Fatores de risco modificáveis para doenças cardiovasculares e qualidade de vida de ingressantes da graduação de enfermagem

RESUMO

Objetivo

Descrever os fatores de risco para doenças cardiovasculares e a qualidade de vida de alunos ingressantes no curso de enfermagem.

Métodos

Estudo transversal realizado com ingressantes no curso de enfermagem de uma Universidade Pública de São Paulo, Brasil. Os alunos responderam a nove questionários e as circunferências cervical e abdominal foram medidas, juntamente com peso e altura, pressão arterial, perfil lipídico e glicemia capilar.

Resultados

67 alunos foram incluídos. Alguns estudantes apresentaram inatividade física (73,1%), 7,5% reportaram tabagismo, 40,3% consumiam álcool, 25,4% estavam acima do peso e 16,4% tinham aumento do colesterol total. Sintomas de depressão, ansiedade e estresse também foram reportados, assim como sonolência diurna excessiva, risco de apneia do sono e uso de risco ou nocivo de álcool. Quanto a qualidade de vida, os domínios com menor pontuação foram vitalidade e aspecto emocional.

Conclusão

Os fatores de risco mais prevalentes encontrados nos alunos foram sedentarismo, sonolência diurna excessiva e estresse.

Palavras-chave
Estudantes de enfermagem; Doenças cardiovasculares; Fatores de risco; Qualidade de vida

ABSTRACT

Objective

To describe the risk factors for cardiovascular diseases and the quality of life of first-year college students.

Methods

A cross-sectional study conducted with first-year undergraduate nursing students attending a public university located in São Paulo, Brazil. The students completed nine questionnaires and the students’cervical and abdominal circumferences were measured along with their weight and height, blood pressure, lipid profile, and capillary blood glucose.

Results

67 undergraduate students were included. Half of the students were physically inactive (73.1%), 7.5% reported smoking, 40.3% alcohol consumption, 25.4% overweight, and 16,4% increased total cholesterol. Depressive symptoms, anxiety, and stress were also reported, as well as excessive daytime sleepiness, risk of sleep apnea, and risky and harmful consumption of alcohol. As for the quality of life, the domains with the lowest scores were vitality and emotional aspects.

Conclusion

The most prevalent risk factors found in undergraduates were sedentary lifestyle, excessive daytime sleepiness and stress.

Keywords
Students; nursing; Risk factors; Cardiovascular diseases; Quality of life

RESUMEN

Objetivo

describir los factores de riesgo de enfermidades cardiovasculares y la calidad de vida de los estudiantes universitários de primer año.

Métodos

estúdio transversal realizado con estudiantes de primer año de enfermeira de uma universidad pública ubicada em São Paulo, Brasil. Los estudiantes completaron nueve cuestionarios y se midieron las circunferencias cervical y abdominal de los estudiantes junto con su peso y altura, presión arterial, perfil de lípidos y glucosa en sangue capilar.

Resultados

se incluyeron 67 estudiantes. La mitad de los estudiantes eran fisicamente inactivos (73,1%), el 7,5% informó que fumaba, el 40,3% consumía alcohol, el 25,4% tenía sobrepeso y el 16,4% aumentaba el colesterol total. También se informaron síntomas depresivos, ansiedad y estrés, así como somnolencia diurna excesiva, riesgo de apnea del sueño y consumo peligroso y nocivo de alcohol. Em cuanto a la calidad de vida, los dominios com puntuaciones más bajas fueron vitalidad y aspectos emocionales.

Conclusión

Los factores de riesgo más prevalentes encontrados em los universitários fueron el estilo de vida sedentário, la somnolencia diurna excessiva y el estrés.

Palabras clave
Estudiantes de enfermeira; Enfermedades cardiovasculares; Factores de riesgo; Calidad de vida

INTRODUÇÃO

As doenças cardiovasculares são a principal causa de mortes no mundo, vitimando 18 milhões de indivíduos todos os anos. Aproximadamente 85% dessas mortes são causadas por ataque cardíaco e acidente vascular cerebral, e ocorrem principalmente em países subdesenvolvidos e em desenvolvimento1. Devido ao aumento da taxas de mortalidade por doenças não transmissíveis, dentre elas as cardiovasculares, a Organização Mundial da Saúde (OMS) propôs nove metas a serem atingidas até 2025, a saber: redução relativa de 25% na probabilidade de mortalidade global por doenças cardiovasculares, câncer, diabetes, ou doenças respiratórias crônicas; redução relativa de 10% no consumo abusivo de álcool; redução de 10% na prevalência de atividade física insuficiente; redução de 30% na ingestão de sal/sódio pela população; redução de 30% da prevalência do consumo atual de tabaco por indivíduos com 15 anos ou mais; redução de 25% da pressão arterial elevada ou conter a prevalência da pressão arterial elevada; deter a prevalência de diabetes e obesidade; garantia de que pelo menos 50% das pessoas elegíveis recebam medicação e aconselhamento para a prevenção de ataques cardíacos e derrames; e disponibilidade de 80% de tecnologias básicas e medicamentos genéricos essenciais ao tratamento de DCNT2

Os fatores de risco para doenças cardiovasculares são divididos em modificáveis e não modificáveis. Os fatores de risco modificáveis incluem obesidade, sedentarismo, diabetes mellitus, dislipidemia, hipertensão arterial, tabagismo, consumo de álcool, estresse, ansiedade, depressão e distúrbios do sono, ao passo que idade e gênero são fatores não modificáveis3. Alunos de graduação em enfermagem possuem vários fatores que aumentam os riscos para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares4^-6. Estresse, ansiedade e níveis moderados a graves de depressão foram identificados em 20%, 39,9% e 24,3% dos alunos de enfermagem, respectivamente. No mesmo estudo, 14% dos alunos relataram consumo de álcool e menos de 1% eram fumantes4. Por outro lado, um estudo realizado no México constatou que 52,1% dos estudantes consumiam bebidas alcoólicas e 24,5% eram fumantes5. Em relação à qualidade de vida, um estudo identificou médias acima de 50 em todos os domínios, com a menor pontuação no domínio vitalidade e a maior no domínio capacidade funcional7.

Atualmente, 20,7 milhões de enfermeiros e parteiras, o que corresponde a 47,6% dos profissionais de saúde, estão em atividade7, e milhares de enfermeiros se formam a cada ano. Trata-se de um grande número de futuros trabalhadores que estarão encarregados de prestar assistência às pessoas. Portanto, antes de mais nada, eles devem priorizar a sua saúde. Nesse sentido, identificar os fatores de risco para doenças cardiovasculares dos alunos de enfermagem no momento do ingresso na universidade permite identificar precocemente suas vulnerabilidades, a fim de que sejam traçadas estratégias para minimizar e/ou evitar potenciais complicações.

Devido ao impacto das doenças cardiovasculares, ao número crescente de estudantes de enfermagem e à escassez de estudos sobre essa temática na referida população, o objetivo deste estudo foi descrever os fatores de risco para doenças cardiovasculares e a qualidade de vida de estudantes universitários no primeiro ano do curso de enfermagem.

MÉTODOS

Estudo transversal com alunos matriculados no Curso de Graduação em Enfermagem, em 2018, em uma universidade pública de São Paulo. Todos os alunos matriculados em 2018 no primeiro ano do curso de enfermagem da Universidade foram contatados e informados sobre os objetivos do estudo, para posteriormente decidirem se participariam ou não do mesmo. Todos os alunos consentiram em participar e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido após receberem esclarecimentos sobre o estudo.

Os dados foram coletados no período de abril a junho de 2018 nas dependências da Universidade. Foi aplicado um formulário contendo informações sociodemográficas e clínicas, tais como idade, sexo, raça, estado civil, filhos, religião, condições de moradia (existência ou não de saneamento básico e número de moradores), transporte utilizado para o deslocamento até a universidade, renda familiar (número de salários mínimos e chefe de família), trabalho remunerado/vínculo empregatício, comorbidades, uso de medicamentos, dependência de nicotina, dependência de álcool e atividade física (150 minutos semanais de atividade moderada ou 75 minutos semanais de atividade intensa considerada adequada)3.

Além do referido questionário, os autores coletaram as seguintes medidas: circunferências cervical e abdominal; peso e altura para determinação do índice de massa corporal (IMC); pressão arterial; perfil lipídico capilar; e níveis de glicemia capilar. Essas medidas foram obtidas pelos três dos autores, sem necessidade de jejum, com o uso de material portátil, nas dependências da universidade e de acordo com as recomendações contidas nas diretrizes. Os três autores que participaram da coleta de dados eram enfermeiros, que foram previamente treinados e realizaram um teste piloto com três alunos para a validação do procedimento de coleta.

Também foram preenchidos questionários traduzidos e validados para uso no Brasil, tais como o Teste de Fagerström para Dependência de Nicotina; Teste para Identificação de Transtornos pelo Uso de Álcool (AUDIT), Questionário de Berlim (para triagem de apneia do sono); Escala de Sonolência de Epworth; Escala de Ansiedade de Beck, Escala de Depressão de Beck, Escala de Estresse Percebido -10; e o Formulário Abreviado de Avaliação da Saúde (SF-36) sobre qualidade de vida. Todos os questionários eram autoaplicáveis, e o tempo médio estimado de preenchimento foi de 30 minutos.

O Teste de Fagerström para Dependência de Nicotina é composto por seis perguntas fechadas e avalia o nível de dependência de nicotina. Cada pergunta é avaliada de acordo com uma pontuação diferente, e a pontuação total vai de 0 a 10. A dependência da nicotina é classificada como muito baixa (0-2 pontos), baixa (3-4 pontos), moderada (5 pontos), alta (6-7 pontos) e muito alta (8-10 pontos)8.

O Teste para Identificação de Transtornos pelo Consumo de Álcool (AUDIT) é composto por 10 itens distribuídos em três domínios distintos (frequência do consumo de álcool, dependência do consumo de álcool e consequências negativas do consumo de álcool). A pontuação final é obtida pela soma das pontuações dos itens (mínimo de 0 e máximo de 40). Os indivíduos são classificados como baixo risco (0 a 7 pontos), uso de risco (8 a 15 pontos), uso nocivo (16 a 19 pontos) ou provável dependência (20 a 40 pontos)9.

O Questionário de Berlim avalia a apneia do sono e é dividido em três categorias diferentes (sono, fadiga e presença de hipertensão ou obesidade). A presença de duas ou três categorias indica um alto risco de apneia do sono10.

A Escala de Sonolência de Epworth (ESS-BR) avalia o nível de sonolência diurna dos indivíduos em oito situações diferentes. Cada pergunta possui quatro alternativas de resposta que variam de 0 (nunca cochilaria) a 3 (alta probabilidade de cochilar). A pontuação total varia de 0 a 24; pontuações acima de 10 podem indicar sonolência diurna excessiva11

A Escala de Ansiedade de Beck (BAI) é composta por 21 itens que avaliam sintomas de ansiedade (manifestações afetivas, somáticas e cognitivas). Cada item possui quatro alternativas de resposta que variam de 0 (ausente) a 3 (grave), com pontuação total variando de 0 a 63 pontos. Os níveis de ansiedade são classificados em grau mínimo de ansiedade (0 a 10 pontos), ansiedade leve (11 a 19 pontos), ansiedade moderada (20 a 30 pontos) e ansiedade severa (igual ou superior a 31 pontos)12.

A Escala de Depressão de Beck (BDI) é composta por 21 itens, e cada item apresenta quatro alternativas de resposta, variando de 0 (ausência de sintomas depressivos) a 3 (presença de sintomas intensos). A pontuação total varia de 0 a 63 e é classificada como ausência de sintomas depressivos (0 a 14 pontos), disforia (15 a 19 pontos) ou sintomas depressivos (igual ou superior a 20 pontos) entre indivíduos que não foram previamente diagnosticados com depressão. Para os indivíduos com diagnóstico prévio de depressão, a pontuação é classificada como sem sinal de depressão (0 a 9 pontos), depressão leve (10 a 18 pontos), depressão moderada (19 a 29 pontos) e depressão grave (igual ou superior a 30 pontos)13.

A Escala de Estresse Percebido-10 (PSS-10) é composta por 10 itens que se referem a sentimentos e pensamentos nos últimos 30 dias. Os itens são avaliados em uma escala Likert de quatro itens, variando de 0 (nunca) a 4 (muitas vezes). Já os itens 4, 5, 7 e 8 apresentam pontuação invertida, ou seja, 0=4, 1=3, 2=2, 3=1 e 4=0. A pontuação total varia de 0 a 40; quanto maior a pontuação, maior o estresse percebido14.

A Qualidade de Vida Relacionada à Saúde foi avaliada por meio do Formulário Abreviado de Qualidade de Vida (SF-36). É composto por 36 itens distribuídos em oito domínios (capacidade funcional, aspectos físicos, dor, estado geral de saúde, vitalidade, aspectos sociais, aspectos emocionais e saúde mental). A pontuação total varia de 0 a 100; quanto maior a pontuação, melhor a qualidade de vida15.

Todos os dados foram armazenados em um banco de dados Excel para posterior análise. Foi utilizada análise descritiva. As variáveis categóricas são apresentadas por meio de frequências absolutas e relativas e as variáveis numéricas foram analisadas por meio de médias e desvios-padrão. O software SPSS foi usado na análise estatística.

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo, CAAE 71264617.7.0000.5505, sob nº 2.520.168, com observância das Melhores Práticas Clínicas e da Resolução 466, de 12 de dezembro de 2012, do Conselho Brasileiro de Saúde /Ministério da Saúde.

RESULTADOS

A amostra foi composta por 67 alunos do curso de enfermagem, com idade média de 25,15±3,83 anos; 79,1% eram mulheres; 65,7% eram caucasianos; 35,8% eram católicos; 95,5% eram solteiros e 98,5% não tinham filhos. Com relação às condições habitacionais, 89,6% residiam com a família, 59,7% eram proprietários dos imóveis onde residiam e todos os participantes dispunham de saneamento básico. Quase metade dos alunos (47,8%) tinha renda familiar inferior a três salários-mínimos, e 20,9% tinham renda familiar superior a sete salários-mínimos. No momento da coleta de dados, o salário-mínimo vigente era de R$ 954,00. Apenas cinco (7,5%) alunos realizavam trabalho remunerado; um deles (13,3%) era técnico de enfermagem.

Quanto ao transporte utilizado para o deslocamento até a universidade, apurou-se o seguinte: sete (10,4%) estudantes iam a pé e 49,3% dos que utilizavam carro, metrô, trem ou ônibus, precisavam usar dois meios de transporte.

No que se refere às comorbidades, 21 (31,3%) relataram problemas de saúde preexistentes: seis (28,6%) relataram depressão; quatro (19%) relataram asma; dois (9,5%) hipotireoidismo; um (4,8%) diabetes mellitus; e oito (38,1%) referiram outras doenças. Um total de 31,3% dos participantes relatou o uso de medicamentos. Dentre os que relataram ter sido previamente diagnosticados com depressão (28,6%), três (50%) foram diagnosticados há 5 - 7 anos, dois (33,3%) relataram ter sido diagnosticados há um ano e um estudante (16,7 %) relatou ter sido diagnosticado há sete meses. Apenas dois (33,3%) estudantes referiram tratamento farmacológico para depressão.

Os alunos tinham uma vida sedentária, fumavam, consumiam bebidas alcoólicas, apresentavam sobrepeso/obesidade ou circunferências cervical ou abdominal aumentadas, além de pressão arterial elevada (Tabela 1), e níveis elevados de glicemia capilar e/ou perfil lipídico, classificados de acordo com a idade, em conformidade com a versão atualizada das Diretrizes Brasileiras de Dislipidemia. Em cinco indivíduos, o cálculo do LDL não foi realizado automaticamente pelo aparelho portátil (Tabela 2). Menos da metade dos alunos referiu exercitar-se em média 204,8±189,8 minutos/semana; mínimo de 35 minutos e máximo de 840 minutos/semana.

Tabela 1 -
Fatores de risco modificáveis para doenças cardiovasculares em estudantes de graduação em enfermagem. São Paulo, São Paulo, Brasil, 2018

Fatores de risco	N	%
Estilo de vida
Estilo de vida sedentário	49	73,1
Tabagismo	5	7,5
Consumo de álcool	27	40,3
Índice de massa corporal
Sobrepeso	11	16,4
Obesidade grau I	3	4,5
Obesidade grau II	2	3
Obesidade grau III	1	1,5
Circunferência abdominal
> 102cm para homens	-	-
> 88 cm para mulheres	7	13,2
Circunferência cervical
> 43 cm para homens	-	-
> 38 cm para mulheres	1	1,9
Pressão arterial
PAS de 121 a 139 mmHg	12	17,9
PAS ≥ 140 mmHg	2	3
PAD de 81 a 89 mmHg	18	26,9
PAD ≥ 90 mmHg	6	9
Risco para apneia do sono	11	16,4
Sonolência diurna excessiva	40	59,7
Risco de dependência de álcool
Baixo	57	85,1
Uso de risco	7	10,4
Uso nocivo	3	4,5

• Fonte: Dados da pesquisa, 2018.
• PAS: pressão arterial sistólica, PAD: pressão arterial diastólica

Tabela 2 -
Perfil lipídico e glicemia capilar em estudantes de graduação em enfermagem. São Paulo, São Paulo, Brasil, 2018

Variável	n	Média ± DP	Mínimo	Máximo
Perfil lipídico
Colesterol total
< 20 anos	38	154,1±26,8	100	212
≥ 20 anos	29	156,4±32,9	100	236
HDL
< 20 anos	38	56,4±16,1	34	100
≥ 20 anos	29	56,9±18,3	21	100
LDL
< 20 anos	35	81,4±23,4	48	144
≥ 20 anos	27	78,3±23,3	33	145
Triglicerídeos
< 20 anos	38	107,2±90,1	57	558
≥ 20 anos	29	102,8±44,8	48	239
Glicemia capilar	67	89,1±15,8	55	131

• Fonte: Dados da pesquisa, 2018.
• DP: desvio padrão, HDL: lipoproteínas de alta densidade, LDL: lipoproteínas de baixa densidade

O questionário sobre dependência de nicotina foi aplicado apenas entre os alunos que relataram uso de tabaco (5 alunos). Destes, 40% relataram dependência muito baixa, 40% dependência baixa e 20% dependência moderada. Nenhum dos alunos apresentou dependência de nicotina alta ou muito alta. Ao todo, 25 alunos (40,3%) consumiam bebidas alcoólicas.

Depressão, ansiedade e estresse também foram identificados em alguns estudantes de enfermagem, e os indivíduos foram classificados de acordo com a presença ou não de diagnóstico prévio de depressão. As médias e os desvios-padrão referem-se aos escores/pontuações totais dos questionários preenchidos. (Tabela 3).

Tabela 3 -
Depressão, ansiedade e estresse entre alunos de enfermagem. São Paulo, São Paulo, Brasil. 2018.

	N	%	Média ± DP
Depressão
Indivíduos sem diagnóstico prévio	61	91	11,2±8,4
Disforia	12	19,7
Sintomas de depressão	8	13,1
Indivíduos com diagnóstico prévio	6	9%	30,2±12,2
Depressão leve	1	16,7
Depressão moderada	2	33,3
Depressão severa	3	50
Ansiedade			16,6±11,4
Mínima	24	35,8
Leve	22	32,8
Moderada	10	14,9
Severa	11	16,4
Estresse			22,8±8,1
Pontuação ≤ 20	27	40,3
Pontuação > 20	40	59,7

• Fonte: Dados da pesquisa, 2018
• DP: desvio-padrão

No que se refere à qualidade de vida, os alunos apresentaram média igual a 83,3±16,8 no domínio capacidade funcional; 62,7±34,6 no domínio aspectos físicos; 65,9±19,4 no domínio dor; 58,4±21,3 no domínio estado geral de saúde; 42,2±19,0 no domínio vitalidade; 68,5±25,1 no domínio aspectos sociais; 54,2±40,1 no domínio aspectos emocionais; e 59,3±22,6 no domínio saúde mental.

DISCUSSÃO

Neste estudo houve predominância de mulheres entre os alunos de enfermagem, corroborando os achados da literatura4^-6^,16, bem como uma predominância de alunos jovens, solteiros4^-6^,16 e sem filhos6^,16. A prevalência de mulheres pode estar relacionada à profissão, tendo em vista que a enfermagem lida com a prestação de cuidados, função historicamente ligada ao sexo feminino.

No que se refere ao trabalho, poucos alunos exerciam atividade remunerada (7,5%), o que é inferior aos dados da literatura, de 25,8%16. O baixo número de alunos que exerciam atividade remunerada neste estudo pode estar relacionado ao fato de se tratar de um curso que contém atividades em período integral, inviabilizando para a maioria a conciliação do estudo com o trabalho. Quanto ao consumo de tabaco, constatou-se que poucos alunos eram fumantes. Um estudo brasileiro identificou o consumo de tabaco entre 6% dos estudantes6, enquanto um estudo mexicano relatou uma prevalência de 24,5% do consumo de tabaco entre os estudantes5. Quase metade dos estudantes informaram que bebiam socialmente. Um estudo realizado na mesma universidade verificou que 90% dos 281 participantes já haviam consumido álcool, enquanto 20,6% foram classificados como de consumo de risco ou nocivo de álcool. O mesmo estudo mostra que aqueles que consumiram álcool também obtiveram os menores escores de saúde mental17.

Um quarto dos alunos que participaram deste estudo tinham excesso de peso, em um percentual um pouco inferior ao relatado na literatura, que variou entre 28,6%6 e 32,7%18 entre os alunos de enfermagem. Esses achados podem estar relacionados à falta de exercício. Note-se que mais da metade dos alunos do presente estudo referiu não fazer nenhum exercício físico, ao passo que os estudos citados anteriormente relataram inatividade física correspondente a 17,8%6 e 66,1%18. Esses estudos não mencionaram o período de duração dos cursos de graduação, sejam eles de tempo integral ou parcial, de modo que não foi estabelecida uma relação entre a disponibilidade de tempo dos alunos e o nível de atividade física. Frequentar um curso em tempo integral pode ser um dos fatores que dificultam a prática de exercícios e o controle do peso. O mesmo ocorre no período anterior ao ingresso na faculdade, que é de intensa dedicação aos estudos, quando os alunos muitas vezes abdicam de práticas saudáveis em prol da preparação para o vestibular. Aumento da circunferência cervical foi encontrado em apenas um indivíduo (1,5%), o mesmo que tinha circunferência abdominal aumentada. Aumento da circunferência abdominal foi encontrado em 13,2% dos indivíduos, inferior ao que foi encontrado na literatura, ou seja, 36,9%6, embora o presente estudo tenha considerado valores de normalidade mais elevados para circunferência abdominal. Excesso de peso e falta de exercícios provavelmente estão relacionados. Trata-se de um curso em tempo integral, com um excesso de demandas acadêmicas, que pode estar relacionado à falta de tempo para realizar atividade física.

A análise do perfil lipídico permitiu identificar níveis elevados de colesterol total, triglicerídeos e LDL em alguns alunos. Resultados semelhantes foram identificados em um estudo com alunos de diferentes áreas, a saber: colesterol aumentado em 9,7%; triglicerídeos em 23%; LDL em 5,9%; e diminuição do HDL em 12% dos alunos19. A média da glicemia capilar estava dentro dos parâmetros de normalidade, semelhante ao relatado em outro estudo em que os estudantes apresentaram média igual a 79,4±19 mg/dl6. Como esperado, os níveis de glicemia estavam dentro dos parâmetros adequados, tendo em vista que a maioria dos alunos da amostra tinha um peso corporal adequado (74,6%).

Dentre os alunos que relataram não ter diagnóstico médico de depressão, poucos apresentavam disforia e depressão, ao passo que metade dos alunos que tinham diagnóstico prévio da doença tinham depressão grave. Esse resultado é preocupante, tendo em vista que a maioria dos estudantes de enfermagem são mulheres. As prevalências de ansiedade, estresse e os níveis moderados a extremamente graves de depressão foram de 39,9%, 20% e 24,3%, respectivamente, entre alunos de enfermagem de Hong Kong4. Essas condições estão relacionadas ao estilo de vida, a fatores sociodemográficos, à percepção de saúde mental e a problemas financeiros4.

Ao todo, 85,7% dos alunos de enfermagem de uma universidade estadual relataram sonolência diurna, sendo que 26,2% apresentavam sonolência excessiva20. Neste estudo, mais da metade dos alunos relatou ter sonolência diária, o que pode ser explicado pela necessidade de adaptação a uma nova vida que inclui carga horária intensa e frequentar cursos e atividades afins em horários além dos observados no período regular do curso. A privação do sono também é fator de risco para depressão, ansiedade e estresse e pode ter contribuído para o elevado número de alunos que apresentam distúrbios psicológicos.

No que se refere à qualidade de vida, foi obtida uma pontuação maior no domínio capacidade funcional, enquanto a vitalidade obteve a menor pontuação. Os mesmos achados são encontrados em um estudo brasileiro, que relata que os domínios capacidade funcional e vitalidade apresentaram as maiores e menores pontuações, respectivamente17. Os alunos que participaram deste estudo não apresentavam limitações físicas, o que pode explicar a alta pontuação obtida neste domínio, ao passo que a pontuação obtida para vitalidade, que é um domínio relacionado ao nível de energia, pode ser explicada pela sonolência diurna relatada por mais da metade dos alunos.

Este estudo possibilitou traçar o perfil dos alunos do primeiro ano do curso de enfermagem de uma universidade pública, identificar potenciais vulnerabilidades e necessidades que requerem intervenções para evitar e/ou minimizar complicações decorrentes de fatores de risco modificáveis para doenças cardiovasculares. Os resultados deste estudo irão impactar e contribuir para o alcance da meta proposta pela Organização Mundial da Saúde, que é reduzir 25% das doenças cardiovasculares até 2025. Além disso, os resultados serão compartilhados com os coordenadores do Curso de Graduação para que as intervenções possam ser discutidas e implementadas.

CONCLUSÃO

Os estudantes universitários do primeiro ano de enfermagem que participaram do estudo apresentam diferentes fatores de risco para doenças cardiovasculares, principalmente sedentarismo, sonolência diurna excessiva e estresse. Esses fatores de risco devem ser identificados precocemente para que seus impactos na vida dos indivíduos sejam minimizados, uma vez que se trata de futuros profissionais, cuja função principal será cuidar de outros e, portanto, devem antes cuidar de si mesmos. A vitalidade foi o domínio da qualidade de vida com a menor pontuação média. Ressalta-se que são necessários outros estudos sobre diferentes perfis de estudantes de graduação em enfermagem, a fim de que se possa traçar um perfil mais detalhado desses indivíduos. As limitações deste estudo incluem o reduzido número de alunos da amostra e o fato de que sejam todos provenientes de uma única universidade.

Financiamento/Agradecimentos:

O projeto foi financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), nº 407708/2018-9 e nº 307562/2018-2 e o doutorando recebeu suporte financeiro da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  01 Ago 2022
• Data do Fascículo
  2022

Histórico

• Recebido
  12 Mar 2021
• Aceito
  28 Out 2021