Modelo teórico da atenção à saúde sexual e reprodutiva: subsídios para pesquisas avaliativas

RESUMO

Objetivo:

Construir um Modelo Teórico da atenção à saúde sexual e reprodutiva ofertada na Atenção Primária à Saúde.

Métodos:

Pesquisa documental, com abordagem qualitativa. Documentos governamentais e estudos avaliativos constituíram as fontes de dados, coletadas entre agosto de 2018 e junho de 2019 e analisadas com base na literatura de avaliação em saúde.

Resultados:

A Promoção da Saúde Sexual e Reprodutiva e a Assistência Clínica foram os dois componentes estruturantes do modelo teórico da atenção à saúde sexual e reprodutiva na Atenção Primária. O modelo contempla atividades de prevenção de doenças, promoção da saúde, tratamentos e diagnósticos relacionados à saúde sexual e reprodutiva.

Conclusão:

O modelo teórico elaborado apresenta a teoria que subsidia a operacionalização da atenção à saúde sexual e reprodutiva na atenção primária, segundo as normativas governamentais no cenário brasileiro, e poderá ser útil em pesquisas avaliativas futuras sobre o tema.

Palavras-chave:
Saúde sexual e reprodutiva; Modelos teóricos; Estudos de avaliação como assunto; Atenção primária à saúde; Enfermagem em saúde pública

ABSTRACT

Objective:

To elaborate a Theoretical Model of Sexual and Reproductive Health care offered in Primary Health Care.

Method:

Documentary research, with a qualitative approach. Government documents and evaluative studies constituted the data sources, collected between August 2018 and June 2019, and analyzed based on the health evaluation literature.

Results:

Promotion of Sexual and Reproductive Health and Clinical Care were two structural components of the theoretical model of sexual and reproductive health care in Primary Care. The model includes disease prevention activities, health promotion, treatments, and diagnoses related to sexual and reproductive health.

Conclusion:

The theoretical model developed in this study presents the theory that supports the operationalization of sexual and reproductive health care in primary care according to government regulations in Brazilian scenario and may be useful in future evaluative research on the subject.

Keywords:
Sexual and reproductive health; Models theoretical; Evaluation studies as topic; Primary health care; Public health nursing

RESUMEN

Objetivo:

Construir el Modelo Teórico de atención en Salud Sexual y Reproductiva ofrecida en la Atención Primaria de Salud como una de las etapas iniciales del proceso de evaluación de implantación.

Método:

Investigación documental, con enfoque cualitativo. Los documentos gubernamentales y los estudios evaluativos constituyeron las fuentes de datos, recopilados entre agosto de 2018 y junio de 2019 y analizados con base en la literatura de evaluación de la salud.

Resultados:

La Promoción de la Salud Sexual y Reproductiva y la Atención Clínica fueron los dos componentes estructurantes del modelo teórico de atención de la salud sexual y reproductiva en Atención Primaria. Incluye actividades de prevención de enfermedades, promoción de la salud, tratamientos y diagnósticos relacionados con la salud sexual y reproductiva.

Conclusión:

El modelo teórico desarrollado en este estudio presenta la teoría que apoya la operacionalización de la atención de la salud sexual y reproductiva en la atención primaria de acuerdo con las normativas gubernamentales en escenario brasileño, y puede ser útil en futuras investigaciones evaluativas sobre el tema.

Palabras clave:
Salud sexual y reproductiva; Modelos teóricos; Estudios de evaluación como asunto; Atención primaria de salud; Enfermería en salud pública

INTRODUÇÃO

Reivindicações sociais no âmbito internacional e nacional e o propósito de fortalecer o direito de liberdade de escolha, autonomia e segurança na vivência da sexualidade e da reprodução contribuíram para o reconhecimento dos direitos sexuais e reprodutivos1, enquanto base para a incorporação da Saúde Sexual e Reprodutiva (SSR) nas agendas das políticas de saúde da população brasileira do século XX2^,3.

Cabe ao estado prover recursos, facilitar o acesso à informação e disponibilizar serviços que favoreçam o exercício dos direitos sexuais e reprodutivos. No âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), a atenção à SSR possui um escopo amplo de ações e serviços, contemplando atividades educativas, aconselhamento e atividades clínicas3^,4. Grande parte desta assistência deve ser prioritariamente oferecida na Atenção Primária à Saúde (APS), espaço privilegiado de práticas de cuidado integral, lócus de maior proximidade do viver dos sujeitos, que desenvolve ações de promoção à saúde, prevenção de doenças, recuperação e reabilitação3^-5.

Toda ação em saúde (programas, políticas e ou ações de cuidado) possui um plano teórico de natureza técnica-operacional e prescritiva. Contudo, nem sempre as teorias subjacentes a esse plano são descritas ou estão claras nos documentos oficiais3^,6. Desse modo, a modelagem ou Modelo Teórico (MT) é uma das estratégias utilizadas nas pesquisas avaliativas para descrever os elementos que compõem o programa ou o objeto da avaliação e apresentar a racionalidade da teoria da intervenção6.

Enquanto esquema visual, o modelo teórico permite uma compreensão facilitada e a definição da imagem-objetivo da teoria de um programa, não havendo uma forma padrão, correta ou única para sua construção6. O MT deve conter as ações e seus objetivos, os determinantes contextuais, temporais e culturais, e os elementos (componentes, insumos, produtos e resultados), para melhor compreender a intervenção em sua complexidade4. A especificação das ações a serem realizadas para se alcançarem os efeitos desejados, de outros impactos que poderiam ser cogitados e dos mecanismos mediante os quais esses efeitos e impactos seriam produzidos é útil também para a construção de critérios de avaliação6.

Explicitar as complexas relações entre a estrutura, processos e os resultados7, identificar dados relevantes para embasar o planejamento, implementação e a avaliação de programas, subsidiar julgamento e análises de políticas públicas, estão entre as possibilidades de utilização dos MT4.

A literatura de avaliação em saúde descreve sobre a aplicabilidade de MT no campo da avaliação de políticas e programas 6^,8^,9^,10, contudo, ainda são poucos estudos de avaliação de implantação que apresentam modelos da atenção à SSR com foco na APS, considerando a multiplicidade de abordagens, conforme observado em revisão de escopo sobre essa temática11. Esta revisão recuperou 3.788 artigos e 687 teses e dissertações, dos quais somente 14 estudos abordaram sobre a avaliação de implantação de ações, programas e/ou práticas da saúde sexual e reprodutiva no contexto da APS, contudo, somente quatro publicações apresentaram modelos teóricos contemplando a atenção à SSR de forma ampliada, para além do cuidado ao pré-natal e das infecções sexualmente transmissíveis ⁽11.

O apresentado acima sobre a relevância dessa ferramenta e sobre sua escassez na literatura nacional justifica e reitera a importância do conteúdo disposto neste artigo, que apresenta a construção de um modelo teórico da atenção à Saúde Sexual e Reprodutiva ofertada na Atenção Primária, elaborado com base nas normativas governamentais que orientam a implantação desta atenção no SUS. Sua estruturação foi orientada pela seguinte questão norteadora: Qual o plano teórico da atenção à SSR na APS, segundo as normativas governamentais presente no cenário brasileiro? Destaca-se que o modelo proposto foi utilizado para subsidiar um estudo de avaliação da implementação da SSR na APS em um município da Zona da Mata mineira, e que poderá também ser útil para futuras pesquisas avaliativas sobre o tema.

MÉTODO

O modelo apresentado neste artigo seguiu os pressupostos teóricos e metodológicos da avaliação aplicada à saúde6^,9^,12 e da coleta e análise de documentos13, e a sistematização foi orientada segundo a perspectiva da modelagem de programas6^,12. O processo de elaboração do modelo foi desenvolvido entre agosto de 2018 e junho de 2019 e envolveu cinco etapas distintas e complementares: 1) Coleta e análise documental14; 2) Revisão de escopo11; 3) Sistematização dos dados e elaboração das matrizes descritivas contendo ações, estrutura, processo e resultados que representam a teoria da implantação da atenção à SSR; 4) Identificação e classificação dos componentes do programa, e 5) Apresentação do modelo teórico. Estas duas últimas etapas são o foco da proposta apresentada neste artigo.

A pesquisa documental teve, como fontes de dados, leis, diretrizes e documentos governamentais, acessados via site eletrônico do Ministério da Saúde, em especial na página do Departamento de Atenção Básica (DAB) - hoje denominado Portal da Secretaria de Atenção Primária à Saúde - e na Biblioteca Virtual em Saúde do Ministério da Saúde (BVS/MS)14. A opção por concentrar a análise documental nos documentos institucionais do Ministério da Saúde deveu-se ao fato de os programas municipais adotarem diretrizes e atividades definidas e preconizadas no âmbito federal, competindo aos entes infranacionais sua execução no âmbito da Atenção Primária.

Na página eletrônica do DAB, fez-se a busca por documentos, manuais, cartilhas e cadernos de atenção direcionados à SSR, selecionando-os com base na leitura do título do documento, independentemente de este ter ou não referência à APS. Já no site da BVS/MS, foi utilizado na busca o filtro “Saúde Sexual e Reprodutiva”. Nesta fase da busca, documentos que não estavam disponíveis para acesso on-line foram excluídos. Optou-se ainda por excluir documentos com foco restrito apenas no cuidado pré-natal, considerando que as particularidades desta atenção fogem ao escopo da proposta desta pesquisa.

Os documentos obtidos nas duas fontes foram posteriormente selecionados mediante a leitura do título, resumo, quando existente, e das páginas iniciais quando este não estava presente, aplicando-se os seguintes critérios de inclusão: autoria institucional do Ministério da Saúde (ou de suas Secretarias e Departamentos), enfoque na SSR, e explicitação dos profissionais e gestores da APS como um dos públicos alvo da publicação. Dezenove documentos foram selecionados e analisados segundo as principais ações, serviços e atribuições da APS na atenção à SSR. A sistematização desses documentos foi apresentada em uma outra publicação14.

Outra etapa foi constituída por uma revisão de escopo, que se propôs mapear e caracterizar as pesquisas de avaliação de implantação publicadas sobre a atenção à SSR na APS, descrevendo adicionalmente os principais fatores favoráveis ou que dificultam a implementação de tais ações11. Para tal, foi realizada uma busca bibliográfica a partir das bases de dados MEDLINE (via Pubmed), SCOPUS, Web of Science, Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL), POPLINE e Literatura Latino Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), bem como na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações. Foram selecionados 14 estudos (5 artigos e 9 produções acadêmicas, entre teses e dissertações) que tinham como objetivo avaliar, descrever ou analisar a implementação ou implantação, no Brasil, de intervenções nos lócus em questão, cobrindo as ações de SSR presentes no Caderno de Atenção Básica do Ministério da Saúde3.

De posse das informações oriundas da análise documental e da revisão de escopo, fez-se necessário organizar os dados obtidos e classificá-los segundo a tríade de Donabedian estrutura, processo e resultado7. A estrutura inclui condições estruturais, recursos humanos, condições físicas, instalações e equipamentos. Já o processo refere-se a operacionalização das atividades conforme planejadas, e está diretamente relacionada com a prática e os serviços oferecidos. Por fim, os resultados relacionam-se à capacidade dos serviços de atingir seus objetivos, ou seja, os resultados alcançados7.

A classificação dos componentes da atenção à SSR na atenção primária teve como base os outros modelos publicados no contexto nacional e o detalhamento das ações de cada um dos componentes constitui o âmago dos resultados dispostos e discutidos mais abaixo.

Ressalta-se ainda que a construção do modelo teórico, apresentada neste artigo, compõe uma das etapas de uma pesquisa avaliativa, cuja proposta é avaliar a implementação da atenção à saúde sexual e reprodutiva na Estratégia Saúde da Família em um município da Zona da Mata Mineira. Ela é parte de uma tese de doutorado em andamento, prevista de defesa em final de 2021, vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva do Instituto de Medicina Social Hesio Cordeiro da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, cuja pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da referida instituição, CAAE Nº 23878719.0.0000.5260.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Dois componentes principais da atenção à SSR no cenário da APS - a Promoção da Saúde Sexual e Reprodutiva e a Assistência Clínica, compõem o Modelo Teórico da atenção à SSR na Atenção Primária à Saúde. Ambos componentes possuem três núcleos de ações cada, os quais são detalhados e apresentados na sequência.

Modelo Teórico - Componente Promoção da Saúde Sexual e Reprodutiva na Atenção Primária

A promoção da SSR é considerada um papel fundamental da APS3^,4. Envolvem ações para o bem-estar na vivência da sexualidade e da reprodução, por meio de educação em saúde, orientada pelas perspectivas de respeito aos direitos sexuais e reprodutivos. Destacam-se três núcleos de ações agregados a esse componente: atividades educativas; acolhimento e aconselhamento; abordagem individual e familiar (Quadro 1)

Quadro 1 -
Modelo teórico relativo ao componente da promoção à saúde sexual e reprodutiva na Atenção Primária à Saúde.

Finalidade do componente: Promover a igualdade de gênero e o bem-estar na vivência da sexualidade e da reprodução, por meio da educação em saúde. Fortalecer o exercício dos Direitos Sexuais e Reprodutivos.
Núcleo das ações	Atividade educativa	Acolhimento e Aconselhamento	Abordagens individual e familiar
Atividades relacionadas (descrição)	- Ofertar informação e orientação sobre métodos contraceptivos, conceptivos e pílula de emergência, planejamento reprodutivo; - Realizar atividade educativa sobre saúde sexual e reprodutiva para homens, mulheres, adolescentes, idosos, portadores de deficiência, população de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexo, dentre outras pessoas em situação de vulnerabilidade, gestantes e seus parceiros; - Orientar sobre a realização do preventivo ginecológico, autoexame de mama, exame de próstata; - Orientar mulheres na peri-menopausa, no pós-parto, pós aborto e pessoas que vivem com HIV/aids e sobre contracepção; - Informar sobre teste rápido de detecção do HIV, tratamento e prevenção de IST, incluindo HIV/aids; - Informar pessoas em situações de vulnerabilidade sobre métodos contraceptivos, prevenção de IST; - Orientar gestantes sobre saúde sexual e reprodutiva antes, durante e após o parto; - Promover atividades educativas sobre planejamento reprodutivo pós gravidez para gestantes adolescentes grávidas (especialmente 10-16 anos); - Orientar e sanar dúvidas sobre o sexo durante a gravidez, cuidados no pré-natal, parto e puerpério; - Orientar e estimular a participação do pai no pré-natal e a paternidade responsável; - Orientar casais sobre os direitos dos pais após o nascimento de seu filho; - Estimular o autocuidado e autoconhecimento do corpo; - Abordar nas atividades educativas temáticas sobre disfunções sexuais, infertilidade, prazer, igualdade de gênero, sexualidade no climatério, sexualidade na adolescência, diversidade de identidade de gênero, violência sexual; - Dialogar sobre sexualidade e saúde sexual para pessoas na terceira idade, pessoas portadoras de deficiência e casais soro discordantes; - Orientar e desfazer mitos e tabus sobre saúde sexual e reprodutiva; - Incentivar a comunicação entre os parceiros.	- Acolher e sanar dúvidas sobre curiosidades, preocupações e medos relacionadas às questões de saúde sexual e reprodutiva; - Aconselhar sobre a decisão pelo uso do método contraceptivo cirúrgico; - Acolher e analisar situações de vulnerabilidade individual ou do casal, para a infecção pelo HIV e outras IST; - Acolher mulheres em situação de aborto; - Acolher adolescentes grávidas; - Acolher pessoas com dificuldades para engravidar; -Aconselhar sobre tratamento de doenças que possam interferir negativamente na saúde sexual e reprodutiva; - Aconselhar sobre a realização de teste rápido de HIV; - Aconselhar a população, especialmente gestantes sobre a realização de teste rápido de sífilis; - Ofertar aconselhamento reprodutivo para mulheres e homens HIV positivo, considerando a prevenção da transmissão do HIV, inclusive a transmissão vertical; - Acolher e acompanhar a saúde de mulheres e homens soropositivo, explorando também sua expectativa e interesse de engravidar; - Acolher pais e a família da gestante (apoiadores afetivos); - Aconselhar e orientar sobre amamentação; - Aconselhar e orientar sobre uso de método contraceptivo e outras medicações no puerpério; - Aconselhar adolescentes sobre o exercício responsável da paternidade e da maternidade; - Realizar acolhimento de mulheres e homens com problemas/ disfunções sexuais;	- Realizar campanhas temáticas sobre saúde sexual e reprodutiva em articulação com a população, instituições locais e outros setores; -Desenvolver estratégias para aumentar a cobertura vacinal de Hepatite e vacina do Papilomavírus Humano para adolescentes entre 9 e 12 anos; - Abordar sexualidade de forma positiva, considerando o direito de se sentir confortável para sentir e dar prazer (satisfação, prática do sexo seguro, existência e tipos de dificuldades); - Zelar pelo respeito à autonomia, direito e liberdade de decisão das pessoas, sobre as questões relacionadas ao seu corpo e à sua vida; - Zelar pela garantia de privacidade e do sigilo nas abordagens individuais e coletivas da saúde sexual e reprodutiva; - Realizar atendimento à saúde sexual e reprodutiva centrada na pessoa, considerando seu contexto de vida e aspectos que envolvem família, trabalho e crenças; - Atuar na saúde sexual e reprodutiva com foco na família e considerar as interações e/ou tensões familiares; - Avaliar a estrutura e o funcionamento familiar na abordagem da saúde sexual e reprodutiva; - Realizar abordagem individual da saúde sexual e reprodutiva, considerando o contexto de vida da pessoa ou do casal; - Avaliar influências religiosas, culturais, qualidade da relação e da comunicação com o(a) parceiro(a), uso de álcool e outras drogas, desejo ou não de ter filhos entre outras questões que possam ser relacionadas ou interferir na vivência saudável e segura da sexualidade e da reprodução.
Desempenho esperado	- Os profissionais da atenção primária são capacitados na atenção à saúde sexual e reprodutiva e a unidade de saúde realiza atividades educativas para à promoção dos Direitos Sexuais e Reprodutivo e da saúde sexual e reprodutiva; dirigida a mulheres, homens, adolescentes, idosos, portadores de deficiência, população de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexo, Assexuais, dentre outras pessoas em situação de vulnerabilidade, gestantes e seus parceiros, contemplando as suas necessidades, reconhecendo as singularidades e respeitando as diversidades dos usuários.	- O atendimento é pautado na escuta e entendimento dos aspectos individuais, sociais, identificando possibilidades de atuação do serviço para aconselhamento e acolhimento das questões que compõem a saúde sexual e reprodutiva.	- As abordagens individuais ou coletivas são consideradas uma oportunidade para a construção de conhecimentos a partir da realidade dos indivíduos e do território e são orientadas por metodologias ativas; - As atividades são contínuas e são desenvolvidas pela equipe multiprofissional, intersetorial e com participação da comunidade.

• Fonte: Dados da pesquisa, 2019.
• Legenda: HIV: Vírus da Imunodeficiência Humana; Aids: Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Acquired Immunodeficiency Syndrome); IST: Infeção Sexualmente Transmissível.

As atividades educativas têm como objetivo ofertar informação, orientar, propiciar reflexão e compartilhar o conhecimento sobre os temas relacionados à sexualidade e à reprodução, colaborando para que as pessoas façam escolhas de forma livre, informada, autônoma e segura3^,14. É recomendado que a educação em saúde seja um processo de construção permanente, com a participação ativa de todos os membros da equipe e dos usuários, por meio de práticas pedagógicas interativas que considerem o conhecimento e experiência dos envolvidos3. Essas atividades devem acontecer não só nos espaços dos serviços de saúde, mas também nas escolas e nos diversos espaços sociais existentes na comunidade3^,4.

O acolhimento e aconselhamento, enquanto segundo núcleo de ações, possuem relação com a conduta ética do profissional, ou seja, se concretiza pela humanização das práticas de saúde. O acolhimento, caracteriza-se como um modo de operar os processos de trabalho em saúde, implicando em postura respeitosa, livre de julgamentos e/ou preconceitos3. Já o aconselhamento na prática da atenção à SSR é baseado no diálogo para fortalecimento do vínculo entre o profissional de saúde e o indivíduo ou casal, devendo ser flexível e sem obrigatoriedade, permitindo que cada pessoa saiba o que o serviço oferece e possa fazer suas escolhas no âmbito da SSR.

A abordagem individual e familiar configura o terceiro e último núcleo de ação do componente de promoção da SSR. A abordagem centrada no indivíduo considera seu contexto de vida e estágio de desenvolvimento pessoal, o que inclui atentar para aspectos que envolvam família, trabalho, crenças, dificuldades, potencialidades. Já a abordagem familiar busca compreender o contexto de vida das pessoas e as suas influências na situação de saúde3^,4^,14. Nesse caso, a família pode ser definida como um grupo de pessoas que compartilham uma relação de cuidados (proteção, alimentação e socialização), vínculos afetivos (relacionais), de convivência, de parentesco consanguíneo ou não3^,5.

A educação em saúde, o aconselhamento/acolhimento e a abordagem individual e familiar contribuem para o empoderamento e autonomia na tomada de decisão, estimulam o autocuidado, promovem a inclusão social, fortalecem o vínculo entre o profissional e o usuário, favorecem a escuta, e reforçam a responsabilização e o compromisso do profissional com a resolutividade e com a continuidade do cuidado na APS3^,14.

A implementação dos três núcleos de ação é diretamente influenciada pela capacitação dos profissionais e do planejamento, organização e gerenciamento da assistência à SSR, no contexto da rotina de trabalho da APS4^,15. Entende-se também que esses três núcleos de ações correspondem não só as ações de SSR, mas são transversais a outros programas e políticas implementadas no contexto da APS.

Em relação a esse componente, menciona-se ainda que estudos reiteram desafios a serem superados para a efetiva implementação de tais ações, como a escassez das atividades educativas da atenção à SSR; abordagem centrada na figura da mulher; conteúdo limitado frequentemente às infecções sexualmente transmissíveis; dificuldade de adesão e participação dos usuários nas ações educativas; necessidade de acolhimento e cuidado pré-concepcional; ausência de aconselhamentos e/ou momentos de diálogo com os usuários que procuram por tal assistência, e conduta prescritiva dos profissionais2^,14^-17.

Modelo teórico - Componente Assistência Clínica à Saúde Sexual e Reprodutiva na Atenção Primária

As consultas, prescrições, acompanhamento e encaminhamentos fazem parte do componente Assistência Clínica, o qual, por sua vez, foi dividido nos seguintes núcleos de ações: prevenção e diagnóstico; tratamento, acompanhamento e encaminhamento para outros serviços; vigilância em saúde e gestão do cuidado (Quadro 2).

Quadro 2 -
Modelo teórico referente ao componente Assistência Clínica à Saúde Sexual e Reprodutiva na Atenção Primária à Saúde

Finalidade do componente: Assistência para a prevenção, diagnóstico das IST, tratamento, acompanhamento, cuidado e apoio a indivíduos portadores de doenças relacionadas a SSR, considerando o conceito de vulnerabilidade em seus aspectos individuais, sociais e programáticos. Articulação com outros serviços e definição de estratégias para realização das atividades de informação e vigilância em saúde.
Núcleos de ações	Prevenção e diagnóstico	Tratamento, acompanhamento e encaminhamento para outros serviços	Vigilância em saúde e gestão do cuidado
Ações e atividades relacionadas (descrição)	Garantir o acesso aos métodos contraceptivos reversíveis e cirúrgicos; Garantir o acesso aos preservativos masculinos e femininos para prevenção de IST; e aos exames pré-concepcionais em caso de planejamento de gravidez; Ofertar atendimento individual, anamnese, exame físico, buscando identificar as necessidades individuais e/ou do casal, e prescrição dos métodos contraceptivos escolhidos pelo usuário segundo a avaliação médica orientada pelos critérios de elegibilidade; Orientar sobre os recursos à concepção ou à anticoncepção, incentivando a participação ativa na decisão individual ou do casal; Realizar diagnóstico da gestação e promover início precoce do pré-natal; - Aconselhar sobre uso de preservativo e comunicação aos parceiros em casos de diagnóstico positivo para IST; - Ofertar rastreamento para detecção precoce de neoplasias das mamas e do câncer de colo de útero - Realizar atividades de proteção específica, incluindo vacinação; - Desenvolver estratégias para aumentar a cobertura vacinal de Hepatite e vacina do HPV para adolescentes entre 9 a 12 anos; - Realizar diagnóstico oportuno de HIV e outras IST, com oferta e realização dos exames; - Identificar disfunção sexual e outras dificuldades quanto às relações sexuais; - Promover ações de prevenção e orientação sobre câncer de próstata e do câncer de pênis, do colo de útero e mama; - Identifica a data da última coleta do exame preventivo do câncer de colo de útero e avaliar a necessidade de realização de nova coleta; - Realizar avaliação pré-concepcional em casos de doenças crônicas; - Ofertar atendimento aos casais inférteis; - Realizar consulta clínica-ginecológica.	- Prescrever métodos contraceptivos; - Realizar consultas de retorno para acompanhamento da saúde da pessoa ou do casal que utiliza método contraceptivos; - Identificar e substituir, quando possível, medicamentos que possam interferir na saúde sexual e reprodutiva; - Instituir tratamentos para as doenças ou condições que estejam interferindo na saúde sexual: doenças ginecológicas, urológicas, doenças crônico-degenerativas, tais como hipertensão arterial, diabetes, entre outras. - Garantir o acesso a informações, métodos e meios para a regulação da fecundidade e para a proteção contra HIV/aids e outras doenças; - Identificar os casos que necessitam de referência para a atenção especializada, sendo responsabilidade da gestão o estabelecimento dos fluxos e pactuações para essa referência. - Promover assistência clínica no climatério/menopausa; - Realizar tratamento sindrômico das IST, incluindo; cauterização de condiloma acuminado; - Tratar gestante com sífilis e seu parceiro; - Dispor de medicamentos para infecções sexualmente transmissíveis e condições de aplicação de penicilina benzatina; - Garantir agendamento de consultas e visita domiciliar, durante o pré-natal e no puerpério; - Dispor de uma rede de serviços para atender casais inférteis; - Encaminhar para atenção especializada os casos de resultados positivos em testes rápidos, em especial do HIV e continuar o acompanhamento na unidade.	Registrar informações relevantes para vigilância e organização do trabalho, incluindo procedimentos, vacinas e notificação negativa de condições como sífilis congênita; Realizar vigilância de exames e de faltosos; Notificar as DNC, realizar ações de controle de comunicantes, ambiente e educação em saúde; Ofertar exames para diagnóstico de sífilis e conferir calendário vacinal; Realizar busca ativa de parceiros de usuários diagnosticados com IST; Convidar usuários para participação em atividades educativas direcionadas à SSR; - Registrar e acompanhar usuárias que possuem acesso aos métodos contraceptivos na unidade de saúde; - Identificar necessidades e vulnerabilidades relacionadas à SSR durante visita domiciliar; - Identificar no território todas as adolescentes grávidas e, em especial, as que estão em situação de maior vulnerabilidade (vivendo na rua, em conflito com a lei, usuárias de álcool e outras drogas, indígenas, quilombolas, ribeirinhas) para que sejam acolhidas e recebam cuidados diferenciados, de acordo com suas necessidades e demandas de saúde;
Desempenho esperado	Oferece todos métodos contraceptivos para prevenção de gravidez não planejada e IST; Oferece ações para diagnóstico e prevenção de IST/ HIV/aids, bem como rastreamento de neoplasias relacionadas ao contágio por via sexual, a partir das perspectivas de gênero, vulnerabilidade e direitos sexuais e reprodutivos; Garante autonomia nas escolhas reprodutivas; Estimula paternidade e maternidade responsável;	- Oferece tratamento e acompanhamento dos casos de IST, com incorporação da abordagem sindrômica, aconselhamento e comunicação aos parceiros; - Disponibiliza tratamento da gestante com sífilis e do parceiro; - Oferece apoio aos usuários com HIV/aids em seu tratamento de forma conjunta com o serviço especializado; - Disponibiliza avaliação clínica e oferece acompanhamento periódico;	- Realiza a notificação de doenças; - Realiza a busca ativa de faltosos; - Promove o registro de informações em saúde; - Possui sistemas informatizados; - Faz o acompanhamento de indicadores de saúde da população adstrita.

• Fonte: Dados da pesquisa, 2019.
• Legenda: HIV: Vírus da Imunodeficiência Humana; Aids: Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Acquired Immunodeficiency Syndrome); IST: Infeção Sexualmente Transmissível; DNC: Doenças de Notificação Compulsória; SSR: Saúde Sexual e Reprodutiva

O primeiro núcleo do componente assistencial, prevenção e diagnóstico, inclui anamnese, exame físico, disponibilidade, orientação, prescrição e fornecimento do método contraceptivo, bem como a vacinação para hepatite B e para o Papilomavírus Humano (HPV), orientação e realização de coleta de exame de Papanicolaou, colposcopia e biópsia de vulva e colo (quando disponíveis), aconselhamento e assistência sindrômica às IST, atendimento e acompanhamento de pessoas soropositivas, coleta de sorologias para IST/aids, incentivo à dupla proteção, do método anticoncepcional e realização de sorologias para o HIV e sífilis no primeiro e no terceiro trimestre de gestação, dentre outras3^,4.

O núcleo de ações de tratamento, acompanhamento e encaminhamento para outros serviços engloba a oferta de tratamento e/ou recursos terapêuticos adequados para as doenças ou condições que estejam interferindo na SSR como doenças ginecológicas, urológicas e crônico degenerativas, tais como hipertensão arterial, diabetes3.

Por último, o núcleo de ações de vigilância em saúde e gestão do cuidado envolve os registros de informações relevantes para a vigilância à saúde (como vacinação e exames de Papanicolaou, busca ativa de usuários); notificação de agravos, seguida de controle de comunicantes e do ambiente, parceria com outros setores e convocação de indivíduos, divulgação e utilização de sistemas de informação, vigilância de exames alterados e de pacientes faltosos. A gestão do cuidado inclui estratégias de divulgação das ações de SSR, fluxos, registros e frequência das atividades3^,11^,15.

As ações deste segundo componente da atenção à SSR são essenciais para a promoção e prevenção de doenças; nesse sentido, observa-se a complementariedade das atividades citadas com o componente anteriormente apresentado. Especificamente, nesse componente relacionado à assistência é central ressaltar a importância dos fluxos de atendimento, da comunicação com outros os níveis de atenção e o estabelecimento das referências para os serviços especializados3^,11.

Ainda que escassos, estudos já realizados demonstram que espaços físicos inadequados, déficit de material, falta de recursos humanos capacitados, sobrecarga de trabalho, fragmentação do cuidado, preceitos morais e religiosos, inexistência de comunicação na rede de atenção e precariedade das instalações físicas e das condições de trabalho são questões que influenciam diretamente na oferta e na qualidade das atividades de promoção e na assistência clínica da atenção à SSR no contexto da atenção primária ⁽4^,11^,15^-17. Esses e outros aspectos, portanto, precisam ser considerados no contexto da saúde pública e mais aprofundados no âmbito da construção de modelos teóricos, análise e avaliação de políticas públicas.

Cabe ainda destacar que todos os preceitos e ações recomendadas pelos documentos governamentais sobre à SSR, descritas no MT que apresentamos neste artigo, tem por base as propostas pactuadas no cenário mundial em 1994, na Conferência Internacional de População e Desenvolvimento (CIPD). Contudo, 25 anos pós CIPD, a restauração conservadora do atual governo brasileiro, enfrentamento à ideologia de gênero e a promoção de uma agenda de direitos em franca dissonância com os acordos internacionais são aspectos que podem impactar nos avanços políticos no campo dos direitos sexuais e reprodutivos como, por exemplo, educação sobre sexualidade e direito ao aborto2.

Estes hiatos demonstram a urgência no enfrentamento de alguns desafios para a efetivação e a implementação da atenção à SSR no SUS, especialmente no que diz respeito à fragmentação da atenção à saúde e na invisibilidade da pauta dos direitos sexuais e reprodutivos nas agendas políticas.

A construção do modelo teórico-conceitual da SSR com foco na atenção primária, com a explicitação de sua racionalidade subjacente, mostra-se potencialmente útil para o desenvolvimento de indicadores de avaliação e monitoramento da atenção à SSR no SUS, pois possibilita compreender a complexidade e as especificações dessa atenção, algo que suscita reflexões sobre o contexto, conteúdo e atributos necessários para alcance dos efeitos esperados3^,9.

A subjetividade, inerente e sempre potencialmente presente, na compreensão e descrição da atenção à SSR estabelecida pela leitura e análise pessoal do referencial normativo utilizado, atrelada a não discussão e/ou validação dessa construção com outros pesquisadores e profissionais envolvidos na SSR, podem ter limitado o estudo.

Apesar da delimitação do MT com foco na atenção à SSR no cenário na APS, deve-se ainda ressaltar a relevância de iniciativas de modelagem que contemplem essa assistência em outros níveis de atenção, uma vez que, esse recurso é um instrumento importante para compreensão da complexidade da intervenção e pode ser utilizado em diversos estudos na área de avaliação de políticas, programas e práticas de saúde.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O modelo teórico apresentado neste estudo, enquanto esquema visual da teoria da atenção à SSR na APS, proposto com base nas normativas governamentais no cenário brasileiro, apresenta a promoção da SSR e a assistência clínica enquanto componentes principais desta atenção.

Ainda que o modelo apresentado não tenha sido alvo de análise e avaliação de especialistas da área, acredita-se que essa limitação não inviabiliza sua divulgação, nem tão pouco depõe contra sua aplicabilidade, uma vez que o mesmo foi construído com base nos documentos governamentais que informam sobre a operacionalização da SSR na atenção primária. Sua divulgação pode apoiar e inspirar a construção de novos modelos sobre SSR, como também estimular o diálogo sobre a complexidade que envolve a teoria e a prática de implementação destas ações.

Além de fornecer subsídios para futuras pesquisas avaliativas na área da atenção à saúde sexual e reprodutiva, o modelo teórico proposto é pertinente para aproximar estudantes e profissionais de enfermagem que atuam na APS, uma vez que apresenta a teoria sobre o funcionamento (como deve fazer) para a implementação desta atenção. Adicionalmente, pesquisadores e gestores do campo da saúde pública podem fazer uso dessa perspectiva para sistematizar os critérios, formular indicadores e identificar aspectos que influenciam na operacionalidade da atenção à SSR na APS.

A experiência de construção de um modelo teórico da atenção à SSR direcionado para a atenção primária, como parte de uma pesquisa avaliativa, foi um processo dinâmico e desafiador. Os poucos modelos já publicados na literatura no âmbito nacional e a grande abrangência do escopo previsto das ações de atenção à SSR, em termos de atividades e público-alvo, justificam essa afirmação.

Agradecimentos:

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES). Bolsa de Doutorado pelo Programa de Excelência Acadêmica do Programa de Pós Graduação do Instituto de Medicina Social Hesio Cordeiro da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Número do processo: 88882.332332/2014-01 - UERJ - Código de Financiamento 001.

REFERENCES

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Editado por

Editor associado:

Helga Geremias Gouveia

Editor-chefe:

Maria da Graça Oliveira Crossetti

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  23 Maio 2022
• Data do Fascículo
  2022

Histórico

• Recebido
  15 Nov 2020
• Aceito
  30 Ago 2021