Acessibilidade / Reportar erro

Tempo para diagnóstico e tratamento do câncer de mama na assistência pública e privada

RESUMO

Objetivo:

Analisar o tempo para o diagnóstico e tratamento do câncer de mama e os fatores associados, segundo o tipo de assistência (pública vs. privada).

Métodos:

Coorte retrospectiva com 477 mulheres diagnosticadas com câncer de mama entre 2014-2016. Os dados foram coletados em um serviço de oncologia de um município de Minas Gerais, entre 2018-2019. As análises foram realizadas pelo método de Kaplan-Meier e pelo modelo de regressão de Cox.

Resultados:

O tempo mediano para diagnóstico foi de 70 dias, sendo menor para aquelas que descobriram a doença por exames de rastreamento e diagnosticadas em estádios iniciais. O tempo mediano para o tratamento foi de 32 dias, sendo menor para as mulheres assistidas pela rede privada, com alta escolaridade e diagnosticadas em estádios iniciais.

Conclusões:

Assistência na rede privada e facilitadores do acesso ao cuidado do câncer de mama associaram-se a menores tempos de espera.

Palavras-chave:
Neoplasias da mama; Diagnóstico tardio; Tempo para o tratamento; Assistência pública; Qualidade, acesso e avaliação da assistência à saúde

ABSTRACT

Objective:

To analyze the time to diagnosis and treatment for breast cancer and the associated factors, according to the type of care (public vs. private).

Methodology:

Retrospective cohort study with 477 women diagnosed with breast cancer between 2014 and 2016. Data were collected in an oncology service in a municipality in Minas Gerais, in the 2018-2019 period. Analyzes were performed using the Kaplan-Meier method and Cox's proportional regression model.

Results:

The median time to diagnosis was 70 days, being shorter for women who discovered the disease through screening tests and who were diagnosed in early stages of the disease. The median time for treatment was 32 days, which was shorter for women assisted by private health service, with a high level of education and who were diagnosed in early stages.

Conclusions:

Private care and facilitators of access to breast cancer care were associated with shorter waiting times.

Keywords:
Breast neoplasms; Delayed diagnosis; Time-to-treatment; Public assistance; Health care quality, access, and evaluation

RESUMEN

Objetivo:

Analizar el tiempo de diagnóstico y tratamiento del cáncer de mama y los factores asociados, según el tipo de assistência (pública vs. privada).

Metodología:

Cohorte retrospectiva con 477 mujeres diagnosticadas de cáncer de mama entre 2014-2016. Los datos fueron recolectados en un servicio de oncología de Minas Gerais, en el período 2018-2019. Los análisis se realizaron mediante el método de Kaplan-Meier y el modelo de regresión de Cox.

Resultados:

Mediana de tiempo para el diagnóstico fue de 70 días - menor para las que descubrieron la enfermedad mediante pruebas de detección y que fueron diagnosticadas en etapas tempranas. Mediana de tiempo para tratamiento fue de 32 días - menor para las atendidas por la red privada, con alto nivel educativo y diagnosticadas en etapas tempranas. Conclusiones: Asistencia en la red privada y facilitadores de acceso a la atención del cáncer de mama asociados a tiempos de espera más cortos.

Palabras clave:
Neoplasias de la mama; Diagnóstico tardío; Tiempo de tratamiento; Asistencia pública; Calidad, acceso y evaluación de la atención de salud

INTRODUÇÃO

Apesar do Brasil contar com um Sistema de Saúde público e universal desde 1990, e uma Política Nacional de Atenção Oncológica desde 2005, quando comparado aos países de alta renda, ainda apresenta maior percentual de tumores de mama diagnosticados em estádios avançados e maior taxa de mortalidade por câncer de mama, apesar da menor taxa de incidência11. Bray F, Ferlay J, Soerjomataram I, Siegel RL, Torre LA, Jemal A. Global cancer statistics 2018: GLOBOCAN estimates of incidence and mortality worldwide for 36 cancers in 185 countries. CA Cancer J Clin. 2018;68(6):394-424. doi: https://doi.org/10.3322/caac.21492
https://doi.org/10.3322/caac.21492 ...
-22.Dos-Santos-Silva I, De Stavola BL, Renna Junior NL, Nogueira MC, Aquino EML, Bustamante-Teixeira MT, et al. Ethnoracial and social trends in breast cancer staging at diagnosis in Brazil, 2001-14: a case only analysis. Lancet Glob Health. 2019;7(6):784-97. doi: https://doi.org/10.1016/S2214-109X(19)30151-2
https://doi.org/10.1016/S2214-109X(19)30...
. Tais dados refletem as disparidades no acesso aos programas de rastreamento, ao diagnóstico precoce e tratamento imediato.

Estudos evidenciam que o tempo de espera prolongado para o acesso ao diagnóstico e o início do tratamento gera grande impacto negativo no prognóstico e sobrevida do câncer de mama33.Bleicher RJ. Timing and delays in breast cancer evaluation and treatment. Ann Surg Oncol. 2018;25(10):2829-38. doi: https://doi.org/10.1245/s10434-018-6615-2
https://doi.org/10.1245/s10434-018-6615-...
. Neste contexto, os países de baixa e média renda apresentam maiores tempos de espera para a assistência oncológica, em comparação com os países de alta renda44.Unger-Saldaña K. Challenges to the early diagnosis and treatment of breast cancer in developing countries. World J Clin Oncol. 2014;5(3):465-77. doi: https://doi.org/10.5306/wjco.v5.i3.465
https://doi.org/10.5306/wjco.v5.i3.465 ...
.

Embora ainda não exista consenso sobre as nomenclaturas dos intervalos de tempo considerados adequados para assistência à saúde, com diferentes definições dos pontos iniciais e finais do tempo avaliado33.Bleicher RJ. Timing and delays in breast cancer evaluation and treatment. Ann Surg Oncol. 2018;25(10):2829-38. doi: https://doi.org/10.1245/s10434-018-6615-2
https://doi.org/10.1245/s10434-018-6615-...
,44.Unger-Saldaña K. Challenges to the early diagnosis and treatment of breast cancer in developing countries. World J Clin Oncol. 2014;5(3):465-77. doi: https://doi.org/10.5306/wjco.v5.i3.465
https://doi.org/10.5306/wjco.v5.i3.465 ...
, a legislação brasileira definiu dois parâmetros de adequação ao tempo no contexto da assistência oncológica55.Brasil. Lei nº 13.896, de 30 de outubro de 2019. Altera a Lei nº 12.732, de 22 de novembro de 2012, para que os exames relacionados ao diagnóstico de neoplasia maligna sejam realizados no prazo de 30 (trinta) dias, no caso em que especifica. Diário Oficial União. 2019 out 31 [cited 2021 May 2];157(211 Seção 1):1. Available from: https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=31/10/2019&jornal=515&pagina=1
https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/...
.

O primeiro parâmetro, promulgado pela Lei nº 12.732/2012, estabelece o prazo de 60 (sessenta) dias para o início do tratamento de pacientes com neoplasia maligna, contados a partir da confirmação do diagnóstico por laudo patológico ou em prazo menor, conforme a necessidade terapêutica do caso55.Brasil. Lei nº 13.896, de 30 de outubro de 2019. Altera a Lei nº 12.732, de 22 de novembro de 2012, para que os exames relacionados ao diagnóstico de neoplasia maligna sejam realizados no prazo de 30 (trinta) dias, no caso em que especifica. Diário Oficial União. 2019 out 31 [cited 2021 May 2];157(211 Seção 1):1. Available from: https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=31/10/2019&jornal=515&pagina=1
https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/...
. Tal Lei foi complementada em 2019 (segundo parâmetro), com o estabelecimento do prazo de 30 (trinta) dias para realização dos exames necessários para elucidação do diagnóstico, nos casos em que a principal hipótese diagnóstica seja a de neoplasia maligna55.Brasil. Lei nº 13.896, de 30 de outubro de 2019. Altera a Lei nº 12.732, de 22 de novembro de 2012, para que os exames relacionados ao diagnóstico de neoplasia maligna sejam realizados no prazo de 30 (trinta) dias, no caso em que especifica. Diário Oficial União. 2019 out 31 [cited 2021 May 2];157(211 Seção 1):1. Available from: https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=31/10/2019&jornal=515&pagina=1
https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/...
.

Tem sido demonstrado que o tipo de serviço de assistência à saúde (pública ou privada) exerce grande influência no tempo de espera prolongado para o diagnóstico e início do tratamento66.Freitas AGQ, Weller M. Patient delays and system delays in breast cancer treatment in developed and developing countries. Ciênc Saúde Colet. 2015;20(10):3177-89. doi: https://doi.org/10.1590/1413-812320152010.19692014
https://doi.org/10.1590/1413-81232015201...
. Os estudos brasileiros que investigaram esta associação no contexto do câncer de mama concentraram-se, principalmente, no tempo de espera para o tratamento e identificaram que as pacientes da rede privada apresentam tempo de espera inferior, quando comparado às pacientes da rede pública77.Medeiros GC, Bergmann A, Aguiar SS, Thuler LCS. Análise dos determinantes que influenciam o tempo para o início do tratamento de mulheres com câncer de mama no Brasil. Cad Saúde Pública. 2015;31(6):1269-82. doi: https://doi.org/10.1590/0102-311X00048514
https://doi.org/10.1590/0102-311X0004851...
,88.Ferreira NAS, Carvalho SMF, Valenti VE, Bezerra IMP, Batista HMT, Abreu LC, et al. Treatment delays among women with breast cancer in a low socioeconomic status region in Brazil. BMC Womens Health. 2017;17:13. doi: https://doi.org/10.1186/s12905-016-0359-6
https://doi.org/10.1186/s12905-016-0359-...
,99.Ferreira NAS, Schoueri JHM, Sorpreso ICE, Adami F, Figueiredo FWS. Waiting time between breast cancer diagnosis and treatment in Brazilian women: an analysis of cases from 1998 to 2012. Int J Environ Res Public Health. 2020;17(11):4030. doi: https://doi.org/10.3390/ijerph17114030
https://doi.org/10.3390/ijerph17114030 ...
, o que reforça a necessidade de identificação dos fatores associados com vistas à superação das desigualdades na atenção à saúde.

Este trabalho teve como objetivo analisar o tempo para o diagnóstico e tratamento do câncer de mama e os fatores associados, segundo o tipo de assistência (pública vs. privada). A hipótese é que há diferença nos tempos de espera para tratamento e diagnóstico do câncer de mama entre as mulheres assistidas pela rede pública e pela rede privada.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo de coorte retrospectiva, constituída por mulheres com câncer de mama assistidas em um serviço de referência para atendimento em oncologia da rede pública e privada, localizado em Juiz de Fora, Minas Gerais.

Foram incluídas as mulheres diagnosticadas com câncer de mama entre 2014 e 2016, que residiam no Estado de Minas Gerais, identificadas como casos analíticos a partir do Registro Hospitalar de Câncer.

Das 522 mulheres elegíveis para o estudo, não foi possível precisar as datas do diagnóstico e do tratamento para 45 pacientes. Assim, foram investigadas 477 mulheres que possuíam informação de data para análise de pelo menos um dos dois tempos de espera avaliados, sendo que destas 360 possuíam informação sobre a data do diagnóstico e 457 possuíam informação sobre a data do tratamento.

A coleta dos dados foi realizada no período de março de 2018 a maio de 2019, por equipe composta por profissionais de saúde e bolsistas de iniciação científica treinados e supervisionados por especialistas em oncologia e anatomia patológica. O treinamento da equipe contemplou aspectos gerais relativos ao objeto da pesquisa e orientações sobre a utilização do manual de coleta de dados, com prática supervisionada de preenchimento do formulário eletrônico.

Os dados foram coletados a partir dos prontuários, por meio de formulário de pesquisa eletrônico no software KoBoToolbox (versão 1.5.0; Harvard Humanitarian Initiative, Cambridge) e armazenados no software Excel (versão 2013; Microsoft). O controle de qualidade das informações obtidas foi realizado pela equipe de pesquisa a partir verificação da completude e consistência do banco de dados oriundo dos formulários eletrônicos. Buscou-se completar as informações ausentes e corrigir as eventuais inconsistências através da revisão dos prontuários.

Foram contempladas características sociodemográficas e aspectos relativos ao diagnóstico da doença, perfil tumoral, estadiamento e tratamento. Ainda foram registradas informações, quando presentes, do motivo do tempo prolongado para diagnóstico e tratamento.

Para garantir a segurança e confidencialidade dos dados, foram adotadas medidas como o armazenamento das informações coletadas em dispositivo móvel protegido por senha e a assinatura do termo de confidencialidade por todos os pesquisadores envolvidos. Além disso, após a extração dos dados, os campos identificados foram excluídos e toda a análise foi realizada sem a identificação nominal das participantes.

Neste estudo, foram consideradas duas variáveis dependentes, de acordo com os tempos de espera avaliados, a saber:

O tempo de espera para o diagnóstico - definido como o intervalo de tempo (em dias) entre a data dos primeiros sintomas ou alterações nos exames de imagem sugestivas de câncer de mama e a data do diagnóstico da doença por laudo anatomopatológico.

O tempo de espera para o tratamento - definido como o intervalo de tempo (em dias) entre a data da liberação do laudo anatomopatológico relativo ao diagnóstico da doença e a data do primeiro registro de tratamento, seja este cirurgia, quimioterapia, radioterapia ou hormonioterapia.

Para as pacientes que realizaram biópsia cirúrgica seguida de ampliação de margens, a data da biópsia foi considerada como a data do diagnóstico e a data da cirurgia de ampliação de margem como a data do tratamento.

Foram analisadas as seguintes variáveis independentes: tipo de assistência à saúde (pública; privada), faixa etária (≤ 49 anos; 50-69 e ≥70 anos), grau de instrução (≤ 8 anos de estudo completos; > 8 anos de estudo completos), cor da pele registrada no prontuário (parda ou negra; branca), situação conjugal (sem companheiro; com companheiro), região de residência (município sede do serviço; outras cidades), história familiar de câncer de mama (não; sim), presença de comorbidades - registro no prontuário de pelo menos uma outra doença concomitante (sim; não), modo de detecção da doença (presença de sintomas; rastreamento), estadiamento (inicial: 0, I e II; avançado: III e IV), tempo de espera para imunohistoquímica (>30 dias; ≤30 dias) e tempo de espera para diagnóstico (>60 dias; ≤60 dias), esta última apenas quando investigado o tempo de espera para o tratamento.

Para caracterização das participantes, as variáveis foram descritas por meio de medidas de tendência central e de frequências absolutas e relativas das categorias de cada variável.

O método de Kaplan-Meier foi utilizado para a análise da estimativa dos tempos de espera. Para o tempo de espera para o diagnóstico, o início da contagem (tempo zero) foi a data dos primeiros sintomas ou alteração nos exames de imagem e como falha a data da emissão do laudo anatomopatológico, enquanto para o tempo de espera para o tratamento, a data do diagnóstico foi considerada como o tempo zero e a data do primeiro tratamento como falha. Para as duas estimativas de tempo, todas as mulheres foram observadas até a ocorrência da falha. O teste Log-rank foi utilizado para comparar os tempos de espera em relação às variáveis estudadas.

Para a avaliação dos fatores associados aos tempos de espera, foi utilizado o modelo de regressão para riscos proporcionais de Cox, computando-se as razões de risco (HR) e os correspondentes intervalos de confiança de 95% (IC95%). A seleção das variáveis foi realizada por meio da relevância na literatura e a significância obtida no modelo de Cox univariado, considerando-se aquelas com valor de p<0,20. As variáveis foram incluídas passo a passo na análise múltipla (stepwise forward), sendo mantidas no modelo final apenas aquelas com p ≤ 0,05.

Os resíduos padronizados de Schoenfeld foram utilizados para avaliar o pressuposto de proporcionalidade do risco no tempo. A qualidade do ajuste foi avaliada a partir da razão de verossimilhança, da probabilidade de concordância e da medida global de qualidade do ajuste.

A análise dos dados foi realizada por meio do software STATA® (versão 14.0; StataCorp. LP, Estados Unidos da América) admitindo-se o nível de significância para a inferência estatística de 5%.

O estudo obteve aprovação da Comissão de Ética da Universidade Federal de Juiz de Fora conforme parecer número 2.038.39, CAAE número 04575712.4.0000.5147.

RESULTADOS

A maior parte das mulheres foi diagnosticada na faixa etária de 50 a 69 anos (51,4%), possuía alta escolaridade (58,2%), cor da pele branca (73,7%), possuía companheiro (50,6%), residia fora do município sede da instituição hospitalar (52,7%), não apresentava história familiar para o câncer de mama (65,8%), possuía comorbidades (67,3%), teve o diagnóstico da doença a partir do aparecimento de sintomas (56,1%), foi diagnosticada em estádios iniciais da doença (76,5%) e foi assistida pelo sistema público de saúde (60,6%).

Baixa escolaridade, cor da pele não branca, local de residência fora do município sede do serviço de saúde, detecção da doença a partir do aparecimento de sintomas e estadiamento avançado apresentaram percentuais significativamente maiores (p<0,05) no serviço público de assistência (Tabela 1).

Tabela 1 -
Características sociodemográficas e clínicas das participantes do estudo, no geral e segundo o tipo de serviço de assistência, 2014-2016. Juiz de Fora, MG, Brasil

O percentual de mulheres que recebeu o diagnóstico em até 30 dias foi de 19,7%, com tempo mediano de espera para o diagnóstico de 70 dias, tendo sido menor para as mulheres assistidas pela rede privada de saúde (p=0,006) (Figura 1), que descobriram a doença a partir de exames de rastreamento (p=0,001) e que foram diagnosticadas em estádios iniciais da doença (p=0,001) (Tabela 2).

Quando considerado o tipo de serviço de assistência à saúde, o tempo mediano de espera para o diagnóstico foi significativamente menor para as mulheres assistidas na rede privada entre aquelas de baixa escolaridade, com cor da pele branca, que residiam no município sede do serviço de saúde, que descobriram a doença a partir do aparecimento de sintomas e que foram diagnosticadas em estádios iniciais (Tabela 2).

Tabela 2 -
Tempo de espera mediano (em dias) entre primeiros sintomas e confirmação diagnóstica, segundo tipo de assistência à saúde, características sociodemográficas e clínicas (n= 360), 2014-2016. Juiz de Fora, MG, Brasil

O percentual de mulheres que iniciou o tratamento em até 60 dias foi de 80,5%. O tempo mediano de espera para o tratamento foi de 32 dias, tendo sido significativamente menor (p<0,05) para as mulheres assistidas pela rede privada (Figura 1), com alta escolaridade, com cor da pele branca, que foram diagnosticadas em estádios iniciais da doença e que tiveram tempo de até 30 dias para o laudo imuno-histoquímico (Tabela 3).

Figura 1 -
(A) Curvas de Kaplan Meier para o tempo de espera para o diagnóstico, segundo tipo de serviço de assistência à saúde (pública vs. privada) e (B) Curvas de Kaplan Meier para o tempo de espera para o tratamento, segundo tipo de serviço de assistência à saúde (pública vs. privada).

Quando considerado o tipo de serviço de assistência à saúde, o tempo mediano de espera para o tratamento foi menor para as mulheres assistidas na rede privada entre aquelas na faixa etária de 50-69 anos, com cor da pele branca, que possuíam companheiro, que residiam fora do município sede do serviço de saúde, que não possuíam história familiar de câncer de mama, que possuíam comorbidades, que detectaram a doença a partir do aparecimento de sintomas e que foram diagnosticadas em estádios iniciais da doença (Tabela 3).

Tabela 3 -
Tempo de espera mediano (em dias) entre a confirmação diagnóstica e o início do tratamento das participantes do estudo, segundo tipo de assistência, características sociodemográficas e clínicas (n=457), 2014-2016. Juiz de Fora, MG, Brasil

Na análise multivariada, mantiveram-se associados ao menor tempo de espera para o diagnóstico, de forma independente, a detecção da doença a partir do rastreamento e o diagnóstico em estádios iniciais (Tabela 4).

Em relação ao menor tempo de espera para o tratamento, na análise multivariada, permaneceram associados, de forma independente, as mulheres que foram assistidas pela rede privada de saúde, com alto grau de instrução e que foram diagnosticadas em estádios iniciais (Tabela 4).

Tabela 4 -
Razões de risco brutas e ajustadas das variáveis do modelo final multivariado para (A) o tempo de espera entre primeiros sintomas e a confirmação diagnóstica e para (B) o tempo de espera entre confirmação diagnóstica e início do tratamento, 2014-2016. Juiz de Fora, MG, Brasil

DISCUSSÃO

O tempo mediano de espera para o diagnóstico do câncer de mama foi superior ao recomendado pela legislação brasileira, enquanto o tempo mediano de espera para o tratamento atendeu ao parâmetro preconizado55.Brasil. Lei nº 13.896, de 30 de outubro de 2019. Altera a Lei nº 12.732, de 22 de novembro de 2012, para que os exames relacionados ao diagnóstico de neoplasia maligna sejam realizados no prazo de 30 (trinta) dias, no caso em que especifica. Diário Oficial União. 2019 out 31 [cited 2021 May 2];157(211 Seção 1):1. Available from: https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=31/10/2019&jornal=515&pagina=1
https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/...
.

O percentual de mulheres que recebeu o diagnóstico em até 30 dias foi de apenas 19,7%, o que aponta para a dificuldade no acesso ao exame diagnóstico em tempo oportuno entre as participantes deste estudo. O tempo mediano de espera entre o início dos sintomas e o diagnóstico (70 dias) foi similar ao encontrado em estudo realizado em São Paulo, que identificou tempo mediano de espera de 72 dias entre a suspeita mamográfica e a realização da biópsia1010.Trufelli DC, Miranda VC, Santos MBB, Fraile NMP, Pecoroni PG, Gonzaga SFR, et al. Análise do atraso no diagnóstico e tratamento do câncer de mama em um hospital público. Rev Assoc Med Bras. 2008;54(1):72-6. doi: https://doi.org/10.1590/S0104-42302008000100024
https://doi.org/10.1590/S0104-4230200800...
.

A literatura descreve tempos medianos de espera para o diagnóstico superiores ao encontrado nesta pesquisa (70 dias). Estudo realizado em um hospital público no Rio de Janeiro, que incluiu 104 mulheres com câncer de mama identificou tempo mediano de espera entre o primeiro sinal ou sintoma e a confirmação diagnóstica de 240 dias1111.Rezende MCR, Koch HA, Figueiredo JA, Thuler LCS. Causas do retardo na confirmação diagnóstica de lesões mamárias em mulheres atendidas em um centro de referência do Sistema Único de Saúde no Rio de Janeiro. Rev Bras Ginecol Obstet. 2009;31(2):75-81. doi: https://doi.org/10.1590/S0100-72032009000200005
https://doi.org/10.1590/S0100-7203200900...
. Ainda no Rio de Janeiro, estudo realizado com 526 mulheres que fizeram tratamento para o câncer de mama no serviço público, identificou tempo mediano de espera entre o primeiro contato com o serviço de saúde e o diagnóstico de 156 dias1212.Medeiros GC, Thuler LCS, Bergmann A. Delay in breast cancer diagnosis: a Brazilian cohort study. Public Health. 2019;167:88-95. doi: https://doi.org/10.1016/j.puhe.2018.10.012
https://doi.org/10.1016/j.puhe.2018.10.0...
.

No Piauí, estudo realizado com 155 mulheres com câncer de mama verificou tempo mediano de espera entre o início dos sintomas e o diagnóstico de 122,3 dias1313.Sousa SMMT, Carvalho MGFM, Santos Júnior LA, Mariano SBC. Acesso ao tratamento da mulher com câncer de mama. Saúde Debate. 2019;43(122):727-41. doi: https://doi.org/10.1590/0103-1104201912206
https://doi.org/10.1590/0103-11042019122...
. Também na região nordeste, estudo realizado na Paraíba, com 128 mulheres identificou tempo mediano de espera de 86 dias entre a mamografia e o diagnóstico1414.Santos TTM, Andrade LSS, Oliveira MEC, Gomes KAL, Oliveira TA, Weller M. Availability of diagnostic services and their impact on patient flow in two Brazilian referral centres of breast cancer treatment. Asian Pac J Cancer Prev. 2020;21(2):317-24. doi: https://doi.org/10.31557/APJCP.2020.21.2.317
https://doi.org/10.31557/APJCP.2020.21.2...
. Estudo realizado no Paraná, com 71 mulheres com câncer de mama identificou tempo médio de espera para o diagnóstico de 102 dias1515.Lopes TCR, Gravena AAF, Demitto MO, Borghesan DHP, Dell`Agnolo CM, Brischiliari SCR, et al. Delay in diagnosis and treatment of breast cancer among women attending a reference service in Brazil. Asian Pac J Cancer Prev. 2017;18(11):3017-23. doi: https://doi.org/10.22034/APJCP.2017.18.11.3017
https://doi.org/10.22034/APJCP.2017.18.1...
.

Por outro lado, estudo realizado em Recife com 173 mulheres diagnosticadas com câncer de mama que identificou tempo mediano de espera de 41 dias entre a primeira consulta e a biópsia1616.Bezerra ALR, Bezerra MCM, Santos AFFL, Lima FM, Almeida ITB, Ferreira LMG. Evaluation of delays in diagnosis and treatment of breast cancer in a reference center: a retrospective analysis. Mastology. 2019;29(3)144-51. doi: https://doi.org/10.29289/2594539420190000434
https://doi.org/10.29289/259453942019000...
, menor do que o observado neste estudo.

De modo análogo a outras investigações, foram associadas a menores tempos de espera para confirmação diagnóstica a doença em estádio inicial no momento do diagnóstico1010.Trufelli DC, Miranda VC, Santos MBB, Fraile NMP, Pecoroni PG, Gonzaga SFR, et al. Análise do atraso no diagnóstico e tratamento do câncer de mama em um hospital público. Rev Assoc Med Bras. 2008;54(1):72-6. doi: https://doi.org/10.1590/S0104-42302008000100024
https://doi.org/10.1590/S0104-4230200800...
e a detecção desta a partir do rastreamento1111.Rezende MCR, Koch HA, Figueiredo JA, Thuler LCS. Causas do retardo na confirmação diagnóstica de lesões mamárias em mulheres atendidas em um centro de referência do Sistema Único de Saúde no Rio de Janeiro. Rev Bras Ginecol Obstet. 2009;31(2):75-81. doi: https://doi.org/10.1590/S0100-72032009000200005
https://doi.org/10.1590/S0100-7203200900...
.

Cabe destacar que as mulheres que detectaram a doença a partir do rastreamento já estavam inseridas na linha de cuidado do câncer de mama, sendo acompanhadas por um profissional de saúde da rede assistencial. Neste sentido, o fluxo de encaminhamento e orientação da paciente para os demais níveis de atenção tende a ser mais facilitado, o que pode ter propiciado maior celeridade no processo de investigação diagnóstica1717.Ministério da Saúde (BR). Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. A situação do câncer de mama no Brasil: síntese de dados dos sistemas de informação. Rio de Janeiro: INCA; 2019 [cited 2021 May 2]. Available from: https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files//media/document//a_situacao_ca_mama_brasil_2019.pdf
https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.in...
e, consequentemente, o diagnóstico da doença em estádios mais iniciais.

Neste contexto, ressalta-se a importância da realização da busca ativa das pacientes com exames de mamografia alterada, para agendamento de consulta com médico especialista com vistas à continuidade da investigação1717.Ministério da Saúde (BR). Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. A situação do câncer de mama no Brasil: síntese de dados dos sistemas de informação. Rio de Janeiro: INCA; 2019 [cited 2021 May 2]. Available from: https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files//media/document//a_situacao_ca_mama_brasil_2019.pdf
https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.in...
, o que pode viabilizar o diagnóstico da doença em tempo oportuno.

Vale lembrar que o diagnóstico precoce da doença sintomática foi mais valorizado na última atualização das diretrizes brasileiras sobre o câncer de mama, que até então priorizavam o rastreamento mamográfico22.Dos-Santos-Silva I, De Stavola BL, Renna Junior NL, Nogueira MC, Aquino EML, Bustamante-Teixeira MT, et al. Ethnoracial and social trends in breast cancer staging at diagnosis in Brazil, 2001-14: a case only analysis. Lancet Glob Health. 2019;7(6):784-97. doi: https://doi.org/10.1016/S2214-109X(19)30151-2
https://doi.org/10.1016/S2214-109X(19)30...
.

Para as pacientes que apresentaram tempo de espera para diagnóstico superior a 200 dias (16,7%), também foram investigadas nos registros médicos as possíveis causas do atraso mais prolongado, sendo verificada a relação deste com questões subjetivas relacionadas à paciente, as quais se encontram descritas na literatura, como barreiras pessoais, crenças, valores, problemas familiares, desconhecimento ou medos44.Unger-Saldaña K. Challenges to the early diagnosis and treatment of breast cancer in developing countries. World J Clin Oncol. 2014;5(3):465-77. doi: https://doi.org/10.5306/wjco.v5.i3.465
https://doi.org/10.5306/wjco.v5.i3.465 ...
.

O percentual de mulheres que iniciou o tratamento em até 60 dias a partir do diagnóstico (80,5%) foi similar ao encontrado em estudo brasileiro multicêntrico que analisou dados de 151.931 mulheres e identificou tempo de espera inferior a 60 dias em 81,6%99.Ferreira NAS, Schoueri JHM, Sorpreso ICE, Adami F, Figueiredo FWS. Waiting time between breast cancer diagnosis and treatment in Brazilian women: an analysis of cases from 1998 to 2012. Int J Environ Res Public Health. 2020;17(11):4030. doi: https://doi.org/10.3390/ijerph17114030
https://doi.org/10.3390/ijerph17114030 ...
. Por outro lado, outras investigações encontraram menor percentual de mulheres que realizaram o tratamento em até 60 dias77.Medeiros GC, Bergmann A, Aguiar SS, Thuler LCS. Análise dos determinantes que influenciam o tempo para o início do tratamento de mulheres com câncer de mama no Brasil. Cad Saúde Pública. 2015;31(6):1269-82. doi: https://doi.org/10.1590/0102-311X00048514
https://doi.org/10.1590/0102-311X0004851...
,1313.Sousa SMMT, Carvalho MGFM, Santos Júnior LA, Mariano SBC. Acesso ao tratamento da mulher com câncer de mama. Saúde Debate. 2019;43(122):727-41. doi: https://doi.org/10.1590/0103-1104201912206
https://doi.org/10.1590/0103-11042019122...
-1414.Santos TTM, Andrade LSS, Oliveira MEC, Gomes KAL, Oliveira TA, Weller M. Availability of diagnostic services and their impact on patient flow in two Brazilian referral centres of breast cancer treatment. Asian Pac J Cancer Prev. 2020;21(2):317-24. doi: https://doi.org/10.31557/APJCP.2020.21.2.317
https://doi.org/10.31557/APJCP.2020.21.2...
,1616.Bezerra ALR, Bezerra MCM, Santos AFFL, Lima FM, Almeida ITB, Ferreira LMG. Evaluation of delays in diagnosis and treatment of breast cancer in a reference center: a retrospective analysis. Mastology. 2019;29(3)144-51. doi: https://doi.org/10.29289/2594539420190000434
https://doi.org/10.29289/259453942019000...
,1818.Cabral ALLV, Giatti L, Casale C, Cherchiglia ML. Vulnerabilidade social e câncer de mama: diferenciais no intervalo entre o diagnóstico e o tratamento em mulheres de diferentes perfis sociodemográficos. Ciênc Saúde Coletiva. 2019;24(2):613-22. doi: https://doi.org/10.1590/1413-81232018242.31672016
https://doi.org/10.1590/1413-81232018242...
-1919.Medeiros GC, Teodózio CGC, Fabro EAN, Aguiar SS, Lopes AHM, Conte BC, et al. Factors associated with delay between diagnosis and initiation of breast cancer treatment: a cohort study with 204,130 cases in Brazil. Rev Bras Cancerol. 2020;66(3):e-09979. doi: https://doi.org/10.32635/2176-9745.RBC.2020v66n3.979
https://doi.org/10.32635/2176-9745.RBC.2...
.

O tempo mediano entre diagnóstico e início do tratamento para as mulheres avaliadas foi de 32 dias, tempo de espera ligeiramente superior para este intervalo foi identificado em todas as regiões do Brasil no período de 2013 a 2015, variando entre 53 dias na região Nordeste e 65 dias na região Sudeste, conforme dados do relatório do Instituto Nacional do Câncer1717.Ministério da Saúde (BR). Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. A situação do câncer de mama no Brasil: síntese de dados dos sistemas de informação. Rio de Janeiro: INCA; 2019 [cited 2021 May 2]. Available from: https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files//media/document//a_situacao_ca_mama_brasil_2019.pdf
https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.in...
.

Em sua maioria, estudos descrevem tempo mediano de espera para o tratamento do câncer de mama superior ao verificado nesta pesquisa na região Sul1515.Lopes TCR, Gravena AAF, Demitto MO, Borghesan DHP, Dell`Agnolo CM, Brischiliari SCR, et al. Delay in diagnosis and treatment of breast cancer among women attending a reference service in Brazil. Asian Pac J Cancer Prev. 2017;18(11):3017-23. doi: https://doi.org/10.22034/APJCP.2017.18.11.3017
https://doi.org/10.22034/APJCP.2017.18.1...
, Sudeste1818.Cabral ALLV, Giatti L, Casale C, Cherchiglia ML. Vulnerabilidade social e câncer de mama: diferenciais no intervalo entre o diagnóstico e o tratamento em mulheres de diferentes perfis sociodemográficos. Ciênc Saúde Coletiva. 2019;24(2):613-22. doi: https://doi.org/10.1590/1413-81232018242.31672016
https://doi.org/10.1590/1413-81232018242...
e Nordeste88.Ferreira NAS, Carvalho SMF, Valenti VE, Bezerra IMP, Batista HMT, Abreu LC, et al. Treatment delays among women with breast cancer in a low socioeconomic status region in Brazil. BMC Womens Health. 2017;17:13. doi: https://doi.org/10.1186/s12905-016-0359-6
https://doi.org/10.1186/s12905-016-0359-...
,1313.Sousa SMMT, Carvalho MGFM, Santos Júnior LA, Mariano SBC. Acesso ao tratamento da mulher com câncer de mama. Saúde Debate. 2019;43(122):727-41. doi: https://doi.org/10.1590/0103-1104201912206
https://doi.org/10.1590/0103-11042019122...
-1414.Santos TTM, Andrade LSS, Oliveira MEC, Gomes KAL, Oliveira TA, Weller M. Availability of diagnostic services and their impact on patient flow in two Brazilian referral centres of breast cancer treatment. Asian Pac J Cancer Prev. 2020;21(2):317-24. doi: https://doi.org/10.31557/APJCP.2020.21.2.317
https://doi.org/10.31557/APJCP.2020.21.2...
,1616.Bezerra ALR, Bezerra MCM, Santos AFFL, Lima FM, Almeida ITB, Ferreira LMG. Evaluation of delays in diagnosis and treatment of breast cancer in a reference center: a retrospective analysis. Mastology. 2019;29(3)144-51. doi: https://doi.org/10.29289/2594539420190000434
https://doi.org/10.29289/259453942019000...
do Brasil. Tempos de espera inferiores foram identificados em países de alta renda1212.Medeiros GC, Thuler LCS, Bergmann A. Delay in breast cancer diagnosis: a Brazilian cohort study. Public Health. 2019;167:88-95. doi: https://doi.org/10.1016/j.puhe.2018.10.012
https://doi.org/10.1016/j.puhe.2018.10.0...
.

Em consonância com outros estudos, o tempo mediano de espera para o início do tratamento foi menor para as mulheres assistidas pela rede privada de saúde77.Medeiros GC, Bergmann A, Aguiar SS, Thuler LCS. Análise dos determinantes que influenciam o tempo para o início do tratamento de mulheres com câncer de mama no Brasil. Cad Saúde Pública. 2015;31(6):1269-82. doi: https://doi.org/10.1590/0102-311X00048514
https://doi.org/10.1590/0102-311X0004851...
-99.Ferreira NAS, Schoueri JHM, Sorpreso ICE, Adami F, Figueiredo FWS. Waiting time between breast cancer diagnosis and treatment in Brazilian women: an analysis of cases from 1998 to 2012. Int J Environ Res Public Health. 2020;17(11):4030. doi: https://doi.org/10.3390/ijerph17114030
https://doi.org/10.3390/ijerph17114030 ...
,1414.Santos TTM, Andrade LSS, Oliveira MEC, Gomes KAL, Oliveira TA, Weller M. Availability of diagnostic services and their impact on patient flow in two Brazilian referral centres of breast cancer treatment. Asian Pac J Cancer Prev. 2020;21(2):317-24. doi: https://doi.org/10.31557/APJCP.2020.21.2.317
https://doi.org/10.31557/APJCP.2020.21.2...
.

No Ceará, estudo que também avaliou o tempo de espera para o tratamento em função do tipo de assistência, encontrou tempo mediano para tratamento de 71,5 na rede pública e 39 dias na rede privada88.Ferreira NAS, Carvalho SMF, Valenti VE, Bezerra IMP, Batista HMT, Abreu LC, et al. Treatment delays among women with breast cancer in a low socioeconomic status region in Brazil. BMC Womens Health. 2017;17:13. doi: https://doi.org/10.1186/s12905-016-0359-6
https://doi.org/10.1186/s12905-016-0359-...
, sendo que valores inferiores foram identificados na presente investigação (38 dias na rede pública e 24 dias na rede privada).

As mulheres assistidas pelo sistema público de saúde caracterizaram-se por maiores percentuais de baixa escolaridade, cor da pele não branca, residência fora do município sede do serviço de saúde de referência, maior tempo para diagnóstico e tratamento, detecção da doença de forma sintomática e diagnóstico em estádios avançados. Tais achados apontam para a necessidade de se considerar a influência das desigualdades sociais no cuidado do câncer de mama. Corroborando este achado, em Minas Gerais foi demonstrado a associação entre o perfil de vulnerabilidade social da mulher e tempo de espera para o tratamento do câncer de mama, de forma que as mulheres mais vulneráveis eram mais propensas ao atraso1818.Cabral ALLV, Giatti L, Casale C, Cherchiglia ML. Vulnerabilidade social e câncer de mama: diferenciais no intervalo entre o diagnóstico e o tratamento em mulheres de diferentes perfis sociodemográficos. Ciênc Saúde Coletiva. 2019;24(2):613-22. doi: https://doi.org/10.1590/1413-81232018242.31672016
https://doi.org/10.1590/1413-81232018242...
.

No sistema público de saúde, o acesso à atenção secundária e terciária está condicionado à avaliação e encaminhamento pelos serviços de atenção primária à saúde88.Ferreira NAS, Carvalho SMF, Valenti VE, Bezerra IMP, Batista HMT, Abreu LC, et al. Treatment delays among women with breast cancer in a low socioeconomic status region in Brazil. BMC Womens Health. 2017;17:13. doi: https://doi.org/10.1186/s12905-016-0359-6
https://doi.org/10.1186/s12905-016-0359-...
-99.Ferreira NAS, Schoueri JHM, Sorpreso ICE, Adami F, Figueiredo FWS. Waiting time between breast cancer diagnosis and treatment in Brazilian women: an analysis of cases from 1998 to 2012. Int J Environ Res Public Health. 2020;17(11):4030. doi: https://doi.org/10.3390/ijerph17114030
https://doi.org/10.3390/ijerph17114030 ...
,1717.Ministério da Saúde (BR). Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. A situação do câncer de mama no Brasil: síntese de dados dos sistemas de informação. Rio de Janeiro: INCA; 2019 [cited 2021 May 2]. Available from: https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files//media/document//a_situacao_ca_mama_brasil_2019.pdf
https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.in...
, e ao limite previsto para referência à especialidade médica, ao passo que, no sistema privado, a escolha do profissional para atendimento fica a cargo do paciente, com acesso facilitado aos médicos especialistas, como mastologistas e cirurgiões, o que pode promover o início no tratamento em tempo mais oportuno.

Fatores como baixa disponibilidade de profissionais especialistas, número limitado de vagas, barreiras de acesso aos exames indispensáveis para o início da terapêutica e sub financiamento do sistema de saúde constituem desafios no contexto da assistência pública ao câncer de mama88.Ferreira NAS, Carvalho SMF, Valenti VE, Bezerra IMP, Batista HMT, Abreu LC, et al. Treatment delays among women with breast cancer in a low socioeconomic status region in Brazil. BMC Womens Health. 2017;17:13. doi: https://doi.org/10.1186/s12905-016-0359-6
https://doi.org/10.1186/s12905-016-0359-...
-99.Ferreira NAS, Schoueri JHM, Sorpreso ICE, Adami F, Figueiredo FWS. Waiting time between breast cancer diagnosis and treatment in Brazilian women: an analysis of cases from 1998 to 2012. Int J Environ Res Public Health. 2020;17(11):4030. doi: https://doi.org/10.3390/ijerph17114030
https://doi.org/10.3390/ijerph17114030 ...
.

Em outros países, especialmente os que não contam com um sistema público universal de saúde, maiores atrasos foram identificados em mulheres atendidas por planos de saúde, o que foi justificado pela necessidade de coparticipação financeira por parte da paciente e pela burocracia para autorização dos procedimentos por parte da seguradora66.Freitas AGQ, Weller M. Patient delays and system delays in breast cancer treatment in developed and developing countries. Ciênc Saúde Colet. 2015;20(10):3177-89. doi: https://doi.org/10.1590/1413-812320152010.19692014
https://doi.org/10.1590/1413-81232015201...
.

No Brasil, estudos demonstram que os pacientes perpassam por serviços públicos e privados em busca do acesso aos serviços de saúde. Contudo, a investigação diagnóstica e o tratamento oncológico usualmente são longos e de alto custo, o que dificulta mantê-los exclusivamente em caráter particular. No presente estudo, pelo menos 60% das mulheres eram dependentes da rede pública e, apesar do maior tempo de espera para diagnóstico e tratamento, cabe ressaltar a relevância da assistência pública no contexto da oncologia no país.

O menor tempo de espera para o início do tratamento verificado entre as mulheres com alto grau de instrução também foi observado em outros estudos66.Freitas AGQ, Weller M. Patient delays and system delays in breast cancer treatment in developed and developing countries. Ciênc Saúde Colet. 2015;20(10):3177-89. doi: https://doi.org/10.1590/1413-812320152010.19692014
https://doi.org/10.1590/1413-81232015201...
-77.Medeiros GC, Bergmann A, Aguiar SS, Thuler LCS. Análise dos determinantes que influenciam o tempo para o início do tratamento de mulheres com câncer de mama no Brasil. Cad Saúde Pública. 2015;31(6):1269-82. doi: https://doi.org/10.1590/0102-311X00048514
https://doi.org/10.1590/0102-311X0004851...
,1515.Lopes TCR, Gravena AAF, Demitto MO, Borghesan DHP, Dell`Agnolo CM, Brischiliari SCR, et al. Delay in diagnosis and treatment of breast cancer among women attending a reference service in Brazil. Asian Pac J Cancer Prev. 2017;18(11):3017-23. doi: https://doi.org/10.22034/APJCP.2017.18.11.3017
https://doi.org/10.22034/APJCP.2017.18.1...
,1919.Medeiros GC, Teodózio CGC, Fabro EAN, Aguiar SS, Lopes AHM, Conte BC, et al. Factors associated with delay between diagnosis and initiation of breast cancer treatment: a cohort study with 204,130 cases in Brazil. Rev Bras Cancerol. 2020;66(3):e-09979. doi: https://doi.org/10.32635/2176-9745.RBC.2020v66n3.979
https://doi.org/10.32635/2176-9745.RBC.2...
. O grau de instrução constitui um indicador indireto da situação socioeconômica e, consequentemente, do acesso aos serviços de saúde. Além disso, as mulheres com alto grau de instrução compreendem melhor as orientações fornecidas pelos profissionais de saúde, tendem a procurar outras opiniões e a realizar mais exames investigativos, e também apresentam melhor entendimento sobre a doença, o que pode propiciar o início do tratamento em menor tempo77.Medeiros GC, Bergmann A, Aguiar SS, Thuler LCS. Análise dos determinantes que influenciam o tempo para o início do tratamento de mulheres com câncer de mama no Brasil. Cad Saúde Pública. 2015;31(6):1269-82. doi: https://doi.org/10.1590/0102-311X00048514
https://doi.org/10.1590/0102-311X0004851...
,1515.Lopes TCR, Gravena AAF, Demitto MO, Borghesan DHP, Dell`Agnolo CM, Brischiliari SCR, et al. Delay in diagnosis and treatment of breast cancer among women attending a reference service in Brazil. Asian Pac J Cancer Prev. 2017;18(11):3017-23. doi: https://doi.org/10.22034/APJCP.2017.18.11.3017
https://doi.org/10.22034/APJCP.2017.18.1...
.

Na presente investigação, as mulheres diagnosticadas com câncer de mama em estádios iniciais apresentaram menor tempo de espera para o tratamento. A associação entre o atraso na assistência oncológica e o estadiamento ainda apresenta resultados controversos na literatura66.Freitas AGQ, Weller M. Patient delays and system delays in breast cancer treatment in developed and developing countries. Ciênc Saúde Colet. 2015;20(10):3177-89. doi: https://doi.org/10.1590/1413-812320152010.19692014
https://doi.org/10.1590/1413-81232015201...
. Enquanto alguns estudos mostram que tumores diagnosticados em estádios avançados tendem a um menor tempo de espera para o tratamento em função de sua maior gravidade77.Medeiros GC, Bergmann A, Aguiar SS, Thuler LCS. Análise dos determinantes que influenciam o tempo para o início do tratamento de mulheres com câncer de mama no Brasil. Cad Saúde Pública. 2015;31(6):1269-82. doi: https://doi.org/10.1590/0102-311X00048514
https://doi.org/10.1590/0102-311X0004851...
,1313.Sousa SMMT, Carvalho MGFM, Santos Júnior LA, Mariano SBC. Acesso ao tratamento da mulher com câncer de mama. Saúde Debate. 2019;43(122):727-41. doi: https://doi.org/10.1590/0103-1104201912206
https://doi.org/10.1590/0103-11042019122...
,1717.Ministério da Saúde (BR). Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. A situação do câncer de mama no Brasil: síntese de dados dos sistemas de informação. Rio de Janeiro: INCA; 2019 [cited 2021 May 2]. Available from: https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files//media/document//a_situacao_ca_mama_brasil_2019.pdf
https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.in...
,1919.Medeiros GC, Teodózio CGC, Fabro EAN, Aguiar SS, Lopes AHM, Conte BC, et al. Factors associated with delay between diagnosis and initiation of breast cancer treatment: a cohort study with 204,130 cases in Brazil. Rev Bras Cancerol. 2020;66(3):e-09979. doi: https://doi.org/10.32635/2176-9745.RBC.2020v66n3.979
https://doi.org/10.32635/2176-9745.RBC.2...
, menor tempo de espera para as pacientes em estádios iniciais da doença também foi identificado em outras investigações66.Freitas AGQ, Weller M. Patient delays and system delays in breast cancer treatment in developed and developing countries. Ciênc Saúde Colet. 2015;20(10):3177-89. doi: https://doi.org/10.1590/1413-812320152010.19692014
https://doi.org/10.1590/1413-81232015201...
,1717.Ministério da Saúde (BR). Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. A situação do câncer de mama no Brasil: síntese de dados dos sistemas de informação. Rio de Janeiro: INCA; 2019 [cited 2021 May 2]. Available from: https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files//media/document//a_situacao_ca_mama_brasil_2019.pdf
https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.in...
.

O estadiamento avançado evidencia os sinais da doença, facilitando seu diagnóstico e, por conseguinte, o início do tratamento77.Medeiros GC, Bergmann A, Aguiar SS, Thuler LCS. Análise dos determinantes que influenciam o tempo para o início do tratamento de mulheres com câncer de mama no Brasil. Cad Saúde Pública. 2015;31(6):1269-82. doi: https://doi.org/10.1590/0102-311X00048514
https://doi.org/10.1590/0102-311X0004851...
. Por outro lado, quanto maior o tempo de espera para início do tratamento, maior a replicação do tumor, probabilidade de disseminação e diagnóstico em estádios avançados33.Bleicher RJ. Timing and delays in breast cancer evaluation and treatment. Ann Surg Oncol. 2018;25(10):2829-38. doi: https://doi.org/10.1245/s10434-018-6615-2
https://doi.org/10.1245/s10434-018-6615-...
.

O percentual de mulheres que iniciou o tratamento dentro do prazo estabelecido (80,5%) foi bem maior que o percentual de mulheres que receberam diagnóstico no tempo preconizado (19,7%) pelas normativas brasileiras vigentes. Neste sentido, deve-se levar em conta que a normativa legal que estabeleceu o prazo para início do tratamento data de 2012 e a que estabeleceu o tempo para diagnóstico foi publicada mais recentemente (2019), ainda se encontra em processo de consolidação e as mulheres participantes desta pesquisa foram diagnosticadas antes do estabelecimento deste prazo.

Cabe registrar também as limitações das normativas brasileiras relativas aos tempos de espera em oncologia, haja vista a dificuldade de caracterização da suspeita clínica e ao fato de que o método para elucidação diagnóstica, assim como o tempo para início do tratamento, podem ser variáveis de acordo com o tipo de câncer.

Desta forma, as normativas brasileiras que fixam o prazo recomendado para assistência oncológica poderão ser utilizadas como um instrumento legal para garantia do acesso à confirmação diagnóstica e ao tratamento em tempo oportuno e propiciará, a longo prazo, o aprimoramento da rede de cuidado do câncer de mama, com ênfase no diagnóstico precoce e tratamento imediato, o que impactará na redução da mortalidade e melhora da qualidade de vida das pacientes.

Com o intuito de sistematizar e facilitar o monitoramento do tempo de espera para tratamento, em 2019, o Instituto Nacional do Câncer disponibilizou aos gestores municipais, a ferramenta Painel Oncologia, que apresenta dados sobre o início do tratamento a partir do diagnóstico do câncer2020.Atty ATM, Jardim BC, Dias MBK, Migowski A, Tomazelli JG. Oncology-PANEL: tool for management. Rev Bras Cancerol. 2020;66(2):e-04827. doi: https://doi.org/10.32635/2176-9745.RBC.2020v66n2.827
https://doi.org/10.32635/2176-9745.RBC.2...
, não contemplando dados sobre o tempo de espera entre o início dos sintomas e o diagnóstico.

Os tempos de espera para diagnóstico e tratamento, portanto, sofrem influência da política pública implementada, dos fluxos estabelecidos para atendimento do paciente na rede de atenção à saúde, das características dos serviços de saúde e do contexto sociocultural vivenciado pelo paciente66.Freitas AGQ, Weller M. Patient delays and system delays in breast cancer treatment in developed and developing countries. Ciênc Saúde Colet. 2015;20(10):3177-89. doi: https://doi.org/10.1590/1413-812320152010.19692014
https://doi.org/10.1590/1413-81232015201...
. Além disso, observa-se grande variação dos pontos iniciais e finais desses tempos de espera e ainda não há uma padronização dos intervalos considerados33.Bleicher RJ. Timing and delays in breast cancer evaluation and treatment. Ann Surg Oncol. 2018;25(10):2829-38. doi: https://doi.org/10.1245/s10434-018-6615-2
https://doi.org/10.1245/s10434-018-6615-...
,44.Unger-Saldaña K. Challenges to the early diagnosis and treatment of breast cancer in developing countries. World J Clin Oncol. 2014;5(3):465-77. doi: https://doi.org/10.5306/wjco.v5.i3.465
https://doi.org/10.5306/wjco.v5.i3.465 ...
. Tais fatos podem justificar a grande amplitude nos tempos de espera encontrados na literatura.

Dentre os tempos de espera avaliados neste estudo, o tempo de espera para o diagnóstico é descrito como um atraso mais relacionado ao paciente, ao passo que o tempo de espera para o tratamento vem sendo descrito como o atraso mais relacionado ao sistema de saúde44.Unger-Saldaña K. Challenges to the early diagnosis and treatment of breast cancer in developing countries. World J Clin Oncol. 2014;5(3):465-77. doi: https://doi.org/10.5306/wjco.v5.i3.465
https://doi.org/10.5306/wjco.v5.i3.465 ...
. Tal entendimento pode justificar, pelo menos em parte, o fato de o tipo de serviço de assistência à saúde não se manter associado, de forma independente, ao tempo de espera para diagnóstico neste estudo. Por outro lado, deve-se levar em conta que o tipo de serviço de assistência associou-se às variáveis explicativas relacionadas ao referido tempo de espera, como características sociodemográficas, estadiamento e modo de diagnóstico da doença, conforme descrito na tabela 1.

Os possíveis vieses decorrentes da ausência de informação sobre o diagnóstico ou tratamento parecem ter sido minimizados, uma vez que não foram observadas diferenças significativas entre as mulheres com informações precisas sobre o tempo de espera para o diagnóstico e/ou tratamento e a população elegível, em relação a maior parte das características sociodemográficas e clínicas consideradas.

Apesar das limitações inerentes à utilização de dados secundários, todas as variáveis independentes utilizadas apresentaram completude de informação superior a 90%. Além disso, a coleta de dados foi realizada por equipe de campo constituída por profissionais de saúde e auxiliares de pesquisa treinados, supervisionados por especialistas, com adoção de procedimentos de controle com vistas a garantir a qualidade das informações obtidas.

Ressalta-se que este estudo contribui para o maior conhecimento sobre os fatores associados aos tempos de espera para o diagnóstico e tratamento do câncer de mama, uma vez que considerou o efeito das características sociodemográficas e clínicas, segundo o tipo de serviço de assistência à saúde prestada, com aplicação de técnicas estatísticas específicas para análise dos intervalos de tempo considerados.

Diferentemente de outros estudos que investigaram os tempos de espera para diagnóstico e tratamento do câncer de mama no Brasil, esse estudo destaca-se por analisar os desfechos de forma contínua, ao invés de utilizar tempos de espera com pontos de corte previamente estabelecidos, o que viabiliza uma maior comparabilidade com outros estudos. Além disso, contribui para uma melhor caracterização das desigualdades nos atrasos investigados e os fatores associados no contexto brasileiro ao comparar os tempos de espera segundo o tipo de assistência à saúde (pública vs. privada).

Por fim, insere a discussão dos achados à luz da Lei nº 13.896/2019 que estabeleceu o prazo de 30 dias para a elucidação do diagnóstico, nos casos em que a principal hipótese seja o câncer, estimulando a reflexão acerca das condições que podem interferir no prazo legalmente preconizado, que podem estar relacionadas ao contexto social, ao serviço de saúde, à pessoa e até mesmo ao problema de saúde investigado.

CONCLUSÕES

Embora o tempo mediano de espera para o tratamento do câncer de mama tenha atendido ao parâmetro nacional preconizado, o tempo mediano de espera para o diagnóstico foi superior ao recomendado pelas normativas vigentes no Brasil, o que sinaliza para a necessidade do alinhamento dos fluxos assistenciais, com o intuito de garantir o acesso, em especial, aos exames de elucidação diagnóstica. Neste contexto, cabe ressaltar o protagonismo da Enfermagem no processo de orientação do paciente no sistema de saúde, o que pode propiciar o acesso à assistência oncológica em tempo oportuno.

O impacto da escolaridade, modo de diagnóstico da doença e estadiamento nos tempos de espera para diagnóstico e início do tratamento evidencia as disparidades na assistência oncológica, que podem ser minimizadas por meio do aumento da cobertura da Estratégia de Saúde da Família; intensificação das atividades direcionadas à conscientização da população sobre a doença que impactem na detecção precoce; aprimoramento da referência e contrarreferência dos pacientes nos diversos níveis de atenção e fortalecimento dos serviços de investigação diagnóstica e tratamento.

Estratégias como a intensificação do diagnóstico precoce das mulheres sintomáticas, visando o início imediato do tratamento, bem como a implementação do rastreamento organizado também podem contribuir para melhorar o acesso aos serviços de saúde em tempo oportuno e com resolubilidade.

Por fim, a vinculação de recursos financeiros às metas relacionadas ao tempo de espera para assistência oncológica no sistema público podem constituir estratégias eficazes para garantia do acesso ao diagnóstico e tratamento em tempo oportuno, minimizando a influência das desigualdades sociais no cuidado do câncer de mama.

Agradecimentos:

Os autores agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq, à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais - FAPEMIG e à Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF pelo financiamento deste trabalho.

REFERENCES

  • 1. Bray F, Ferlay J, Soerjomataram I, Siegel RL, Torre LA, Jemal A. Global cancer statistics 2018: GLOBOCAN estimates of incidence and mortality worldwide for 36 cancers in 185 countries. CA Cancer J Clin. 2018;68(6):394-424. doi: https://doi.org/10.3322/caac.21492
    » https://doi.org/10.3322/caac.21492
  • 2.Dos-Santos-Silva I, De Stavola BL, Renna Junior NL, Nogueira MC, Aquino EML, Bustamante-Teixeira MT, et al. Ethnoracial and social trends in breast cancer staging at diagnosis in Brazil, 2001-14: a case only analysis. Lancet Glob Health. 2019;7(6):784-97. doi: https://doi.org/10.1016/S2214-109X(19)30151-2
    » https://doi.org/10.1016/S2214-109X(19)30151-2
  • 3.Bleicher RJ. Timing and delays in breast cancer evaluation and treatment. Ann Surg Oncol. 2018;25(10):2829-38. doi: https://doi.org/10.1245/s10434-018-6615-2
    » https://doi.org/10.1245/s10434-018-6615-2
  • 4.Unger-Saldaña K. Challenges to the early diagnosis and treatment of breast cancer in developing countries. World J Clin Oncol. 2014;5(3):465-77. doi: https://doi.org/10.5306/wjco.v5.i3.465
    » https://doi.org/10.5306/wjco.v5.i3.465
  • 5.Brasil. Lei nº 13.896, de 30 de outubro de 2019. Altera a Lei nº 12.732, de 22 de novembro de 2012, para que os exames relacionados ao diagnóstico de neoplasia maligna sejam realizados no prazo de 30 (trinta) dias, no caso em que especifica. Diário Oficial União. 2019 out 31 [cited 2021 May 2];157(211 Seção 1):1. Available from: https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=31/10/2019&jornal=515&pagina=1
    » https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=31/10/2019&jornal=515&pagina=1
  • 6.Freitas AGQ, Weller M. Patient delays and system delays in breast cancer treatment in developed and developing countries. Ciênc Saúde Colet. 2015;20(10):3177-89. doi: https://doi.org/10.1590/1413-812320152010.19692014
    » https://doi.org/10.1590/1413-812320152010.19692014
  • 7.Medeiros GC, Bergmann A, Aguiar SS, Thuler LCS. Análise dos determinantes que influenciam o tempo para o início do tratamento de mulheres com câncer de mama no Brasil. Cad Saúde Pública. 2015;31(6):1269-82. doi: https://doi.org/10.1590/0102-311X00048514
    » https://doi.org/10.1590/0102-311X00048514
  • 8.Ferreira NAS, Carvalho SMF, Valenti VE, Bezerra IMP, Batista HMT, Abreu LC, et al. Treatment delays among women with breast cancer in a low socioeconomic status region in Brazil. BMC Womens Health. 2017;17:13. doi: https://doi.org/10.1186/s12905-016-0359-6
    » https://doi.org/10.1186/s12905-016-0359-6
  • 9.Ferreira NAS, Schoueri JHM, Sorpreso ICE, Adami F, Figueiredo FWS. Waiting time between breast cancer diagnosis and treatment in Brazilian women: an analysis of cases from 1998 to 2012. Int J Environ Res Public Health. 2020;17(11):4030. doi: https://doi.org/10.3390/ijerph17114030
    » https://doi.org/10.3390/ijerph17114030
  • 10.Trufelli DC, Miranda VC, Santos MBB, Fraile NMP, Pecoroni PG, Gonzaga SFR, et al. Análise do atraso no diagnóstico e tratamento do câncer de mama em um hospital público. Rev Assoc Med Bras. 2008;54(1):72-6. doi: https://doi.org/10.1590/S0104-42302008000100024
    » https://doi.org/10.1590/S0104-42302008000100024
  • 11.Rezende MCR, Koch HA, Figueiredo JA, Thuler LCS. Causas do retardo na confirmação diagnóstica de lesões mamárias em mulheres atendidas em um centro de referência do Sistema Único de Saúde no Rio de Janeiro. Rev Bras Ginecol Obstet. 2009;31(2):75-81. doi: https://doi.org/10.1590/S0100-72032009000200005
    » https://doi.org/10.1590/S0100-72032009000200005
  • 12.Medeiros GC, Thuler LCS, Bergmann A. Delay in breast cancer diagnosis: a Brazilian cohort study. Public Health. 2019;167:88-95. doi: https://doi.org/10.1016/j.puhe.2018.10.012
    » https://doi.org/10.1016/j.puhe.2018.10.012
  • 13.Sousa SMMT, Carvalho MGFM, Santos Júnior LA, Mariano SBC. Acesso ao tratamento da mulher com câncer de mama. Saúde Debate. 2019;43(122):727-41. doi: https://doi.org/10.1590/0103-1104201912206
    » https://doi.org/10.1590/0103-1104201912206
  • 14.Santos TTM, Andrade LSS, Oliveira MEC, Gomes KAL, Oliveira TA, Weller M. Availability of diagnostic services and their impact on patient flow in two Brazilian referral centres of breast cancer treatment. Asian Pac J Cancer Prev. 2020;21(2):317-24. doi: https://doi.org/10.31557/APJCP.2020.21.2.317
    » https://doi.org/10.31557/APJCP.2020.21.2.317
  • 15.Lopes TCR, Gravena AAF, Demitto MO, Borghesan DHP, Dell`Agnolo CM, Brischiliari SCR, et al. Delay in diagnosis and treatment of breast cancer among women attending a reference service in Brazil. Asian Pac J Cancer Prev. 2017;18(11):3017-23. doi: https://doi.org/10.22034/APJCP.2017.18.11.3017
    » https://doi.org/10.22034/APJCP.2017.18.11.3017
  • 16.Bezerra ALR, Bezerra MCM, Santos AFFL, Lima FM, Almeida ITB, Ferreira LMG. Evaluation of delays in diagnosis and treatment of breast cancer in a reference center: a retrospective analysis. Mastology. 2019;29(3)144-51. doi: https://doi.org/10.29289/2594539420190000434
    » https://doi.org/10.29289/2594539420190000434
  • 17.Ministério da Saúde (BR). Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. A situação do câncer de mama no Brasil: síntese de dados dos sistemas de informação. Rio de Janeiro: INCA; 2019 [cited 2021 May 2]. Available from: https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files//media/document//a_situacao_ca_mama_brasil_2019.pdf
    » https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files//media/document//a_situacao_ca_mama_brasil_2019.pdf
  • 18.Cabral ALLV, Giatti L, Casale C, Cherchiglia ML. Vulnerabilidade social e câncer de mama: diferenciais no intervalo entre o diagnóstico e o tratamento em mulheres de diferentes perfis sociodemográficos. Ciênc Saúde Coletiva. 2019;24(2):613-22. doi: https://doi.org/10.1590/1413-81232018242.31672016
    » https://doi.org/10.1590/1413-81232018242.31672016
  • 19.Medeiros GC, Teodózio CGC, Fabro EAN, Aguiar SS, Lopes AHM, Conte BC, et al. Factors associated with delay between diagnosis and initiation of breast cancer treatment: a cohort study with 204,130 cases in Brazil. Rev Bras Cancerol. 2020;66(3):e-09979. doi: https://doi.org/10.32635/2176-9745.RBC.2020v66n3.979
    » https://doi.org/10.32635/2176-9745.RBC.2020v66n3.979
  • 20.Atty ATM, Jardim BC, Dias MBK, Migowski A, Tomazelli JG. Oncology-PANEL: tool for management. Rev Bras Cancerol. 2020;66(2):e-04827. doi: https://doi.org/10.32635/2176-9745.RBC.2020v66n2.827
    » https://doi.org/10.32635/2176-9745.RBC.2020v66n2.827

Editado por

Editor associado:

Helga Geremias Gouveia

Editor-chefe:

Maria da Graça Oliveira Crossetti

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    04 Maio 2021
  • Aceito
    13 Set 2021
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Escola de Enfermagem Rua São Manoel, 963 -Campus da Saúde , 90.620-110 - Porto Alegre - RS - Brasil, Fone: (55 51) 3308-5242 / Fax: (55 51) 3308-5436 - Porto Alegre - RS - Brazil
E-mail: revista@enf.ufrgs.br