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Por que fenomenologia e/em Enfermagem?

A Revista Gaúcha de Enfermagem - RGE - comprometida com a divulgação e consequente visibilidade da produção científica em enfermagem e saúde, tem adotado diferentes iniciativas de modo a contribuir com a translação do conhecimento em diferentes contextos das práticas assistenciais, de ensino e de pesquisa. Condição, esta, mediada por um dos pilares essenciais do processo editorial, qual seja o “estar com” aqueles que se preocupam com o autêntico ser saber e fazer enfermagem, em atenção à natureza da disciplina enquanto ciência e arte de cuidar.

A Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn), fundada em 1926, tem como finalidade “promover o desenvolvimento político, social e científico” da profissão. E, tem como eixos a defesa do trabalho da Enfermagem como prática social, o direcionamento da educação em Enfermagem e da pesquisa científica, que se desenvolveu, majoritariamente, a partir da criação dos Programas de Pós-Graduação Scricto Sensu, na década de 1970.

Assim, no Brasil a origem da produção acadêmica e científica na área da Enfermagem está vinculada e concentrada nesses programas, dentre os quais os cursos de Doutorado da Universidade de São Paulo - USP (1981), Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP (1986) e Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ (1989), que são reconhecidos como pioneiros.

O contexto da Enfermagem denominada Moderna, que se constituiu a partir de Florence Nightingale, teve como suporte o método científico de Claude Bernard, fundador da medicina experimental, em 1867. Este paradigma postulado por Boaventura de Souza Santos como dominante, perdurou na Enfermagem e continua vigente, dada a sua importância.

No entanto, a Enfermagem apoiada na produção acadêmica advinda dos programas de pós-graduação e inspirada no modelo das ciências sociais agregou abordagens teóricas, filosóficas e metodológicas decorrentes do paradigma emergente. Isso demandou a necessidade de discussão da produção do conhecimento em abordagem qualitativa em conformidade com o modelo das ciências sociais e humanas11. Santos B. Um discurso sobre as ciências. 7. ed. São Paulo: Cortez; 2015.

Neste cenário, revelam-se os Seminários Nacionais de Pesquisa em Enfermagem (SENPEs) destacando-se a 3ª edição realizada em 1984, pela ABEn Santa Catarina e Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina. Este evento teve entre seus objetivos “estudar as alternativas de interpretação metodológica na elaboração do conhecimento científico e analisar sua utilização na produção cientifica da Enfermagem”. Para mover este debate contou-se com a participação da Doutora Creusa Capalbo discutindo em dois momentos a temática “A antropologia e a fenomenologia”. No primeiro destacou a “crise do conceito tradicional de natureza humana” e no segundo as “alternativas metodológicas de pesquisa”.

Neste contexto, a fenomenologia revela-se como tendência emergente para fundamentação teórica da produção científica da enfermagem brasileira, a partir de um estudo realizado, tendo como fonte os catálogos de teses publicados pelo CEPEn/ABEn, no período de 1979 - 198422. Rocha SMM, Silva GB. Linhas filosóficas e ideológicas na pesquisa em enfermagem no Brasil. Rev Bras Enferm. 1987;40(4):214-21. doi: https://doi.org/10.1590/S0034-71671987000400007.
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A fenomenologia, ao examinar a estrutura da consciência, recoloca no centro da sua investigação a questão ontológica do ser do homem e supera a insuficiência metodológica da aplicação das ciências da natureza ao conhecimento do homem em sua totalidade existencial33. Capalbo C. Considerações sobre o método fenomenológico e a Enfermagem. Rev Enferm UERJ. 1994;2(2):192-7..

Essa visão reflete a articulação da Enfermagem que cuida do ser humano que está inserido em seu território no mundo, e que reconhece as necessidades da vida em movimento a partir das teias sociais, fortalecendo assim a sua prática profissional assistencial, de ensino, pesquisa e gestão.

Condição esta, que culmina com a meta de desenvolver um fórum de discussão interinstitucional intitulado Colóquio Internacional de Fenomenologia e Enfermagem, que conta com pesquisadores e interessados a discutir esta temática, considerando a posição da Doutora Creusa Capalbo, de que o trabalho de aplicação da fenomenologia à enfermagem cabe aos próprios enfermeiros44. Capalbo C. Abordando a enfermagem a partir da fenomenologia. Rev Enferm UERJ. 1994;2(1):70-6..

Este evento tem como missão reunir, periodicamente, membros dos grupos de pesquisa, instituições de ensino e assistência, visando manter o diálogo acerca dos marcos teórico de apropriação e de desenvolvimento da abordagem fenomenológica de investigação, ancorados na produção acadêmica e científica da Enfermagem e da Saúde. Assim tem como objetivos discutir as interfaces com o campo da saúde, analisar tendências e possibilidades de fortalecimento e de disseminação da epísteme compreensiva da Fenomenologia para os campos da prática profissional.

O Primeiro Colóquio de Fenomenologia foi em maio de 2014, o segundo em setembro de 2016, ambos tendo como sede a Escola de Enfermagem Anna Nery da UFRJ, no Rio de Janeiro. O terceiro em junho de 2018 foi realizado pelo Grupo de Pesquisa Cuidado às Pessoas, Famílias e Sociedade (PEFAS) na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Nestes contou-se com parceria entre os Grupos de Pesquisas da Universidade Federal Fluminens (UFF), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e o apoio dos respectivos Programas de Pós-Graduação em Enfermagem.

A quarta edição do Colóquio Internacional de Fenomenologia e Enfermagem configurou-se em uma potente parceria na promoção compartilhada de docentes de Programas de Pós-Graduação em Enfermagem e de grupos de pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), UFSM, UFF, UFRJ, Universidade Federal de Juíz de Fora (FJF) e Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Esta edição que ocorreu em novembro de 2021 precisou ser reinventada em decorrência da pandemia Sars-Covid-19, situação que exigiu ressignificar diferentes dimensões do viver e fazer dos pesquisadores, em que a relação face a face se faz imprescindível no mundo das relações sociais, numa autêntica numa aproximação com a historicidade e temporalidade heideggeriana.

As dimensões do cuidado numa perspectiva existencial e sociológica e as interfaces com o campo da saúde, assim como, a questão do método fenomenológico e sua operacionalidade na prática clinica em enfermagem e saúde, desvelam-se nos artigos que integram a sessão especial fenomenológica deste número da RGE55. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Escola de Enfermagem. Anais do 4º Colóquio Internacional Fenomenologia e Enfermagem; 10-12 de novembro de 2021. Porto Alegre, RS: UFRGS; 2021 [citado 2022 mar 10]. Disponível em: Disponível em: https://www.ufrgs.br/ppgenf/wp-content/uploads/2022/02/Anais-coloquio-versa%CC%83o-final.pdf .
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O corpus teórico fenomenológico resultante dos estudos integra a fenomenalidade das evidências irredutíveis nas produções cientificas ora apresentadas, ou seja, expressa as experiências vividas dos sujeitos do cuidado, desvelados a partir de referenciais teóricos filosóficos, tais como Heidegger, Merlau-Ponty, Hurssel, Alfred Schutz e Van Kaan.

A fenomenologia na enfermagem permite adentrar as reais e potenciais necessidades, possibilitando identificar evidências qualitativas na prática clínica em atenção à singularidade dos sujeitos do cuidado.

REFERENCES

  • 1. Santos B. Um discurso sobre as ciências. 7. ed. São Paulo: Cortez; 2015.
  • 2. Rocha SMM, Silva GB. Linhas filosóficas e ideológicas na pesquisa em enfermagem no Brasil. Rev Bras Enferm. 1987;40(4):214-21. doi: https://doi.org/10.1590/S0034-71671987000400007
    » https://doi.org/10.1590/S0034-71671987000400007
  • 3. Capalbo C. Considerações sobre o método fenomenológico e a Enfermagem. Rev Enferm UERJ. 1994;2(2):192-7.
  • 4. Capalbo C. Abordando a enfermagem a partir da fenomenologia. Rev Enferm UERJ. 1994;2(1):70-6.
  • 5. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Escola de Enfermagem. Anais do 4º Colóquio Internacional Fenomenologia e Enfermagem; 10-12 de novembro de 2021. Porto Alegre, RS: UFRGS; 2021 [citado 2022 mar 10]. Disponível em: Disponível em: https://www.ufrgs.br/ppgenf/wp-content/uploads/2022/02/Anais-coloquio-versa%CC%83o-final.pdf
    » https://www.ufrgs.br/ppgenf/wp-content/uploads/2022/02/Anais-coloquio-versa%CC%83o-final.pdf

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Out 2022
  • Data do Fascículo
    2022
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