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Cuidado em saúde mental infantil no contexto da Estratégia da Saúde da Família: estudo avaliativo

RESUMO

Objetivo:

Avaliar o cuidado em saúde mental à criança no contexto da Estratégia de Saúde da Família - ESF, a partir da perspectiva dos profissionais.

Métodos:

Estudo qualitativo, tipo estudo de caso, utilizou-se a Avaliação de Quarta Geração como referencial metodológico. Participaram 14 profissionais de duas equipes da Estratégia de Saúde da Família do município de Porto Alegre/RS. A coleta de dados ocorreu entre maio e agosto de 2018, consistiu em observação e entrevista através do círculo hermenêutico dialético, e análise através do Método Comparativo Constante.

Resultados:

Emergiu a categoria analítica Cuidado de Saúde Mental destinado à Criança relacionada visita domiciliar, rede de cuidados, matriciamento, reunião de equipe e espaço na agenda médica.

Conclusões:

Os resultados demonstram que a ESF se constitui em um importante espaço de cuidado psicossocial, ao mesmo tempo encontra fragilidades no trabalho intersetorial e necessita de apoio da rede de serviços de saúde mental para o acompanhamento de crianças e famílias.

Palavras-chave:
Saúde mental; Estratégia Saúde da Família; Sistemas de apoio psicossocial

ABSTRACT

Objective:

To evaluate child’s mental health care in the context of the Family Health Strategy, from the professionals' perspective.

Methods:

A qualitative case study type, using the Fourth Generation Assessment as a methodological reference. Fourteen professionals from two teams of the Family Health Strategy of Porto Alegre/RS were the participants. Data collection extended from May to August 2018, and consisted of observations and interviews through the dialectical hermeneutic circle, and of analysis through the Constant Comparative Method.

Results:

The analytical category emerged of Mental Health Care for Children related to home visit, care network, advice, team meeting and space in the medical agenda.

Conclusions:

The results show that the FHS is an important psychosocial care space and that, at the same time, presents weaknesses in cross-sectorial work and needs support from the mental health services network to accompanying children and families.

Keywords:
Mental health; Family Health Strategy; Psychosocial support systems

RESUMEN

Objetivo:

Evaluar la atención de salud mental a niños en el contexto de la Estrategia de Salud de la Familia (ESF), desde la perspectiva de los profesionales.

Métodos:

Estudio cualitativo, del tipo estudio de casos, en el que se utilizó la Evaluación de Cuarta Generación como referencial metodológico. Catorce profesionales de dos equipos de la Estrategia de Salud de la Familia de Porto Alegre/RS participaron en el estudio. La recolección de datos se registró entre mayo y agosto de 2018, consistió en observaciones y entrevistas a través del círculo hermenéutico dialéctico, y en análisis a través del Método Comparativo Constante.

Resultados:

Surgió la categoría analítica de Atención de salud mental a niños en relación con: visita domiciliaria, red de atención, asesoramiento, reunión de equipo y espacio en la agenda médica.

Conclusiones:

Los resultados demuestran que la ESF es un importante espacio de atención psicosocial, al mismo tiempo que presenta debilidades en el trabajo intersectorial y necesita el apoyo de la red de servicios de salud mental para acompañar a los niños y a las familias.

Palabras clave:
Salud mental; Estrategia Salud de la Familia; Sistemas de apoyo psicosocial

INTRODUÇÃO

O processo de Reforma Psiquiátrica no Brasil ocasionou mudanças no modelo assistencial em saúde mental, redirecionando-o para um cuidado centrado no sujeito e fora dos manicômios. A partir da política pública em saúde mental instituiu-se novos serviços e articulação de pontos de atenção na busca de ampliar acesso à atenção psicossocial, intitulada Rede de Atenção Psicossocial (RAPS)11. Soalheiro N, Martins D. Atenção psicossocial e a (des)institucionalização como eixo do cuidado. In: Saúde mental para a Atenção Básica. Nina Soalheiro, organizadora. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2017. p. 249..

A RAPS conta com diferentes componentes e serviços, tais como: Atenção Básica em saúde, Atenção Psicossocial Especializada, Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) em suas diferentes modalidades, Serviços de Urgência e Emergência, Atenção em Residenciais de caráter transitório, Atenção Hospitalar com leitos em hospital geral, dispositivos de desinstitucionalização e Estratégia de Reabilitação Psicossocial22. Silva JF, Matsukura TS, Ferigato SH, Cid MFB. Adolescência e saúde mental: a perspectiva de profissionais da Atenção Básica em Saúde. Interface (Botucatu). 2019;23:e180630. https://doi.org/10.1590/Interface.180630
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-33. Sousa FSP, Jorge MSB. O retorno da centralidade do hospital psiquiátrico: retrocessos recentes na política de saúde mental. Trab Educ Saúde. 2019;17(1):e0017201. https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol00172
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. Além disso, recentemente instituídos na RAPS, os ambulatórios de saúde mental e os leitos em hospitais psiquiátricos (HPs)22. Silva JF, Matsukura TS, Ferigato SH, Cid MFB. Adolescência e saúde mental: a perspectiva de profissionais da Atenção Básica em Saúde. Interface (Botucatu). 2019;23:e180630. https://doi.org/10.1590/Interface.180630
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-33. Sousa FSP, Jorge MSB. O retorno da centralidade do hospital psiquiátrico: retrocessos recentes na política de saúde mental. Trab Educ Saúde. 2019;17(1):e0017201. https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol00172
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Frente as especificidades da infância e do reconhecimento de demanda de transtornos mentais na população infantil, o Centro de Atenção Psicossocial Infantil (CAPSi) é o dispositivo específico e ordenador da RAPS44. Couto MCV, Delgado PGG. Crianças e adolescentes na agenda política da saúde mental brasileira: inclusão tardia, desafios atuais. Psicol Clin. 2015;27(1):17-40. https://doi.org/10.1590/0103-56652015000100002
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. Implantado em municípios ou regiões com mais de cento e cinquenta mil habitantes, o CAPSi é destinado ao atendimento de crianças e adolescentes portadores de transtornos mentais graves e persistentes, incluindo os decorrentes do uso de substâncias psicoativas33. Sousa FSP, Jorge MSB. O retorno da centralidade do hospital psiquiátrico: retrocessos recentes na política de saúde mental. Trab Educ Saúde. 2019;17(1):e0017201. https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol00172
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Estima-se que 10,8% a 12,7% da população infantil sofra de algum problema de saúde mental, sendo os mais encontrados relacionados à ansiedade, problemas de comportamento, hiperatividade e depressão55. Tszesnioski LC, Nobrega KBG, Lima MLLT, Facundes VLD. Building the mental health care network for children and adolescents: interventions in the territory. Ciênc Saúde Coletiva. 2015;20(2):363-70. https://doi.org/10.1590/1413-81232015202.05082014
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. Essas queixas podem chegar aos profissionais de saúde através de pais ou responsáveis, e também através da escola.

No entanto, a existência de serviços especializados, como o CAPSi, não contempla a maioria dos municípios no Brasil. Dessa forma, é na Atenção Básica (AB), através da Estratégia da Saúde da Família (ESF), que ocorre a principal forma de acesso para as diferentes demandas referentes à saúde mental infantil. Afinal, a ESF chega a uma cobertura superior a 60% da população brasileira com mais de 40 mil equipes implantadas66. Carvalho MN, Costa EMOD, Sakai MH, Gil CRR, Leite SN. Expansão e diversificação da força de trabalho de nível superior nas Unidades Básicas de Saúde no Brasil, 2008-2013. Saúde Debate. 2016.;40(109):154-62. https://doi.org/10.1590/0103-1104201610912
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No Brasil, a ESF configura-se como a principal modalidade de atuação da AB66. Carvalho MN, Costa EMOD, Sakai MH, Gil CRR, Leite SN. Expansão e diversificação da força de trabalho de nível superior nas Unidades Básicas de Saúde no Brasil, 2008-2013. Saúde Debate. 2016.;40(109):154-62. https://doi.org/10.1590/0103-1104201610912
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. As intervenções de saúde nessa modalidade de atenção devem pautar-se em atitudes terapêuticas que privilegie o cuidado, o acolhimento e o vínculo entre profissional e usuário, que na perspectiva psicossocial, o atendimento é continuado e abrange famílias de uma área geograficamente delimitada.

A ESF é uma importante forma de acesso à saúde e para desenvolver atividades que promovam a saúde mental e o bem-estar das crianças, por acolher as diferentes demandas da população infantil com necessidade de cuidado em saúde mental. Propiciam um acompanhamento longitudinal, promovendo o cuidado integral à saúde e contextualizado aos fatores determinantes da qualidade de vida e saúde da criança, em relação à sua comunidade77. Kantorski LP, Coimbra VCC, Oliveira NA, Nunes CK, Pavani FM, Sperb LCSO. Psychosocial attention of children and adolescents: interfaces with the health network by the referral and counter-referral system. Texto Contexto Enferm. 2017;26(3):e1890014. https://doi.org/10.1590/0104-07072017001890014
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. Afinal, a ESF tem no seu escopo de ações o cuidado em saúde mental, pautado nos princípios da atenção psicossocial.

No entanto, a aproximação das ações em saúde mental e AB são ainda um desafio88. Teixeira MR, Couto MCV, Delgado PGG. Primary care and collaborative care in children and adolescents psychosocial interventions: facilitators and barriers. Ciênc Saúde Coletiva. 2017;22(6):1933-42. https://doi.org/10.1590/1413-81232017226.06892016
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. No âmbito da população infantil é ainda mais recente o fato de reconhecer que crianças e adolescentes apresentam problemas de saúde mental e que esses problemas podem ser tratados e cuidados44. Couto MCV, Delgado PGG. Crianças e adolescentes na agenda política da saúde mental brasileira: inclusão tardia, desafios atuais. Psicol Clin. 2015;27(1):17-40. https://doi.org/10.1590/0103-56652015000100002
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,77. Kantorski LP, Coimbra VCC, Oliveira NA, Nunes CK, Pavani FM, Sperb LCSO. Psychosocial attention of children and adolescents: interfaces with the health network by the referral and counter-referral system. Texto Contexto Enferm. 2017;26(3):e1890014. https://doi.org/10.1590/0104-07072017001890014
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Sendo assim, é relevante implementar estudos que avaliem o cuidado em saúde mental à criança na perspectiva da ESF como serviço na rede de saúde. Estudos vêm reconhecendo a importância da aproximação da saúde mental à criança no contexto da AB44. Couto MCV, Delgado PGG. Crianças e adolescentes na agenda política da saúde mental brasileira: inclusão tardia, desafios atuais. Psicol Clin. 2015;27(1):17-40. https://doi.org/10.1590/0103-56652015000100002
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,77. Kantorski LP, Coimbra VCC, Oliveira NA, Nunes CK, Pavani FM, Sperb LCSO. Psychosocial attention of children and adolescents: interfaces with the health network by the referral and counter-referral system. Texto Contexto Enferm. 2017;26(3):e1890014. https://doi.org/10.1590/0104-07072017001890014
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-88. Teixeira MR, Couto MCV, Delgado PGG. Primary care and collaborative care in children and adolescents psychosocial interventions: facilitators and barriers. Ciênc Saúde Coletiva. 2017;22(6):1933-42. https://doi.org/10.1590/1413-81232017226.06892016
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, apesar de pouco discutido com foco na avaliação do cuidado em saúde mental de crianças, o que pode enriquecer e ampliar as discussões no campo acadêmico, além de contribuir nas práticas dos serviços de saúde. Neste contexto de serviços da RAPS, a avaliação surge como um instrumento importante que pode reconhecer os avanços no cuidado em saúde mental à criança.

Assim, uma proposta de avaliação que reconhece a necessidade de avanços e vem potencializando a transformação no modelo de cuidado em saúde mental é a Avaliação de Quarta Geração (AQG)99. Guba E, Lincoln Y. Avaliação de quarta geração. Beth Honorato, tradutora. Campinas: Unicamp; 2011.. A AQG é um modelo de avaliação qualitativa em que as reivindicações, preocupações e questões dos envolvidos no processo servem de informações implementadas na investigação99. Guba E, Lincoln Y. Avaliação de quarta geração. Beth Honorato, tradutora. Campinas: Unicamp; 2011..

Nesse cenário, insere-se a AQG como alternativa para avaliar serviços de saúde, tendo em vista que os resultados podem contribuir com a melhoria do cuidado destinado às crianças, através de uma avaliação com abordagem que considere aspectos subjetivos do processo avaliativo.

Acredita-se que a ESF se constitui em campo fértil para desenvolver atividades que promovam o cuidado à saúde mental infantil. No entanto, o cuidado em saúde mental a essas crianças ainda carece de mais aprofundamento e investigação. Assim, questiona-se: Qual a avaliação dos profissionais da ESF sobre o cuidado em saúde mental à criança nesse contexto? Para tanto, objetivou-se avaliar o cuidado em saúde mental à criança no contexto da ESF, a partir da perspectiva dos profissionais.

Logo, um estudo avaliativo pode ser subsídio para qualificar o cuidado em saúde mental à criança na ESF, considerando que atualmente os cuidados em saúde mental infantil no contexto da AB necessita de mais visibilidade no país, no sistema de saúde e no reconhecimento das ações realizadas pelos profissionais nesse nível de atenção, tendo em vista a carência de informações científicas e acadêmicas que subsidiem a atuação técnico assistencial sobre o assunto.

METODOLOGIA

Trata-se uma pesquisa de natureza avaliativa, com abordagem qualitativa na qual realizou-se uma avaliação do cuidado em saúde mental destinado à criança na ESF, a partir do referencial teórico-metodológico da AQG99. Guba E, Lincoln Y. Avaliação de quarta geração. Beth Honorato, tradutora. Campinas: Unicamp; 2011..

A AQG propõe uma avaliação construtivista responsiva. O termo responsivo é utilizado para designar um diferencial na avaliação, delimitado por meio de um processo interativo e de negociação que desenvolve um processo crítico entre o grupo de interesse. O termo construtivista, também chamado de interpretativo ou hermenêutico, designa a metodologia avaliativa utilizada99. Guba E, Lincoln Y. Avaliação de quarta geração. Beth Honorato, tradutora. Campinas: Unicamp; 2011..

O estudo foi desenvolvido em duas equipes da Estratégia de Saúde da Família no município de Porto Alegre/RS com profissionais da ESF que constituíram o grupo de interesse. O termo grupo de interesse designa organizações, grupos ou indivíduos potencialmente vítimas ou beneficiários do processo avaliativo, formados por pessoas com características comuns, que têm algum interesse no desempenho, no produto ou no impacto do objeto da avaliação, de alguma maneira estão envolvidos ou afetados pelo serviço e pelas eventuais consequências do processo avaliativo99. Guba E, Lincoln Y. Avaliação de quarta geração. Beth Honorato, tradutora. Campinas: Unicamp; 2011..

As informações foram coletadas de maio a agosto de 2018, por meio de observação e entrevistas semiestruturadas com o grupo de interesse. As observações de campo totalizaram 120 horas, sendo registradas em um diário de campo.

Foram realizadas 14 entrevistas, nas dependências da ESF, as entrevistas foram identificadas com a inicial E, seguido da ordem em que apareceram na entrevista. Para fins deste estudo, foram considerados como critérios de inclusão: ser profissional da equipe de saúde contratado pelo Instituto Municipal da Estratégia de Saúde da Família (IMESF) e ter no mínimo seis meses de atuação no serviço de saúde, pois esse período compreende o tempo mínimo de atividades na comunidade e conhecimento do contexto em estudo. E como critério de exclusão: estar de férias ou licenças no período de coleta de dados.

As entrevistas foram realizadas com a aplicação do Círculo Hermenêutico Dialético, hermenêutico porque tem caráter interpretativo, e dialético por implicar comparação e contraposição de pontos de vista, objetivando uma síntese elaborada, buscando consenso sempre que possível99. Guba E, Lincoln Y. Avaliação de quarta geração. Beth Honorato, tradutora. Campinas: Unicamp; 2011..

Assim, inicialmente aplicou-se duas perguntas norteadoras: “Fale-me sobre o cuidado em saúde mental à criança na ESF” e “Fale-me sobre como chegam as demandas de atendimentos de crianças na ESF” dando início ao Círculo Hermenêutico Dialético. Os temas centrais, conceitos, ideias, valores, problemas e questões propostas pelo respondente inicial R1 foram analisados pela pesquisadora, essa construção foi designada C1. Após, o seguinte respondente (R2) foi convidado a responder as mesmas questões norteadoras e após, introduziu-se a construção C1, e R2 foi convidado a comentá-la. O processo foi repetido, até que todos participantes do grupo de interesse que aceitaram participar da pesquisa foram entrevistados. Ressalta-se que a análise das informações ocorreu de forma concomitante à coleta de dados, baseado no Método Comparativo Constante, que permite que a análise seja realizada de forma concomitante1010. Kolb SM. Grounded theory and the constant comparative method: valid research strategies for educators. Jeteraps. 2012[cited 2019 Feb 10];3(1):83-6. Available from: Available from: https://www.researchgate.net/publication/307632469_Grounded_theory_and_the_constant_comparative_method_Valid_research_strategies_for_educators
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Após as entrevistas realizou-se a etapa da negociação com os participantes, momento em que foram apresentadas as construções desdobradas que emergiram do grupo de interesse. A etapa final de análise consistiu em reagrupar as construções em uma categoria analítica denominada: Cuidado de Saúde Mental destinado à criança.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFRGS nº 2.595.152 e da Secretaria Municipal de Saúde do município de Porto Alegre nº 2.720.722. O estudo atendeu aos preceitos éticos de pesquisa1111. Ministério da Saúde (BR), Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012. Diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Diário Oficial da União. 2013 jun 13;150(112 Seção 1):59-62.. Os participantes foram os profissionais que aceitaram a participar da pesquisa, foram informados sobre os objetivos da mesma, e os que aceitaram, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. As entrevistas foram gravadas e após transcritas de forma literal, assegurando a veridicidade das informações.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os participantes do estudo que constituíram o grupo de interesse foram profissionais das equipes da ESF, predominantemente do sexo feminino, com idade média de 40 anos e atuando no serviço de saúde em média seis anos e cinco meses, tempo suficiente para compreender a dinâmica do serviço, conhecendo fragilidades e potencialidades na comunidade.

As temáticas que emergiram da avaliação de Quarta Geração formaram a categoria analítica Cuidado de Saúde Mental destinado à Criança relacionada à visita domiciliar, rede de cuidados, matriciamento, reunião de equipe e espaço na agenda médica.

Assim, uma forma de cuidado evidenciada pelo grupo de interesse no processo avaliativo foi a visita domiciliar realizada pelos Agentes Comunitários de Saúde (ACS), meio de identificar crianças com necessidades de cuidado em saúde mental no território da ESF. Os ACS estão em contato com o contexto domiciliar e familiar das crianças, proporcionando a identificação daquelas que podem demandar acompanhamento em saúde mental.

Quando a gente entra na casa, a mãe fala ou a responsável fala, e o ACS tem que ter um olhar para ver o que está acontecendo com a criança e ai traz pra reunião de equipe. (E7)

O ACS detecta no domicílio, na própria casa e vai trazendo para o serviço, para a doutora, para a equipe que direciona a quem tem que ser direcionada essa criança. (E1)

O cuidado em saúde mental infantil detectado no domicílio, por meio das Visitas Domiciliares (VD), pode ser um recurso estratégico no âmbito de serviços substitutivos de saúde mental, como é o caso da ESF. A VD passa a ser uma estratégia para humanizar o atendimento e desencadear vínculos entre usuários, equipe e família, essa ferramenta é permeada de tecnologias leves como a comunicação, acolhimento e vínculo, diálogo e escuta1212. Alonso CMC, Béguin PD, Duarte FJCM. Work of community health agents in the Family Health Strategy: meta-synthesis. Rev Saúde Pública2018;52:14. https://doi.org/10.11606/s1518-8787.2018052000395
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A VD é um instrumento de trabalho principalmente para os ACS no contexto avaliado que auxilia na identificação de situações de risco e permite a realização de orientações às famílias e comunidade, além de identificar casos e situações que serão compartilhadas com outros membros das equipes de saúde1212. Alonso CMC, Béguin PD, Duarte FJCM. Work of community health agents in the Family Health Strategy: meta-synthesis. Rev Saúde Pública2018;52:14. https://doi.org/10.11606/s1518-8787.2018052000395
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. A VD, como cuidado em saúde mental, possibilita interação, promove vínculo e facilita uma assistência integral à criança e família, tornando o domicílio um espaço terapêutico no atendimento à criança.

As atividades realizadas em decorrência do Programa de Saúde na Escola (PSE) foram identificadas como meio de cuidado em saúde mental infantil e compõe a rede de cuidados. Essas atividades realizadas junto às escolas da comunidade aproximam os professores do serviço de saúde, promovendo acesso oportuno à atenção psicossocial.

Geralmente o professor fala com o pai, e a gente inclui a escola no acompanhamento, porque a escola é uma parte fundamental do parecer da criança. A criança passa mais tempo às vezes na escola do que na casa. (E4)

Quando os ACS vão na escola fazer esse acompanhamento (PSE), as professoras, as diretoras trazem algum caso de alguma criança. (E5)

Essa facilidade de interlocução entre educação e saúde é positiva para o cuidado no contexto em estudo, afinal a criança muitas vezes utiliza de forma simultânea esses setores. E, especificamente no caso de saúde mental infantil, frequentemente isso envolve setores da saúde, educação e, também, assistência social, justiça e direitos44. Couto MCV, Delgado PGG. Crianças e adolescentes na agenda política da saúde mental brasileira: inclusão tardia, desafios atuais. Psicol Clin. 2015;27(1):17-40. https://doi.org/10.1590/0103-56652015000100002
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No campo da atenção psicossocial, a corresponsabilização do cuidado no território é potencializada com ações do PSE. Uma vez que em municípios maiores a educação e a saúde deparam-se com comunidades de grande extensão territorial, com diversidade no perfil de vulnerabilidade social e de necessidades da população1313. Chiari APG, Ferreira RC, Akerman M, Amaral JHL, Machado KM, Senna MIB. Rede intersetorial do Programa Saúde na Escola: sujeitos, percepções e práticas. Cad Saúde Pública2018;34(5):e00104217. https://doi.org/10.1590/0102-311x00104217
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O PSE visa contribuir para a formação integral dos estudantes da rede pública de educação com ações de prevenção, promoção e atenção à saúde1313. Chiari APG, Ferreira RC, Akerman M, Amaral JHL, Machado KM, Senna MIB. Rede intersetorial do Programa Saúde na Escola: sujeitos, percepções e práticas. Cad Saúde Pública2018;34(5):e00104217. https://doi.org/10.1590/0102-311x00104217
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. No entanto, o grupo de interesse avaliou que as ações estão longe de atingir o objetivo do programa, pois são pontuais e não conseguem oferecer uma atenção ampliada no cuidado em saúde mental.

Trabalhamos com a antropometria, peso, altura, acuidade visual, se faz orientações a respeito de saúde e muitas vezes junto com as professoras. (E1)

Na saúde mental assim, não vi nada que esteja relacionado ao PSE, é mais orientações sobre dengue, piolho, escovação de dente. (E3)

Dessa maneira, o efetivo trabalho compartilhado entre setores requer trabalhadores sensíveis e comprometidos. A resolução das questões de saúde mental infantil devem ser repensadas, sendo necessário diálogo entre os serviços do território, superando os encaminhamentos, sem discussão de casos entre serviços na RAPS99. Guba E, Lincoln Y. Avaliação de quarta geração. Beth Honorato, tradutora. Campinas: Unicamp; 2011.. E ainda, no âmbito do cuidado à criança, a oportunidade de articular saúde mental ao espaço escolar deve ser incentivado e consolidado através de ações que integrem ESF, escola e comunidade.

No entanto, a rede de cuidados tem fragilidades que dificultam o trabalho articulado entre a equipe da ESF, outros serviços e setores na atenção psicossocial frente às demandas de cuidado em saúde mental infantil, conforme avaliado pelo grupo de interesse:

É muito difícil conseguir matriciar paciente direcionado pra CAPS. É bem precário. A gente não tem esse contato direto. (E14)

Não há matriciamento a partir dos profissionais do CAPSi, não realizam VD em conjunto, nunca foi solicitado apoio para algum caso conforme relato do um profissional da equipe. (O6, 2.6.18, manhã)

A gente não tem no NASF a única forma de a gente encaminhar saúde mental para especialista, além da EESCA. (E2)

Os profissionais avaliaram de forma negativa a inexistência de CAPSi e NASF para apoio, serviços que poderiam qualificar o atendimento no território e fortalecer ações de cuidado em saúde mental infantil. Afinal, a atenção psicossocial tem como principal objetivo a ampliação e a qualificação do cuidado com base no território, mais próximo da rede familiar, social e cultural do usuário.

O trabalho conjunto entre equipes é decisivo para o desenvolvimento de ações de saúde mental na ESF e promover o cuidado infantil, tanto em relação a situações de menor complexidade, quanto na qualificação dos encaminhamentos necessários, garantindo maior adesão dos usuários e familiares ao processo de cuidado99. Guba E, Lincoln Y. Avaliação de quarta geração. Beth Honorato, tradutora. Campinas: Unicamp; 2011..

Corrobora com as dificuldades no cuidado à saúde mental infantil identificadas no processo avaliativo, a falta de trabalho em conjunto ao Conselho Tutelar e Centro de Referência em Assistência Social (CRAS). Uma vez que, o trabalho intersetorial entre esses serviços poderia ser incluído para compor os planos de cuidado, frente ao perfil de vulnerabilidade social identificado na comunidade do estudo.

Não temos muita parceria e, poucas vezes que a gente precisou, a gente não teve a resposta que esperava do Conselho Tutelar. (E14)

De vez em quando o Conselho Tutelar aciona o ESF. Muito raro a ESF acionar o Conselho. Só quando é trazida alguma coisa muito grave. O Conselho aciona nós, a procura de alguma criança, alguma família. (E11)

Poucos casos eram encaminhados para o CRAS, que daí seria uma questão social, às vezes alimentar, questão de moradia, mais social. (E12)

Entende-se intersetorialidade como um conceito polissêmico, utilizado no campo da saúde, que representa a forma como os diferentes setores sociais (educação, assistência social, justiça, cultura, lazer, entre outros) com seus saberes e práticas integram-se e articulam-se para orientar e garantir a resolutividade e acompanhamento de casos1414. Nunes CK, Kantorski LP, Coimbra VCC. Interfaces between services and actions of the psychosocial care network for children and adolescents. Rev Gaúcha Enferm. 2016;37(3):e54858. https://doi.org/10.1590/1983-1447.2016.03.54858
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-1515. Souza AC. Estratégias de inclusão da saúde mental na atenção básica: um movimento das marés. São Paulo: Hucitec; 2015..

Diante da fragilidade e falta de trabalho conjunto na atenção em saúde mental infantil, cabe aos serviços de saúde mental a função de iniciar a construção da rede, a partir da responsabilidade sobre o caso, e posterior envolvimento de todos os profissionais e setores88. Teixeira MR, Couto MCV, Delgado PGG. Primary care and collaborative care in children and adolescents psychosocial interventions: facilitators and barriers. Ciênc Saúde Coletiva. 2017;22(6):1933-42. https://doi.org/10.1590/1413-81232017226.06892016
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Entende-se que a atenção psicossocial preconiza o trabalho em rede intersetorial, cria laços com outros setores das políticas públicas, distintos segmentos sociais, diferentes serviços, atores e olhares1414. Nunes CK, Kantorski LP, Coimbra VCC. Interfaces between services and actions of the psychosocial care network for children and adolescents. Rev Gaúcha Enferm. 2016;37(3):e54858. https://doi.org/10.1590/1983-1447.2016.03.54858
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. Tendo em vista a necessidade de apoio para continuidade do cuidado à criança, foram evidenciados pelos participantes três formas de apoio e matriciamento para o cuidado em saúde mental infantil: na Equipe Especializada em Saúde da Criança e Adolescente (EESCA), na Universidade e no Telessaúde.

Assim, primeiramente, a EESCA se refere a uma equipe multiprofissional com formação em saúde da criança e do adolescente disponível no município estudado. A equipe é destinada ao atendimento de crianças e adolescentes de 0 a 17 anos. Estão distribuídas no município e realizam matriciamento de casos junto aos profissionais das equipes da Atenção Básica. Os participantes entendem que cuidado em saúde mental infantil na ESF transcende o conhecimento da clínica médica, a assistência à criança propicia a articulação de saberes para a integralidade do cuidado.

A criança vem aqui consulta e, se não tem resolutividade aqui com a doutora, ela pega o caso e leva pro matriciamento, que tem uma vez por mês no EESCA, que é o da saúde mental infantil. (E7)

Nesse contexto, o apoio matricial se diferencia do atendimento tradicional realizado por especialista, é entendido como auxílio de um profissional especializado a uma equipe de saúde, ampliando e qualificando as ações1616. Jorge MSB, Vasconcelos MGF, Castro Junior EF, Barreto LA, Rosa LRS, Lima LL. Solvability of mental health care in the Family Health Strategy: social representation of professionals and users. Rev Esc Enferm USP. 2014;48(6):1059-65. https://https:/.doi.org/10.1590/S0080-623420140000700014
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. Essa lógica integradora de atenção é um contraponto à tradicional lógica de encaminhar, referenciar ou contrarreferenciar de um cuidado fragmentado.

Dessa forma, o matriciamento proporciona retaguarda especializada do cuidado em saúde mental à criança no contexto da ESF. Refere-se a um suporte técnico-pedagógico que integra saúde mental e AB para uma assistência colaborativa, produzindo trocas entre diferentes áreas de saber para a construção de projetos terapêuticos exitosos.

Corroborando com essa ideia, outra forma de apoio identificado pelo grupo de interesse foi a Universidade, uma vez que é através das atividades do professor e alunos que muitas vezes acontece a identificação e acompanhamento de casos.

É de grande ajuda ter os estudantes, para quem está aqui no posto de saúde dentro do bairro. Não é lá no hospital, é aqui no bairro que precisa. Já vi a professora ir na casa e conversar, tem outra visão de profissional preparada para saúde mental, orienta bem a família. (E13)

A gente tem ajuda dos estudantes que vem aqui, que são da enfermagem que nos ajudam nos casos de saúde mental das crianças. (E6)

No contexto avaliado o serviço de saúde é campo de estágio para alunos de graduação em Enfermagem e beneficia-se com a presença da Universidade por ampliar ações de promoção de saúde e prevenção de doenças, prerrogativas básicas da ESF. Proporcionam o estreitamento na relação instituição de ensino-sociedade, facilitando a troca de saberes entre discentes, docentes e comunidade1717. Duarte MLC, Galuschka TAK. Grupo de saúde mental: um relato de experiência na extensão universitária. Rev Contexto Saúde. 2017;17(33):58-65. https://doi.org/10.21527/2176-7114.2017.33.58-65
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. Assim, no contexto da saúde mental infantil a parceria da Universidade e ESF pode proporcionar um cuidado criativo e humanizado a partir desse contato com a criança e seu contexto de vida.

E ainda, outro apoio às condutas terapêuticas e continuidade da assistência à criança na ESF foi identificado no Telessaúde.

A doutora às vezes inicia aqui mesmo, sendo criança. Ela iniciou para duas, uma com depressão, de dez anos, e uma outra criança, Não lembro qual o transtorno, mas ela já iniciou o tratamento aqui. Então, acho que o Telessaúde é mais efetivo pros médicos mesmo, porque conseguem ter uma resolutividade melhor. (E5)

As doutoras usam bastante, elas têm 1 hora para o Telessaúde, inclusive usam essa parte de saúde mental no Telessaúde. (E7)

O grupo de interesse avaliou o Telessaúde como uma ferramenta importante para matriciar as crianças com casos de saúde mental, seja para tomada de condutas clínicas e terapêuticas, seja para o referenciamento à especialidade médica. A utilização do Telessaúde como recurso de apoio aos serviços foi prevista pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e pela OMS, definindo o emprego das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), como estratégicas nos casos onde a prestação de serviços é dificultada pela distância. Dessa maneira, são alternativas para a realização de diagnóstico, tratamento e prevenção de doenças, além de pesquisas e educação continuada1818. Santos AF, D’Agostino M, Bouskela MS, Fernandéz A, Messina LA, Alves HJ. [An overview of telehealth initiatives in Latin America]. Rev Panam Salud Publica. 2014[cited 2019 Mar 10];35(5/6):465-70. Portuguese. Available from: Available from: https://www.scielosp.org/article/ssm/content/raw/?resource_ssm_path=/media/assets/rpsp/v35n5-6/25.pdf
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Outro recurso para o cuidado em saúde mental, principalmente no âmbito da criança, avaliado pelo grupo de interesse foi o momento de reunião de equipe na ESF.

As pessoas tão valorizando mais a reunião. A gente sempre considera na pauta. Acho que é bem legal, bem importante, porque é onde eu tenho um caso da minha área, aí eu falo para ciência de todos, já que todos passamos pela recepção. (E12)

Chega muito pelo ACS e aí é resolvido em reunião de equipe, é passado o caso na reunião de equipe e aí vai ser dado o encaminhamento. Não a solução, o encaminhamento devido, naquele problema de saúde mental infantil. (E13)

A reunião de equipe multidisciplinar possibilita uma visão mais global e coletiva dos casos de crianças que demandam cuidado em saúde mental. Num contexto de atenção psicossocial, esse momento proporciona integração, escuta, valorização do profissional e também de planejamento dos casos.

Assim, a reunião de equipe permite a troca de informações, de comunicação entre os profissionais. Propicia um processo participativo na construção de consensos na rotina de trabalho, elaboração de projetos assistenciais, levantamento tanto de demandas de saúde mental, como de possibilidades de cuidado a essas necessidades no território. A comunicação é fator indispensável para o trabalho na ESF, o exercício do diálogo e de trocas no ambiente de trabalho abre possibilidades para um trabalho resolutivo e comprometido com as necessidades da população11. Soalheiro N, Martins D. Atenção psicossocial e a (des)institucionalização como eixo do cuidado. In: Saúde mental para a Atenção Básica. Nina Soalheiro, organizadora. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2017. p. 249.,1919. Duarte MLC, Boeck JN. O trabalho em equipe na enfermagem e os limites e possibilidades da estratégia saúde da família. Trab Educ Saúde, 2015;13(3):709-20. https://doi.org/10.1590/1981-7746-sip00054
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O espaço na agenda médica foi outra estratégia de trabalho atribuída ao cuidado em saúde mental da criança, importante para o acompanhamento dos casos de saúde mental infantil.

A gente tem consultas de demanda espontânea, a primeira consulta na maior parte das vezes quando os pais estão muito ansiosos é na demanda espontânea mesmo, na consulta do dia, para a gente fazer um primeiro apanhado, ver o que está acontecendo. E ai depois, tem os agendamentos de saúde mental, saúde mental adulto, criança. (E2)

Antes era uma agenda única, tinha ali gestante, criança, mas não se tinha especifico de saúde mental. E hoje tem esse espaço que prevalece na agenda, disponibilizando vaga em saúde mental. (E8)

A equipe organiza a agenda semanal de atividades com espaço na agenda médica para acompanhamento de saúde mental. Ressalta-se que o atendimento profissional neste ponto de atenção deve ser com enfoque psicossocial. Atender com uma abordagem psicossocial compreende a construção de autonomia e superação das práticas de saúde curativas individuais e especializadas, considera a subjetividade e aborda o sofrimento no território de vida dessa criança1919. Duarte MLC, Boeck JN. O trabalho em equipe na enfermagem e os limites e possibilidades da estratégia saúde da família. Trab Educ Saúde, 2015;13(3):709-20. https://doi.org/10.1590/1981-7746-sip00054
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Encontrar estratégias e arranjos para garantir o atendimento conforme o agendamento da consulta pode proporcionar às crianças e familiares, a facilidade de acesso ao serviço tendo em vista a proximidade das suas residências, estreitando os vínculos familiares, de trabalho e de suporte social, que podem ser fontes importantes de recuperação. Dessa maneira, em muitos países a AB tem sido avaliada como melhor do que o cuidado no nível especializado considerando a facilidade de acesso, menor probabilidade de preconceito e resultados terapêuticos2020. Wenceslau LD, Ortega F. Mental health within primary health care and Global Mental Health: international perspectives and Brazilian context. Interface (Botucatu), 2015;19(55):1121-32. https://doi.org/10.1590/1807-57622014.1152
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Assim, o serviço de saúde, frente à necessidade de cuidado infantil, deve tomar a responsabilidade sobre buscar estratégias conjuntas que deve ser imperativa aos profissionais da ESF implicados no processo de cuidado. A busca pela atenção integral destinada às crianças com demandas de saúde mental deve ser uma premissa de todos os serviços da rede de saúde mental.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa oportunizou avaliar o cuidado em saúde mental à criança realizado no contexto da ESF, a partir de uma metodologia participativa que permitiu considerar as diferentes percepções do grupo de interesse, formado por profissionais da ESF.

Dessa forma, o processo avaliativo participativo desenvolvido com os profissionais foi importante para problematização da realidade, ouvindo diferentes opiniões do grupo e impulsionando possíveis mudanças a partir de caráter formativo proporcionado pela AQG. Assim, a implicação do grupo de interesse envolveu o contexto do serviço e de certa forma, alcançou significado para eles.

Por meio da categoria analítica Cuidado de Saúde Mental destinado à Criança foram avaliados dispositivos de cuidado na ESF pelo grupo de interesse: visita domiciliar, rede de cuidados, matriciamento, reunião de equipe e espaço na agenda médica.

Dessa maneira, evidenciou-se que o cuidado em saúde mental à criança acontece nas atividades preconizadas para a ESF. A Visita Domiciliar como um recurso para identificar as crianças com necessidades de saúde mental no território, uma vez que, principalmente os ACS, estão em contato com o contexto domiciliar e familiar. A reunião de equipe é um momento valorizado, pois proporciona integração, escuta, discussão dos casos e planejamento do cuidado, e a possibilidade de agendar consultas garante a continuidade do acompanhamento. Avaliou-se que esses fazeres cotidianos são permeados de sensibilidade para o cuidado psicossocial.

No entanto, a política de saúde mental não garante a construção da rede de cuidados que deve ser tecida pelos profissionais dos diferentes serviços. A integração entre a ESF e as escolas do território foi avaliada como importante, mas pontual, e a necessidade de melhor articulação com outros serviços e setores, como NASF, CAPSi e Conselho Tutelar.

Diante das demandas e necessidades de saúde mental infantil presentes no território e das dificuldades e dos limites da ESF mesmo sem matriciamento de CAPSi e de equipe de NASF, foram evidenciados meios de apoio ao cuidado através do matriciamento de casos. São eles, dispositivos e saberes especializados como o EESCA, disponível no município do estudo, da Universidade e do Telessaúde uma vez que articulam saberes no intuito da resolutividade e integralidade no cuidado.

Dessa forma, o estudo contribuiu para avaliar que o cuidado psicossocial vem sendo realizado na ESF, serviço de base comunitária que permite o acesso e a continuidade do acompanhamento de crianças e famílias. No entanto, um grande desafio é a articulação da RAPS, que poderia ser disparador para momentos de qualificação na área de saúde mental infantil sensibilizando para um cuidado oportuno e no território.

Os resultados podem contribuir e incentivar gestores à qualificação dos profissionais da ESF para o cuidado em saúde mental, com atenção a saúde mental infantil, pois este é um importante espaço de cuidado e acesso na rede psicossocial.

Por fim, as limitações deste estudo referem-se à impossibilidade de generalização dos resultados tendo em vista que é uma pesquisa com metodologia qualitativa, assim, os resultados encontrados estão relacionados à trajetória, experiência e significações do grupo de interesse.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Abr 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    24 Abr 2019
  • Aceito
    27 Ago 2019
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