos adolescentes foi realizada em sala de aula um mês antes e dois meses depois da intervenção, entre os meses de abril e novembro de 2015. No grupo controle, foram aplicados os mesmos instrumentos com igual intervalo de tempo que o realizado no grupo intervenção.

Entre os instrumentos aplicados, a pesquisa contou com um protocolo de dados sociodemográficos e de desempenho escolar. O comportamento de bullying foi avaliado com o Questionário de Bullying (QB) de autorrelato, composto por 23 itens sobre a prática de bullying (QB-versão agressor) e 23 itens sobre vitimização (QB-versão vítima), considerando-se os últimos 30 dias. Cada item questiona uma atitude e a frequência com que ocorreu (1. nunca; 2. uma ou duas vezes no mês e 3. uma ou mais vezes por semana). Por exemplo: “Dei socos, pontapés ou empurrões” (versão agressor); “Me deram socos, pontapés ou empurrões” (versão vítima). Também é possível utilizar as versões do QB para definir a forma de prática de bullying direto físico, direto verbal e indireto1313. Gonçalves FG, Heldt E, Peixoto BN, Rodrigues GA, Filipetto M, Guimarães LSP. Construct validity and reliability of Olweus Bully/Victim Questionnaire - Brazilian version. Psicol Reflex Crit. 2016;29:27. doi: https://doi.org/10.1186/s41155-016-0019-7
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-1414. Reisen A, Viana MC, Santos-Neto ET. Bullying among adolescents: are the victims also perpetrators? Braz J Psychiatry. 2019;41(6):518-29. doi: https://doi.org/10.1590/1516-4446-2018-0246
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. Assim, quanto maior o escore, maior será o envolvimento com a prática de bullying, conforme o tipo (agressor, vítima e vítima-agressor) e a forma (direto físico, direto verbal e indireto).

A intervenção breve proposta foi aplicada pelos pesquisadores em toda a escola. Foram realizados dois encontros (duração média de 90 minutos cada) com os adolescentes nas respectivas turmas de aula e com os professores das escolas sorteadas para a intervenção. No primeiro encontro com os adolescentes, pretendeu-se abordar as questões relacionadas ao bullying, ao preconceito e à vitimização por meio de uma dinâmica para sensibilizar sobre o tema. No segundo encontro com cada turma, foram estabelecidas as principais regras sobre o que é aceitável ou não em sala de aula, com vistas a exercitar a habilidade social de civilidade e empatia.

No primeiro encontro com os professores, também foram abordadas as mesmas temáticas e dinâmicas que haviam sido desenvolvidas com os adolescentes. O intuito era de sensibilizar os professores para a situação pela qual seus alunos poderiam estar passando - seja como vítimas, seja como agressores. No segundo encontro, explicou-se por meio de aula expositiva e dialogada as diferenças conceituais sobre bullying e outros tipos de violência, como o comportamento delinquente, incluindo-se estratégias viáveis para enfrentar o bullying na escola. Ao final da intervenção, um folder com informações sobre o tema bullying foi entregue aos adolescentes (com orientação de compartilharem com os pais) e aos professores.

Os dados foram descritos em média e desvio padrão para variáveis contínuas com distribuição normal e em mediana e intervalo interquartil para variáveis assimétricas. As variáveis categóricas apresentaram-se em frequência absoluta e percentual. Para comparar as características sociodemográficas, os aspectos referentes ao desempenho escolar e os escores de bullying iniciais entre os grupos, foram utilizados os testes Qui-quadrado Exato de Fisher ou Pearson e o Teste t ou Mann-Whitney, conforme distribuição verificada pelo teste de Shapiro-Wilk.

Para analisar o resultado da intervenção entre os tempos antes e depois, realizou-se a comparação dos efeitos dessas duas variáveis e o efeito da interação (grupo*tempo). Nesse caso, utilizou-se o modelo de Generalized Estimating Equations (GEE) com uma matriz de correlação de trabalho não estruturada, uma matriz de covariância de estimador robusto e uma distribuição gamma com função ligada à identidade. Essas análises foram controladas para as seguintes variáveis: sexo, série escolar e repetência. Os dados foram analisados durante os meses de janeiro a agosto de 2016 pelo programa estatístico PASW, versão 18.0. O nível de significância adotado foi de 0,05.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e pelo CEP da Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre (CAEE nº 19651113.5.3001.5347).

RESULTADOS

A amostra final analisada constitui-se de 1.043 (74,4%) adolescentes, dos quais 526(50,4%) eram do sexo feminino, com média (desvio padrão) de idade de 12,5 (DP=1,62) e predomínio da etnia autodeclarada branca (n=481; 46,8%). Em relação ao desempenho escolar, a maioria negou ter sofrido repetência (n=638; 61,3%) ou suspensão/expulsão da escola (n=966; 93,5%).

Após o sorteio entre as escolas, 613 (58,7%) adolescentes foram designados para o grupo intervenção e 430 (41,3%) para o grupo controle. As comparações entre as características sociodemográficas, de desempenho escolar e dos escores totais de bullying de ambos os grupos estão apresentadas na Tabela 1.

Tabela 1 -
Caracterização da amostra e comparação entre os grupos intervenção e controle (Porto Alegre/RS, Brasil)

Houve diferença significativa entre os grupos em relação à repetência (p=0,017) e aos escores totais de bullying agressor (p=0,022), tendo sido maiores no grupo controle quando comparado ao grupo intervenção. Entretanto, a diferença da média dos escores não apresentou relevância clínica. Nas demais variáveis, não foram observadas diferenças significativas entre os grupos.

Ao se analisar os resultados, observa-se que não houve interação significativa entre a grupo*tempo, comparando-se os escores do QB entre os que receberam a intervenção e os controles (Tabelas 2 e 3), ou seja, não houve efeito da intervenção ao longo do tempo nas diferentes formas de vítima (Tabela 2). Contudo, nas formas de bullying direto físico, direto verbal e indireto das vítimas, houve aumento significativo nos escores na segunda avaliação para ambos os grupos. O total do QB-versão vítima não apresentou diferença significativa no tempo, no grupo e na interação grupo*tempo.

Tabela 2 -
Resultado da intervenção antibullying, considerando-se as diferentes formas de bullying vítima (Porto Alegre/RS, Brasil)

O comportamento como agressor foi significativo somente no efeito ao longo do tempo nas formas direto físico, direto verbal e bullying indireto, apresentando média maior no segundo momento (Tabela 3). Além disso, o efeito do tempo mostra uma média maior no segundo momento nas variáveis citadas, sendo que os adolescentes do grupo controle apresentaram escores maiores que os alunos do grupo intervenção. Contudo, a diferença da média dos escores não apresentou relevância clínica.

Tabela 3 -
Resultado da intervenção antibullying, considerando-se as diferentes formas de bullying agressor (Porto Alegre/RS, Brasil)

DISCUSSÃO

O estudo avaliou resultados de uma intervenção breve antibullying para adolescentes de escolas públicas. No entanto, os resultados não indicaram efeito significativo do modelo de intervenção proposto. Uma das hipóteses de tal achado deve-se ao fato de a intervenção ter sido breve, havendo poucos encontros para discussão acerca do tema e ocorrendo com todos os adolescentes, sem focar nos grupos de envolvidos. Em outras palavras, a intervenção foi aplicada em toda a escola, sem considerar se o aluno estivesse envolvido ou não com bullying. Ainda assim, abordar o tema no ambiente escolar mostra-se extremamente positivo, uma vez que oportuniza esclarecimentos e discussão sobre bullying11. Juvonen J, Graham S. Bullying in schools: the power of bullies and the plight of victims. Annu Rev Psychol. 2014;5:159-85. doi: https://doi.org/10.1146/annurev-psych-010213-115030
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.

Independentemente do impacto para a diminuição nos escores do QB, a intervenção representa um primeiro momento para discutir esse tema, podendo auxiliar estudantes e professores a esclarecer o que realmente é bullying. Por exemplo, é provável que determinados comportamentos não fossem considerados como tais por desconhecimento. Todavia, após responderem ao questionário, os adolescentes passaram a identificá-los: em ambos os grupos, a média dos escores de bullying aumentou em comparação aos escores iniciais.

Os escores do QB no grupo controle aumentaram mais do que no grupo intervenção, o que pode ter relação com o curto espaço de tempo para que, além da conscientização, ocorra a mudança significativa de comportamento. De acordo com estudos de revisão sistemática sobre intervenção antibullying, a efetividade dos programas também depende da frequência das sessões e da duração ao longo do ano letivo77. Silva JL, Oliveira WA, Mello FCM, Andrade LS, Bazon MR, Silva MAI. Anti-bullying interventions in schools: a systematic literature review. Ciênc Saúde Coletiva. 2017;22(7):2329-40. doi: https://doi.org/10.1590/1413-81232017227.16242015
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. Em outro estudo, os autores afirmam que as abordagens múltiplas, envolvendo professores, pais e alunos, são mais efetivas do que as abordagens únicas1515. Evans CB, Fraser MW, Cotter KL. The effectiveness of school-based bullying prevention programs: a systematic review. Aggress Violent Behav. 2014;19(5):532-44. doi: https://doi.org/10.1016/j.avb.2014.07.004
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.

De fato, as intervenções antibullying são heterogêneas, sobretudo quanto à forma de aplicação, o que dificulta a comparação entre os estudos. Apesar disso, é consenso que o preparo e a habilidade por parte dos professores e dos diretores de escolas, além dos profissionais da saúde, são aspectos fundamentais para a identificação precoce desse tipo de comportamento, para a tomada de iniciativas e para a realização de intervenções ao longo do tempo no ambiente escolar1616. Smith PK, Bauman S, Wong D. Challenges and opportunities of anti-bullying intervention programs. Int J Environ Res Public Health. 2019;16(10):1810. doi: https://doi.org/10.3390/ijerph16101810
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.

Dado que o bullying é considerado um problema de saúde coletiva, políticas públicas que definam estratégias efetivas de prevenção precoce precisam ser implementadas para minimizar sofrimentos individuais e custos posteriores com o tratamento de doenças desencadeadas pelo envolvimento com tais ocorrências1717. Menesini E, Salmivalli C. Bullying in schools: the state of knowledge and effective interventions. Psychol Health Med. 2017;22(Supl1):240-53. doi: https://doi.org/10.1080/13548506.2017.127974
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. No Brasil, embora a Lei nº 13.185, que instituiu em todo o território nacional o combate à prática das intimidações99. Ministério da Educação (BR). Lei nº 13.185, de 6 de novembro de 2015. Institui o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying). Brasília (DF); 2015 [cited 2018 Apr 25]. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13185.htm
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, tenha sido decretada em 2015, ainda não se observam medidas sistemáticas para detecção e prevenção do comportamento de bullying.

Portanto, devido à especificidade e à complexidade do problema, o comportamento de bullying deve ser objeto de ação interdisciplinar, multiprofissional e intersetorial1010. Presidência da República (BR). Decreto nº 6.286, de 5 de dezembro de 2007. Institui o Programa Saúde na Escola (PSE) e dá outras providências. Brasília (DF); 2007 [cited 2017 Apr 20]. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/d6286.htm
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. O referencial adotado pelo PSE reconhece a saúde como multideterminada, tendo em vista que os processos socioambientais são transversais e precisam ser considerados, sobretudo na fase da adolescência1818. Freitas RJM, Moura NA, Monteiro ARM. Violence against children/adolescents in psychic suffering and nursing care: reflections of social phenomenology. Rev Gaúcha Enferm. 2016; 7(1):e52887. doi: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2016.01.52887
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.

De acordo com o PSE, a escola passa a ser entendida, então, como local privilegiado de relações e espaço para o desenvolvimento de ações de saúde que priorizem o cultivo de hábitos saudáveis, relações positivas, emancipação dos sujeitos e construção da sua autonomia. Nesse contexto, o papel do enfermeiro vinculado à atenção primária em saúde pode subsidiar e apoiar tanto os professores quanto os demais profissionais da educação e da saúde para identificar situações de bullying e nelas intervir1111. Silva MAI, Silva JL, Pereira BO, Oliveira WA, Medeiros M. The view of teachers on bullying and implications for nursing. Rev Esc Enferm USP. 2014;48(4):723-30. doi: https://doi.org/10.1590/S0080-623420140000400021
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.

CONCLUSÕES

Apesar de não se confirmar a hipótese de que a intervenção proposta diminuiria a ocorrência de bullying entre adolescentes, a necessidade de abordar o tema em escolas públicas mostrou-se evidente. Nesse sentido, falar sobre o problema, esclarecer precisamente sobre o que é o bullying, abordando-se os tipos e as formas como ocorre, faz parte do início de ações que visam promover mudanças para a prevenção do bullying escolar.

Esta pesquisa apresentou limitações, como o uso de questionário de autorrelato aplicado apenas entre os adolescentes, o que não possibilitou confirmar as informações fornecidas com os pais ou os professores. O curto espaço de tempo entre as avaliações também pode interferir para que haja mudança de comportamento. Além disso, a intervenção foi aplicada de forma breve e indistinta para todos os jovens, sem considerar os envolvidos e os não envolvidos com bullying. Cabe salientar que o estudo foi realizado em escolas públicas, espaços nos quais, não raramente, as situações de vulnerabilidade individuais e sociais podem contribuir para a prática de bullying.

Estudos sobre a efetividade de programas de intervenção antibullying para nossa realidade precisam ser desenvolvidos. Além de delineamento robusto, a amostra ampliada para atividades com professores, pais e comunidade deve ser considerada. O tempo de intervenção e o foco nos envolvidos com bullying mostram-se igualmente relevantes para estudos futuros. Enfim, o presente estudo confirmou a importância da abordagem do bullying para a prática de enfermagem, evidenciando a complexidade do seu enfrentamento no ambiente escolar.

  • Errata ao artigo:Bottan G, Vizini S, Alves PFO, Guimarães LSP, Nascimento BP, Rigatti R, Heldt E. Intervenção breve antibullying para adolescentes em escolas públicas.Rev Gaúcha Enferm. 2020;41:e20190336. doi: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2020.20190336
    Na página 1, Autores:
    onde se lê:
    Pâmela Francine Oliveira Alves
    leia-se:
    Pâmela Franciele Oliveira Alves

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Editado por

Editor associado:

Wiliam Wegner

Editor-chefe:

Maria da Graça Oliveira Crossetti

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Jul 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    30 Set 2019
  • Aceito
    12 Fev 2020
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