Acessibilidade / Reportar erro

Competências em promoção da saúde nas práticas de educação ambiental de agentes comunitários de saúde

RESUMO

Objetivo:

Reconhecer domínios de competências em promoção da saúde nas práticas de educação ambiental realizadas pelos agentes comunitários de saúde.

Método:

Estudo misto, que adotou como referencial teórico o Developing Competencies and Profissional Standards for Health Promotion Capacity Building in Europe (CompHP), realizado em Crato, Ceará, junto a 16 agentes comunitários de saúde, a partir de entrevista semiestruturada e organização dos dados através do software ALCESTE.

Resultados:

Foram evidenciados os domínios de competências em promoção da saúde de parceria, possibilidade de mudanças e diagnóstico. Reconhecem-se evidências que apontam outros domínios, embora com menor significância estatística, tais como: comunicação, planejamento e implementação, para o desenvolvimento das atividades de educação ambiental.

Considerações finais:

Há a mobilização de um número limitado de domínios de competências em promoção da saúde nas práticas de educação ambiental desenvolvidas pelos agentes comunitários de saúde, sendo necessária a totalidade destes para concretizar as práticas de promoção da saúde.

Palavras-chave:
Promoção da saúde; Agentes comunitários de saúde; Saúde ambiental; Atenção Primária à Saúde; Meio ambiente

ABSTRACT

Objective:

To recognize the domains of competencies in promoting health in the environmental education practices performed by community health agents.

Method:

A mixed study, which adopted the Developing Competencies and Professional Standards for Health Promotion Capacity Building in Europe (CompHP) as a theoretical framework, conducted in Crato, Ceará, with 16 community health agents, based on semi-structured interviews and data organization through the ALCESTE software.

Results:

The following domains of competencies in health promotion were evidenced: partnership, possibility of changes, and diagnosis. We recognize evidence signaling other domains, although with less statistical significance, such as: communication, planning and implementation, with a view to developing environmental education activities.

Final considerations:

There is a mobilization of a limited number of health promotion competences in the environmental education practices developed by community health agents, which requires the wholeness of these elements to implement health promotion practices and, thus, positive transformations on the environment and health.

Keywords:
Health promotion; Community health agents; Environmental health; Primary Health Care; Environment

RESUMEN

Objetivo:

Reconocer los dominios de competencias en promoción de la salud en las prácticas de educación ambiental llevadas a cabo por agentes comunitarios de salud.

Método:

Un estudio mixto, que adoptó el Developing Competencies and Profissional Standards for Health Promotion Capacity Building in Europe(CompHP) como referencia teórica, realizado en Crato, Ceará, con 16 agentes de salud comunitarios, basado en entrevistas semiestructuradas y organización de datos utilizando el software ALCESTE.

Resultados:

Se destacaron los siguientes dominios de competencias en la promoción de la salud: asociación, posibilidad de cambios y diagnóstico. Se reconoce evidencia que apunta a otros dominios, aunque con menos significancia estadística, tales como: comunicación, planificación e implementación, para el desarrollo de actividades de educación ambiental.

Consideraciones finales:

Se registra una movilización de una cantidad limitada de competencias de promoción de la salud en las prácticas de educación ambiental desarrolladas por agentes de salud comunitarios, todo lo cual es necesario para implementar prácticas de promoción de la salud y, por lo tanto, transformaciones positivas sobre el medio ambiente y la salud.

Palabras clave:
Promoción de la salud; Agentes comunitarios de salud; Salud ambiental; Atención Primaria de Salud; Ambiente

INTRODUÇÃO

Os tempos contemporâneos vêm testemunhando uma crise ambiental que ameaça a vida do planeta e que tem sido foco de debates públicos mundiais, fortemente veiculados pelos meios de comunicação, que exploram e propagam conhecimentos sobre os riscos ecológicos a que as coletividades estão expostas. Entretanto, a difusão destas informações não tem demonstrado efetividade na transformação das práticas e comportamentos da população, uma vez que são cada vez mais frequentes as agressões ao meio ambiente e, consequentemente, o aumento do risco de adoecimento e diminuição da qualidade de vida das sociedades1Sari V, Camponogara S. Environmental perceptions in the vision of environmental educators of a hospital institution. Rev Contexto Saúde. 2017;17(33):200-14. doi: https://doi.org/10.21527/2176-7114.2017.33.200-214
https://doi.org/10.21527/2176-7114.2017....
.

Meio ambiente, em seu sentido amplo, não se restringe apenas às particularidades econaturais, envolve um complexo sistema que engloba interações entre seus diversos elementos, incluindo os seres humanos. Assim, não deve ser compreendido somente como um meio do qual a sociedade extrai recursos para sobreviver ou impulsionar sua economia, mas deve ser entendido como meio de vida e de cuja integralidade depende a manutenção de funções ecológicas essenciais à vida1Sari V, Camponogara S. Environmental perceptions in the vision of environmental educators of a hospital institution. Rev Contexto Saúde. 2017;17(33):200-14. doi: https://doi.org/10.21527/2176-7114.2017.33.200-214
https://doi.org/10.21527/2176-7114.2017....
.

Considerando sua inserção no contexto ambiental, é imprescindível que o ser humano se aproprie de seu papel nesse plano e assuma responsabilidades perante o meio, ampliando a compreensão sobre a saúde ambiental para além dos problemas relacionados. Faz-se necessário compreender os determinantes do problema e estratégias de superação, apoiando-se, por exemplo, na educação ambiental para melhor analisar a situação e promover a participação comunitária2Peres RR, Camponogara S, Costa VZ, Terra MG, Nietsche EA. Health and environment: (in) visibilities and (dis) continuation in nursing professional training. Esc Anna Nery. 2016;20(1):25-32. doi: https://doi.org/10.5935/1414-8145.20160004
https://doi.org/10.5935/1414-8145.201600...
.

Os padrões atuais de urbanização e desenvolvimento de empresas e indústrias descoordenados das políticas públicas de saúde contribuem para a existência de problemas relacionados à água, tratamento de dejetos e esgotos, disposição de resíduos sólidos, abastecimento de água e saneamento básico essencial. Soma-se a propagação de doenças atinentes a priori com o saneamento ambiental inadequado e despreparo ou descuido da população com o ambiente em que vive, tais como diarreia, verminoses, arboviroses e doenças tropicais negligenciadas3Guimarães M, Granier NB. Educação ambiental e os processos formativos em tempos de crise. Rev Diálogo Educ. 2017;17(55):1574-97. doi: https://doi.org/10.7213/1981-416X.17.055.DS06
https://doi.org/10.7213/1981-416X.17.055...
.

Educação ambiental materializa-se, então, como ferramenta estratégica para abordagem socioambiental, buscando alternativas para a resolução dos problemas vivenciados pela comunidade, tanto orgânicos, quanto sociais e ambientais4Simas PRP, Pinto ICM. Health work: portrait of community workers in the Northeast region of Brazil. Ciênc Saúde Coletiva. 2017;22(6):1865-76. doi: https://doi.org/10.1590/1413-81232017226.01532017
https://doi.org/10.1590/1413-81232017226...
. Deve ser desenvolvida por meio de uma visão integral que admita o ser humano enquanto ser racional, sensitivo e espiritual, contemplando o trabalho com os determinantes sociais de saúde, sob uma perspectiva multiprofissional e interdisciplinar. Dessa forma, a educação ambiental deve estar pautada na atuação de profissionais de educação e saúde e na identificação dos fatores socioambientais que interferem na saúde humana e na capacidade de desenvolver ações integradas. Enfatiza-se a importância de intervir junto às demandas identificadas sob uma perspectiva participativa, protagonista e compartilhada, centrada na cooperação entre os atores4Simas PRP, Pinto ICM. Health work: portrait of community workers in the Northeast region of Brazil. Ciênc Saúde Coletiva. 2017;22(6):1865-76. doi: https://doi.org/10.1590/1413-81232017226.01532017
https://doi.org/10.1590/1413-81232017226...
.

No âmbito das práticas de saúde, a Estratégia Saúde da Família (ESF) desponta como uma importante oportunidade na inclusão do usuário nas práticas de promoção à saúde, no enfrentamento dos determinantes sociais e na prevenção, proteção e manutenção da saúde pública, nesta contida a saúde ambiental.

Nesta perspectiva, destaca-se a atuação do Agente Comunitário de Saúde (ACS), profissional que exerce o papel de conector entre a ESF e a comunidade, por meio de atividades de reconhecimento das problemáticas e prováveis soluções para os usuários, atuando de modo mais próximo das realidades e seus problemas4Simas PRP, Pinto ICM. Health work: portrait of community workers in the Northeast region of Brazil. Ciênc Saúde Coletiva. 2017;22(6):1865-76. doi: https://doi.org/10.1590/1413-81232017226.01532017
https://doi.org/10.1590/1413-81232017226...
. Ressaltam-se ainda as contribuições dos Agentes de Combate às Endemias (ACE) nas práticas de educação ambiental, como mais uma importante força de trabalho na ESF no âmbito da saúde ambiental.

O ACS constitui-se, portanto, junto aos ACE, uma figura relevante na educação ambiental, fortalecendo as práticas de promoção da saúde junto à comunidade e desenvolvendo ações como mapeamento de áreas de risco, visitas domiciliares e reuniões com grupos específicos da população e setores da comunidade5Rabelo AOM, Bueno DS, Andrade HS. Análise do trabalho do agente comunitário de saúde na Estratégia de Saúde da Família. Rev Pesq Saúde. 2018 [cited 2020 Jan 5];19(1):33-7. Available from: http://www.periodicoseletronicos.ufma.br/index.php/revistahuufma/article/view/9178
http://www.periodicoseletronicos.ufma.br...
.

Ao passo que o ACS apresenta potencial em desenvolver ações de promoção da saúde ambiental, reconhece-se a necessidade de aperfeiçoamento destes profissionais, de modo que estes não limitem sua atenção, nesse contexto, à associação da saúde ambiental à ideia de saneamento e controle de doenças sazonais, abordando pontualmente a temática em épocas de surtos e epidemias, refletindo uma visão essencialmente6Camponogara S, Erthal G, Viero CM. The environmental problem in the view of community health agents. Cienc Cuid Saude. 2013;12(2):233-40. doi: https://doi.org/10.4025/cienccuidsaude.v12i2.18584
https://doi.org/10.4025/cienccuidsaude.v...
.

Sob estes aspectos, existe a necessidade iminente de qualificação e formação desses profissionais da saúde, a fim de que venham a ser multiplicadores de novas práticas que superem o modelo hegemônico, biomédico e assistencialista, trilhando novos caminhos para a promoção da saúde e empoderamento da população. Para tanto, faz-se necessário adotar recursos, tais como referenciais teóricos orientadores, que possam direcionar e operacionalizar as práticas de promoção da saúde por meio de competências.

Destarte, os profissionais de saúde devem possuir competências para responder as necessidades e demandas de saúde da população, sendo capazes de articular os conhecimentos adquiridos na formação inicial, muitas vezes fragmentados e desarticulados, com a complexidade dos determinantes que se inter-relacionam na vida e no cuidado à saúde7Pinheiro DGM, Scabar TG, Maeda ST, Fracolli LA, Pelicioni MCF, Chiesa AM. Health promotion competencies: challenges of formation. Saúde Soc. 2015;24(1):180-8. doi: https://doi.org/10.1590/S0104-12902015000100014
https://doi.org/10.1590/S0104-1290201500...
.

Diversos países e organizações têm se empenhado no desenvolvimento de competências para a promoção da saúde, destacando-se o projeto Developing Competencies and Profissional Standards for Health Promotion Capacity Building in Europe (CompHP), da União Internacional para Promoção da Sáude e Educação, criado a partir de outros consensos sobre competências em promoção da saúde e construído a partir da contribuição de pesquisadores de vários continentes, dentre eles a América Latina. O CompHP começou a ser desenvolvido em 2009, objetivando estabelecer métodos para implementação de padrões em promoção da saúde, visando a inovação e melhoria das práticas8Battel-Kirk B, Barry MM, Zanden G, Contu P, Gallardo C, Martinéz A, et al. Operationalising and piloting the IUHPE european accreditation system for health promotion. Glob Health Promot. 2014;22(3)25-34. doi: https://doi.org/10.1177/1757975914545386
https://doi.org/10.1177/1757975914545386...
.

O CompHP agrupa um conjunto de competências necessárias para desenvolver ações eficazes em promoção da saúde, organizadas em nove domínios, a saber: favorecimento de mudanças, advocacia em saúde, parceria, comunicação, liderança, diagnóstico, planejamento, implementação, e avaliação e pesquisa7Pinheiro DGM, Scabar TG, Maeda ST, Fracolli LA, Pelicioni MCF, Chiesa AM. Health promotion competencies: challenges of formation. Saúde Soc. 2015;24(1):180-8. doi: https://doi.org/10.1590/S0104-12902015000100014
https://doi.org/10.1590/S0104-1290201500...
.

Sob este prisma, indagou-se: Quais domínios de competências em promoção da saúde são mobilizados nas atividades educação ambiental realizadas pelos ACS?

Visando responder a tal questionamento e contribuir com o debate em torno do tema, o estudo teve como objetivo reconhecer os domínios de competências em promoção da saúde nas práticas de educação ambiental realizadas pelos agentes comunitários de saúde.

MÉTODO

Estudo misto, com estratégia de triangulação concomitante, que adotou como referencial teórico o Developing Competencies and Profissional Standards for Health Promotion Capacity Building in Europe (CompHP), documento que consolida um conjunto de 47 competências essenciais em promoção da saúde em nove domínios8Battel-Kirk B, Barry MM, Zanden G, Contu P, Gallardo C, Martinéz A, et al. Operationalising and piloting the IUHPE european accreditation system for health promotion. Glob Health Promot. 2014;22(3)25-34. doi: https://doi.org/10.1177/1757975914545386
https://doi.org/10.1177/1757975914545386...
.

Este referencial institui um consenso internacional de competências no qual se estabelecem métodos para implementação de padrões em promoção da saúde, visando a inovação e melhores práticas em saúde, podendo ser utilizado na formação de promotores de saúde, bem como critérios para avaliação de qualificação em promoção da saúde ou avaliação de experiências práticas, em nível de graduação, pós-graduação e educação continuada e permanente8Battel-Kirk B, Barry MM, Zanden G, Contu P, Gallardo C, Martinéz A, et al. Operationalising and piloting the IUHPE european accreditation system for health promotion. Glob Health Promot. 2014;22(3)25-34. doi: https://doi.org/10.1177/1757975914545386
https://doi.org/10.1177/1757975914545386...
.

O cenário do estudo compreende a ESF de um município cearense, nordeste do Brasil, que apresenta cobertura de atenção primária da totalidade de sua população, a partir da atuação de 40 equipes.

A população de interesse contempla os profissionais que atuam enquanto agentes comunitários de saúde. Da totalidade de agentes comunitários de saúde do município, foram selecionados por meio da amostragem intencional não probabilística aqueles que desenvolviam atividades de educação ambiental. Para tanto, realizou-se contato prévio com a coordenação municipal que fez a indicação dos participantes com base nos registros de atividades produzidas pelos profissionais ACS.

O contato inicial deu-se por telefone, por meio do qual um encontro presencial foi agendado, conforme disponibilidade do participante, em local reservado da unidade de saúde a qual estava vinculado. Os critérios de elegibilidade foram definidos como: ser agente comunitário de saúde em plena atividade durante a realização do estudo, ter no mínimo seis meses de atuação no cargo e desenvolver atividades de educação ambiental junto à comunidade. Não fizeram parte deste estudo aqueles que, embora indicados por outros profissionais na técnica snowball, não estabeleceram contato com o pesquisador por meio da ligação inicial ou não apresentaram disponibilidade para o momento presencial da coleta de dados. Foram realizadas três tentativas de comunicação via ligação telefônica em dias diferentes para tentar estabelecer o contato com os profissionais. Representaram perdas para o estudo os profissionais que estavam afastados de suas atividades por quaisquer motivos, como licença maternidade, licença médica ou situação de greve. Deste modo, participaram do estudo 16 agentes comunitários de saúde que atendiam aos critérios acima mencionados e aceitaram contribuir com o estudo.

Para coleta de dados foi utilizada a entrevista semiestruturada, realizada pelos pesquisadores em ambiente reservado, com auxílio de um gravador digital e de um roteiro com as questões norteadoras, tais como: me fale sobre as práticas educativas que envolvem as questões ambientais na sua área. As entrevistas, realizadas entre junho e dezembro de 2018, tiveram em média 30 minutos de duração.

O material oriundo das entrevistas foi digitado integralmente no programa Microsoft Word®, constituindo o corpus do estudo, e salvo no formato RichText, constituindo o preparo para o processamento de análise lexical pelo software ALCESTE (Anályse Lexicale por Contexte d’um Esemble de Segments de texte) versão 2015. O corpus foi intitulado ‘agentes_de_saúde’. O software processou o corpus com 87% de aproveitamento e o dividiu em Unidades de Contexto Inicial (UCI). Numa análise padrão, após o programa reconhecer as indicações das UCI, este divide o material em unidades de contexto elementar (UCE), unidades com menor fragmento de sentido que serão agrupadas, conforme sua semelhança, em classes.

As operações com maior relevância no processamento dos dados pelo software foram a Classificação Hierárquica Descendente, que demonstra em um dendrograma como as classes foram formadas e quanto do corpus cada uma agrupa; a descrição das classes, com os radicais com maior q²; e a seleção das UCE representativas de cada classe.

Optou-se pela interpretação dos resultados por meio de conteúdo, apoiada no referencial teórico do CompHP, extraindo-se de cada classe as UCE com q² significativo (q² ≥ 4) que remetiam a domínios de competências em promoção da saúde. A estratégia de triangulação concomitante deu-se pelo reconhecimento do software da função da palavra no texto e sua quantificação e compreensão de delimitação das classes, que são definidas em função da ocorrência das palavras e sua função textual.

O estudo respeitou as normas de pesquisas envolvendo seres humanos, segundo a Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde do Brasil e apreciação e aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Regional do Cariri, sob parecer nº 103/2011. Todos os participantes assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e tiveram sua identidade preservada através do código ACS para cada profissional, seguido pelo número correspondente à ordem de entrevistas.

RESULTADOS

O estudo incluiu o discurso de 16 agentes comunitárias de saúde, em sua totalidade do sexo feminino, com idade mínima de 33 anos e máxima de 60 anos. As profissionais apresentaram, em sua maioria, ensino médio completo (56,25%), seguido de profissionais com nível superior (43,75%). Quanto ao tempo de atuação junto a ESF, a maior parte possui atuação por período igual ou superior a dez anos (62,5%).

O processamento dos dados pelo software identificou 2464 formas distintas, agrupadas em 475 UCE, as quais foram classificadas em três classes, como ilustrado na Figura 01. Cada classe estrutura-se por agrupamentos de UCE com vocabulário homogêneo e palavras significativas para o contexto analisado.

Figura 1 -
Dendrograma de classificação hierárquica descendente

Classe 1 - Educação ambiental no território

Essa classe originou-se da associação de 227 UCE e 108 palavras analisáveis, representando a maior significância estatística no contexto do estudo em termos de agregação de UCE, perfazendo 55% do corpus. Expressa o conhecimento das participantes e o modo como estas desenvolvem suas práticas de educação ambiental, abordando principalmente discussões sobre lixo (q² 84), terreno baldio (q² 12), queimadas (q² 9) e limpeza (q² 11). Revela-se que as práticas de educação ambiental apresentam caráter sazonal, evidenciado pela frequência dos termos dengue (q² 24), mosquito (q² 9) e doença (q² 14), associadas à execução destas nos momentos de surto de arboviroses no território. Além destes, merecem destaque os elementos aluno (q² 7), escola (q² 13) e criança (q² 18), pontuados como parceiros das práticas de promoção da saúde na comunidade.

No que se refere aos domínios de competências em promoção da saúde, foram manifestados nesta classe os domínios parceria e possibilidade de mudanças, tal como ilustrado no Quadro 1.

Quadro 1 -
Domínios de competências evidenciados na Classe 1. Crato, 2020

O domínio parceria manifesta-se nos relatos dos ACS considerando uma atuação conjunta com indivíduos da comunidade, como as crianças, e setores estratégicos, como o da educação. Já o domínio possibilidade de mudanças desvenda-se no propósito das ações desenvolvidas pelos profissionais no tocante à promoção da saúde, apresentando-se como possibilidade de trabalho junto a grupos específicos, como o público infantil, visando transformações na realidade.

Classe 2 - Atuação interdisciplinar para educação ambiental

A segunda classe com maior significância estatística e semântica é formada por 139 UCE e 83 palavras analisáveis, representando 33% do corpus analisado. Esta classe evidenciou a fragilidade do trabalho interdisciplinar da equipe da ESF na condução das ações educação ambiental, nela inclusas a/o enfermeira/o (q² 21), a/o médica/o (q² 16), o técnico de enfermagem (q² 12), agentes comunitários de saúde (q² 16), os profissionais que compõem a equipe do Núcleo de Ampliado em Saúde da Família e Atenção Básica (NASF-AB) (q² 10), podendo citar: o assistente social, o educador físico, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, nutricionista, psicólogo. Há ainda o reconhecimento de que a atuação precisa ser pautada nas necessidades das realidades do território adscrito, considerando os saberes dos indivíduos e sua cultura, de modo a atuar efetivamente sobre os determinantes de saúde na localidade.

As falas das participantes demonstram a presença dos domínios parceria e diagnóstico, exemplificados no Quadro 2.

Quadro 2 -
Domínios de competências evidenciados na Classe 2. Crato, 2020

O domínio parceria, expresso em uma nova classe, relaciona-se com a necessidade de envolvimento do ACS com outros profissionais, por meio do trabalho em equipe, para obtenção de sucesso em suas práticas, estando alguns profissionais, tais como enfermeiro/a e NASF, mais disponíveis nestes momentos. Já o domínio diagnóstico relaciona-se às estratégias adotadas para reconhecimento da realidade e das necessidades em saúde da população sob sua responsabilidade sanitária, muitas vezes atreladas à subjetividade e constatação qualitativa, possibilitadas, principalmente pela relação próxima do ACS com a comunidade e o vínculo oriundo deste contato.

Classe 3 - Articulação intersetorial para educação ambiental

Trata-se, essencialmente, da necessidade de efetivar a intersetorialidade para desempenho apropriado das práticas de educação ambiental e promoção da saúde, não reconhecendo no contexto estudado valorização e apoio da gestão para esta concretização. Este aspecto evidencia-se na utilização dos termos gestão (q² 91), fraco (q² 83), apoio (q² 76), parceria (q² 67), secretaria (q² 56) e município (q² 50), e da articulação destes nos discursos das participantes. A estrutura desta classe envolve 139 UCE e 83 palavras analisáveis, correspondendo à significância estatística de 12% do corpus.

O Quadro 3 ilustra a presença dos domínios parceria e possibilidade de mudanças, reconhecidos nas UCE presentes nesta classe, e as falas das participantes correspondentes a estes domínios.

Quadro 3 -
Domínios de competências evidenciados na Classe 3. Crato, 2020

O domínio parceria aqui manifestado difere do apresentado nas classes anteriores por voltar-se principalmente para a colaboração intersetorial com outras esferas, de modo a compreender essa relação enquanto estratégia potente ao enfrentamento dos problemas de saúde relacionados aos determinantes sociais, mesmo sendo estabelecida de modo pontual no contexto em estudo. Ao passo que se desenvolve o domínio parceria, percebe-se o progresso do domínio possibilidade de mudanças, caracterizado pelo empoderamento dos indivíduos nas ações de educação ambiental, fortalecendo o acesso a informações e a autonomia para tomada de decisões.

Em síntese, foram evidenciados os domínios de competências em promoção da saúde do CompHP de parceria, possibilidade de mudanças e diagnóstico. Reconhecem-se evidências que apontam outros domínios, tais como: como comunicação, planejamento e implementação, para o desenvolvimento das atividades de educação ambiental. No entanto não se apresentam de forma expressiva nas práticas relatadas por esses profissionais, não apresentando, neste estudo, significância estatística que possibilite afirmar sua mobilização.

DISCUSSÃO

O trabalho em educação ambiental e promoção da saúde pauta-se no reconhecimento do ambiente enquanto conjunto de condições para a reprodução social da vida, onde diversos fatores exercem influência direta ou indireta sobre os modos de viver, ter saúde, adoecer e cuidar das populações, tais como a educação inclusiva, a disponibilidade de emprego e renda, saneamento básico e espaços de lazer1Sari V, Camponogara S. Environmental perceptions in the vision of environmental educators of a hospital institution. Rev Contexto Saúde. 2017;17(33):200-14. doi: https://doi.org/10.21527/2176-7114.2017.33.200-214
https://doi.org/10.21527/2176-7114.2017....
.

Deste modo, é imperioso que as ações de educação ambiental desenvolvidas pelos profissionais da ESF, dentre estes os ACS, abandonem o caráter sazonal, estando presentes em toda e qualquer oportunidade de contato com a coletividade para tratar dos determinantes sociais de saúde e estruturação e acompanhamento de projetos terapêuticos. Deve ainda considerar, para além de conhecimentos sobre o meio ambiente e sua preservação sustentável, valores e crenças pessoais e a sua relação direta com o ambiente em que os indivíduos e suas famílias vivem e se relacionam, para que estes sejam envolvidos nestas práticas e considerem-se atores responsáveis por este processo9Castro AS, Madeira NG. Educação em saúde na escola: uma experiência quantitativa no ensino de verminose para alunos do ensino fundamental. 2013. II Congresso Online de Gestão, Educação e Promoção da Saúde; 2013 out 24-26, Rio de Janeiro, Brasil..

Além de assegurar a inclusão da comunidade, é imprescindível que os profissionais da ESF se articulem entre si e com setores correlatos relevantes para atuação sobre os determinantes da saúde, possibilitando uma visão ampla sobre o processo saúde-doença-cuidado, garantindo o comprometimento com o trabalho transdisciplinar e desenvolvimento de práticas de educação inovadora que abandonem o caráter rotineiro e prescritivo e sejam capazes de fomentar a autonomia, as tomadas de decisão e o empoderamento social10Souza FPP, Machado LDS, Santana KFS, Rocha RMGS, Lopes MSVL, Machado MFAS. Health promotion in multidisciplinar residency: contributions to the training process. J Nurs Educ Pract. 2017;7(6):80-9. doi: https://doi.org/10.5430/jnep.v7n6p80
https://doi.org/10.5430/jnep.v7n6p80...
.

O reconhecimento destes aspectos e a capacidade para operacionalizá-los são produtos desejáveis à formação e qualificação profissional. Neste panorama, a formação por competências, tendência atual no campo da educação, tem demonstrando ser eficiente em promover conhecimentos, habilidades e atitudes condizentes com a integração profissional e de serviços, a coordenação e trabalho em equipe, bem como atuação sobre as reais necessidades dos territórios11Fragelli TBO, Shimizu HE. Prospecções para desenvolvimento de políticas públicas de formação de profissionais de saúde a partir da análise do cenário brasileiro de competências. Rev Bras Enferm. 2013;16(2):667-74. doi: https://doi.org/10.1590/S0103-73312013000100011
https://doi.org/10.1590/S0103-7331201300...
.

Tratando-se especificamente da atuação em promoção da saúde, o desenvolvimento de competências neste campo associa-se à formação de profissionais capazes de articular e colocar em prática, de modo dinâmico e complexo, os princípios teóricos e metodológicos da promoção da saúde, considerando reflexões contínuas sobre os contextos, seus desafios de enfrentamento e as expectativas da população12Tavares MFL, Rocha RM, Bittar CML, Petersen CB, Andrade M. Health promotion in professional education: challenges in Health and the need to achieve in other sectors. Ciênc Saúde Coletiva. 2016;21(6):1799-808. doi: https://doi.org/10.1590/1413-81232015216.07622016
https://doi.org/10.1590/1413-81232015216...
.

O referencial de competências em promoção da saúde do CompHP agrupa um conjunto de nove domínios de competências essenciais capazes de fortalecer a força de trabalho em saúde pública, sendo fundamentais à prestação eficaz de ações de saúde13Mereu A, Sotgiu A, Buja A, Casuccio A, Cecconi R, Fabiani L, et al. Professional competencies in health promotion and public health: what is common and what is specific? review of the European debate and perspectives for professional development. Epidemiol Prev. 2015 [cited 2020 Jan 3];39(4 Suppl 1):33-8. Available from: http://www.epiprev.it/materiali/2015/EP2015_I4S1_033.pdf
http://www.epiprev.it/materiali/2015/EP2...
. Destes domínios, três foram manifestados nas práticas de educação ambiental descritas pelas Agentes Comunitárias de Saúde: parceria, possibilidade de mudanças e diagnóstico. O domínio parceria remete à colaboração entre disciplinas, atores e setores, para aumentar o alcance e impacto das ações de promoção da saúde, além de assegurar sua sustentabilidade8Battel-Kirk B, Barry MM, Zanden G, Contu P, Gallardo C, Martinéz A, et al. Operationalising and piloting the IUHPE european accreditation system for health promotion. Glob Health Promot. 2014;22(3)25-34. doi: https://doi.org/10.1177/1757975914545386
https://doi.org/10.1177/1757975914545386...
. Compreende, então, o trabalho em equipe e intersetorial.

O trabalho em equipe com foco na promoção da saúde e educação ambiental é desenvolvido de modo colaborativo, ampliando os atores participantes do processo e compreendendo para além da equipe mínima da ESF, os profissionais do NASF-AB, da educação, da assistência social, da segurança pública, dentre outros. Amplia-se então o escopo de atuação que corresponsabiliza os profissionais para o cuidado integral e holístico14Oliveira TB, Shimizu HE. Competências profissionais para o trabalho do Núcleo de Apoio à Saúde da Família. Rev APS. 2014;17(3):334-44. doi: https://doi.org/10.1590/1981-52712015v40n2e02702014
https://doi.org/10.1590/1981-52712015v40...
.

Assim, trabalhar em equipe vai além da simples interação com outros profissionais e estabelecimento de um fluxo de referência e contra referência, alcançando-se o diálogo entre esses profissionais, a adoção de decisões conjuntas, o compartilhamento de responsabilidades, o desenvolvimento de negociações, favorecendo a integralidade e reduzindo a fragmentação do cuidado14Oliveira TB, Shimizu HE. Competências profissionais para o trabalho do Núcleo de Apoio à Saúde da Família. Rev APS. 2014;17(3):334-44. doi: https://doi.org/10.1590/1981-52712015v40n2e02702014
https://doi.org/10.1590/1981-52712015v40...
.

Trabalhar com outros atores implica envolver também outros setores, assegurando a longitudinalidade e circularidade do cuidado e o respeito à complexidade da realidade sanitária, reconhecendo que os resultados desejados são oriundos de ações compartilhadas e contextualizadas, em que são partilhados conhecimentos, compromissos, valores, afetos, responsabilidades e ações. A atuação intersetorial em saúde ambiental compreende, então, a prática profissional que considera a complexidade do fazer saúde e da produção de cuidado, defendendo uma visão coletiva e responsabilização com o território15Dias MAS, Parente JRF, Vasconcelos MIO, Dias FAC. Intersetorialidade e estratégia Saúde da Família: tudo ou quase nada a ver? Ciênc Saúde Coletiva. 2014;19(11):4371-82. doi: https://doi.org/10.1590/1413-812320141911.11442014
https://doi.org/10.1590/1413-81232014191...
.

Lidar com parcerias requer, então, a capacidade de envolvimento com diversos setores com potencial de contribuição nas ações de promoção da saúde; facilitação do trabalho com os parceiros a partir de valores e princípios da promoção da saúde; e, a construção de trabalho colaborativo e mediação dos objetivos e interesses dos setores, assegurando o desenvolvimento e sustentabilidade dos processos8Battel-Kirk B, Barry MM, Zanden G, Contu P, Gallardo C, Martinéz A, et al. Operationalising and piloting the IUHPE european accreditation system for health promotion. Glob Health Promot. 2014;22(3)25-34. doi: https://doi.org/10.1177/1757975914545386
https://doi.org/10.1177/1757975914545386...
.

Por sua vez, o domínio possibilidade de mudanças relaciona-se ao fortalecimento da capacidade de ação de indivíduos, grupos e comunidade, em promoção da saúde, idealizando melhorias para saúde e qualidade de vida, bem como redução das iniquidades sociais8Battel-Kirk B, Barry MM, Zanden G, Contu P, Gallardo C, Martinéz A, et al. Operationalising and piloting the IUHPE european accreditation system for health promotion. Glob Health Promot. 2014;22(3)25-34. doi: https://doi.org/10.1177/1757975914545386
https://doi.org/10.1177/1757975914545386...
.

Consiste, portanto, no desenvolvimento de autonomia e empoderamento dos indivíduos para que estejam aptos a decidirem pelo melhor para sua saúde, sua vida e o meio ambiente no qual estão inseridos. Trata-se de mobilizar, coletivamente, forças capazes de gerar transformações e impulsionar movimentos ante à inércia dos serviços e territórios16Brehmer LCF, Ramos FGS. Experiências de integração ensino-serviço no processo de formação profissional em saúde: revisão integrativa. Rev Eletr Enf. 2014;16(1):228-37. doi: https://doi.org/10.5216/ree.v16i1.20132
https://doi.org/10.5216/ree.v16i1.20132...
.

Desenvolver autonomia e empoderar, no trabalho educacional desenvolvido pelas ACS, referem-se a capacitar os indivíduos para atuar frente aos seus próprios problemas e necessidades, mobilizando seus recursos e fomentando ações mais saudáveis ao seu viver16Brehmer LCF, Ramos FGS. Experiências de integração ensino-serviço no processo de formação profissional em saúde: revisão integrativa. Rev Eletr Enf. 2014;16(1):228-37. doi: https://doi.org/10.5216/ree.v16i1.20132
https://doi.org/10.5216/ree.v16i1.20132...
.

O promotor de saúde, neste domínio, deve estar apto a colaborar com outros setores para promover o desenvolvimento de políticas com impactos positivos na saúde; utilizar abordagens que proporcionem o empoderamento, a participação, a liderança e a equidade; facilitar o desenvolvimento de habilidades pessoais para manutenção e melhoria da saúde; e colaborar com atores sociais para reorientar os serviços de saúde, promovendo saúde e reduzindo iniquidades8Battel-Kirk B, Barry MM, Zanden G, Contu P, Gallardo C, Martinéz A, et al. Operationalising and piloting the IUHPE european accreditation system for health promotion. Glob Health Promot. 2014;22(3)25-34. doi: https://doi.org/10.1177/1757975914545386
https://doi.org/10.1177/1757975914545386...
.

Nesse contexto, os domínios parceria e possibilidade de mudanças se conectam a partir da defesa de integração entre os atores e serviços para trabalhar sobre os problemas do território, assumindo responsabilidades crescentes, prestando cuidados e, deste modo, transformando-o17Vendruscolo C, Prado ML, Kleba ME. Teaching-service integration within the National Professional Health Education Reorientation Program. Ciênc Saúde Coletiva. 2016;21(9):2949-60. doi: https://doi.org/10.1590/1413-81232015219.12742015
https://doi.org/10.1590/1413-81232015219...
.

Já o domínio diagnóstico considera a avaliação das necessidades de um contexto de determinantes políticos, econômicos, sociais, culturais, ambientais, comportamentais e biológicos, e os recursos apresentados neste, que promovem ou comprometem a saúde8Battel-Kirk B, Barry MM, Zanden G, Contu P, Gallardo C, Martinéz A, et al. Operationalising and piloting the IUHPE european accreditation system for health promotion. Glob Health Promot. 2014;22(3)25-34. doi: https://doi.org/10.1177/1757975914545386
https://doi.org/10.1177/1757975914545386...
.

Demonstra sua relevância na efetivação do atendimento às necessidades de saúde que imprimem melhorias na assistência, no bem-estar e nos modos de viver, propiciando mudanças no modelo biomédico em curso ao considerar aspectos sociais do cuidado, tais como os interesses, vivências, ideias, valores e autonomias18Silva KL, Sena RR, Belga SMMF, Silva PM, Rodrigues AT. Health promotion: challenges revealed in successful practices. Rev Saúde Pública. 2014;48(1):76-85. doi: https://doi.org/10.1590/S0034-8910.2014048004596
https://doi.org/10.1590/S0034-8910.20140...
.

Neste sentido, o uso de abordagens subjetivas e qualitativas pelas ACS para aproximar-se das demandas de seus territórios de atuação consideram condições intersubjetivas e políticas, para além do biológico, do material e do concreto, considerando o homem e seu meio em sua complexidade18Silva KL, Sena RR, Belga SMMF, Silva PM, Rodrigues AT. Health promotion: challenges revealed in successful practices. Rev Saúde Pública. 2014;48(1):76-85. doi: https://doi.org/10.1590/S0034-8910.2014048004596
https://doi.org/10.1590/S0034-8910.20140...
.

Considerar a subjetividade demonstra avanços na superação do modelo biomédico de condução das ações de saúde. Entretanto, ambos aspectos devem ser considerados na integralidade da atenção à saúde, recomendando-se então que os profissionais lancem mão de métodos diagnósticos que possibilitem identificar as necessidades de saúde, os equipamentos sociais, baseados na epidemiologia e nas potencialidades e desafios do território, além de diagnosticar riscos de saúde, ambientais e sociais14Oliveira TB, Shimizu HE. Competências profissionais para o trabalho do Núcleo de Apoio à Saúde da Família. Rev APS. 2014;17(3):334-44. doi: https://doi.org/10.1590/1981-52712015v40n2e02702014
https://doi.org/10.1590/1981-52712015v40...
.

Para tanto, é preciso envolver a população e assegurar a participação social na realização de um trabalho sistematizado de apropriação e análise das realidades, de modo a apoiar as práticas de promoção da saúde e educação ambiental.

As práticas educativas em prol da construção de ambientes sustentáveis devem ter, então, como base uma concepção de educação reflexiva e engajada, em que os saberes e fazeres são construídos com os sujeitos aprendentes e ensinantes. Assim, tais ações devem associar-se a um pensamento crítico e práticas emancipatórias, com foco na mudança de comportamento e atitudes dos envolvidos, fomentando o empoderamento social e o preparo para tomar decisões saudáveis frente a sua autonomia, tal como expresso nos pressupostos da promoção da saúde19Jacobi PR, Tristão M, Franco MIGCA. A função da educação ambiental nas práticas colaborativas: participação e engajamento. Cad Cedes. 2009;20(77):63-79. doi: https://doi.org/10.1590/S0101-32622009000100005
https://doi.org/10.1590/S0101-3262200900...
.

Destaca-se que apenas três de nove domínios de competências em promoção da saúde foram manifestados nas falas das participantes, com força estatística pelo processamento do software, o que aponta para a necessidade de desenvolvimento dos demais domínios - comunicação, advocacia em saúde, liderança, planejamento, implementação e avaliação e pesquisa -, além do aperfeiçoamento dos apresentados. Esses domínios necessitam ser aprimorados e fortalecidos no desenvolvimento das atividades de educação ambiental, contemplando a intercomunicação de todos os domínios propostos pelo CompHP.

Além de que, mesmo os domínios evidenciados na fala dos ACS apresentam-se de forma restrita quando se pensa no conceito amplo e nos princípios da promoção da saúde, sendo necessária uma atuação que além do campo de atuação específica da categoria profissional e que atendam à perspectiva socioambiental da promoção da saúde.

A correlação entre os domínios formulados pelo CompHP demonstra a relevância do desenvolvimento conjunto de todos, visto que estes estão conectados e são fundamentais para a efetividade das práticas de promoção da saúde. Como exemplo desta correlação, pode-se pontuar a relação dos domínios advocacia, liderança e parceria e a relação dos domínios diagnóstico, planejamento, implementação e avaliação e pesquisa.

A realização de ações de promoção da saúde em parceria com outros atores e serviços estimulam a liderança e reivindicação por melhorias, aquiescendo maior disseminação das propostas, com impacto positivo nos territórios, na vida das pessoas e nas atividades dos serviços de saúde. Assim, os domínios de advocacia, liderança e parceria mobilizam-se, principalmente por meio da educação em saúde e movimentos em defesa da saúde20Netto L, Silva KL, Rua MS. Competency building for health promotion and change in the care model. Texto Contexto Enferm. 2016;25(2):e2150015. doi: https://doi.org/10.1590/0104-07072016002150015
https://doi.org/10.1590/0104-07072016002...
.

Já os domínios de diagnóstico, planejamento, implementação e avaliação e pesquisa articulam-se de modo contínuo, processual e interdependente, em que as práticas devem ser embasadas em um diagnóstico contextual e situacional, precedendo a programação e planejamento de ações que serão implementadas e constantemente avaliadas, em conformidade com a literatura científica, saber popular, necessidades de saúde da população e experiência dos profissionais envolvidos21Evangelista SC, Sampaio JV, Machado LDS, Tamboril ACR, Moreira MRC, Viana MCA, et al. Course of health promotion actions on multiprofissional residency: analysis in the light of a European reference. Tempus, Actas Saúde Colet. 2016 [cited 2020 Jan 3];10(4):69-82. Available from: https://www.tempusactas.unb.br/index.php/tempus/article/view/2291
https://www.tempusactas.unb.br/index.php...
.

Deste modo, emerge a necessidade de alicerçar a formação de profissionais de saúde na promoção da saúde e no desenvolvimento de competências, corroborando com o desenvolvimento de padrões profissionais, sistemas de qualidade, preparo profissional com ética e eficiência e contribuindo para firmar a promoção da saúde como campo especializado e potente de práticas.

No contexto da ESF e considerando a atuação de milhares de ACS no país, podem ser valiosos os processos formativos centrados nos profissionais e sua realidade, tais como propostas da educação permanente. Pode-se, então, aprender fazendo continuamente e em seu cotidiano, favorecendo o aprendizado, o vínculo com a população, desenvolvimento da autonomia e visão crítica sobre o processo de trabalho, sobre o processo saúde-doença-cuidado e sobre o cuidar do ambiente20Netto L, Silva KL, Rua MS. Competency building for health promotion and change in the care model. Texto Contexto Enferm. 2016;25(2):e2150015. doi: https://doi.org/10.1590/0104-07072016002150015
https://doi.org/10.1590/0104-07072016002...
.

Diante deste panorama, infere-se que o desenvolvimento de competências em promoção da saúde é valioso para a execução de práticas de promoção da saúde e educação ambiental mais efetivas, com qualidade, ética e adequadas às realidades complexas e heterogêneas encontradas e vivências na atenção primária. Assim, defende-se que os ACS sejam reconhecidos por seu potente papel junto à comunidade e que suas necessidades formativas sejam supridas para aperfeiçoamento de suas atividades, tanto na educação ambiental quanto em outros aspectos da promoção da saúde.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As falas das ACS revelaram a mobilização dos domínios de competências em promoção da saúde do CompHP de parceria, possibilidade de mudanças e diagnóstico nas práticas de educação ambiental desenvolvidas no contexto da atenção primária. Reconhece-se que os conhecimentos, habilidades e atitudes que sustentam estes domínios contribuem para ações efetivas e éticas de promoção da saúde, desempenhadas a partir das necessidades do território e das realidades complexas que este apresenta, firmando articulações com outros atores e cenários, e, deste modo, colaborando para concretização de transformações positivas à saúde e ao viver com qualidade.

Embora apenas três domínios tenham sido manifestados, ressalta-se a importância dos demais nas práticas de educação ambiental dos ACS, devendo ser desenvolvidos de forma conjunta e correlata, a fim de garantir ações efetivas no contexto da atenção primária. O desenvolvimento de competências em promoção da saúde manifesta-se enquanto alternativa potente na superação deste desafio, podendo perpassar a formação inicial e a educação permanente dos profissionais de saúde.

O referencial do CompHP demonstra relevância para orientar processos formativos cujo objetivo seja formar profissionais com competências em promoção da saúde, visto sua formulação sob ampla ótica de domínios, reconhecidos como essenciais em diversos países do mundo. Infere-se que este seja um referencial adequado para nortear processos formativos de ACS na oferta de recursos pessoais para promover saúde e educação ambiental.

Por fim, pontua-se que o reconhecimento dos domínios de competências em promoção da saúde resulta de um olhar subjetivo sobre os discursos dos participantes, o que pode materializar-se como uma limitação do estudo. Entretanto, a utilização do software e a adoção do referencial teórico foram estratégias adotadas na superação desta limitação, apoiando-se em referências concretas e análise estatística neste reconhecimento. Aponta-se, então, a relevância de desenvolver outros estudos sobre a temática, a fim de identificar, por exemplo, por que estes domínios sobressaíram aos demais e o que tem colaborado para sua mobilização.

Este estudo contribui para o campo da saúde ao ratificar a relevância do desenvolvimento de competências em promoção da saúde para o desempenho de práticas efetivas, com qualidade, adequadas à realidade e com base ética e, deste modo, com potencialidade de firmar a promoção da saúde como paradigma implicado com o bem-estar social, com a qualidade de vida e empoderamento da população.

REFERENCES

  • Sari V, Camponogara S. Environmental perceptions in the vision of environmental educators of a hospital institution. Rev Contexto Saúde. 2017;17(33):200-14. doi: https://doi.org/10.21527/2176-7114.2017.33.200-214
    » https://doi.org/10.21527/2176-7114.2017.33.200-214
  • Peres RR, Camponogara S, Costa VZ, Terra MG, Nietsche EA. Health and environment: (in) visibilities and (dis) continuation in nursing professional training. Esc Anna Nery. 2016;20(1):25-32. doi: https://doi.org/10.5935/1414-8145.20160004
    » https://doi.org/10.5935/1414-8145.20160004
  • Guimarães M, Granier NB. Educação ambiental e os processos formativos em tempos de crise. Rev Diálogo Educ. 2017;17(55):1574-97. doi: https://doi.org/10.7213/1981-416X.17.055.DS06
    » https://doi.org/10.7213/1981-416X.17.055.DS06
  • Simas PRP, Pinto ICM. Health work: portrait of community workers in the Northeast region of Brazil. Ciênc Saúde Coletiva. 2017;22(6):1865-76. doi: https://doi.org/10.1590/1413-81232017226.01532017
    » https://doi.org/10.1590/1413-81232017226.01532017
  • Rabelo AOM, Bueno DS, Andrade HS. Análise do trabalho do agente comunitário de saúde na Estratégia de Saúde da Família. Rev Pesq Saúde. 2018 [cited 2020 Jan 5];19(1):33-7. Available from: http://www.periodicoseletronicos.ufma.br/index.php/revistahuufma/article/view/9178
    » http://www.periodicoseletronicos.ufma.br/index.php/revistahuufma/article/view/9178
  • Camponogara S, Erthal G, Viero CM. The environmental problem in the view of community health agents. Cienc Cuid Saude. 2013;12(2):233-40. doi: https://doi.org/10.4025/cienccuidsaude.v12i2.18584
    » https://doi.org/10.4025/cienccuidsaude.v12i2.18584
  • Pinheiro DGM, Scabar TG, Maeda ST, Fracolli LA, Pelicioni MCF, Chiesa AM. Health promotion competencies: challenges of formation. Saúde Soc. 2015;24(1):180-8. doi: https://doi.org/10.1590/S0104-12902015000100014
    » https://doi.org/10.1590/S0104-12902015000100014
  • Battel-Kirk B, Barry MM, Zanden G, Contu P, Gallardo C, Martinéz A, et al. Operationalising and piloting the IUHPE european accreditation system for health promotion. Glob Health Promot. 2014;22(3)25-34. doi: https://doi.org/10.1177/1757975914545386
    » https://doi.org/10.1177/1757975914545386
  • Castro AS, Madeira NG. Educação em saúde na escola: uma experiência quantitativa no ensino de verminose para alunos do ensino fundamental. 2013. II Congresso Online de Gestão, Educação e Promoção da Saúde; 2013 out 24-26, Rio de Janeiro, Brasil.
  • Souza FPP, Machado LDS, Santana KFS, Rocha RMGS, Lopes MSVL, Machado MFAS. Health promotion in multidisciplinar residency: contributions to the training process. J Nurs Educ Pract. 2017;7(6):80-9. doi: https://doi.org/10.5430/jnep.v7n6p80
    » https://doi.org/10.5430/jnep.v7n6p80
  • Fragelli TBO, Shimizu HE. Prospecções para desenvolvimento de políticas públicas de formação de profissionais de saúde a partir da análise do cenário brasileiro de competências. Rev Bras Enferm. 2013;16(2):667-74. doi: https://doi.org/10.1590/S0103-73312013000100011
    » https://doi.org/10.1590/S0103-73312013000100011
  • Tavares MFL, Rocha RM, Bittar CML, Petersen CB, Andrade M. Health promotion in professional education: challenges in Health and the need to achieve in other sectors. Ciênc Saúde Coletiva. 2016;21(6):1799-808. doi: https://doi.org/10.1590/1413-81232015216.07622016
    » https://doi.org/10.1590/1413-81232015216.07622016
  • Mereu A, Sotgiu A, Buja A, Casuccio A, Cecconi R, Fabiani L, et al. Professional competencies in health promotion and public health: what is common and what is specific? review of the European debate and perspectives for professional development. Epidemiol Prev. 2015 [cited 2020 Jan 3];39(4 Suppl 1):33-8. Available from: http://www.epiprev.it/materiali/2015/EP2015_I4S1_033.pdf
    » http://www.epiprev.it/materiali/2015/EP2015_I4S1_033.pdf
  • Oliveira TB, Shimizu HE. Competências profissionais para o trabalho do Núcleo de Apoio à Saúde da Família. Rev APS. 2014;17(3):334-44. doi: https://doi.org/10.1590/1981-52712015v40n2e02702014
    » https://doi.org/10.1590/1981-52712015v40n2e02702014
  • Dias MAS, Parente JRF, Vasconcelos MIO, Dias FAC. Intersetorialidade e estratégia Saúde da Família: tudo ou quase nada a ver? Ciênc Saúde Coletiva. 2014;19(11):4371-82. doi: https://doi.org/10.1590/1413-812320141911.11442014
    » https://doi.org/10.1590/1413-812320141911.11442014
  • Brehmer LCF, Ramos FGS. Experiências de integração ensino-serviço no processo de formação profissional em saúde: revisão integrativa. Rev Eletr Enf. 2014;16(1):228-37. doi: https://doi.org/10.5216/ree.v16i1.20132
    » https://doi.org/10.5216/ree.v16i1.20132
  • Vendruscolo C, Prado ML, Kleba ME. Teaching-service integration within the National Professional Health Education Reorientation Program. Ciênc Saúde Coletiva. 2016;21(9):2949-60. doi: https://doi.org/10.1590/1413-81232015219.12742015
    » https://doi.org/10.1590/1413-81232015219.12742015
  • Silva KL, Sena RR, Belga SMMF, Silva PM, Rodrigues AT. Health promotion: challenges revealed in successful practices. Rev Saúde Pública. 2014;48(1):76-85. doi: https://doi.org/10.1590/S0034-8910.2014048004596
    » https://doi.org/10.1590/S0034-8910.2014048004596
  • Jacobi PR, Tristão M, Franco MIGCA. A função da educação ambiental nas práticas colaborativas: participação e engajamento. Cad Cedes. 2009;20(77):63-79. doi: https://doi.org/10.1590/S0101-32622009000100005
    » https://doi.org/10.1590/S0101-32622009000100005
  • Netto L, Silva KL, Rua MS. Competency building for health promotion and change in the care model. Texto Contexto Enferm. 2016;25(2):e2150015. doi: https://doi.org/10.1590/0104-07072016002150015
    » https://doi.org/10.1590/0104-07072016002150015
  • Evangelista SC, Sampaio JV, Machado LDS, Tamboril ACR, Moreira MRC, Viana MCA, et al. Course of health promotion actions on multiprofissional residency: analysis in the light of a European reference. Tempus, Actas Saúde Colet. 2016 [cited 2020 Jan 3];10(4):69-82. Available from: https://www.tempusactas.unb.br/index.php/tempus/article/view/2291
    » https://www.tempusactas.unb.br/index.php/tempus/article/view/2291

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Fev 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    17 Fev 2020
  • Aceito
    05 Maio 2020
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Escola de Enfermagem Rua São Manoel, 963 -Campus da Saúde , 90.620-110 - Porto Alegre - RS - Brasil, Fone: (55 51) 3308-5242 / Fax: (55 51) 3308-5436 - Porto Alegre - RS - Brazil
E-mail: revista@enf.ufrgs.br