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Desospitalização de crianças dependentes de tecnologias: perspectiva da equipe multiprofissional de saúde

RESUMO

Objetivo

Conhecer a desospitalização de crianças dependentes de tecnologias na perspectiva multiprofissional de saúde.

Método

Estudo qualitativo, exploratório descritivo, realizado em um hospital-escola no Município de Porto Alegre, em 2018. Participaram 15 integrantes da equipe multiprofissional de saúde. Na produção dos dados, utilizou-se a Dinâmica de Criatividade e Sensibilidade “Tempestade Criativa”, do Método Criativo Sensível. A interpretação dos dados ocorreu a partir da Análise de Conteúdo Temática. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética.

Resultados

A desospitalização pode ser influenciada pela ausência de um planejamento de acordo com a realidade da criança e família. Além disso, tem-se o predomínio dos serviços de saúde com modelo centrado no médico, com altas não programadas, sobrecarga dos profissionais e problemas na comunicação entre equipe, rede de saúde e família.

Considerações finais

Apesar de saber-se da importância da desospitalização, ela ocorre de forma fragmentada, com altas hospitalares precipitadas, impedindo uma desospitalização segura e com maior planejamento.

Palavras-chave
Criança; Doença crônica; Alta do paciente; Equipe de assistência ao paciente; Assistência integral à saúde

ABSTRACT

Objective

To know the dehospitalization of technology-dependent children from a multiprofessional perspective.

Method

A qualitative, exploratory and descriptive study, carried out in 2018 at a Teaching Hospital in the city of Porto Alegre. The participants were 15 members of the multidisciplinary health team. In data production, we used the Dynamics of Creativity and Sensitivity, “Creative Storm”, which is part of the Sensitive Creative Method. Data interpretation occurred based on Thematic Content Analysis. The study was approved by the Ethics Committee.

Results

Dehospitalization is influenced by the absence of planning according to the reality of the child and the family. In addition, there is predominance of health services with a physician-centered model, unscheduled discharge, overload of professionals, and communication problems between the staff, the health network and the family.

Final Considerations

Despite knowing the importance of dehospitalization, it still occurs in a fragmented manner, with hasty hospital discharge, preventing safe dehospitalization and with greater planning.

Keywords
Child; Chronic disease; Patient discharge; Patient care team; Comprehensive health care

RESUMEN

Objetivo

Conocer la deshospitalización de niños que dependen de la tecnología desde una perspectiva multiprofesional de salud.

Método

Estudio cualitativo, exploratorio y descriptivo, realizado en 2018 en un Hospital Escuela de la ciudad de Porto Alegre. Participaron 15 integrantes del equipo multiprofesional. En la recopilación de datos, se utilizó la Dinámica de la Creatividad y la Sensibilidad, “Tormenta creativa”, que forma parte del Método Creativo Sensible. La interpretación de los datos se produjo a partir del Análisis de Contenido Temático. El estudio fue aprobado por el Comité de Ética.

Resultados

Una deshospitalización inadecuada está influida por la ausencia de planificación acorde a la realidad del niño y de la familia. Además, hay predominio de servicios de salud con un modelo centrado en los médicos, con altas no programadas, sobrecarga de profesionales y problemas en la comunicación entre personal, red de salud y familia.

Consideraciones finales

A pesar de conocer la importancia de la deshospitalización, aún se da en forma fragmentada, con altas hospitalarias precipitadas, lo que impide una deshospitalización segura y con mayor planificación.

Palabras clave
Niño; Enfermedad crónica; Alta del paciente; Grupo de atención al paciente; Atención integral de la salud

INTRODUÇÃO

Com os avanços das tecnologias de saúde em pediatria, observaram-se uma redução significativa na mortalidade infantil e aumento da sobrevida de crianças fragilizadas clinicamente. Sendo assim, houve um crescente número de crianças com doenças crônicas, as quais, muitas vezes, necessitam de cuidados especiais para manutenção de sua saúde. Esse determinado grupo pode ser classificado como Crianças com Necessidades Especiais de Saúde (CRIANES)11. Breneol S, Belliveau J, Cassidy C, Curran JA. Strategies to support transitions from hospital to home for children with medical complexity: a scoping review. Int J Nurs Stud. 2017;72:91-104. doi: https://doi.org/10.1016/j.ijnurstu.2017.04.011
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A pesquisa em questão foi conduzida pelo referencial teórico de CRIANES, as quais são crianças que estão em risco físico, desenvolvimental, comportamental ou condição emocional aumentada, e que necessitam de um tipo de cuidado de saúde e de serviços além do exigido pelas crianças em geral. Esses cuidados exigem um conhecimento ampliado dos profissionais de saúde e familiares, entretanto, nem sempre eles apresentam os saberes necessários e muitas vezes não estão qualificados adequadamente para exercer o cuidado com as crianças22. McPherson M, Arango P, Fox H, Lauver C, McManus M, Newacheck PW, et al. A new definition of children with special health care needs. Pediatrics. 1998;102(1):137-40. doi:https://doi.org/10.1542/peds.102.1.137
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Nos EUA, entre os anos 2011 e 2012, identificou-se que 19,8% de crianças e adolescentes de zero a 17 anos apresentavam necessidades especiais de saúde. No Brasil, esse grupo infantil é mantido invisível nas estatísticas oficiais.

Em pesquisa para validação do instrumento Children with special Health Care Needs Screener para o Brasil, participaram 140 familiares de crianças de zero a 12 anos que frequentavam ambulatório e pronto atendimento de um hospital de ensino no Sul do país. Esse instrumento avalia as demandas de cuidados de cada criança conforme três domínios: dependência de medicamentos, utilização dos serviços de saúde considerados mais complexos que os de rotina e presença de limitações funcionais. Através dele, observou-se que a prevalência de crianças com necessidades especiais de saúde foi de 36%. Dentre elas, 28% possuíam dependência medicamentosa, 24% necessitavam dos serviços de saúde continuamente e 6% apresentavam limitações funcionais33. Arrué AM, Neves ET, Magnago TSBS, Cabral IE, Gama SGN, Hökerberg YHM. Tradução e adaptação do Children with Special Health Care Needs Screener para português do Brasil. Cad Saude Publica. 2016;32(6):e00130215. doi:https://doi.org/10.1590/0102-311X00130215
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Dentre as CRIANES, estão as crianças dependentes de tecnologias (CDTs) que fazem uso de dispositivos médicos decorrente de uma situação ou agravo à saúde a fim de suprir a perda de uma determinada função vital do organismo. Esse tipo de paciente necessita de cuidados especiais diários para manter sua saúde e evitar maiores complicações33. Arrué AM, Neves ET, Magnago TSBS, Cabral IE, Gama SGN, Hökerberg YHM. Tradução e adaptação do Children with Special Health Care Needs Screener para português do Brasil. Cad Saude Publica. 2016;32(6):e00130215. doi:https://doi.org/10.1590/0102-311X00130215
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. Pesquisas mostram que as CDTs apresentam como principais cuidados tecnológicos: derivação ventrículo-peritoneal, gastrostomia, oxigenoterapia, traqueostomia e sonda nasoenteral44. Dias BC, Marcon SS, Reis P, Lino IGT, Okido ACC, Ichisato SMT, et al. Family dynamics and social network of families of children with special needs for complex/continuous cares. Rev Gaúcha Enferm. 2020;41:e20190178. doi:https://doi.org/10.1590/1983-1447.2020.20190178
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-66. Góes FGB, Cabral IE. Discourses on discharge care for children with special healthcare needs. Rev Bras Enferm. 2017;70(1):163-71. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0248
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. Considerando as CDTs, o uso de tecnologias determina a sua sobrevida e possibilita, em determinados casos, a desospitalização como oportunidade de estar em casa seguindo o tratamento. Essa situação demanda cuidados especiais e continuados que ficam sob a responsabilidade de um familiar/cuidador. Assim, a desospitalização se apresenta também como forma de proporcionar mais qualidade de vida à criança77. Shapiro MC, Henderson CM, Hutton N, Boss RD. Defining pediatric chronic critical illness for clinical care, research, and policy. Hosp Pediatr. 2017;7(4):236-44. doi:https://doi.org/10.1542/hpeds.2016-0107
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Os desafios da desospitalização da CDT não estão somente focados na equipe multiprofissional de saúde, mas também nos familiares/cuidadores, pois estes precisam se adaptar a uma nova rotina de cuidados, reorganizando a estrutura familiar, aprendendo a manipular dispositivos médicos, readequando papéis para a implementação de cuidados no domicílio88. Nóbrega VM, Silva MEA, Fernandes LTB, Viera CS, Reichert APS, Collet N. Chronic disease in childhood and adolescence: continuity of care in the health care network. Rev Esc Enferm USP. 2017;51:e03226. doi: http://doi.org/10.1590/S1980-220X2016042503226
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Essa população de CDTs apresenta inúmeros desafios aos profissionais de saúde relacionados à desospitalização segura. Para isso, faz-se necessária a intervenção de uma equipe multiprofissional de saúde, com uma alta hospitalar planejada, a qual leva em consideração diversos aspectos, como: o desejo da família de levar a criança para o domicílio; o preparo e capacitação dos familiares/cuidadores; as condições clínicas da criança; os encaminhamentos legais e o acesso a benefícios e auxílios; o acesso aos materiais e equipamentos que essa criança necessitará, bem como a estruturação da rede de atenção à saúde que essa família acessará após a alta hospitalar77. Shapiro MC, Henderson CM, Hutton N, Boss RD. Defining pediatric chronic critical illness for clinical care, research, and policy. Hosp Pediatr. 2017;7(4):236-44. doi:https://doi.org/10.1542/hpeds.2016-0107
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-99. Castro BSM, Moreira MCN. (Re)conhecendo suas casas: narrativas sobre a desospitalização de crianças com doenças de longa duração. Physis. 2018;28(3):e280322. doi: https://doi.org/10.1590/s0103-73312018280322
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Além da rede familiar, a criança e familiares/cuidadores podem contar com o auxílio do programa governamental denominado Atenção Domiciliar (AD), instituído pela portaria do Ministério da Saúde nº 825, de 25 de abril de 2016, a qual redefine a AD no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Essa rede é disponibilizada em três modalidades: AD1, AD2 e AD3.

Na AD1, os usuários são assistidos pelas equipes de atenção primária à saúde (APS). As CDRs podem utilizar as modalidades AD2 e AD3, as quais recebem atendimento pelo Serviço de Atenção Domiciliar (SAD), em que a assistência é pautada pela necessidade de cuidados do usuário no domicílio1010. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Caderno de atenção domiciliar. Ministério da Saúde. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2013 [cited 2020 Nov 26] Cadernos de Atenção Básica, v. 2. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/caderno_atencao_domiciliar_melhor_casa.pdf
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-1111. Ministério da Saúde (BR). Portaria n° 825, de 25 de abril de 2016. Redefine a Atenção Domiciliar no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e atualiza as equipes habilitadas. Diário Oficial da União. 2016 abr 25 [cited 2020 Nov 26];153(78 Seção 1):33-8. Available from: https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=26/04/2016&jornal=1&pagina=33&totalArquivos=112
https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/...
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Diante do exposto, considera-se a necessidade do envolvimento de uma equipe multiprofissional pautada em uma assistência interprofissional de saúde, que possibilita a construção de saberes e fornece condições necessárias para a resolutividade na assistência prestada à saúde das CDTs. O saber interdisciplinar e o trabalho interprofissional têm maior potencialidade nas práticas colaborativas em saúde e buscam a solução dos problemas que afligem a criança e a família. A interdisciplinaridade proporciona uma visão biopsicossocial e se torna uma prática fundamental para o fortalecimento da integralidade do Sistema Único de Saúde88. Nóbrega VM, Silva MEA, Fernandes LTB, Viera CS, Reichert APS, Collet N. Chronic disease in childhood and adolescence: continuity of care in the health care network. Rev Esc Enferm USP. 2017;51:e03226. doi: http://doi.org/10.1590/S1980-220X2016042503226
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Pesquisas mostram que a desospitalização das CRIANES acontece sem a continuidade do cuidado, decorrente de uma rede fragilizada66. Góes FGB, Cabral IE. Discourses on discharge care for children with special healthcare needs. Rev Bras Enferm. 2017;70(1):163-71. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0248
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-1212. Brenner M, Kidston C, Hilliard C, Coyne I, Eustace-Cook J, Doyle C, et al. Children’s complex care needs: a systematic concept analysis of multidisciplinary language. Eur J Pediatr. 2018;177:1641-52. doi: https://doi.org/10.1007/s00431-018-3216-9
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, em que há uma ressignificação de sentimentos e cuidados quando as crianças retornam para suas casas. Desta forma, os profissionais precisam se readequar ao processo de trabalho, o que evidencia uma lacuna a ser explorada na produção de conhecimento sobre a desospitalização66. Góes FGB, Cabral IE. Discourses on discharge care for children with special healthcare needs. Rev Bras Enferm. 2017;70(1):163-71. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0248
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,1212. Brenner M, Kidston C, Hilliard C, Coyne I, Eustace-Cook J, Doyle C, et al. Children’s complex care needs: a systematic concept analysis of multidisciplinary language. Eur J Pediatr. 2018;177:1641-52. doi: https://doi.org/10.1007/s00431-018-3216-9
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-1313. Silveira A, Alves BTG, Elauterio MP, Silva FO, Costa SY, Souza NS. Participação e ausência familiar: implicações para o desenvolvimento de crianças e adolescentes com necessidades especiais. Rev Contexto Saúde. 2020;20(38):185-90. doi:http://doi.org/10.21527/2176-7114.2020.38.185-190
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Assim, tem-se como pergunta de pesquisa: Como ocorre a desospitalização de crianças dependentes de tecnologias na perspectiva multiprofissional de saúde? E o objetivo deste estudo é conhecer a desospitalização de crianças dependentes de tecnologias na perspectiva multiprofissional de saúde.

MÉTODO

Trata-se de um estudo qualitativo, do tipo descritivo e exploratório. Para o desenvolvimento da pesquisa, foram utilizadas as Dinâmicas de Criatividade e Sensibilidade (DCS) do Método Criativo Sensível - MCS. As dinâmicas de criatividade e sensibilidade conjugam técnicas consolidadas na produção dos dados, entrevista coletiva, discussão de grupo e observação participante para produzir dados no espaço grupal de forma dinâmica e dialógica1414. Cruz CT, Zamberlan KC, Silveira A, Buboltz FL, Silva JH, Neves ET. Care to children requiring continuous and complex assistance: nursing perception. REME. 2017;21:e-1005. doi: http://doi.org/10.5935/1415-2762.20170015
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. A pesquisa ocorreu em um hospital-escola do Município de Porto Alegre, no Estado do Rio Grande do Sul, Brasil, em 2018. A coleta de dados foi realizada com: enfermeiros, médicos, nutricionistas, fisioterapeutas, assistentes sociais, educadores físicos, fonoaudiólogas, psicólogas e farmacêuticos que atuavam na Unidade de Internação Pediátrica.

Nessa Unidade de Internação Pediátrica se internam crianças de dois dias até seis anos incompletos, pois é a unidade referência para neonatos e crianças após a alta da unidade de terapia intensiva neonatal e pediátrica que ainda necessitam de hospitalização, treinamentos para alta domiciliar, ou aguardam algum recurso via judicial para receber a criança no domicílio. Essas crianças, por vezes, são dependentes de tecnologias como traqueostomia, oxigenioterapia, ventilação mecânica, sondas enterais e gástricas de alimentação, cateteres venosos centrais e outros dispositivos para manutenção da vida e sua qualidade.

No ano de 2019 foram admitidas 747 crianças na unidade de internação pediátrica, destas, estima-se que 80% sejam CRIANES, devido a que o hospital em questão é referência para cuidados complexos de saúde. O grupo de CDTs está inserido nessa porcentagem, demandando da equipe assistencial cuidados constantes para organização da desospitalização segura.

Os critérios de inclusão da pesquisa foram: ser profissional da saúde atuante nesta unidade de internação pediátrica e ter vivenciado no mínimo uma vez o processo de desospitalização de CDTs. Os critérios de exclusão foram: profissionais impossibilitados de exercer suas funções devido ao afastamento ou licenças. Diante dos critérios estabelecidos, não houve nenhuma exclusão.

Os profissionais da equipe multiprofissional de saúde foram previamente abordados no serviço e convidados para participarem da pesquisa. Após o aceite, receberam via e-mail a data, horário e local da DCS, que foi realizada em uma sala disponibilizada pelo hospital que garantia a privacidade dos participantes. No momento do encontro grupal, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi entregue para leitura e assinatura.

Destaca-se que o mediador da DCS foi o pesquisador principal, que possuía experiência prévia na produção de dados em grupo utilizando as dinâmicas de criatividade e sensibilidade, tendo sido o auxiliar de pesquisa treinado previamente junto ao grupo de pesquisa ao qual o estudo está vinculado.

Para o desenvolvimento das DCS, preconizaram-se as cinco etapas. A Etapa 1 - Acolhimento (cerca de cinco minutos) constituiu-se na apresentação dos participantes, mediador do grupo e auxiliar de pesquisa, tendo sido realizada a apresentação da temática proposta para o encontro e explicado o objetivo da dinâmica grupal para a produção dos dados da pesquisa, que era conhecer as percepções da equipe multiprofissional de saúde acerca da desospitalização da criança dependente de tecnologia. Na Etapa 2 - Trabalho individual ou coletivo (cerca de quinze minutos), foi realizada a produção artística individual, por meio da DCS denominada Tempestade Criativa1414. Cruz CT, Zamberlan KC, Silveira A, Buboltz FL, Silva JH, Neves ET. Care to children requiring continuous and complex assistance: nursing perception. REME. 2017;21:e-1005. doi: http://doi.org/10.5935/1415-2762.20170015
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, utilizando a metáfora dos elementos da tempestade, como a chuva, sol, raio, nuvem, vento, sendo cada um desses elementos entregue aos participantes em formato de desenho. Para seu desenvolvimento, a mediadora do grupo lançou a seguinte questão geradora do debate (QGD): Como é para vocês a desospitalização da criança dependente de tecnologia? Na Etapa 3 - Apresentação das produções artísticas (cerca de dez minutos), ocorreram a apresentação verbal e exposição das produções individuais no espaço grupal. Nesse momento, cada participante expôs sua perspectiva por meio dos elementos da Tempestade Criativa, despertando a dimensão criativa e sensível, o que estava latente a partir de suas vivências na desospitalização de CDT. Durante essa etapa, a mediadora do grupo e a auxiliar de pesquisa registraram os assuntos, dos quais foram codificados os temas geradores, tomando nota das palavras-chave. A Etapa 4 - Análise coletiva e discussão grupal (cerca de trinta minutos) foi o momento da descodificação dos subtemas geradores. Na Etapa 5 - Síntese temática e validação dos dados (cerca de cinco minutos) ocorreu o encerramento do encontro, a partir da síntese dos temas geradores produzidos no espaço grupal, sendo realizada a validação dos dados produzidos no grupo.

Participaram da pesquisa 15 profissionais de saúde de diferentes formações, que foram divididos em dois grupos distintos. Conforme preconiza o método, grupos menores possibilitam a produção dos dados com maior facilidade para a transcrição. Foi abordada uma única QGD: Como é para você a desospitalização da criança dependente de tecnologia?

Durante a realização dos encontros, utilizou-se gravador digital para gravação das discussões grupais e, posteriormente, foi realizada sua transcrição pela pesquisadora principal. Os registros fotográficos das produções artísticas serviram para ilustrar os discursos dos participantes da DCS na etapa de produção dos dados. Foram realizados dois encontros com duração de aproximadamente sessenta minutos. Contou-se com um auxiliar de pesquisa, que colaborou na gravação dos áudios e no diário de campo, e um mediador, que fez a intermediação grupal da DCS. Para a realização da DCS, foram utilizados materiais como cartolinas coloridas, caneta, pincel atômico, tesoura, papel pardo e cola.

Para o critério de encerramento do trabalho de campo, utilizou-se a saturação teórica, em que o investigador constata que não surgem fatos novos e que todos os conceitos foram desenvolvidos1515. Ribeiro J, Souza FN, Lobão C. Saturação da análise na investigação qualitativa: quando parar de recolher dados? [editorial]. Rev Pesqui Qual. 2018;6(10):iii-vii. doi:https://doi.org/10.33361/RPQ.v.6.n.10
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. A análise dos dados foi realizada por meio da Análise de Conteúdo Temática, que é subdivida em três etapas: leitura do material selecionado (1ª etapa); exploração do material (2ª etapa); elaboração de uma síntese interpretativa (3ª etapa)1616. Minayo MCS, Deslandes SF, Gomes R, organizadores. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Petrópolis: Vozes; 2016..

O projeto foi submetido para apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa da instituição envolvida, com aprovação sob o Parecer nº 2.614.102/2018, e através da Plataforma Brasil, na qual possui o CAAE: 84912218.0.0000.5327. A pesquisa desenvolvida é pautada nos preceitos bioéticos da Resolução 466/2012. Os participantes receberam a letra “P” para identificação, a fim de manter o anonimato, seguida pelos numerais conforme a sequência das participações da pesquisa, denominados como e P1, P2, e assim sucessivamente.

RESULTADOS

Os 15 profissionais de saúde participantes foram dois médicos, dois educadores físicos, dois assistentes sociais, dois farmacêuticos, dois fisioterapeutas, dois nutricionistas, um fonoaudiólogo, um enfermeiro e um psicólogo. Tinham em média 9,93 anos de tempo de formação e tempo de atuação no serviço com média de 5,26 anos. Quanto ao grau de formação, cinco possuíam mestrado e dez possuíam especialização.

A seguir, apresentam-se os resultados do estudo a partir das seguintes categorias: a primeira foi denominada como os “Desafios da equipe multiprofissional na desospitalização da criança dependente de tecnologia”, e a segunda, “As potencialidades para a desospitalização segura da criança dependente de tecnologia”.

Os desafios da equipe multiprofissional na desospitalização da criança dependente de tecnologia

A desospitalização gera na equipe percepções e sentimentos ambíguos, pois existem diversas fragilidades intra e extra-hospitalares a serem enfrentadas, muitas delas relacionadas com o deficitário sistema de saúde e as condições precárias de vida das CDTs, o que gera preocupações nos profissionais. Por meio da produção artística “A gota de chuva”, foi possível perceber que o proporcionado para essas CDTs se torna muito pouco diante das necessidades que apresentam. Essas percepções são reafirmadas por meio da Figura 1 e nas falas dos participantes a seguir:

Figura 1 -
Produção artística de P9

Tenho angústia deles não terem acesso a tudo o que eles precisam, então, vai um pouco da fragilidade do nosso sistema de saúde, da falta de condições de oferecer para eles tudo o que eles precisam para ter um conforto e uma vida minimamente digna. Fico um pouco angustiado de dar alta para esses pacientes. (P9)

Pensando um pouco as questões das fragilidades sociais, a gente acaba não conseguindo dar conta, tem muitas crianças que não se consegue fazer um preparo adequado, por que não têm mínimas condições de vida! Assim que vão para casa, infelizmente, eles não vão ter o que comer, então, isso para mim, no ponto de vista de alta, são problemas bem sérios. (P15)

Além disso, o planejamento da alta hospitalar da CDT requer uma série de cuidados, pois deve ser projetada para a realidade extra-hospitalar do núcleo familiar e exigir dos profissionais atuantes um olhar sensível e ampliado para que as condutas sejam construídas em conjunto com a família, estimulando a autonomia para o cuidado.

Precisa compreender como é a realidade dessa criança e tentar não fazer nada muito mirabolante ou, a partir da nossa ótica, pensar sempre no contexto em que estão inseridas, e como vai ser a realidade delas após a alta, como está sendo esse processo para elas e para a família durante a desospitalização. (P3)

A falta de planejamento para as altas hospitalares é uma fragilidade que dificulta o processo de desospitalização, pois a família pode não se considerar preparada para atender às demandas da CDT em domicílio. Os participantes reiteraram que as altas precipitadas impossibilitam a equipe multiprofissional de realizar orientações completas, inviabilizando o contato, o planejamento prévio com a rede de atenção à saúde e a construção de uma rede de apoio em conjunto com a família.

Uma fragilidade são as altas sem planejamento, que a gente não consegue fazer os encaminhamentos para onde gostaria e não se consegue preparar as famílias para ir para casa. (P10)

As altas hospitalares sem planejamento ocorrem, muitas vezes, devido à grande necessidade de rotatividade dos leitos pela superlotação dos serviços, não havendo tempo para a realização de orientações.

Precisa de um tempo (para dar orientações) que às vezes não se tem, porque precisa internar, porque a emergência está cheia, porque é bloco (bloco cirúrgico), SR (sala de recuperação), porque é UTIP (unidade de terapia intensiva pediátrica). (P8)

Outra fragilidade elencada foi o modelo centrado no médico e curativista, que enfraquece as condutas entre a equipe multiprofissional. Nesse modelo, as altas geralmente são realizadas sem o consentimento de todos os membros da mesma, influenciando de forma negativa na desospitalização das CDTs. Isso é refletido por meio da produção artística, metaforicamente apresentada pelo raio, demonstrando uma ruptura entre os profissionais. Representado na Figura 2.

Figura 2 -
Produção artística de P8

Se tem um modelo de saúde médico centrado, hospitalocêntrico, ainda trabalhamos apesar das interfaces, de forma fragmentada, muitas vezes uniprofissional, ainda temos a assistência com foco curativo, enfim, tudo isso, sem dúvidas, influencia nessa questão de desospitalização. (P4)

Deve ocorrer a concordância entre todos os profissionais da equipe, eu acredito que todo mundo tem que dizer: “Essa criança, sim, está apta para ir embora, esta família está preparada para ficar com ela em casa.”, e isso muitas vezes não acontece. (P13)

A comunicação no processo de desospitalização, tanto entre a equipe como com a CDT e família, é descrita como algo frágil, por vezes escassa e ineficaz. Porém, é destacada como principal instrumento para a boa organização e eficácia da desospitalização. Representada metaforicamente na dinâmica por meio da produção artística nuvem, ela torna nublado o cuidado prestado e os processos de encaminhamento, tanto intra-hospitalar como para a rede de atenção à saúde, incidindo diretamente em prejuízos na segurança das CDTs. Representado na Figura 3.

Figura 3 -
Produção artística de P10

É uma grande fragilidade a comunicação entre membros da equipe. Há falta de comunicação com a criança, e com os familiares, dificuldade de comunicação com a rede intramuros e extramuros. (P8)

Na fragilidade da equipe multiprofissional, eu coloquei: falta de comunicação; falha de comunicação; problemas de má interpretação, porque se fala uma coisa e é interpretada de outra, tanto entre profissionais, como profissional e criança-família. (P10)

Assim, os desafios refletem os problemas relatados pelos profissionais durante o processo de desospitalização da CDT, impossibilitando um cuidado qualificado. Esses são representados pela falta de planejamento da equipe para a desospitalização, o que prejudica o fortalecimento do cuidado, que precisa ocorrer de maneira contínua. Também tem-se a rotatividade dos leitos, muitas vezes reduzindo o tempo de preparo do familiar para o cuidado na desospitalização segura. Além disso, o modelo centrado no médico e a comunicação ineficaz também enfraquecem a integralidade e humanização.

As potencialidades para a desospitalização segura da criança dependente de tecnologia

Para a realização de uma desospitalização segura e efetiva, é necessário que os múltiplos saberes e práticas colaborativas no trabalho estejam presentes na equipe. Assim, a interdisciplinaridade é sinalizada como importante para o cuidado da CDT e família. O sol, metaforicamente apresentado na Figura 4, representa o ato de desospitalizar, possibilita luz para a família, o resgate da vida, o retorno ao cotidiano.

Figura 4 -
Produção artística de P3

Uma equipe multiprofissional engajada e que toda a equipe esteja envolvida, que todo mundo saiba o que o colega faz. A questão da interdisciplinaridade, que eu acho muito importante, a gente sempre pensando no bem do paciente e trabalhando em conjunto. (P3)

Acho que, em primeiro lugar, a equipe multiprofissional poder estar atuando todo mundo engajado na mesma sintonia, saber o que o colega está fazendo, contar com ele, se tem uma previsão de alta, para poder saber qual o encaminhamento que ele pensa em fazer. (P2)

A implementação de protocolos institucionais para melhoria da desospitalização foi um tema amplamente abordado pelos participantes, visualizado como estratégia positiva, capaz de auxiliar na organização do fluxo dessa prática. A criação desses mecanismos organizacionais é justificada com a finalidade de reconhecer as necessidades das CDTs em via de desospitalização, fazendo-a de forma ordenada e segura.

Protocolos têm que ser criados, uma vez eu li uma frase: “Protocolo não são trilhos, são trilhas”. Pois eu tenho uma direção a seguir, os protocolos tornam os processos mais seguros para o paciente e para o profissional, [...] acho que cada paciente é único, [...] tem que ter coisas individualizadas, mas o “checklist” e o protocolo tornam isso (desospitalização) mais seguro. (P1)

É imprescindível que a gente possa ter uma equipe coesa, que trabalha junto em busca dos mesmos objetivos, que tenha flexibilidade e sensibilidade, para ver os aspectos individuais, e que é possível, sim, seguir protocolos rígidos e técnicos, mas sabendo que cada criança vai ter suas necessidades e potencialidades. (P14)

A expressão “trilhas” utilizada pelo profissional remete à necessidade de uma ferramenta que direcione para um cuidado que proporcione segurança para os profissionais e familiares na desospitalização, considerando a subjetividade do contexto de cada CDT. Refere-se que essa ferramenta deve ser utilizada para unificar o trabalho entre a equipe. Quando o participante expressa “trilhos”, remete à necessidade de que essa ferramenta não inflexibilize o cuidado, mas oriente à humanização e integralidade do mesmo.

Os profissionais relataram também sobre a importância da inserção da família no processo de desospitalização, sendo essa uma potencialidade, se trabalhada desde o início da internação, projetando os cuidados para o domicílio e proporcionando mais segurança às famílias e aos profissionais no momento da alta hospitalar.

A doença está ainda muito relacionada ao pecado, eu devo ter feito alguma coisa muito errada, “Por que caiu na minha família?”. É isso. E ao mesmo tempo tu vê essas famílias descobrindo uma potencialidade, às vezes tu pensa como é que eles vão levar essa criança para casa, e eles levam e eles assumem. Então, ao mesmo tempo que é uma coisa negativa, às vezes une essa família. (P4)

Para tanto, a família necessita realizar ajustes para a desospitalização segura e efetiva das CDTs, pois prepara-se para desenvolver um cuidado continuado para a criança no domicílio e para atender todas as suas demandas. A produção artística 5, representada metaforicamente pelo sol, revela a possibilidade de retorno para casa, mesmo sendo inerentes os ajustes necessários que precisam ser realizados para isso ocorrer. Representado na Figura 5.

Figura 5 -
Produção artística de P2

Hoje a gente tem recursos, os equipamentos tecnológicos, que tu consegue ter essa possibilidade de retorno para casa e ajustes que essa família tem que fazer para levar essa criança para casa. (P4)

As potencialidades se constituem de elementos que iluminariam a desospitalização segura. Elas são possibilidades listadas pelos profissionais para a melhoria desse momento, representadas pela inclusão da família durante todas as etapas da hospitalização. Outros elementos seriam também a efetivação do trabalho interprofissional e as práticas colaborativas em saúde, a criação de protocolos com o objetivo de desenvolver um trabalho linear e completo, somado ao fortalecimento das redes de apoio para a desospitalização segura.

DISCUSSÃO

A desospitalização da CDT torna-a mais exposta à vulnerabilidade social devido à sua condição de saúde, o que requer cuidados complexos e continuados, estando diretamente relacionados à escassez de políticas públicas voltadas a essa população. A questão social é um fator determinante na desospitalização e continuidade do cuidado, a assistência no domicílio diminui custos hospitalares, mas aumenta os gastos financeiros para a família, o que pode causar uma dificuldade nesse processo1717. Dias BC, Arruda GO, Marcon SS. Family vulnerability of children with special needs of multiple, complex and continuous care. REME. 2017;21:e-1027. doi:http://www.doi.org/10.5935/1415-2762.20170037
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As principais fragilidades encontradas na desospitalização são a falta de planejamento da alta hospitalar, o modelo centrado no médico, a falta de unanimidade em relação aos critérios de desospitalização entre os médicos e desses com os demais profissionais. E também os desafios da preparação do usuário para a alta hospitalar e o incipiente processo de capacitação dos cuidadores e familiares1818. Silva-Rodrigues FM, Bernardo CSG, Alvarenga WA, Janzen DC, Nascimento LC. Transitional care to home in the perspective of parents of children with leukemia. Rev Gaúcha Enferm. 2019;40:e20180238. doi: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2019.20180238
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No que se refere à falta de planejamento para as altas hospitalares, elenca-se como estratégia o preparo do cuidador ainda no hospital, quando possível, pela equipe hospitalar e da atenção primária à saúde, unificando as práticas e a transferência do cuidado55. Rossetto V, Toso BRGO, Rodrigues RM, Viera CS, Neves ET. Development care for children with special health needs in home care at Paraná - Brazil. Esc Anna Nery. 2019;23(1):e20180067. doi: http://doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2018-0067
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A equipe multiprofissional necessita trabalhar junto com a família e a CDT para reduzir os ruídos e falhas da comunicação, favorecer a troca de saberes e possibilitar o desenvolvimento da autonomia para o cuidado da criança. Para isso, deve desenvolver interação, vínculo, aconselhamento e, sobretudo, apoio ao familiar, a fim de ter êxito no processo de educação em saúde para a alta hospitalar 1313. Silveira A, Alves BTG, Elauterio MP, Silva FO, Costa SY, Souza NS. Participação e ausência familiar: implicações para o desenvolvimento de crianças e adolescentes com necessidades especiais. Rev Contexto Saúde. 2020;20(38):185-90. doi:http://doi.org/10.21527/2176-7114.2020.38.185-190
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Além disso, após a alta, é importante o seguimento do cuidado multiprofissional, devido à fragilidade clínica e à complexidade do diagnóstico da CDT1212. Brenner M, Kidston C, Hilliard C, Coyne I, Eustace-Cook J, Doyle C, et al. Children’s complex care needs: a systematic concept analysis of multidisciplinary language. Eur J Pediatr. 2018;177:1641-52. doi: https://doi.org/10.1007/s00431-018-3216-9
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. É fundamental o cuidado multiprofissional às CDTs, elas demandam atenção especial relacionada à sua tecnologia. Há necessidade de diferentes olhares, os quais precisam ser frequentes e contínuos, com foco no empoderamento da família a partir da educação em saúde55. Rossetto V, Toso BRGO, Rodrigues RM, Viera CS, Neves ET. Development care for children with special health needs in home care at Paraná - Brazil. Esc Anna Nery. 2019;23(1):e20180067. doi: http://doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2018-0067
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Nos processos educativos, para instrumentalizar os familiares acerca dos cuidados realizados com a CDT no domicílio, a comunicação é a base para promover uma adequada compreensão. É necessário que os profissionais de saúde envolvidos na transição do cuidado invistam na educação em saúde para o preparo da família. É essencial que todas as informações sobre a doença, procedimentos, exames e terapêutica sejam transmitidas de forma clara, para que os pais se tornem capazes de dar continuidade aos cuidados1818. Silva-Rodrigues FM, Bernardo CSG, Alvarenga WA, Janzen DC, Nascimento LC. Transitional care to home in the perspective of parents of children with leukemia. Rev Gaúcha Enferm. 2019;40:e20180238. doi: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2019.20180238
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Também é importante a implementação de um processo de alta hospitalar consistente, que envolva um trabalho interdisciplinar e coordenado para garantir a participação integrada e articulada entre profissionais e familiares e a integralidade do cuidado. Além disso, os fluxos entre os serviços de saúde devem estar adequadamente constituídos1818. Silva-Rodrigues FM, Bernardo CSG, Alvarenga WA, Janzen DC, Nascimento LC. Transitional care to home in the perspective of parents of children with leukemia. Rev Gaúcha Enferm. 2019;40:e20180238. doi: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2019.20180238
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Para realizar a continuidade do cuidado no domicílio, além de a família sentir-se preparada para atender às demandas da CDT no momento da alta hospitalar, necessita-se fortalecer os vínculos com a equipe de Atenção Básica (AB) e contar com o apoio do SAD. Esse é considerado um serviço complementar, responsável por trabalhar em equipe multiprofissional de forma integrada à Rede de Atenção à Saúde1010. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Caderno de atenção domiciliar. Ministério da Saúde. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2013 [cited 2020 Nov 26] Cadernos de Atenção Básica, v. 2. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/caderno_atencao_domiciliar_melhor_casa.pdf
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-1111. Ministério da Saúde (BR). Portaria n° 825, de 25 de abril de 2016. Redefine a Atenção Domiciliar no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e atualiza as equipes habilitadas. Diário Oficial da União. 2016 abr 25 [cited 2020 Nov 26];153(78 Seção 1):33-8. Available from: https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=26/04/2016&jornal=1&pagina=33&totalArquivos=112
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O SAD tem como atribuições orientar e capacitar os cuidadores de forma clara e objetiva, com linguagem acessível, para, assim, envolvê-los no processo de cuidados, permitindo que eles possam esclarecer dúvidas, expor suas limitações e potencialidades. Ainda, realiza a organização dos fluxos para atestado de óbito e para a admissão e alta dos usuários em AD, além de promover ações de educação permanente1010. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Caderno de atenção domiciliar. Ministério da Saúde. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2013 [cited 2020 Nov 26] Cadernos de Atenção Básica, v. 2. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/caderno_atencao_domiciliar_melhor_casa.pdf
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-1111. Ministério da Saúde (BR). Portaria n° 825, de 25 de abril de 2016. Redefine a Atenção Domiciliar no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e atualiza as equipes habilitadas. Diário Oficial da União. 2016 abr 25 [cited 2020 Nov 26];153(78 Seção 1):33-8. Available from: https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=26/04/2016&jornal=1&pagina=33&totalArquivos=112
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No que se refere à necessidade de implementação de protocolos institucionais, um estudo demonstra que a prática de cuidado também requer o exercício da criatividade. Muitas vezes, por se tratar de crianças com doenças incomuns, não haveria nenhum protocolo para ser utilizado como guia, o que demanda que a equipe multiprofissional desenvolva um projeto terapêutico com foco na singularidade de cada CDT. Assim, tal projeto exige da equipe a capacidade de inovar para a terapêutica com base no investimento afetivo no seu trabalho1919. Azevedo CS, Pfeil NV. No fio da navalha: a dimensão intersubjetiva do cuidado aos bebês com condições crônicas complexas. Physis. 2019;29(4):e290406. doi:https://doi.org/10.1590/s0103-73312019290406
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Dessa forma, destaca-se que a responsabilização de apenas um profissional para realizar o processo de desospitalização e contato com a RAS para o acolhimento da CDT e família no domicílio é inviável, pois não segue os preceitos de trabalho interprofissional. Por isso, cada profissional, em sua especialidade, necessita realizar a transição do cuidado, permitindo a integralidade, abrangendo os aspectos biopsicossociais da criança e família. O trabalho multiprofissional, quando bem executado, se sobrepõe, permitindo que todos os membros da equipe participem da desospitalização1818. Silva-Rodrigues FM, Bernardo CSG, Alvarenga WA, Janzen DC, Nascimento LC. Transitional care to home in the perspective of parents of children with leukemia. Rev Gaúcha Enferm. 2019;40:e20180238. doi: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2019.20180238
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Contudo, para a desospitalização segura é necessária a qualificação do processo de cuidado, que vai desde a realização adequada dos registros e procedimentos, administração de medicamentos, e investimento na formação profissional, além do envolvimento da família como coparticipante no processo de cuidado2020. Wegner W, Silva MUM, Peres MA, Bandeira LE, Frantz E, Botene DZA, et al. Patient safety in the care of hospitalised children: evidence for paediatric nursing. Rev Gaúcha Enferm. 2017;38(1):e68020. doi: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2017.01.68020
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. Reforça-se a importância de sensibilizar a equipe multiprofissional para os pressupostos da segurança do paciente, em especial, a cultura da segurança.

Diante da complexidade do cuidado dessa população, é recomendado que a equipe multiprofissional reconheça que o cuidado deve ser centrado na família, a qual é fonte essencial de apoio para cumprir com as demandas de cuidado cotidiano das CDTs44. Dias BC, Marcon SS, Reis P, Lino IGT, Okido ACC, Ichisato SMT, et al. Family dynamics and social network of families of children with special needs for complex/continuous cares. Rev Gaúcha Enferm. 2020;41:e20190178. doi:https://doi.org/10.1590/1983-1447.2020.20190178
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. Dessa forma, é preciso articular as políticas e os serviços de saúde com as necessidades vindas dessa população, a fim de garantir o acesso e continuidade do cuidado66. Góes FGB, Cabral IE. Discourses on discharge care for children with special healthcare needs. Rev Bras Enferm. 2017;70(1):163-71. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0248
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. E, também, facilitar o acesso à assistência em saúde e a qualidade de vida dessas CDTs e suas famílias, o desenvolvimento de metas, programas e políticas direcionados para essa população99. Castro BSM, Moreira MCN. (Re)conhecendo suas casas: narrativas sobre a desospitalização de crianças com doenças de longa duração. Physis. 2018;28(3):e280322. doi: https://doi.org/10.1590/s0103-73312018280322
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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo possibilitou conhecer como ocorre a desospitalização de CDTs frente a perspectiva da equipe multiprofissional de saúde, destacando que este processo é frágil e necessita maior estruturação para concretizar a alta hospitalar segura da criança.

Apesar dos profissionais concordarem com a importância da desospitalização, a qual possibilita à criança retomar a rotina junto da família, esse processo ocorre de forma fragmentada e precipitada. Isso favorece a ocorrência de orientações pontuais, próximo ao momento da alta hospitalar, privilegiando o modelo de saúde centrado no médico, sobrecarga profissional e problemas na comunicação. Esses fatores impedem que haja um planejamento prévio com a rede de atenção à saúde e a construção da rede de apoio familiar.

Para a melhoria na desospitalização, os profissionais salientaram a necessidade de uma equipe comprometida e coesa, com o objetivo de qualificar o cuidado pós-hospitalar da criança e da família, por meio de protocolos institucionais que visem à organização de uma prática segura.

A partir desses resultados, vislumbram-se contribuições, como melhorias na atuação dos profissionais para a desospitalização da CDT. Conhecer esse processo possibilita que estes profissionais reflitam sobre sua conduta e reelaborem novas possibilidades de cuidado com vistas à integralidade e humanização para com a CDT e seus familiares, e também entre a equipe multiprofissional de saúde. Além disso, poderá promover a reflexão para a necessidade de organização de protocolos institucionais que remetam ao cuidado na desospitalização segura, a fim de colaborar com a integração do trabalho da equipe de saúde.

Este estudo possibilitou ampliar a produção do conhecimento acerca desta temática, visto que ainda se trata de uma lacuna, por ser pouco explorada no cuidado da CDT e de sua família, com a necessidade de novos estudos. Considera-se como limitação, a participação de profissionais de saúde que possuíam pouco tempo de inserção no serviço, apesar da média ter sido de 5,26 anos, oito dos quinze participantes estavam realizando residência médica ou multiprofissional.

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Maria da Graça Oliveira Crossetti

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    08 Nov 2020
  • Aceito
    21 Jan 2021
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