Fluxo de trabalho e tomada de decisão do enfermeiro de centro cirúrgico: revisão integrativa

RESUMO

Objetivo:

Identificar fatores do fluxo de trabalho em centro cirúrgico e suas implicações, os quais influenciam a tomada de decisão do enfermeiro.

Método:

Revisão integrativa da literatura, realizada por buscas nas bases de dados: Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde; Base de Dados de Enfermagem; Pubmed; Scopus e Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature. Os resultados foram organizados em fatores relacionados a implicações positivas, negativas e positivas e negativas.

Resultados:

Pela amostra de 18 artigos, verificaram-se exemplos de fatores com implicações positivas, como coleta de dados no pré-operatório, negativas, como a falta de recursos humanos, materiais e estruturais, e positivas e negativas, como preparação para a certificação.

Conclusões:

Fatores que influenciam a tomada de decisão do enfermeiro estão atrelados a distintas condições: as do cliente e as que extrapolam o domínio e a organização do ambiente cirúrgico.

Palavras-chave
Enfermagem de centro cirúrgico; Fluxo de trabalho; Tomada de decisões

ABSTRACT

Objective:

Identify workflow factors in the operating room and their implications, which influence nurses' decision making.

Method:

Integrative review of the literature conducted through searches in the databases: Latin American and Caribbean Literature in Health Sciences; Nursing Database; Pubmed; Scopus and Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature. The results were organized into factors related to positive, negative and positive and negative implications.

Results:

The sample of 18 articles included examples of factors with positive implications, such as preoperative data collection, negative outcomes, such as lack of human, material and structural resources, and positive and negative outcomes, as preparation for certification.

Conclusions:

Factors that influence the decision-making process of nurses are associated to different conditions: client- related conditions and those conditions that go beyond the domain and organization of the surgical environment.

Keywords
Operating room nursing; Workflow; Decision making

RESUMEN

Objetivo:

Identificar los factores de flujo de trabajo en centro quirúrgico y sus implicaciones, que influyen en la toma de decisiones de las enfermeras.

Método:

Revisión integradora de literatura realizada por medio de la consulta en la base de datos: Literatura Latinoamericana y del Caribe en Ciências de la Salud; Base de Datos de Enfermería; Pubmed; Scopus y Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature. Los resultados se organizaron en factores relacionados con implicaciones positivas, negativas y positivas y negativas.

Resultados:

La muestra de 18 artículos, hubo ejemplos de factores con implicaciones positivas, como la recopilación de datos preoperatorios, implicaciones negativas, como la falta de recursos humanos, materiales y estructurales, y implicaciones positivas y negativas, como preparación para certificación.

Conclusiones:

Los factores que influyen en la toma de decisiones de las enfermeras están vinculados a diferentes condiciones: las del cliente, las que van más allá del dominio y de la organización del entorno quirúrgico.

Palabras clave
Enfermería de quirófano; Flujo de trabajo; Toma de decisiones

INTRODUÇÃO

Centro cirúrgico ou bloco cirúrgico é uma área delimitada e de acesso restrito, considerado um ambiente de alto risco, dependente da atuação multidisciplinar e que tem por finalidade a realização de procedimentos invasivos de diferentes complexidades1. Tais complexidades fundamentam a necessidade de recursos físicos, materiais e humanos específicos2, além da interação com o cliente e a família em um momento de relevante impacto físico e emocional3.

Nesse ambiente, os profissionais de enfermagem desempenham um papel que contribui para o sucesso e a efetivação dos procedimentos anestésico-cirúrgicos4. A assistência de enfermagem perioperatória ultrapassa o espaço físico do centro cirúrgico, ocorrendo em unidades cirúrgicas ambulatoriais e de internação, serviços de hemodinâmica e endoscopia, com a finalidade de proporcionar uma assistência de qualidade ao cliente cirúrgico4. Isso demanda, por parte do enfermeiro, articulação entre a prática assistencial e as atividades gerenciais5, exigindo estratégias para superar dificuldades relacionadas à instituição, à equipe e ao cliente6. Também se esperam um perfil dinâmico, conhecimento técnico, científico e tecnológico4 e habilidades de liderança, tomada de decisão, capacidade de adaptação, flexibilidade e trabalho em equipe7.

A prática do enfermeiro de centro cirúrgico envolve fatores técnicos, científicos, sociais, financeiros e políticos que interferem na tomada de decisão em relação ao gerenciamento e planejamento da assistência perioperatória4. No seu fluxo de trabalho, são encontrados fatores intrínsecos e extrínsecos, podendo esse profissional experimentar tensão para manter o equilíbrio entre eles8, o que pode influenciar sua tomada de decisão. A tomada de decisão compreende o processo de realizar um julgamento quando se é apresentado a várias alternativas, o que geralmente leva à definição de um modo de agir; enquanto o fluxo de trabalho consiste nas funções ou procedimentos encontrados nos processos organizacionais9.

É importante que o enfermeiro de centro cirúrgico reconheça os fatores envolvidos em seu fluxo de trabalho10 e suas implicações. Isso pode ancorar o planejamento e a prestação de cuidados de qualidade4, instrumentalizando o enfermeiro para a tomada de decisão.

O objetivo da pesquisa que gerou este artigo é identificar fatores do fluxo de trabalho em centro cirúrgico e suas implicações, os quais influenciam a tomada de decisão do enfermeiro.

MÉTODO

Trata-se de uma revisão integrativa de literatura, desenvolvida em seis etapas11. A primeira etapa compreendeu a identificação do tema e a elaboração da questão de pesquisa. A temática referiu-se à tomada de decisão no fluxo de trabalho do enfermeiro de centro cirúrgico, e as questões de pesquisa pautaram-se em: quais fatores do fluxo de trabalho influenciam a tomada de decisão do enfermeiro de centro cirúrgico? Quais são as implicações geradas por esses fatores? Neste estudo, os fatores compreendem os elementos que influenciam o fluxo de trabalho, enquanto as implicações consistem nos resultados oriundos desses fatores.

A segunda etapa consistiu na organização da amostra. No período de janeiro a março de 2019, o levantamento bibliográfico foi realizado nas seguintes bases de dados: Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (Lilacs) e Base de Dados de Enfermagem (BDENF), por meio da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), Portal Pubmed, Scopus e Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL).

Os descritores, constantes na lista de Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) e no Medical Subject Headings (MeSH), foram associados a operadores booleanos, resultando nas seguintes combinações: “enfermagem de centro cirúrgico” (“operating room nursing”) AND “fluxo de trabalho” (workflow); “enfermagem de centro cirúrgico” (“operating room nursing”) AND “tomada de decisões” (“decision making”).

Para a organização do corpus, foi utilizado o software EndNote, o qual possibilitou a exclusão automática dos artigos duplicados nas bases de dados. Foram aplicados os seguintes critérios de inclusão: artigos publicados nos idiomas português, inglês e espanhol, entre 2008 e 2018, que abordassem fatores do fluxo de trabalho que influenciam a tomada de decisão do enfermeiro de centro cirúrgico. Foram excluídos editoriais e revisões de literatura. A fim de minimizar o viés de seleção, os estudos foram selecionados por dois pesquisadores, de forma independente. Para a leitura na íntegra dos artigos incluídos e daqueles em discordância, contou-se com a presença de um terceiro pesquisador.

Na terceira etapa, preencheu-se um instrumento com as seguintes informações: país de origem, ano de publicação, tipo de estudo, nível de evidência12, fatores do fluxo de trabalho que influenciaram a tomada de decisão do enfermeiro de centro cirúrgico e suas implicações.

Na quarta etapa foi realizada uma análise dos estudos selecionados, o que possibilitou a elaboração das seguintes categorias: (i) fatores com implicações positivas ‒ fatores do fluxo de trabalho que influenciaram a tomada de decisão do enfermeiro de centro cirúrgico e geraram resultados úteis e construtivos; (ii) fatores com implicações negativas ‒ fatores que influenciaram a tomada de decisão do enfermeiro de centro cirúrgico e geraram resultados prejudiciais ao fluxo de trabalho; (iii) fatores com implicações positivas e negativas ‒ fatores que influenciaram a tomada de decisão do enfermeiro de centro cirúrgico e geraram tanto resultados construtivos quanto resultados prejudiciais.

A quinta etapa compreendeu a interpretação e a discussão dos resultados, e a sexta etapa, a elaboração do resumo das evidências disponíveis, com a produção da síntese dos resultados.

RESULTADOS

Foram encontrados 263 artigos pelas buscas nas bases de dados. Depois da retirada dos artigos duplicados, procedeu-se à leitura dos títulos e resumos, sendo que seis não apresentaram acesso ao resumo e 135 não atenderam aos critérios de inclusão. Foram, então, selecionados 51 artigos para a leitura dos textos na íntegra, desses, 33 foram excluídos, constituindo uma amostra final de 18 artigos. O processo de seleção das publicações, desenvolvido pelos três pesquisadores, está representado na Figura 1.

Figura 1 -
Composição amostral

Os 18 artigos analisados referem-se a estudos descritivos, de abordagem quantitativa ou qualitativa. Houve predominância de estudos realizados no Brasil (n = 13). Os anos com maior número de publicações foram 2015 (n = 05) e 2010 (n = 03). No Quadro 1 estão apresentadas as informações extraídas das publicações.

Quadro 1 -
País de origem, ano de publicação, tipo de estudo, nível de evidência, fatores do fluxo de trabalho que influenciaram a tomada de decisão e suas implicações

País de origem/ano de publicação	Tipo de estudo/ nível de evidência	Fator	Implicações
Artigo8 Inglaterra 2018	Descritivo, qualitativo/VI	Cirurgias de emergência	Cancelamento de cirurgias Turno de trabalho terminando tarde Grupos internos examinando os cancelamentos
		Falta ou indisponibilidade de equipamentos
		Cliente não pronto na enfermaria, ou não pode retornar para enfermaria, ou equipe ocupada para receber o cliente na enfermaria
		Falta de vagas na recuperação pós-anestésica imediata
		Atraso de cirurgias
Artigo10 EUA 2018	Descritivo, quantitativo/VI	Maior movimentação do enfermeiro circulante	Aumento do tempo de cada atividade do circulante, devido à distância percorrida entre as áreas do centro cirúrgico, gerando interrupção do fluxo de cirurgia
Artigo13 Brasil 2016	Descritivo, quantitativo/VI	Falta de recursos humanos, materiais e estruturais	Cancelamento de cirurgias
		Condições clínicas do cliente
Artigo14 Suécia 2016	Descritivo, qualitativo/VI	Dados coletados no momento pré-operatório	Estabelecimento de comunicação com o anestesista Atendimento do cliente em suas necessidades quanto à fluidoterapia
		Detecção de alterações clínicas do cliente no intraoperatório
Artigo15 China 2015	Descritivo, quantitativo/VI	Utilização de algoritmo computacional para programação cirúrgica	Melhoria da programação cirúrgica e da alocação de recursos materiais e humanos
Artigo16 Brasil 2015	Descritivo, qualitativo/VI	Falta de tempo adequado para realização das atividades	Sobrecarga de trabalho, cansaço e estresse
		Falta de materiais e equipamentos
		Falta de planejamento e organização
		Falta de recursos humanos
Artigo17 Brasil 2015	Descritivo, quantitativo/VI	Adoção de um modelo gerencial	Redução do tempo de permanência na recuperação pós-anestésica imediata Redução do número de cirurgias suspensas Redução do tempo de atraso da primeira cirurgia
Artigo18 Brasil 2015	Descritivo, quantitativo/VI	Preparação para certificação (aquisição de equipamentos, incorporação de medidas de segurança, adesão aos bundles, elaboração de um programa anual de capacitação, uniformização das práticas e condutas da equipe de enfermagem e adesão ao protocolo de cirurgia segura)	Melhoria nas condições de trabalho Aumento de estresse da equipe
Artigo19 Brasil 2015	Descritivo, quantitativo/VI	Falta de recursos humanos e de avaliação pré-operatória	Cancelamento de cirurgias
		Desorganização da sala cirúrgica	Comprometimento da qualidade da assistência
		Falhas técnicas dos profissionais
		Dispositivos e equipamentos de má qualidade
Artigo6 Brasil 2014	Descritivo, qualitativo/VI	Falha na comunicação com a gerência	Dificuldade no fluxo do trabalho Comprometimento da qualidade da assistência
		Falta da provisão de recursos
		Sobrecarga burocrática
Artigo5 Brasil 2014	Descritivo, qualitativo/VI	Padronização dos processos	Diminuição dos custos Fluxo de trabalho facilitado Melhoria da qualidade
Artigo20 Brasil 2013	Descritivo, quantitativo/VI	Absenteísmo/recusa do cliente	Cancelamento de cirurgias
		Cirurgias de emergência
		Condições clínicas do cliente
		Falha no processo de trabalho
		Falta de condições estruturais
		Falta de recursos humanos
Artigo21 Brasil 2013	Descritivo, quantitativo/VI	Necessidade de alerta para equipe médica sobre o comprometimento da segurança do cliente	Represália à equipe de enfermagem
		Falta de autonomia do líder de enfermagem no centro cirúrgico
Artigo22 Brasil 2010	Descritivo, quantitativo/VI	Absenteísmo/recusa do cliente	Cancelamento de cirurgias
		Cirurgias de emergência
		Condições clínicas do cliente
		Falha no processo de trabalho
		Falta de condições estruturais
		Falta de recursos humanos
Artigo23 Brasil 2010	Descritivo, qualitativo/VI	Falta de equipamentos e materiais	Diminuição da capacidade funcional do ambiente cirúrgico
		Layout do centro cirúrgico	Otimização do fluxo de trabalho ou desgaste físico e psicológico da equipe de enfermagem
		Sobrecarga de trabalho	Prejuízo das relações interpessoais
Artigo24 EUA 2010	Descritivo, projeto- piloto/VI	Criação da função de técnico de equipamentos	Maior tempo de assistência da enfermagem ao cliente e aumento da satisfação no trabalho
		Tempo de enfermagem gasto com tarefas não clínicas	Criação da função de técnico de equipamentos
Artigo25 Brasil 2009	Descritivo, quantitativo/VI	Atraso de cirurgias	Perda da capacidade operacional (índice de resistência)
		Cancelamento de cirurgias	Aumento do índice de resistência
		Possibilidade de remanejamento de sala cirúrgica	Ganho da capacidade operacional (índice de otimização)
		Tempo de limpeza adequado
		Alta taxa de ocupação	Uso excessivo da capacidade operacional
		Cirurgia excede o tempo programado, mesmo iniciando com pontualidade
Artigo4 Brasil 2009	Descritivo, qualitativo/VI	Estrutura organizacional	Dificuldade para tomada de decisão
		Falta de recursos humanos	Diminuição do cuidado direto prestado ao cliente, delegando a outros membros da equipe de enfermagem
		Tempo de enfermagem gasto com tarefas não clínicas
		Utilização de instrumentos para documentação da assistência de enfermagem	Direcionamento da prática de enfermagem

• Fonte: Dados da pesquisa, 2019.

Os fatores identificados de forma repetitiva nos artigos foram: falta de recursos humanos4^,13^,16^,19^-20^,22; falta, má qualidade ou indisponibilidade de equipamentos8^,13^,16^,19^,23; falta de condições estruturais13^,20^,22 e tempo de enfermagem4^,16^,24. Eles foram relacionados, principalmente, às seguintes implicações: cancelamento de cirurgias8^,13^,19^-20^,22; sobrecarga de trabalho, cansaço e estresse16; diminuição do cuidado direto prestado ao cliente, delegando-o a outros membros da equipe de enfermagem4; comprometimento da qualidade da assistência19; diminuição da capacidade funcional do centro cirúrgico23 e criação da função de técnico de equipamentos24.

A categoria “fatores com implicações positivas” englobou: dados coletados no pré-operatório14; detecção de alterações clínicas do cliente no intraoperatório14; utilização de algoritmo computacional para programação cirúrgica15; adoção de um modelo gerencial17; padronização dos processos5; criação da função de técnico de equipamentos24; tempo de limpeza adequado25; possibilidade de remanejamento de sala cirúrgica25 e utilização de instrumentos para sistematizar e documentar a prática de enfermagem4.

A categoria “fatores com implicações negativas” incluiu: cirurgias de emergência8^,20^,22; falta, má qualidade ou indisponibilidade de equipamentos8^,16^,19^,23; problemas relacionados ao fluxo de trabalho das unidades de internação8; atraso e cancelamento de cirurgias8^,25; maior movimentação do enfermeiro circulante10; falta de recursos humanos4^,13^,16^,19^-20^,22, material8^,13^,16^,19^-20^,22, materiais8^,13^,16^,19^-20^,23 e estruturais8^,13^,16^,20^,22; condições clínicas do cliente13^,20^,22; falta de tempo adequado para realização das atividades16; falta de planejamento6^,16^,19⁾ e organização16^,19; falta de avaliação pré-operatória19; falhas técnicas dos profissionais19; dispositivos e equipamentos de má qualidade19; falha na comunicação com a gerência6; sobrecarga de trabalho23, incluindo atividades burocráticas6; absenteísmo e recusa do cliente20^,22; falha no processo de trabalho20^,22; necessidade de alerta para a equipe médica sobre o comprometimento da segurança do cliente21; falta de autonomia do líder de enfermagem21; alta taxa de ocupação25; extensão do tempo programado para a cirurgia25 e estrutura organizacional4.

Os fatores preparação para certificação18; layout do centro cirúrgico23⁾ e tempo de enfermagem gasto com tarefas não clínicas4^,24 geraram tanto implicações positivas quanto negativas. O primeiro foi relacionado à melhoria nas condições de trabalho, mas também ao aumento de estresse da equipe18; o segundo referiu-se à otimização do fluxo de trabalho, mas também ao desgaste da equipe de enfermagem23 e o terceiro relacionou-se com a criação da função de técnico de equipamentos e com a diminuição do cuidado direto prestado ao cliente, delegando-o a outros membros da equipe de enfermagem.

DISCUSSÃO

Fatores com implicações positivas

O reconhecimento de fatores que geram implicações positivas no fluxo de trabalho do centro cirúrgico pode colaborar para a tomada de decisão do enfermeiro. Entre esses fatores, está a coleta de dados no pré-operatório14, que permite prever e melhor conduzir a detecção de alterações clínicas do cliente durante o procedimento cirúrgico14. Os dados apoiam a tomada de decisão das equipes envolvidas, tanto dos médicos que (re)conduzem situações previstas no intraoperatório quanto dos enfermeiros que (re)planejam o preparo do ambiente e do cliente e a conexão entre os serviços de apoio necessários. Na Suécia, as atribuições dos enfermeiros de centro cirúrgico incluem o gerenciamento de fluidos endovenosos no intraoperatório14, assim, os dados coletados podem direcionar o manejo da fluidoterapia durante a cirurgia, o que em situações especiais, como a do cliente com problemas renais, é vital.

A coleta de dados no pré-operatório pode ser potencializada pela utilização de instrumentos para sistematizar a assistência de enfermagem. Essa utilização, também ligada a implicações positivas4, colabora para o atendimento das necessidades reais dos clientes e familiares, estabelecendo prioridades de cuidado.

A tomada de decisão é influenciada pelo modelo gerencial adotado no centro cirúrgico17. Se a gestão opta pela padronização de processos, por exemplo, diminui custos, facilita o fluxo de trabalho e melhora a qualidade da assistência5. Um processo de trabalho uniforme e compartilhado favorece a autonomia do enfermeiro e, consequentemente, sua tomada de decisão.

As atividades executadas pelo pessoal de apoio25 também são influenciadas pela padronização de processos e refletem-se no fluxo de trabalho da equipe de enfermagem. Por exemplo, se a limpeza de uma sala cirúrgica é realizada no tempo preconizado, colabora para o ganho da capacidade operacional25; caso contrário, interfere no fluxo de trabalho, comprometendo o agendamento cirúrgico e necessitando de tomada de decisão imediata do enfermeiro.

Implicações positivas estão relacionadas a um maior tempo de enfermagem dedicado à assistência. A utilização de algoritmo computacional para o agendamento cirúrgico15⁾ apoia o enfermeiro nessa atividade, direcionando o tempo de enfermagem ao cuidado do cliente cirúrgico. O tempo de enfermagem dedicado à assistência foi potencializado pela criação da função de técnico de equipamentos24, uma vez que atividades não específicas da enfermagem, como manutenção preventiva e/ou corretiva de equipamentos, são direcionadas a outro profissional.

Fatores com implicações negativas

O ambiente cirúrgico apresenta desafios que derivam de condições intrínsecas dele próprio, marcadas pela imprevisibilidade e pela necessidade constante de (re)planejamento e (re)organização26. A necessidade de cirurgia de emergência8^,20^,22 é um desses desafios que interferem no fluxo de trabalho no centro cirúrgico. Nesses casos, a tomada de decisão do enfermeiro pauta-se na sala a ser utilizada e na reorganização da equipe, implicando remanejar, atrasar ou cancelar cirurgias programadas.

O cancelamento de cirurgias é uma implicação que não ocorre apenas por causa das cirurgias de emergência; foram identificados como fatores ligados a essa questão: a falta de recursos humanos13^,19^-20^,22, estruturais20^,22⁾ e materiais13, condições clínicas do cliente13^,20^,22, falta de avaliação pré-operatória19, absenteísmo/recusa do cliente20^,22 e falha no processo de trabalho20^,22.

A condição clínica do cliente para o cancelamento cirúrgico ⁽13^,20^,22 consiste em um fator imprevisível e, embora não seja diretamente do escopo de tomada de decisão do enfermeiro, implica decisões gerenciais desse profissional para a continuidade do fluxo de trabalho.

Por outro lado, alguns atrasos e cancelamentos podem ser oriundos de causas evitáveis27, como o absenteísmo/recusa do cliente20^,22⁾ e a falta de avaliação pré-operatória19. Essas situações podem ser evitadas com planejamento pré-operatório, levando à otimização de recursos27, a qual influencia o processo decisório do enfermeiro de centro cirúrgico.

Os desafios envolvidos no ambiente cirúrgico intensificam-se quando se interpõem percalços relacionados à deficiência de materiais e equipamentos26 e dispositivos e equipamentos de má qualidade19. Esses dispositivos devem estar disponíveis em quantidade adequada, além de serem checados previamente. Para o funcionamento adequado, a manutenção preventiva e periódica é primordial2. Contudo, discute-se que o tempo gasto nessas atividades poderia ser redirecionado à assistência ao cliente24.

Os achados demonstram atividades que afastam o enfermeiro do cliente, a exemplo da instalação e movimentação de equipamentos24, as quais geram sobrecarga de atividades burocráticas, limitando o cuidado de enfermagem aos clientes no contexto cirúrgico. O gerenciamento adequado delega as tarefas não profissionais ao pessoal de apoio24, priorizando o cuidado de enfermagem e minimizando a sobrecarga de atividades. Já a sobrecarga relacionada ao uso excessivo da capacidade operacional é resultante da alta taxa de ocupação e da extensão do tempo programado para a cirurgia25. Essa situação pode comprometer a segurança do cliente e gerar estresse aos profissionais.

O fluxo de trabalho do ambiente cirúrgico também é afetado pelas deficiências de estrutura física, como a falta de vagas na unidade de terapia intensiva25. Se esta é anterior ao procedimento, pode resultar na decisão do enfermeiro quanto ao cancelamento da cirurgia; se a indisponibilidade é posterior, pode acarretar a ocupação de leitos de recuperação pós-anestésica imediata.

Os desafios impostos pelo ambiente físico podem afetar a segurança do cliente e da equipe. Quanto maior é o número de locais percorridos pelo profissional durante a execução de suas atividades, maior a possibilidade de interrupção de fluxo de trabalho10, devido ao tempo de espera por materiais e equipamentos.

Para o desenvolvimento de projetos de estrutura física dessas unidades, devem ser consideradas as funções dos diferentes membros da equipe, os tipos de atividades que eles executam, bem como sua interação com o ambiente físico e os equipamentos da sala cirúrgica10. Destaca-se a importância da tomada de decisão gerencial do enfermeiro quanto à disposição de salas cirúrgicas e salas de apoio; esse profissional deve compreender como o ambiente físico pode interferir no fluxo de trabalho e no cuidado, a fim de proporcionar bem-estar, conforto e segurança ao cliente e aos profissionais.

O dimensionamento e a qualificação da equipe de trabalho também são fatores relevantes no contexto cirúrgico2. O dimensionamento incorreto da equipe de enfermagem acarreta reorganização das atividades, gerando sobrecarga de trabalho aos profissionais, colocando em risco a segurança do cliente. Os achados trouxeram fatores das unidades de internação8⁾ que podem estar ligados à falta de profissionais para o encaminhamento ou recebimento do cliente cirúrgico, situações que interferem no fluxo do centro cirúrgico, cabendo ao enfermeiro tomar decisões para reorganizar o trabalho.

Estudo desenvolvido em hospitais da China constatou que o dimensionamento adequado da equipe de enfermagem e o suporte organizacional estão diretamente relacionados à melhoria da segurança do cliente28. As implicações identificadas por este estudo apontam que dimensionamento incorreto e falta de tempo, planejamento e organização geram sobrecarga de trabalho, cansaço e estresse aos profissionais16, podendo, inclusive, trazer prejuízo às relações interpessoais23. Nesse sentido, para a adequação do quadro de profissionais de enfermagem, a decisão do enfermeiro de centro cirúrgico, em conjunto com a gerência, deverá ser ancorada em indicadores que justifiquem tal necessidade.

O fator falhas técnicas dos profissionais19 leva à discussão sobre questões de qualificação. A capacitação e a implantação de protocolos contribuem para a uniformização das práticas de enfermagem18, minimizando falhas técnicas19 e custos e colaborando para o fluxo de trabalho e a melhoria da assistência5.

Os enfermeiros necessitam de constante atualização para aprimorar o raciocínio clínico, indispensável para a aplicação do processo de enfermagem29. As implicações demonstram que o direcionamento da prática profissional, garantindo a continuidade do cuidado, pode ser facilitado pela utilização de instrumentos que documentem o processo de enfermagem no ambiente cirúrgico4, o que pode fundamentar o processo decisório do enfermeiro de centro cirúrgico ao estabelecer prioridades de cuidado.

Os achados também revelam que a falta de autonomia do enfermeiro de centro cirúrgico é um fator que interfere na tomada de decisão. Devido à falta de autonomia, os profissionais de enfermagem podem ser omissos quanto às situações que coloquem o cliente em risco, por receio de represália10. Por outro lado, enfermeiros experientes trazem uma sustentação que pode influenciar de forma intuitiva o processo decisório30, tornando-o mais autônomo.

A carência de autonomia do enfermeiro pode ser explicada, em parte, pela falta de experiência em determinadas situações. No entanto, questões de autonomia vão além da experiência individual de cada profissional, incluem fatores relacionados à política, visão da organização, modelo gerencial e estrutura organizacional.

Dados coletados, como resultados de exames e quebra de jejum20, constantes no checklist cirúrgico8, são fatores que podem amparar a decisão do enfermeiro sobre a necessidade de cumprimento dos requisitos para o início da cirurgia, o que implica redirecionamento de condutas no ambiente cirúrgico.

Nesse tocante, é importante a comunicação entre o cirurgião, o anestesiologista e a equipe de enfermagem27. Por sua vez, falhas de comunicação para além desses profissionais (com a gerência, por exemplo) ocasionam dificuldade na execução do trabalho6, o que pode se refletir em decisões morosas e/ou unilaterais, arriscadas em um contexto dinâmico como o centro cirúrgico.

Fatores com implicações positivas e negativas

As atividades envolvidas na preparação para a certificação podem gerar estresse na equipe18, devido às adequações necessárias para alcançar melhorias. No entanto, os processos implementados podem facilitar o processo decisório do enfermeiro.

O layout do centro cirúrgico também pode facilitar a tomada de decisão do enfermeiro. Por exemplo, o posto de enfermagem, quando localizado no centro da unidade, permite ao enfermeiro uma visão ampla do que ocorre na recepção pré-operatória e na recuperação pós-anestésica23. Por outro lado, quando a disposição entre as salas cirúrgicas e os corredores não é adequada pode influenciar negativamente o fluxo de trabalho23. Essas questões remetem à discussão sobre decisões de adequação de estrutura física e melhor disposição de salas de apoio, a fim de facilitar o fluxo de trabalho e diminuir o desgaste dos profissionais.

O tempo de enfermagem gasto com tarefas administrativas ⁽24, apesar de ser um fator negativo, influenciou a criação da função de técnico de equipamentos24, reduzindo a realização de atividades que afastam o enfermeiro da assistência4. Ao estar mais presente na assistência, as decisões do enfermeiro podem corresponder melhor às necessidades do cliente cirúrgico.

CONCLUSÕES

Os dados coletados no pré-operatório; a detecção de alterações clínicas do cliente no intraoperatório; a utilização de algoritmo computacional para programação cirúrgica; a adoção de um modelo gerencial; a padronização dos processos; a criação da função de técnico de equipamentos; o tempo de limpeza adequado; a possibilidade de remanejamento de sala cirúrgica e a utilização de instrumentos para sistematizar e documentar a prática de enfermagem foram identificados como fatores que influenciam a tomada de decisão do enfermeiro de centro cirúrgico e tiveram implicações positivas.

Por outro lado, as cirurgias de emergência; a falta, má qualidade ou indisponibilidade de equipamentos; os problemas relacionados ao fluxo de trabalho das unidades de internação; o atraso e o cancelamento de cirurgias; a maior movimentação do enfermeiro circulante; a falta de recursos humanos, materiais e estruturais; as condições clínicas do cliente; a falta de tempo adequado para a realização das atividades; a falta de planejamento e organização; a falta de avaliação pré-operatória; as falhas técnicas dos profissionais; os dispositivos de má qualidade; a falha na comunicação com a gerência; a sobrecarga de trabalho, incluindo atividades burocráticas; o absenteísmo e a recusa do cliente; a falha no processo de trabalho; a necessidade de alerta da equipe médica sobre o comprometimento da segurança do cliente; a falta de autonomia do líder de enfermagem; a alta taxa de ocupação; a extensão do tempo programado para a cirurgia e a estrutura organizacional foram identificados como fatores do fluxo de trabalho que influenciam a tomada de decisão do enfermeiro de centro cirúrgico e tiveram implicações negativas.

Preparação para certificação; layout do centro cirúrgico e tempo de enfermagem gasto com tarefas não clínicas foram fatores que tiveram implicações positivas e negativas.

Os fatores que influenciam a tomada de decisão podem estar atrelados a diferentes condições: as do cliente e as que extrapolam o domínio e a organização do ambiente cirúrgico.

A contribuição deste estudo pauta-se no apoio à atuação do enfermeiro de centro cirúrgico, a fim de potencializar ações para obtenção de implicações positivas e realizar ações antecipatórias para minimizar implicações negativas. Ao saber, por exemplo, que o tempo de limpeza influencia o fluxo de trabalho, o enfermeiro toma decisões direcionadas à sensibilização dessa etapa da rotina da sala cirúrgica, evitando a necessidade de reagendamentos ou atrasos. O enfermeiro poderá também incentivar a interação intersetorial, no sentido de melhorar a coleta e o compartilhamento de dados oriundos do pré-operatório que interferem no perioperatório.

As contribuições deste estudo também são direcionadas ao âmbito de ensino da enfermagem, principalmente, no que se refere à compreensão sobre os recursos e as atividades inerentes ao ambiente cirúrgico. A análise dos fatores e de suas implicações pode contribuir para o ensino na área de planejamento em enfermagem.

Os fatores ligados às implicações positivas, negativas ou ambas influenciam diretamente o gerenciamento do cuidado prestado ao cliente e não apenas o gerenciamento administrativo do ambiente cirúrgico.

A limitação deste estudo pauta-se no baixo número de artigos internacionais incluídos e na escassez de estudos com forte grau de evidência, o que pode comprometer a generalização e o uso dos resultados. Todavia, o estudo sintetizou questões importantes do fluxo de trabalho do enfermeiro de centro cirúrgico.

Agradecimentos:

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

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Editado por

Editor associado:

Cecília Helena Glanzner

Editor-chefe:

Maria da Graça Oliveira Crossetti

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  12 Ago 2020
• Data do Fascículo
  2020

Histórico

• Recebido
  28 Out 2019
• Aceito
  06 Mar 2020