Violência entre idosos comunitários e sua relação com o estado nutricional e características sociodemográficas

RESUMO

Objetivo:

Verificar a prevalência da violência entre idosos comunitários e sua relação com o estado nutricional e características sociodemográficas.

Método:

Estudo transversal, desenvolvido com 159 idosos comunitários cadastrados em Unidade de Saúde da Família em Recife/Pernambuco entre março de 2016 e março de 2017. Foram utilizados Brazil Old Age Schedule, Conflict Tactics Scales e Mini Nutritional Assessment como instrumentos de coleta. Os dados receberam tratamento estatístico descritivo e inferencial.

Resultados:

Dentre os idosos considerados com violência, houve predomínio da violência psicológica (64,3%), e a maioria possuía risco para desnutrição (54,3%). Verificou-se associação entre ‘ter um companheiro’ e a violência psicológica (48,1%; p=0,02) e física (48,1%; p=0,03). A regressão logística demonstrou que ter um companheiro ou estar desnutrido aumenta a probabilidade de sofrer violência psicológica (OR=2,63; OR=3,67), assim como não estar trabalhando aumenta a probabilidade de violência física (OR=5,61).

Conclusões:

A violência se relacionou negativamente ao estado nutricional dos idosos comunitários.

Palavras-chave:
Idoso fragilizado; Abuso de idosos; Nutrição do idoso; Violência de gênero; Violência doméstica; Violência por parceiro íntimo

ABSTRACT

Objective:

To verify the prevalence of violence among elderly community members and its relationship with nutritional status and sociodemographic characteristics.

Method:

Cross-sectional and analytical study developed with 159 community elderly registered at a Family Health Unit in Recife/Pernambuco between March 2016 and March 2017. The Brazil Old Age Schedule, Conflict Tactics Scales and Mini Nutritional Assessment were used as data collection instruments. Data received descriptive and inferential statistical treatment.

Results:

Among the elderly classified as with violence, there was a predominance of psychological violence (64.3%), and the majority were at risk for malnutrition (54.3%). There was an association between ‘having a partner’ and psychological (48.1%; p=0.02) and physical (48.1%; p=0.03) violence. Logistic regression demonstrated that being in a relationship or being malnourished increases the likelihood of suffering psychological violence (OR=2.63; OR=3.67), just as not being working increases the likelihood of physical violence (OR=5.61).

Conclusion:

Violence was negatively related to the nutritional status of elderly community members.

Keywords:
Frail elderly; Elder abuse; Elderly nutrition; Gender-based violence; Domestic violence; Intimate partner violence

RESUMEN

Objetivo:

Verificar la prevalencia de violencia entre ancianos de la comunidad y su relación con el estado nutricional y las características sociodemográficas.

Método:

Estudio transversal and analítico realizado con 159 ancianos de la comunidad registrados en una unidad de salud familiar en Recife/Pernambuco. Se utilizó el Brazil Old Age Schedule; Conflict Tactics Scales y Mini Nutritional Assessment como instrumentos de recolección. Los datos recibieron tratamiento estadístico descriptivo e inferencial.

Resultados:

Entre los ancianos clasificados con violencia, predominaba la violencia psicológica (64,3%), y la mayoría de ellos están en riesgo de desnutrición (54,3%). Hubo una asociación entre ‘tener pareja’ y violencia psicológica (48,1%; p=0,02) y física (48,1%; p=0,03). La regresión logística demostró que estar en una relación o estar desnutrido aumenta la probabilidad de sufrir violencia psicológica (OR=2,63; OR=3,67), así como, no estar trabajando aumenta la probabilidad de violencia física (OR=5,61).

Conclusión:

La violencia se relacionó negativamente con el estado nutricional de los ancianos de la comunidad.

Palabras clave:
Anciano frágil; Abuso de ancianos; Nutrición del anciano; Violencia de género; Violencia doméstica; Violencia de pareja

INTRODUÇÃO

Durante o processo de envelhecimento, é comum surgirem algumas alterações tissulares, tais como a diminuição da massa magra (redução e atrofia do tecido muscular) e a realocação dos depósitos de tecido adiposo, com diminuição nos membros inferiores e aumento da gordura no tronco e vísceras1. Tais alterações desencadeiam o surgimento de síndromes clínicas que interferem na autonomia e capacidade funcional do idoso. Uma delas é a fragilidade, a qual pode ser evidenciada pela diminuição da força, resistência e função fisiológica do idoso1.

Tais alterações resultam no aumento da dependência e vulnerabilidade para maus-tratos. A violência contra a pessoa idosa (VCPI) é caracterizada por “ação, única ou repetida, ou ainda a ausência de uma ação adequada, intencional ou não, que traz prejuízo ou angústia desnecessária para a pessoa idosa, reduzindo a sua qualidade de vida”. Esse fenômeno pode apresentar-se na forma de abuso (físico, psicológico, sexual, financeiro, abandono), negligência e autonegligência2.

Os cenários onde a violência ocorre são diversos e variam desde o ambiente domiciliar até os serviços de saúde. São considerados sinais que indicam maus-tratos ao idoso: visitas repetidas a atendimento médico, seja em consultório ou em unidades de pronto-socorro; histórias conflituosas; atrasos na busca de tratamento; ferimentos inexplicáveis, inconsistentes ou vagos; histórico de predisposição a acidentes; ambivalência, raiva ou medo em relação ao cuidador; fraca adesão ao plano de cuidados e evidências de lesões físicas2.

Globalmente, reitera-se que 10% das pessoas idosas são acometidas por violência, logrando morte ou não3. Na América Latina, cerca de 37% da população idosa sofre algum tipo de violência, sendo o Brasil considerado um dos países mais violentos. Indicadores apontam a prevalência do abandono em 10,3% e da agressão física em 6,3%4.

Nesse contexto, observa-se que a dependência funcional dos idosos torna-os mais propensos a sofrerem violência5. Esta impacta negativamente a saúde das vítimas, podendo resultar em desfechos psicopatológicos variados, englobando também os transtornos alimentares. Deste modo, reflete-se a possibilidade de ocorrer negligência alimentar, principalmente com idosos altamente dependentes de seus cuidadores2^,5.

Considerando a problematização levantada até então, a escassez de pesquisas indicando a existência dessa relação, sendo viável a sua verificação, justifica o desenvolvimento de estudos para este fim. Dessa forma, questiona-se: como se verifica a ocorrência da violência entre idosos comunitários e qual sua relação com estado nutricional e características sociodemográficas? Para tanto, o presente estudo objetivou verificar a prevalência da violência entre idosos comunitários e sua relação com o estado nutricional e características sociodemográficas.

MÉTODOS

Estudo transversal, descritivo, com abordagem quantitativa, sendo realizado entre março de 2016 e março de 2017, em Unidade Básica de Saúde (UBS), situada na microrregião III, do Distrito Sanitário IV, do município de Recife, Pernambuco, Brasil. Foi submetido à avaliação sob protocolo CAAE 51557415.9.0000.5208 e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde (CCS) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), através do parecer número 1.413.599.

A referida UBS abriga três equipes de saúde da família e foi escolhida por se encontrar nas imediações da UFPE, possibilitando o desenvolvimento de uma iniciativa de responsabilidade social da Universidade em relação à sua comunidade. Os dados do estudo são oriundos de um projeto de pesquisa maior, intitulado “Impacto das intervenções multidimensionais em idosos cadastrados na atenção primária à saúde e seus cuidadores”.

A população do estudo foi de 1209 idosos, adscritos às equipes vinculadas à UBS. Foi realizado cálculo amostral, utilizando-se a fórmula de população finita para estudos epidemiológicos, com nível de significância de 95% e margem de erro de 8%. A amostra final resultou em 159 participantes.

A amostragem foi aleatória do tipo sistemática. Os participantes da pesquisa foram sorteados, e foi respeitada a proporcionalidade entre as três equipes que atuam na unidade. A cada cinco idosos, presentes na lista de uma das três equipes, um era selecionado e convidado a participar da pesquisa. Os Agentes Comunitários de Saúde (ACS) acompanhavam uma dupla de pesquisadores treinados até a residência do idoso selecionado, onde as coletas eram realizadas em dias e horários acordados com os participantes.

Participaram do estudo indivíduos com idade igual ou superior a 60 anos, cadastrados na referida UBS. Idosos que estavam em estágio terminal, que tinham acuidade visual e auditiva prejudicada e/ou déficit cognitivo foram excluídos do estudo. Este último critério foi identificado por meio de informações concedidas pelos ACS.

Os participantes foram informados sobre a temática e objetivo do estudo. Além disso, duas cópias do Termo de Consentimento Livremente Esclarecido (TCLE) eram fornecidas, sendo uma via assinada pelo participante e devolvida ao pesquisador responsável pela coleta − a fim de autorizar o uso das informações ali obtidas para estudos científicos −, e a outra fornecida ao partícipe, contendo as informações sobre o estudo, pesquisador responsável e assinatura do pesquisador que realizou a coleta.

Os seguintes instrumentos foram utilizados na coleta de dados: questionário Brazil Old Age Schedule (BOAS); Revised Version of the Conflict Tatics Scales Form (CTS1-R); Mini Nutritional Assessment (MNA).

O perfil sociodemográfico foi traçado utilizando o questionário BOAS, que abarca as várias dimensões da pessoa idosa e fornece informações importantes para avaliação dessa população, como características, necessidades e problemas. Foi validado para a população brasileira e é dividido em nove seções, onde as seções um a oito são refere-se ao entrevistado e a nove ao entrevistador6. Para os fins deste estudo, foram extraídas do referido instrumento as variáveis idade, sexo, estado civil, nível educacional, trabalho e renda6.

O CTS-1 form R é válido para a população brasileira, tendo sido adaptado transculturalmente7. Como a amostra do estudo em questão foi composta por casais, os autores verificaram a sensibilidade do instrumento nesse público. Contudo, considerando a natureza inespecífica do instrumento, no que tange a população a ser investigada, e atentando para os diferentes conceitos de família e diversidade de configurações e arranjos familiares, usar a adaptação transcultural do instrumento em estudos nacionais é plausível devido às adaptações semânticas realizadas, e não há, até o momento, achados científicos que endossam a “não utilização” do instrumento em amostras heterogêneas a do referido estudo.

No momento da coleta de dados, o coletador buscou deixar claro que as perguntas que estavam sendo feitas ao entrevistado (a) poderiam ser referentes a situações que tivessem ocorrido com qualquer membro da família. Ademais, é o único instrumento com propriedades psicométricas para aferição de violência, utilizada em diversos estudos com grupos populacionais distintos, reafirmando que não há exclusividade de seu uso para casais, tão pouco exclusão deste grupo.

O CTS1-R é um instrumento utilizado para avaliar a violência intrafamiliar. Engloba três estratégias de lidar com conflitos, quais sejam argumentação, violência verbal e violência física. Os itens da escala elencam-se de A ao S e são compostos por situações em que membros de uma família podem entrar em conflito7. O instrumento é composto por 19 questões divididas entre as dimensões de violência psicológica e física. Uma resposta positiva entre as questões relacionadas a respectiva faceta e tipo de violência, caracteriza afirmativamente a situação de violência intrafamiliar7^). As pontuações de todas as questões foram somadas, obtendo-se um escore total. Todos os idosos que tiveram caso afirmativo para violência física e psicológica, ou uma das duas, foram classificados como ‘com violência’.

Já o MNA é um instrumento padronizado, desenvolvido com o objetivo de avaliar o estado nutricional de pessoas idosas de modo simples e rápido. É dividido em duas partes e composto por 18 itens, sendo 6 sobre triagem e 12 para avaliação nutricional. Por fim, classifica o escore obtido em: normal (12-14 pontos), risco de desnutrição (8-11 pontos) e desnutridos (1-7 pontos)8.

Na sequência, os dados foram analisados através do Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), mediante estatística descritiva (frequência absoluta e relativa) e inferencial (Teste Qui-quadrado de Pearson ou Teste Exato de Fisher; Modelo de Regressão Logística Múltipla), a fim de determinar a significância entre a variável dependente (com ou sem violência) e as independentes (dados socioeconômicos e de estado nutricional). Foi adotado nível de significância estatística p<0,05 entre as variáveis. Para o modelo de regressão logística, foram incluídas as variáveis que apresentaram p<0,2 na análise bivariada.

RESULTADOS

A amostra foi composta por 159 pessoas idosas, com prevalência do sexo feminino; (76,7%, n=122); idade menor ou igual a 70 anos (54,1%; n=86); sem parceiro (66,0%; n=65); sem vínculo trabalhista (82,4%; n=126). Ademais, dispunham de renda igual ou menor que um salário mínimo (71,1%; n=113) e sabiam ler e escrever (66,7%; n=106). Predominou o risco para desnutrição (54,3%; n=82), sem desfecho para violência psicológica (64,3%; n=99) e física (93,5%; n=145). A Tabela 1 apresenta a distribuição de frequência das variáveis socioeconômicas, estado nutricional e violência entre os participantes do estudo.

Tabela 1 -
Distribuição de frequência das variáveis socioeconômicas, de estado nutricional e violência entre os participantes. Recife, PE, Brasil, 2016-2017 (n=159)

Variáveis	n	%	Amostra válida/ em falta
Sexo
Masculino	37	23,3	159/0
Feminino	122	76,7
Idade
Entre 60 e 70	86	54,1	159/0
maior que 70	73	45,9
Estado conjugal
Com parceiro (a)	54	34,0	119/40
Sem parceiro (a)	65	66,0
Trabalha
Sim	27	17,6	153/6
Não	126	82,4
Renda
Até um salário mínimo	113	71,1	159/0
Mais de um salário mínimo	46	28,9
Sabe ler e escrever
Sim	106	66,7	159/0
Não	53	33,3
Estado nutricional
Normal	51	33,8	151/8
Risco de desnutrição	82	54,3
Desnutrido	18	11,9
Violência Psicológica
Sim	55	34,7
Não	99	64,3	154/5
Violência Física
Sim	10	6,5	155/4
Não	145	93,5

• Fonte: Dados da pesquisa, 2016-2017.

Conforme apresentado na Tabela 2, prevaleceu o desfecho de violência física e psicológica dentre os idosos com as seguintes características: idade menor ou igual a 70 anos; sexo feminino; capazes de ler e escrever; exerciam alguma atividade laboral; tinham renda maior que um salário mínimo e estavam em estado de desnutrição. Ter um companheiro esteve associado com a violência psicológica (p=0,02) e física (p=0,03).

Tabela 2 -
Associação entre as variáveis de violência e as variáveis socioeconômicas entre os participantes. Recife, PE, Brasil, 2016-2017 (n = 159)

Variáveis	Violência Psicológica		Violência Física
	Com n (%)	Sem n (%)	Com n (%)	Sem n (%)
Idade
Entre 60 e 70	33 (39,8)	50 (60,2)	8 (9,5)	76 (90,5)
Maior de 70	22 (31,0)	49 (69,0)	2 (2,8)	69 (97,2)
p-valor	0,25*		0,11**
Sexo
Masculino	12 (33,3)	24 (66,7)	12 (33,3)	24 (66,7)
Feminino	43 (36,4)	75 (63,6)	44 (37,3)	74 (62,7)
p-valor	0,73*		0,66*
Estado conjugal
Com companheiro (a)	25 (48,1)	27 (51,9)	25 (48,1)	27 (51,9)
Sem companheiro (a)	30 (29,4)	72 (70,6)	31 (30,4)	71 (69,6)
p-valor	0,02*		0,03*
Sabe ler e escrever
Sim	38 (36,9)	65 (63,1)	39 (37,9)	64 (62,1)
Não	17 (33,3)	34 (66,7)	17 (33,3)	34 (66,7)
p-valor	0,66*		0,58*
Trabalha
Sim	10 (40,0)	15 (60,0)	10 (40,0)	15 (60,0)
Não	44 (35,8)	79 (64,2)	45 (36,6)	78 (63,4)
p-valor	0,68*		0,74*
Renda
Até 1 salário mínimo	39 (35,1)	72 (64,9)	40 (36,0)	71 (64,0)
Mais de 1 salário mínimo	16 (37,2)	27 (62,8)	16 (37,2)	27 (62,8)
p-valor	0,81*		0,89*
Estado Nutricional
Normal	14 (28,6)	35 (71,4)	14 (28,6)	35 (71,4)
Risco de desnutrição	29 (35,8)	52 (64,2)	30 (37,0)	51 (63,0)
Desnutrido	9 (52,9)	8 (47,1)	9 (52,9)	8 (47,1)
p-valor	0,19*		0,19*

• Fonte: Dados da pesquisa, 2016-2017.
• *Teste Qui-quadrado de Pearson; ** Teste Exato de Fisher.

Na Tabela 3, encontram-se os resultados do teste de regressão logística, demonstrando que idosos com relacionamento são 2,63 vezes mais susceptíveis a serem vítimas da violência psicológica, e os desnutridos 3,67 mais susceptíveis a serem acometidos pela referida modalidade de violência. Em relação à violência física, a variável que permaneceu no modelo foi o trabalho, de forma que os idosos que não trabalham têm 5,61 vezes a mais de probabilidade para sua ocorrência.

Tabela 3 -
Análise de regressão logística ajustada entre violência psicológica e física e as variáveis do modelo. Recife, PE, Brasil, 2016-2017 (n=159)

Variáveis		OR	IC	p-valor*
Com violência psicológica	Estado conjugal
	Sem relacionamento	1,00	-	-
	Com relacionamento	2,63	[1,27 - 5,42]	0,00
	Estado Nutricional
	Normal	1,00	-	-
	Risco de desnutrição	1,57	[0,71 - 3,48]	0,2
	Desnutrido	3,67	[1,21 - 11,3]	0,02
	Trabalho
Com violência física
	Sim	1,00	-	-
	Não	5,61	[1,49 - 21,11]	0,01

• Fonte: Dados da pesquisa, 2016-2017.
• Nota: OR - Odds Ratio; IC - intervalo de confiança; *p-valor.

DISCUSSÃO

Como demonstrado pelos dados levantados por este estudo, há maior distribuição de idosos comunitários do sexo feminino. A feminilização do envelhecimento da população em geral pode ser responsável pela predominância das mulheres nesse contexto3. As mulheres idosas apresentaram-se como as mais propícias a sofrerem violência física e psicológica, quando comparadas aos homens. Associados ao sexo, observam-se fatores como baixa escolaridade e remuneração, solidão, isolamento social e exposição prolongada a doenças crônicas5^,9.

O impacto da violência por parceiro íntimo entre idosos ainda não é bem esclarecido. A violência de gênero é predominante sobre o sexo feminino em cerca de 20% a 30%. Tais dados ratificam que, a depender do contexto social, mulheres idosas encontram-se mais suscetíveis à violência doméstica por parte do parceiro íntimo do que de seus familiares e cuidadores. Acredita-se que a violência física por parceiro íntimo diminua com o avançar da idade, ao passo que a violência psicológica permanece invariável9, o que pode justificar os achados do presente estudo, elucidando o aumento dos indicadores de violência psicológica sobre o sexo feminino.

Indivíduos que sofrem violência física apresentam-se mais propensos a terem desfechos psicológicos negativos. Apesar dos malefícios, a permanência do agressor no lar ocorre comumente devido às características afetivas das relações abusivas, por se acreditar na importância da presença do parceiro para o bem-estar dos filhos e por se acreditar na mudança das atitudes de seus companheiros9.

A violência entre parceiros exerce influência direta sobre o Índice de Massa Corporal (IMC), especialmente em mulheres que vivem com baixa renda e que são violentadas fisicamente por seus parceiros. Este índice tende a cair, aumentando o risco para desnutrição10, corroborando com os dados encontrados sobre a associação entre risco para desnutrição ou desnutrição e a violência psicológica.

Quanto à variável trabalho, constatou-se que os idosos que não trabalham possuem 5,61 mais susceptíveis a sofrerem violência física. Este dado pode estar relacionado ao tempo de permanência do idoso em domicílio, pois isso pode aumentar sua exposição a agentes agressores, que podem ser o parceiro com quem estabelece vínculo amoroso, cuidadores, além de familiares que convivem na mesma residência. O lar é um local perigoso para idosos, particularmente para aqueles que possuem algum grau de dependência funcional5.

A violência psicológica e a negligência têm maior prevalência em idosos que vivem com baixos salários, moradores da zona urbana, com mais de 5 anos de estudo, quando comparadas à violência física, financeira e sexual5, ratificando os achados do presente estudo.

A renda possui associação direta com o tempo de estudo e correlaciona-se positivamente com a elevação do Índice de Massa Corpórea (IMC). Idosos que vivem com até um salário mínimo têm maior predisposição a distúrbios nutricionais, síndromes geriátricas e violência10. A maior parte da amostra que compôs o presente estudo vivia com a referida faixa de renda (71,1%) e apresentava risco para desnutrição (54,3%).

As condições financeiras influenciam na qualidade da alimentação dos idosos11. A violência financeira é prevalente sobre eles. Embora os dados deste estudo apontem que 113 (71,1%) dos idosos possuam renda de até um salário mínimo e 46 (28,9%) ganhem mais de um salário mensalmente, os idosos podem não ser os responsáveis pela administração da própria renda, sendo esta função exercida por familiares, cônjuges ou cuidadores, tornando os idosos vulneráveis a sofrerem violência financeira e negligência12.

Na maioria dos contextos, o idoso reside com o agressor5. Em países em desenvolvimento, como o Brasil, existe um alto índice de controle financeiro pelo cônjuge do sexo masculino, o qual foi associado a níveis altos de violência13. Consequentemente, se o idoso não possui autonomia para administrar suas finanças, poderá sofrer com insuficiência financeira para aquisição de alimentos que atendam às suas demandas alimentares, de modo a comprometer suas condições nutricionais. Acreditamos que esta pode ser a justificativa que embase a relação entre violência psicológica e financeira e o risco para desnutrição ou desnutrição.

Considerando que a composição familiar mais prevalente é o idoso que mora com alguém5, a sua renda idoso pode não ser suficiente para suprir as necessidades da unidade familiar, visto que, para a maioria das famílias, o preço é o fator mais preponderante na hora da aquisição dos alimentos11. Além do mais, idosos que moram com familiares/cônjuges/cuidadores dependentes financeiramente de sua renda têm maior risco de sofrerem violência5.

Em contrapartida, quando desacompanhados e estando em ambiente público, o idoso tem 3,1 a mais possibilidade de sofrer violência financeiro-patrimonial14. Isto é, seja qual for o contexto sob o qual o idoso esteja imerso, ele está suscetível a sofrer violência, ora por parte das pessoas com quem vive, ora por parte de terceiros. Vale salutar que a violência é um comportamento ensinado-aprendido culturalmente. Em uma sociedade que, historicamente, naturaliza a violência e a nega em sua ideologia social15, os casos podem ser subnotificados e, por vezes, não reconhecidos pelas pessoas envolvidas, sejam vítimas ou violentadores.

Foi possível estabelecer relação entre a variável estado nutricional e violência psicológica. Logo, os idosos que sofrem esta violência possuem 3,67 mais possibilidade de estarem desnutridos. A violência psicológica está relacionada ao nível de dependência da pessoa idosa para a realização das atividades básicas e instrumentais5. Acredita-se na possibilidade de ocorrer negligência alimentar, principalmente, com idosos altamente dependentes de seus cuidadores, pois, violência psicológica/verbal, geralmente, precede a negligência e a violência física2.

Quanto aos idosos com baixo grau de dependência funcional, os constantes danos mentais desencadeiam prejuízos à sua saúde mental16, o que pode ser exteriorizado através da falta de motivação para realizar ações de autocuidado, em especial aquelas direcionadas à alimentação. Tal omissão pode ser interpretada como violência autoinfligida, caracterizada quando a pessoa maltrata a si mesma com frequentes atitudes autodestrutivas, manifestando direta ou indiretamente a vontade de morrer2.

A dieta pobre em nutrientes essenciais influencia no comportamento antissocial daqueles que a consomem e pode impactar nos desfechos de VCPI, principalmente, ao se considerar a associação da nutrição com a renda, e esta última com a composição da unidade familiar da qual o idoso é membro. Posto isto, é ilativo que a nutrição saudável é capaz de promover bem-estar físico, psíquico e social17, pois uma alimentação abastada em nutrientes é capaz de reduzir os índices de violência de uma população.

Ademais, a violência física esteve relacionada ao estado nutricional do idoso, porém não houve significância estatística. A senilidade geralmente traz consigo repercussões sobre o sistema musculoesquelético, como a sarcopenia, osteopenia, redução da força motora e comprometimento da marcha1. Tais fatores tornam o idoso mais frágil, e esta condição pode justificar a ocorrência de violência física. Vale relembrar a predominância das demais formas de violência sobre esta, o que demonstra que o comportamento agressivo segue manifestado, independentemente do quão longevo é o idoso5.

A baixa de nutrientes ou a desnutrição podem exacerbar a diminuição da umectação e complacência da pele, alterações fisiológicas presentes na senescência, prejudicando a integridade deste órgão e predispondo-o a infecções, assim como a demais complicações originadas pelo efeito cascata1. A baixa de vitamina D pode amplificar transtornos psicopatológicos18, englobando aqueles relacionados à VCPI, além de aguçar a osteopenia relacionada ao processo natural de envelhecimento. Ao avaliar os prejuízos psicopatológicos e nutricionais causados pela VCPI, norteando-se pelos princípios da Teoria de Maslow19, é exequível concluir que tais danos podem repercutir sobre os cinco níveis hierárquicos das necessidades humanas.

A Teoria das Necessidades Humanas Básicas refere que o ser humano tem, naturalmente, habilidade limitada para reverter esses desequilíbrios de forma adequada. Desse modo, ele necessita de um profissional de saúde para auxiliá-lo nesse processo, pois, caso tais necessidades sejam atendidas de forma inadequada, ou não atendidas, acarretará desconforto, e este, no longo prazo, desencadeará doenças20. Identificar tais desequilíbrios relacionados à VCPI é basilar para intervir efetiva e precocemente, o que pode favorecer desfechos positivos para a pessoa idosa.

O enfermeiro pode identificar na consulta de Enfermagem sinais de violência, dentre eles, alteração no estado nutricional, e solicitar avaliação dos demais profissionais envolvidos, como psicólogos e nutricionistas, a fim de garantir um cuidado holístico a vítima de violência. Este estudo colabora com as discussões sobre as temáticas supracitadas. Estas são imprescindíveis para o melhor entendimento dos fatores capazes de interferir na saúde da pessoa idosa, a fim de sistematizar a melhor forma de poder assisti-las.

A escassez de estudos que investigaram a relação da violência com o estado nutricional da pessoa idosa limitou o aprofundamento teórico deste manuscrito. Tal fato expressa a necessidade de amplificar a produção científica com os referidos objetos de estudo, a fim de fundamentar a prática baseada em evidências.

CONCLUSÃO

Verificou-se baixa prevalência da violência psicológica e física entre idosos comunitários. Entretanto, a regressão logística constatou que aqueles que estavam em um relacionamento e desnutridos demonstraram possuir mais probabilidade de sofrer violência psicológica. Além disso, a violência física predominou entre os idosos que não exercem atividade laboral.

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Editado por

Editor associado:

Graziella Badin Aliti

Editor-chefe:

Maria da Graça Oliveira Crossetti

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  06 Dez 2021
• Data do Fascículo
  2021

Histórico

• Recebido
  27 Maio 2020
• Aceito
  08 Fev 2021