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Focos e intervenções de Enfermagem promotoras da autonomia dos idosos

RESUMO

Objetivos:

Descrever o significado atribuído às vivências da experiência clínica dos enfermeiros especialistas na implementação de focos do cuidado de enfermagem e respetivas intervenções promotoras da autonomia dos idosos.

Método:

Estudo qualitativo com base no método de Giorgi. Foram entrevistados 18 enfermeiros especialistas, recrutados por conveniência em dois hospitais da região a norte de Portugal, entre março e dezembro de 2018.

Resultados:

Na experiência clínica dos enfermeiros especialistas, quanto ao processo de enfermagem, emergiram três temas: focos do cuidado de enfermagem; implementação de intervenções de enfermagem e fatores dificultadores.

Conclusões:

Os enfermeiros especialistas, em sua maioria em reabilitação, promovem essencialmente a capacidade física dos idosos, no âmbito da autonomia, revelando que as condições de trabalho, como a falta de tempo e os sistemas de informação, constituem o fator limitador da sua promoção.

Palavras-chave:
Assistência ao paciente; Cuidados de enfermagem; Autonomia pessoal; Condições de trabalho; Pesquisa qualitativa

ABSTRACT

Objectives:

To describe the meaning attributed to the experiences of the clinical experience of specialist nurses in the implementation of nursing care focuses and respective interventions that promote the autonomy of the elderly.

Method:

Qualitative study based on Giorgi's method. Eighteen specialist nurses were interviewed, recruited for convenience in two hospitals in the northern region of Portugal, between March and December 2018.

Results:

In the clinical experience of specialist nurses, regarding the nursing process, three themes emerged: focuses of nursing care; implementation of nursing interventions and hindering factors.

Conclusions:

The specialist nurses, most of whom are rehabilitation specialists, essentially promote the physical capacity of the elderly, within the scope of autonomy, revealing that working conditions, such as lack of time and information systems, are the limiting factor of their promotion.

Keywords:
Patient care; Nursing care; Personal autonomy; Working conditions; Qualitative research

RESUMEN

Objetivos:

Describir el significado atribuido a las vivencias de la experiencia clínica de enfermeros especialistas en la implementación de los enfoques de atención de enfermería y las respectivas intervenciones que promueven la autonomía del anciano.

Método:

Estudio cualitativo basado en el método de Giorgi. Se entrevistaron dieciocho enfermeras especializadas, reclutadas por conveniencia en dos hospitales de la región norte de Portugal, entre marzo y diciembre de 2018.

Resultados:

En la experiencia clínica de los enfermeros especialistas, en relación con el proceso de enfermería, surgieron tres temas: focos de atención de enfermería; implementación de intervenciones de enfermería y factores obstaculizadores.

Conclusiones:

Los enfermeros especialistas, en su mayoría especialistas en rehabilitación, promueven fundamentalmente la capacidad física de las personas mayores, en el ámbito de la autonomía, revelando que las condiciones laborales, como la falta de tiempo y sistemas de información, son el fator limitante para su promoción.

Palabras clave:
Atención al paciente; Atención de enfermería; Autonomía personal; Condiciones de trabajo; Investigación cualitativa

INTRODUÇÃO

A relação terapêutica entre os profissionais de saúde e a pessoa, deve ser alicerçada em princípios como a assertividade e o respeito. No que se refere ao conceito de autonomia, o respeito pela pessoa implica o dever de respeitar sua capacidade de decisão e envolve dois aspectos que se complementam na íntegra: o reconhecimento da capacidade da pessoa para tomar as suas próprias decisões e a promoção de condições que protejam o exercício dessa autonomia11. Dzeng E. Habermasian communication pathologies in do-not-resuscitate discussions at the end of life: manipulation as an unintended consequence of an ideology of patient autonomy. Sociol Health Illn. 2019;41(2):325-42. doi: https://doi.org/10.1111/1467-9566.12825
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A promoção da autonomia, através do direito à autodeterminação, permite à pessoa o domínio do próprio ser, do seu destino, da sua vida e do seu comportamento, possibilitando a liberdade de escolha e o controle das suas ações, condições estas essenciais para a qualidade e dignidade da vida22. Reach G. Adherence challenges in chronic diseases. Med des Mal Metab. 2018;12(6):511-5. doi: http://doi.org/10.1016/S1957-2557(18)30135-4
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. Tal reconhecimento é concretizado através da entrevista clínica e da observação sistematizada. Através destas técnicas o enfermeiro é capaz de definir os problemas ou potenciais problemas da pessoa que cuida e, assim, eleger os focos do cuidado de enfermagem e respectivas intervenções de enfermagem33. Cruz AG, Gomes AMT, Parreira PMSD. Focos de atenção prioritários e ações de enfermagem dirigidos à pessoa idosa em contexto clínico agudo. Rev Enf Ref. 2017;Série IV(15):73-82. doi: https://doi.org/10.12707/RIV17048
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O envelhecimento demográfico é um fenômeno a nível mundial que aumenta a responsabilidade dos profissionais de saúde, dado o desafio de manter a qualidade de vida, mesmo diante de circunstâncias de doença. Espera-se que o índice de envelhecimento entre os anos de 2015 a 2080 duplique, passando de 147 para 317 idosos por cada 100 jovens. Assim a participação da população ativa no total populacional diminuirá consideravelmente44. Instituto Nacional de Estatística (PT). Projeções de população residente [Internet]. Lisboa: Instituto Nacional de Estatística; 2017 [cited 2021 Mar 01]. Available from: https://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_destaques&DESTAQUESdest_boui=277695619&DESTAQUESmodo=2&xlang=pt
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Apesar do aumento da longevidade, as pessoas idosas, são acompanhadas de múltiplas doenças crônicas que surgem associadas à incapacidade, ao declínio funcional e a todas as consequências decorrentes dessa incapacidade. Os processos de imobilidade decorrentes da incapacidade, diminuem a qualidade de vida dos idosos e aumentam consideravelmente os custos com a saúde, inclusive ampliando o risco de hospitalizações55. Lima AMN, Ferreira MSM, Martins MMPS, Fernandes CS, Moreira MTF, Rodrigues TMP. Independência funcional e o estado confusional de pessoas sujeitas a programa de reabilitação. J Health NPEPS. 2020;5(2):145-60. doi: http://doi.org/10.30681/252610104440
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A prevenção em todos os níveis assume particular importância na pessoa idosa, e a intervenção dos enfermeiros especialistas é fundamental para manter ou promover sua autonomia. Os enfermeiros, através do processo de enfermagem, devem implementar intervenções que deem respostas a estas necessidades, pois, tal como salientam os autores33. Cruz AG, Gomes AMT, Parreira PMSD. Focos de atenção prioritários e ações de enfermagem dirigidos à pessoa idosa em contexto clínico agudo. Rev Enf Ref. 2017;Série IV(15):73-82. doi: https://doi.org/10.12707/RIV17048
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a correta identificação dos focos do cuidado de enfermagem é um passo essencial para a identificação da necessidade especifica da pessoa, permitindo planejar uma resposta adequada. Assim, através dos cuidados de enfermagem e das suas intervenções ajustadas com vistas à capacitação da pessoa idosa, o enfermeiro é o profissional de excelência, dadas suas competências na promoção/manutenção da autonomia da pessoa idosa.

Através dos discursos dos profissionais de enfermagem observa-se imprecisões nos conceitos de autonomia e independência. Nos processos de enfermagem implementados, constata-se que na promoção da autonomia da pessoa idosa, os enfermeiros direcionam os seus cuidados para a independência física, especialmente para as atividades básicas de vida diárias, designando essas intervenções como promotoras da autonomia66. Bennett L, Bergin M, Wells JSG. The social space of empowerment within epilepsy services: the map is not the terrain. Epilepsy Behav. 2016;56:139-48. doi: https://doi.org/10.1016/j.yebeh.2015.12.045
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. Para a melhoria da qualidade dos cuidados de enfermagem importa conhecer ambos e distingui-los um do outro. A autonomia é um conceito amplo que envolve competências como: capacidade física, capacidade cognitiva, integração social e inteligência emocional; já a independência envolve apenas a competência física77. Lima A, Martins M, Ferreira S, Schoeller S, Parola V. O conceito multidimensional de autonomia: uma análise conceptual recorrendo a uma scoping review. Rev Enf Ref. 2021;5(7):e20113. doi: https://doi.org/10.12707/RV20113
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Diante do exposto, questionou-se: Qual o significado da experiência clínica dos enfermeiros especialistas no que se refere à implementação de focos do cuidado de enfermagem e respectivas intervenções promotoras da autonomia dos idosos? O objetivo deste estudo foi descrever o significado atribuído às vivências da experiência clínica dos enfermeiros especialistas na implementação de focos do cuidado de enfermagem e respetivas intervenções promotoras da autonomia dos idosos.

MÉTODO

Trata-se de um estudo de natureza qualitativa, com recurso aos princípios da metodologia fenomenológica descritiva de Giorgi88. Giorgi A. An affirmation of the phenomenological psychological descriptive method: a response to Rennie (2012). Psychol Methods. 2014;19(4):542-51. doi: https://doi.org/10.1037/met0000015
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, para conhecer a estrutura do fenômeno e o significado das experiências vividas pelos enfermeiros especialistas, em sua prática de cuidados. O método de Giorgi88. Giorgi A. An affirmation of the phenomenological psychological descriptive method: a response to Rennie (2012). Psychol Methods. 2014;19(4):542-51. doi: https://doi.org/10.1037/met0000015
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, lida com as descrições de entrevistas sobre experiências vividas em relação a um determinado fenômeno segundo quatro passos: 1. leitura de todas as transcrições várias vezes para conhecer toda a experiência; 2. reler as transcrições com o intuito de determinar as unidades de significado; 3. as unidades de significado devem ser transformadas em linguagem adequada ao fenômeno em estudo e agrupadas em temas e subtemas; 4. sintetizar todas as unidades de significado num enunciado consistente e descritivo sobre as experiências dos participantes.

A coleta de dados foi realizada em duas instituições hospitalares localizadas no norte de Portugal, uma de grande porte e uma de médio porte; a primeira no distrito do Porto e a segunda no distrito de Viana do Castelo. O hospital de grande porte possui 1105 leitos, atende uma população de 3,7 milhões de usuários e é hospital universitário, com as especialidades compatíveis com seu porte. Já, o hospital de médio porte possui 411 leitos, atende uma população de 85 mil usuários, possui internações para Clínica Médica, Cirúrgica, Ortopedia, Pediatria, Obstetrícia, Neurologia e Psiquiatria. Possui também serviços ambulatoriais, urgência e emergência, gastroenterologia e da unidade de internação dia.

Os critérios de inclusão foram: trabalhar há pelo menos 6 meses com idosos e detendo o título de enfermeiro especialista (Enfermagem de Reabilitação e/ou Enfermagem Médico-Cirúrgica e/ou Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiatria e/ou Enfermagem Comunitária). Foram excluídos: enfermeiros generalistas, enfermeiros especialistas em Enfermagem de Saúde Infantil e Pediatria, e Enfermagem de Saúde Materna e Obstétrica, além daqueles afastados durante o período de coleta de dados.

Os participantes foram identificados com a ajuda dos enfermeiros gestores. Um dos autores fez o convite e todos aceitaram participar no estudo. Participaram 18 enfermeiros especialistas, sendo que 10 trabalhavam em unidades de clínica médica, 2 na cirúrgica e 6 na ortopedia.

O instrumento de coleta de dados foi constituído de duas partes: a primeira contemplava um questionário sociodemográfico, para a caraterização dos participantes e a segunda por uma entrevista semiestruturada, com a seguinte questão: Face à sua experiência, como expressa no plano de cuidados de enfermagem a promoção da autonomia à pessoa idosa? De forma a obter um melhor entendimento da experiência dos participantes, foram realizadas outras questões: Podes descrever essa experiência com maior detalhe?

A coleta de dados ocorreu entre março e dezembro de 2018. As entrevistas foram realizadas pelo primeiro autor, e foram gravadas em áudio e transcritas na íntegra, pelo mesmo autor que as realizou. A média de duração das entrevistas foi de 30 minutos. O encerramento da coleta de dados seguiu o critério de saturação de dados, uma vez que os dados obtidos passaram a apresentar um certa redundância/repetição, não havendo novos dados ou fatos novos99. Ribeiro J, Souza FN, Lobão C. Saturação da análise na investigação qualitativa: quando parar de recolher dados? [editorial]. Rev Pesqui Qual. 2018 [cited 2021 Mar 01];6(10):iii-vii. Available from: https://editora.sepq.org.br/rpq/article/view/213/111
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. Todas as entrevistas foram gravadas em áudio e transcritas na íntegra pelo mesmo autor que as realizou.

Para a análise dos dados foi utilizado o Software Atlas.ti versão 8.4. Os dados foram interpretados com base no método de Giorgi, através de quatro passos: 1. obter o sentido do todo: repetida leitura das transcrições com a finalidade de obter uma ideia geral da experiência vivida; 2. descrição das unidades de significado: as entrevistas transcritas foram relidas de forma detalhada, e quando identificada uma transição de significado nas transcrições, estas foram distinguidas, como aspectos relevantes do fenômeno em estudo; 3. transformação da linguagem comum das unidades de significado em linguagem cientifica: as unidades de significado foram reescritas em linguagem adequada para o fenômeno sob investigação, mantendo fiéis os significados expressos pelos participantes; e 4. síntese das unidades de significado transformadas, numa estrutura descritiva da experiência vivida pelos participantes88. Giorgi A. An affirmation of the phenomenological psychological descriptive method: a response to Rennie (2012). Psychol Methods. 2014;19(4):542-51. doi: https://doi.org/10.1037/met0000015
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.

Este estudo está em conformidade com as diretrizes dos Critérios Consolidados para Relatórios de Pesquisa Qualitativa (COREQ - Consolidated criteria form Reporting Qualitative Research). A pesquisa seguiu as diretrizes éticas vigentes no país, todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Informado, Livre e Esclarecido. A pesquisa obteve a aprovação pelas Comissões de Ética das duas Instituições (Pareceres n.º 324/17 e n.º 11/18). Para garantir o anonimato os participantes foram identificados com as letras iniciais referentes à sua profissão e o número da entrevista na ordem de sua realização: enfermeiro (E1, E2, E3).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Dos 18 enfermeiros especialistas que participaram neste estudo, a maioria é do sexo feminino (n=17), a média de idades é de 39,6 anos, a trabalharem em média há 16, 3 anos e são enfermeiros especialistas, em média há 5,9 anos, a maioria são enfermeiros especialistas em enfermagem de reabilitação (n=14), seguidos das especialidades de enfermagem médico-cirúrgica (n=2) e de enfermagem comunitária (n=2). Ressalta-se que enfermagem de reabilitação é a especialidade com maior número de especialistas, em ambos os distritos, onde os dados foram coletados1010. Ordem dos Enfermeiros (PT). Membros activos especialistas [Internet]. Lisboa: Ordem dos Enfermeiros; 2018 [cited 2021 Mar 01]. Available from: https://www.ordemenfermeiros.pt/media/11137/c%C3%B3pia-de-2018_acumulado_dadosestatisticos_especialistas.pdf
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Da análise dos dados surgiram três temas que refletem a essência das experiências dos enfermeiros especialistas, na promoção/manutenção da autonomia dos idosos, através da identificação dos focos do cuidado de enfermagem e implementação de intervenções de enfermagem que se articulam com a autonomia. Desta análise surge também o tema condições de trabalho, e estes enfermeiros reconhecem que este tema configura questão limitante à promoção da autonomia da pessoa idosa. Em suma, da análise surgiram três temas, sendo eles: foco do cuidado de enfermagem; implementação de intervenções de enfermagem; fatores dificultadores, conforme figura 1.

Figura 1 -
Estrutura Empírica da Análise do Fenômeno

Focos do cuidado de enfermagem

Os resultados mostram que dos discursos dos participantes do presente estudo emergiu o tema focos do cuidado de enfermagem como sendo: autocuidados, autoestima e gestão do regime terapêutico.

A identificação dos focos do cuidado de enfermagem é um passo fundamental para a identificação de um problema ou de uma necessidade específica da pessoa, para a elaboração de um diagnóstico que permita planejar uma resposta apropriada33. Cruz AG, Gomes AMT, Parreira PMSD. Focos de atenção prioritários e ações de enfermagem dirigidos à pessoa idosa em contexto clínico agudo. Rev Enf Ref. 2017;Série IV(15):73-82. doi: https://doi.org/10.12707/RIV17048
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. Sendo o conceito de autonomia muito abrangente, este implica na prática clínica a orientação da atenção dos enfermeiros para focos do cuidado, que incluam: a capacidade cognitiva, a gestão emocional, a capacidade física e a integração social77. Lima A, Martins M, Ferreira S, Schoeller S, Parola V. O conceito multidimensional de autonomia: uma análise conceptual recorrendo a uma scoping review. Rev Enf Ref. 2021;5(7):e20113. doi: https://doi.org/10.12707/RV20113
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. Todos eles orientados para a sua promoção ou mesmo manutenção.

Nos “autocuidados” e “gestão do regime terapêutico”, salientam-se os excertos dos discursos:

[...] os autocuidados, a gestão do regime terapêutico (E1).

[...] autocuidados... higiene, vestuário, alimentar-se... com a autonomia... a questão da gestão terapêutica...o transferir-se, também se reflete na autonomia (E6).

De fato, os autocuidados encontram-se no centro da atenção dos enfermeiros quando tencionam promover a autonomia dos idosos. Entre estes salientam-se o arrumar-se, o vestir/despir, o alimentar-se, a higiene, a mobilidade na cama, o transferir-se, o ir ao sanitário e o andar, corroborando estes resultados o estudo de autores33. Cruz AG, Gomes AMT, Parreira PMSD. Focos de atenção prioritários e ações de enfermagem dirigidos à pessoa idosa em contexto clínico agudo. Rev Enf Ref. 2017;Série IV(15):73-82. doi: https://doi.org/10.12707/RIV17048
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, que objetivavam descrever a percepção dos enfermeiros sobre as prioridades dos focos do cuidado de enfermagem dirigidos à pessoa idosa hospitalizada em fase aguda.

No discurso dos participantes, ainda acerca dos focos do cuidado de enfermagem, emerge o subtema: “gestão de regime terapêutico”, pela importância que o mesmo assume, no que respeita à capacidade da pessoa ou seu cuidador conseguir gerir as indicações terapêuticas, fornecendo-lhes as ferramentas essenciais para esta gestão, através do empoderamento e da literacia em saúde. Tal como outros autores salientam1111. Calha A. O desenvolvimento de competências de literacia em saúde em contextos informais: potencialidades da utilização da narrativa autobiográfica na educação para a saúde. In: Actas - 3º Congreso Ibero-Americano en Investigación Cualitativa; Badajoz, España; 2014 jul 14-16. p. 139-43. , apesar de não se referirem no seu estudo a focos do cuidado de enfermagem, salientam a importância dos enfermeiros investirem nas sessões de educação para a saúde, sendo que, para colocarem estas intervenções em prática, necessitam de as vincular a algum foco do cuidado de enfermagem.

No que se refere à autoestima, do discurso dos participantes percebe-se que:

[...] a autoestima está ligada à autonomia (E2).

[...] o doente pode ter a autoestima alterada (E5).

A autoestima é um fenômeno psicológico que apresenta uma relação muito íntima com as dimensões emocionais e cognitivas da pessoa, pelo que influencia diretamente a autonomia e a qualidade de vida, tal como salientam os autores1212. Teixeira AC, Sampaio F. Desenvolvimento de um catálogo CIPE® para o foco de enfermagem “autoestima”: uma scoping review. Rev Port Enferm Saúde Mental. 2019;21:62-71. doi: http://doi.org/10.19131/rpesm.0239
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, corroborando os dados do presente estudo, já que os enfermeiros especialistas se referem ao foco do cuidado de enfermagem: “autoestima” como promotor de autonomia dos idosos.

A identificação das necessidades da pessoa idosa, através dos focos do cuidado de enfermagem, é essencial em muitos aspectos relacionados com a promoção/aquisição de competências necessárias para manter a autonomia da pessoa, incluindo os autocuidados33. Cruz AG, Gomes AMT, Parreira PMSD. Focos de atenção prioritários e ações de enfermagem dirigidos à pessoa idosa em contexto clínico agudo. Rev Enf Ref. 2017;Série IV(15):73-82. doi: https://doi.org/10.12707/RIV17048
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. No entanto, não se pode esquecer outras componentes essenciais que o conceito de autonomia envolve77. Lima A, Martins M, Ferreira S, Schoeller S, Parola V. O conceito multidimensional de autonomia: uma análise conceptual recorrendo a uma scoping review. Rev Enf Ref. 2021;5(7):e20113. doi: https://doi.org/10.12707/RV20113
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, especialmente na pessoa idosa, que dadas caraterísticas especificas, exigem dos enfermeiros uma maior atenção. Na prática clínica, são muitas vezes negligenciadas áreas importantes como a cognição, os processos psicológicos e a integração social, tal como a análise do conceito de autonomia, descreve77. Lima A, Martins M, Ferreira S, Schoeller S, Parola V. O conceito multidimensional de autonomia: uma análise conceptual recorrendo a uma scoping review. Rev Enf Ref. 2021;5(7):e20113. doi: https://doi.org/10.12707/RV20113
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.

Implementação de intervenções de enfermagem

No que se refere à implementação de intervenções de enfermagem, das falas dos enfermeiros especialistas percebe-se que estes promovem a autonomia dos idosos através de: capacitação cognitiva, capacitação física, capacitação social, intervenções de reabilitação, respeito pela autonomia, dar tempo ao doente, ensinar/instruir e treinar os autocuidados, ensino aos cuidadores informais, executar autocuidados e literacia em saúde. Pese que alguns destes profissionais refiram que a autonomia é: pouco trabalhada, desrespeito pela autonomia e não é trabalhada.

Relativamente à capacitação cognitiva, os enfermeiros especialistas salientam nos seus discursos:

Quanto mais eu trabalhar as atividades de vida diárias com o doente, mais ele se vai tornar autônomo... trabalhamos as atividades de vida diárias e ao mesmo tempo a cognição (E14).

Autonomia é para mim a capacidade que as pessoas têm de fazer a sua vida, portanto têm que ser independentes...quer a nível físico, quer mental... e o enfermeiro tem que trabalhar estas duas componentes (E18).

Portanto, estes salientam que a capacitação física e cognitiva são indissociáveis. Estudo55. Lima AMN, Ferreira MSM, Martins MMPS, Fernandes CS, Moreira MTF, Rodrigues TMP. Independência funcional e o estado confusional de pessoas sujeitas a programa de reabilitação. J Health NPEPS. 2020;5(2):145-60. doi: http://doi.org/10.30681/252610104440
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, concluíram que a confusão é um problema neuropsiquiátrico que interfere na atenção e na cognição. No entanto, quando a pessoa é sujeita a um programa de reabilitação, este pode contribuir para a melhoria do estado confusional, corroborando os resultados do presente estudo.

Através das experiências partilhadas pelos enfermeiros especialistas, constata-se que a capacitação física é uma das áreas mais trabalhadas na sua prática clínica:

[...] vamos ao quarto de banho, se há a possibilidade de ir caminhando, não vai de cadeira, se tem a possibilidade de colaborar, colabora e também vai fazendo exercícios para perceber a melhor maneira para depois se bastar a si próprio (E15).

Esta capacitação é feita durante a realização de intervenções de enfermagem direcionadas para o autocuidado, dando a oportunidade à pessoa para trabalhar a força muscular, o equilíbrio e o movimento articular, através do autocuidado.

A capacitação social é considerada nos discursos como:

A parte física acaba por ser fácil de trabalhar [...] mas, a parte social também (E5).

Designadamente a interação entre as pessoas, especialmente através da facilitação da presença dos familiares e amigos. Estes profissionais reconhecem que a autonomia envolve várias dimensões, incluindo a dimensão social e a forma como a pessoa se integra, tal como outros autores defendem 13 13. Bouvet R. The primacy of the patient's wishes in the medical decision-making procedure established by French law. Eur J Health Law. 2018;25(4):426-40. doi: https://doi.org/10.1163/15718093-12540384
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.

Nas falas dos participantes emerge também a importância de dar tempo ao doente:

[...] os idosos podem ser mais lentos do que os adultos, mas acabam por fazer as tarefas (E7).

Embora esta não seja especificamente uma intervenção de enfermagem, repercute na qualidade de cuidados prestados e nos ganhos em saúde. Presume-se que este aspecto seja considerado no guia de boas práticas em enfermagem, não sendo, portanto necessário, que o mesmo seja considerado no processo de enfermagem, tal como salientam outros autores1414. Paiva A, Cardoso A, Sequeira C, Morais EJ, Bastos F, Pereira F, et al. Análise da parametrização nacional do Sistema de Apoio à Prática de Enfermagem - SAPE [Internet]. Porto: Escola Superior de Enfermagem do Porto; 2014 [cited 2021 Mar 01]. Available from: https://www.esenf.pt/fotos/editor2/i_d/publicacoes/apn-978-989-98443-5-3.pdf .
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. Para a prestação de cuidados os participantes salientaram este aspecto, pelo fato de as condições de trabalho, na maioria das vezes não permitirem que seja dado tempo ao doente para a realização das tarefas, sobretudo das atividades básicas de vida diárias.

Os enfermeiros especialistas salientam que:

[...] fazem-se mobilizações ativas, ativas-assistida e passivas e aproveitamos para fazer isso também durante os autocuidados (E4).

[...] fazem-se as mobilizações e trabalham a força muscular (E15).

Os ganhos em saúde, com a implementação de programas de reabilitação, têm sido largamente difundidos. Os autores1515. Lima AMN, Ferreira MSM, Martins MMFPS, Fernandes CS. Influência dos cuidados de enfermagem de reabilitação na recuperação da independência funcional do paciente. J Health NPEPS. 2019;4(2):28-43. doi: http://doi.org/10.30681/252610104062
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através da implementação de um programa de reabilitação, obtiveram, não só ganhos na independência funcional, mas também no estado confusional dos idosos.

No seu discurso emerge ainda que a autonomia passa por:

[...] o ideal é conseguir adequar os seus hábitos à rotina do serviço. O ideal é manter o máximo possível a autonomia do doente (E14).

Tal como o dar tempo ao doente, também o respeito pela autonomia não deve ser considerado no processo de enfermagem, já que o mesmo é parte integrante no manual de boas práticas1414. Paiva A, Cardoso A, Sequeira C, Morais EJ, Bastos F, Pereira F, et al. Análise da parametrização nacional do Sistema de Apoio à Prática de Enfermagem - SAPE [Internet]. Porto: Escola Superior de Enfermagem do Porto; 2014 [cited 2021 Mar 01]. Available from: https://www.esenf.pt/fotos/editor2/i_d/publicacoes/apn-978-989-98443-5-3.pdf .
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. No entanto, e de acordo com a percepção dos enfermeiros, a opinião dos doentes não é considerada no processo de cuidar, sendo desconsiderada a sua tomada de decisão, componente essencial para a satisfação da autonomia77. Lima A, Martins M, Ferreira S, Schoeller S, Parola V. O conceito multidimensional de autonomia: uma análise conceptual recorrendo a uma scoping review. Rev Enf Ref. 2021;5(7):e20113. doi: https://doi.org/10.12707/RV20113
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.

No âmbito das suas competências os enfermeiros especialistas têm como intervenção ensinar/instruir e treinar os autocuidados; estes evidenciam estas competências nos seus discursos:

[...] tem a ver com o treino intensivo das atividades importantes e dar-lhes conhecimento dos recursos da parte teórica que pode suportar a própria prática (E2).

Através do estudo1414. Paiva A, Cardoso A, Sequeira C, Morais EJ, Bastos F, Pereira F, et al. Análise da parametrização nacional do Sistema de Apoio à Prática de Enfermagem - SAPE [Internet]. Porto: Escola Superior de Enfermagem do Porto; 2014 [cited 2021 Mar 01]. Available from: https://www.esenf.pt/fotos/editor2/i_d/publicacoes/apn-978-989-98443-5-3.pdf .
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, as ações “ensinar” e “instruir”, remetem para a transmissão de informações relevantes e à respectiva demonstração e estas ações estão associadas a diagnósticos na dimensão do “conhecimento”. Já o “treinar” está associado a diagnósticos na dimensão das “habilidades”. Apesar dos enfermeiros especialistas não evidenciarem nos seus discursos esta associação, os mesmos identificam a necessidade da implementação dessas ações para a promoção da autonomia no tocante aos autocuidados.

Nas suas vivências, os enfermeiros especialistas referem que a autonomia é pouco trabalhada, quando relatam:

[...] os enfermeiros não têm grande tempo para trabalhar a autonomia das pessoas, incluindo nas pessoas idosas (E1).

[...] trabalhamos muito pouco a autonomia (E2).

Acrescentando que implementam poucas intervenções promotoras da autonomia, já que as condições de trabalho constituem fatores limitadores dessa promoção e consequentemente geram insatisfação e burnout nos enfermeiros, tal como salientam outros autores1616. Nogueira LS, Sousa RMC, Guedes ES, Santos MA, Turrini RNT, Cruz DALM. Burnout and nursing work environment in public health institutions. Rev Bras Enferm. 2018;71(2):336-42. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0524
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Através da sua experiência vivida os enfermeiros especialistas mencionam que algumas vezes existe o desrespeito pela autonomia:

[...] vamos prestar cuidados a um doente, nós é que selecionamos o pijama, quando a coisa certa seria, perguntar ao doente: tem isto... o que decide vestir?” (E2).

[...] ele é que deve decidir. Autonomia é isto. E nós não fazemos isso (E2).

[...] nos cuidados do dia a dia, nós não perguntamos ao doente o... que ele quer... o que é que ele gosta (E4).

[...] somos nós, juntamente com a família que tomamos as decisões, e muitas vezes, eles têm capacidade para tomar decisões (E7).

Mais uma vez se colocam em causa as boas práticas em enfermagem. De fato, não antepor à decisão da pessoa, dar tempo a ela, entre outras ações, não necessita estar explícito no processo de enfermagem; mas tem necessariamente de estar incluído na prestação de cuidados, especialmente, quando se visa a qualidade dos mesmos e os ganhos em saúde1414. Paiva A, Cardoso A, Sequeira C, Morais EJ, Bastos F, Pereira F, et al. Análise da parametrização nacional do Sistema de Apoio à Prática de Enfermagem - SAPE [Internet]. Porto: Escola Superior de Enfermagem do Porto; 2014 [cited 2021 Mar 01]. Available from: https://www.esenf.pt/fotos/editor2/i_d/publicacoes/apn-978-989-98443-5-3.pdf .
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É também realizado ensino aos cuidadores informais para a promoção da autonomia dos idosos, o qual se pode perceber pelo discurso:

[...] o que tento fazer com a família é tentar incutir-lhes que em casa eles devem estimular o doente para que ele seja o mais autônomo possível e nunca substituir o doente, mas sim ajudar... complementar o doente naquilo que não é capaz de conseguir (E8).

Em Portugal, os familiares, como forma de carinho, acabam por substituir a pessoa idosa, inicialmente nas atividades instrumentais de vida diária e posteriormente atividades básicas de vida diária, isto no processo normal de envelhecimento. Nos processos de doença a substituição destes dois grupos de atividades, surge simultaneamente.

No que ao executar autocuidados diz respeito, emerge dos discursos dos participantes:

[...] direcionamos muito os cuidados para o executar os autocuidados [...] que por si só se refere à transferência, tomar banho, vestir, a higiene, o uso do sanitário...trabalhamos muito (E4).

[...] basicamente trabalhamos... a alimentação, a higiene, o uso do sanitário e o deambular (E10).

[...] para mim o meu foco são os autocuidados... não me interessa intervir... fazer as mobilizações a um doente sem ele estar minimamente limpo (E14).

As ações do tipo “executar”, são ações que premeiam a substituição da pessoa1414. Paiva A, Cardoso A, Sequeira C, Morais EJ, Bastos F, Pereira F, et al. Análise da parametrização nacional do Sistema de Apoio à Prática de Enfermagem - SAPE [Internet]. Porto: Escola Superior de Enfermagem do Porto; 2014 [cited 2021 Mar 01]. Available from: https://www.esenf.pt/fotos/editor2/i_d/publicacoes/apn-978-989-98443-5-3.pdf .
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, que no contexto da promoção da autonomia do idoso não têm lugar.

Os participantes relatam nos seus discursos a importância da literacia em saúde:

[...] passando a informação adequada para ele saber sobre... e que aumente a sua capacidade e autonomia (E2).

Tal como já foi referenciado, a literacia em saúde e o empoderamento da pessoa ou dos cuidadores, assume atualmente crucial importância, tanto na prevenção como no controle das patologias1111. Calha A. O desenvolvimento de competências de literacia em saúde em contextos informais: potencialidades da utilização da narrativa autobiográfica na educação para a saúde. In: Actas - 3º Congreso Ibero-Americano en Investigación Cualitativa; Badajoz, España; 2014 jul 14-16. p. 139-43. , assumindo igual importância no que se refere a todas a dimensões que a autonomia encerra.

De acordo com os enfermeiros especialistas a autonomia não é trabalhada, tal como se pode constatar:

[...] existe em nós uma cultura profissional, de não trabalhar a autonomia, porque o tempo que tu gastas a fazer uma coisa ou outra é exatamente a mesma (E2).

[...] como não temos muito tempo para esperar, acabamos por fazer por eles (E3).

[...] não, não damos tempo para o doente... para refletir sobre o que estamos a fazer, de forma alguma. O dia a dia não permite [...] (E5).

Assim, nestes discursos, percebemos que tanto a rotinização como a falta de condições de trabalho, acabam por ser fatores limitadores da promoção da autonomia dos idosos. Estes achados são corroborados por outros autores1616. Nogueira LS, Sousa RMC, Guedes ES, Santos MA, Turrini RNT, Cruz DALM. Burnout and nursing work environment in public health institutions. Rev Bras Enferm. 2018;71(2):336-42. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0524
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Dos discursos emergem ainda que não são realizados ensinos, quando referem:

[...] atualmente a grande maioria dos nossos doentes vão para as unidades de cuidados continuados e, portanto, acabamos por não fazer ensinos (E1).

[...] confesso que realmente é uma lacuna, tento trabalhar, mas, tenho a noção que não o faço da forma mais eficiente e adequada, uma vez que também me parece cada vez mais os cuidadores são muito despreocupados com os idosos (E4).

A insatisfação associada ao cansaço físico e intelectual, condicionam a prática de cuidados1616. Nogueira LS, Sousa RMC, Guedes ES, Santos MA, Turrini RNT, Cruz DALM. Burnout and nursing work environment in public health institutions. Rev Bras Enferm. 2018;71(2):336-42. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0524
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, orientando-as para hábitos e rotinas, prejudicais para individualidade dos cuidados.

Revelam ainda a importância de não substituir a pessoa:

[...] como enfermeira especialista em reabilitação, nunca substituo a pessoa de idade, quando esta tem a capacidade de fazer as coisas sozinha (E1).

[...] sempre na vertente de não substituir a pessoa, de a deixar fazer o que ela conseguir (E16).

No contexto de um processo de reabilitação, a pessoa deve ser incentivada a realizar as atividades, pois a sua substituição, poderá ser um retrocesso nesse processo. Tal como salientado, dar tempo à pessoa, num processo de reabilitação, apesar de não constituir uma ação de enfermagem, é fundamental para o seu sucesso, pelo que os enfermeiros especialistas devem atender a este aspecto na prestação de cuidados1515. Lima AMN, Ferreira MSM, Martins MMFPS, Fernandes CS. Influência dos cuidados de enfermagem de reabilitação na recuperação da independência funcional do paciente. J Health NPEPS. 2019;4(2):28-43. doi: http://doi.org/10.30681/252610104062
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Fatores dificultadores

Para além das competências individuais de cada enfermeiro e das competências da equipe de enfermagem, as condições de trabalho são fundamentais para a qualidade dos cuidados prestados1616. Nogueira LS, Sousa RMC, Guedes ES, Santos MA, Turrini RNT, Cruz DALM. Burnout and nursing work environment in public health institutions. Rev Bras Enferm. 2018;71(2):336-42. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0524
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.

Das vivências partilhadas pelos participantes emergiu o subtema trabalhar com condições de trabalho, permitindo este, desenvolver os cuidados que permeiam a qualidade:

[...] aqui na unidade de AVC esse trabalho está facilitado, claro desde que tenhamos os rácios adequados e normalmente temos (E1).

O estudo1717. Poeira AF, Nunes L, Cerqueira AF, Silva A, Lopes N. Dotações seguras na qualidade dos cuidados de enfermagem: revisão sistemática. Riase. 2018 [cited 2021 Mar 01];4(3):1604-17. Available from: https://comum.rcaap.pt/bitstream/10400.26/28171/1/327-1262-1-PB.pdf
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, refere que o número adequado de enfermeiros assegura a qualidade dos cuidados de enfermagem, não só garantindo a segurança para a pessoa, mas também na consecução dos objetivos organizacionais.

Os enfermeiros reconhecem que existe necessidade de formação sobre as práticas relativas à promoção da autonomia:

[...] isso só é aceite com momento de partilha e de reflexão dentro da equipe, ou por estimulação à formação sobre a área ou sobre... informação sobre os sistemas de informação, porque o que acontece é que as pessoas não se apercebem que há a necessidade de mudar comportamentos (E2).

Tal como salientado no estudo de outros autores1818. Wegner W, Silva SC, Kantorski KJC, Predebon CM, Sanches MO, Pedro ENR. Education for culture of patient safety: Implications to professional training. Esc Anna Nery. 2016;20(3):e20160068. doi: https://doi.org/10.5935/1414-8145.20160068
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, o reconhecimento dos erros, o fortalecimento da trabalho em equipe, através da reflexão sobre as práticas, incutindo a discussão de pareceres, assim como o estimulo dos profissionais para a formação contínua, constituem estratégias de construção da segurança do paciente.

Sem condições de trabalho, são palavras mencionadas pelos enfermeiros especialistas nas suas práticas de promoção da autonomia:

[...] na minha opinião os enfermeiros não têm grande tempo para trabalhar a autonomia das pessoas, incluindo nas pessoas de idade (E1).

[...] ninguém se preocupa com o grau de satisfação, ninguém tenta perceber que um doente pode precisar de meia hora para que o profissional consiga perceber, o que ele consegue fazer no autocuidado...porque parece que todos temos medo de assumir que fazemos as coisas a correr (E2).

O número de pessoal necessário para a enfermagem é essencial para a segurança do paciente e também para a profissão, já que este, ao sentir que não presta o cuidado dentro dos parâmetros considerados pela disciplina de enfermagem, vivencia sentimentos de frustração e insatisfação1616. Nogueira LS, Sousa RMC, Guedes ES, Santos MA, Turrini RNT, Cruz DALM. Burnout and nursing work environment in public health institutions. Rev Bras Enferm. 2018;71(2):336-42. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0524
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,1717. Poeira AF, Nunes L, Cerqueira AF, Silva A, Lopes N. Dotações seguras na qualidade dos cuidados de enfermagem: revisão sistemática. Riase. 2018 [cited 2021 Mar 01];4(3):1604-17. Available from: https://comum.rcaap.pt/bitstream/10400.26/28171/1/327-1262-1-PB.pdf
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Os participantes mencionam que o sistema de informática tem muitas limitações, quanto ao planejamento e registros de enfermagem, no que se refere à promoção/ manutenção da pessoa idosa. Emergiram nos discursos: sistema de informática limitado:

[...] o nosso sistema de informática é muito limitado (E1).

[...] nós só trabalhamos os autocuidados... muito sinceramente, a gente levanta os diagnósticos que estão no computador... mais do que isso não dá (E3).

Estes achados não corroboram os resultados obtidos por autores1919. Fernandes S, Tareco E. Sistemas de informação como indicadores de qualidade na saúde. Uma revisão de níveis de abordagem. RISTI. 2016;(19):32-45. doi: https://doi.org/10.17013/risti.19.32-45
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, que evidenciaram que o sistema de informação em enfermagem disponibilizam as informações de forma fácil e segura, consistindo igualmente em ferramentas importantes de apoio à gestão, pois permitem o acesso a indicadores sensíveis aos cuidados de enfermagem.

A mudança da cultura de cuidados é um desafio, pois os enfermeiros reconhecem e demonstram rotinizações em determinadas práticas, sendo necessário implementar medidas e metodologias para aceitarem e reconhecerem as práticas que necessitam de melhorias, principalmente nos cuidados que visam a promoção da autonomia da pessoa idosa.

Outros estudos sobre o fenômeno da autonomia do idoso, especialmente sobre focos do cuidado de enfermagem e intervenções de enfermagem, deverão ser realizados, com o intuito de facilitar na prática de cuidados a sua promoção, já que, no contexto de prestação de cuidados, assiste-se diariamente à aplicação nos discursos dos enfermeiros o termo autonomia querendo referir-se à independência física e funcional do idoso2020. Oberstadt MCF, Esser P, Classen J, Mehnert A. Alleviation of psychological distress and the improvement of quality of life in patients with amyotrophic lateral sclerosis: adaptation of a short-term psychotherapeutic intervention. Front Neurol. 2018;9:231. doi: https://doi.org/10.3389/fneur.2018.00231
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.

No que se refere às limitações do presente estudo, podemos destacar que o fato de existirem poucos estudos acerca da temática, dificulta a análise qualitativa do tema em estudo, salientando-se também a relevância da realização do mesmo. Outra limitação foi a ausência de enfermeiros especialistas na área da saúde mental e psiquiátrica, e um maior número de enfermeiros especialistas nas áreas de enfermagem comunitária e enfermagem médico-cirúrgica, permitindo ter um grupo de enfermeiros especialistas uniforme. Apesar disto, o estudo contribui para o debate sobre a atuação do enfermeiro para promover a autonomia da pessoa idosa.

CONCLUSÃO

No que concerne à experiência clínica dos enfermeiros especialistas, na promoção/manutenção da autonomia dos idosos, surgiram três temas sendo eles: foco do cuidado de enfermagem; implementação de intervenções de enfermagem; fatores dificultadores, dos dados obtidos percebe-se que a capacitação é essencialmente física e cognitiva, sendo pouco trabalhada a capacitação social. Os enfermeiros especialistas reconhecem que a autonomia é pouco trabalhada na prática de cuidados, sendo o fator limitador desta promoção, os sistemas de informação e a falta de tempo.

Como implicações para a prática estes resultados alertam os profissionais de saúde para face ao conceito abrangente de autonomia, atenderem à sua multidimensionalidade. Como implicação para o ensino, observa-se a necessidade de aprofundar este conceito, com vista a uma prática clínica mais efetiva.

Este estudo incita a que futuros enfermeiros estejam mais conscientes e capacitados para a promoção da autonomia da pessoa idosa, através da implementação de focos do cuidado de enfermagem e intervenções de enfermagem que deem resposta às necessidades dos idosos.

No futuro, cada vez mais enfermeiros irão prestar cuidados à pessoa idosa. Reconhecer tais experiências é importante porque estimula outros profissionais da saúde, incluindo os gestores hospitalares, a refletir sobre os desafios vivenciados por estes enfermeiros. O desenvolvimento de mais estudos sobre esta temática irá contribuir para obter maior evidência sobre o tema em estudo, o que repercutirá em cuidados de enfermagem de maior qualidade e respeito à autonomia do idoso.

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Editado por

Editor associado:

Carlise Rigon Dalla Nora

Editor-chefe:

Maria da Graça Oliveira Crossetti

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    03 Maio 2021
  • Aceito
    01 Set 2021
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