Acessibilidade / Reportar erro

Padrão de resistência antimicrobiana em culturas ambulatoriais de urina em mulheres no sul do Brasil - comunicação breve de um estudo transversal

RESUMO

Objetivo

O aumento da resistência aos antibióticos (AR) é um fenômeno global com variações regionais. Esta pesquisa tem como objetivo descrever a AR em culturas de urina de mulheres oriundas da comunidade em uma cidade sul-brasileira.

Métodos

Um estudo de centro único, transversal e retrospectivo em culturas de urina oriundas da comunidade. O principal desfecho foi o perfil de AR de bactérias isoladas de uroculturas ambulatoriais.

Resultados

De 4.011 culturas de urina, 524 foram positivas (91% de mulheres). As bactérias mais frequentemente isoladas em mulheres foram Escherichia coli (67,0%) e Klebsiella spp. (19,4%). E. coli apresentou baixa resistência à nitrofurantoína (3,7%), moderada a levofloxacina (15,6%), amoxacilina-clavulonato (16,4%) e ciprofloxacina (17,4%) e alta ao trimetoprim-sulfametoxazol (26,9%) entre mulheres.

Conclusões

A nitrofurantoína parece ser a melhor escolha para o tratamento empírico das infecções do trato urinário inferior em mulheres, enquanto as sulfonamidas não são mais uma opção, uma vez que a resistência de E. coli a essa droga é superior a 20%.

Palavras-chave
Infecções urinárias; Infecções comunitárias adquiridas; Resistência microbiana a medicamentos; Brasil; Escherichia coli

ABSTRACT

Objective

The increase in antibiotic resistance (AR) is a global phenomenon with regional variation. This survey aims to describe the AR in urine cultures of women from the community in a southern Brazil city.

Methods

A retrospective cross-sectional single-center study in urine cultures of community dwelling individuals. The main outcome was the AR profile of bacterial isolates from women in outpatient care.

Results

From 4,011 urine cultures, 524 were positive (91% from women). The most frequently isolated bacteria were Escherichia coli (E. coli) (67.0%) and Klebsiella spp. (19.4%). E. coli presented low resistance to nitrofurantoin (3.7%), moderate to levofloxacin (15.6%), amoxacillin-clavulonate (16.4%) and ciprofloxacin (17.4%), and high to trimethoprim-sulfamethoxazole (26.9%).

Conclusions

Nitrofurantoin seems to be the best choice for the empirical treatment of low urinary tract infections in women, whereas sulfonamides are no longer an option, since E. coli resistance to this drug is above 20%.

Keywords
Urinary tract infections; Community-acquired infections; Drug resistance microbial; Brazil; Escherichia coli

RESUMEN

Objetivo

El aumento de la resistencia a los antibióticos (AR) es un fenómeno global con variaciones regionales. Esta investigación tiene como objetivo describir la AR en cultivos de orina de mujeres de la comunidad de una ciudad del sur de Brasil.

Métodos

Un estudio retrospectivo transversal, de un solo centro, de cultivos de orina de la comunidad. El resultado principal fue el perfil de AR de bacterias aisladas de estos cultivos de orina.

Resultados

De 4.011 cultivos de orina, 524 fueron positivos (91% de las mujeres). Las bacterias más frecuentemente aisladas en mujeres fueron Escherichia coli (67,0%) y Klebsiella spp. (19,4%). E. coli mostró baja resistencia a nitrofurantoína (3,7%), moderada a levofloxacina (15,6%), amoxacilina-clavulonato (16,4%) y ciprofloxacina (17,4%) y alta a trimetoprima-sulfametoxazol (26,9%) entre las mujeres.

Conclusiones

La nitrofurantoína parece ser la mejor opción para el tratamiento empírico de la infección de las vías urinarias inferiores en mujeres, mientras que las sulfonamidas ya no son una opción, ya que la resistencia de E. coli a este fármaco es superior al 20%.

Palabras clave
Infecciones urinarias; Infecciones comunitarias adquiridas; Farmacorresistencia microbiana; Brasil; Escherichia coli

INTRODUÇÃO

O estudo Global Burden of Disease descreve uma estimativa mundial de 274 milhões de novos casos de infecção do trato urinário (ITU) em 2017, incluindo todas as idades e ambos os sexos 1 GBD 2017 Disease and Injury Incidence and Prevalence Collaborators. Global, regional, and national incidence, prevalence, and years lived with disability for 354 diseases and injuries for 195 countries and territories, 1990-2017: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2017. Lancet. 2018;392(10159):1789-858. doi: https://doi.org/10.1016/S0140-6736(18)32279-7
https://doi.org/10.1016/S0140-6736(18)32...
. A prevalência estimada de ITU ao longo da vida entre mulheres é superior a 50.000 casos por 100.000 e de cerca de 10.000 casos por 100.000 em homens 2 Gay L, Melenotte C, Lakbar I, Mezouar S, Devaux C, Raoul D, et al. Sexual dimorphism and gender in infectious diseases. Front Immunol. 2021;12:698121. doi: https://doi.org/10.3389/fimmu.2021.698121
https://doi.org/10.3389/fimmu.2021.69812...
. A gravidade da ITU varia da cistite, com impacto na qualidade de vida e perda de dias de trabalho, até a pielonefrite, com risco de sepse e morte 3 Rossi P, Cimerman S, Truzzi JC, Cunha CA, Mattar R, Martino MDV, et al. Joint report of SBI (Brazilian Society of Infectious Diseases), FEBRASGO (Brazilian Federation of Gynecology and Obstetrics Associations), SBU (Brazilian Society of Urology) and SBPC/ML (Brazilian Society of Clinical Pathology/Laboratory Medicine): recommendations for the clinical management of lower urinary tract infections in pregnant and non-pregnant women. Braz J Infect Dis. 2020;24(2):110-19. doi: https://doi.org/10.1016/j.bjid.2020.04.002
https://doi.org/10.1016/j.bjid.2020.04.0...
.

A infecção do trato urinário inferior em mulheres saudáveis ​​e não grávidas é considerada não complicada e possibilita diagnóstico clínico. Todas as outras condições classificam-se como ITU complicada, necessitando de urocultura 3 Rossi P, Cimerman S, Truzzi JC, Cunha CA, Mattar R, Martino MDV, et al. Joint report of SBI (Brazilian Society of Infectious Diseases), FEBRASGO (Brazilian Federation of Gynecology and Obstetrics Associations), SBU (Brazilian Society of Urology) and SBPC/ML (Brazilian Society of Clinical Pathology/Laboratory Medicine): recommendations for the clinical management of lower urinary tract infections in pregnant and non-pregnant women. Braz J Infect Dis. 2020;24(2):110-19. doi: https://doi.org/10.1016/j.bjid.2020.04.002
https://doi.org/10.1016/j.bjid.2020.04.0...
. No entanto, o tratamento inicial é frequentemente empírico, devido ao tempo necessário até o isolamento do agente e a testagem da resistência aos antibióticos (RA) 3 Rossi P, Cimerman S, Truzzi JC, Cunha CA, Mattar R, Martino MDV, et al. Joint report of SBI (Brazilian Society of Infectious Diseases), FEBRASGO (Brazilian Federation of Gynecology and Obstetrics Associations), SBU (Brazilian Society of Urology) and SBPC/ML (Brazilian Society of Clinical Pathology/Laboratory Medicine): recommendations for the clinical management of lower urinary tract infections in pregnant and non-pregnant women. Braz J Infect Dis. 2020;24(2):110-19. doi: https://doi.org/10.1016/j.bjid.2020.04.002
https://doi.org/10.1016/j.bjid.2020.04.0...
. O tratamento empírico deve basear-se no padrão local e atualizado de RA, o qual esta sujeito a grande variabilidade conforme regiões geográficas e períodos de tempo 4 World Health Organization. Global antimicrobial resistance and use surveillance system (GLASS) report 2021 [Internet]. Geneva: WHO; 2021 [cited 2020 Dec 15]. Available from: https://www.who.int/publications/i/item/9789240027336
https://www.who.int/publications/i/item/...
. Os principais determinantes do padrões de RA são as políticas de saúde locais, inclusive a regulamentação nas práticas de prescrição de antibióticos, o uso de antibióticos na pecuária e o controle de medicamentos falsificados 5 Ouedraogo AS, Jean Pierre H, Bañuls AL, Quédraogo R, Godreuil S. Emergence and spread of antibiotic resistance in West Africa: contributing factors and threat assessment. Med Sante Trop. 2017;27(2):147-54. doi: https://doi.org/10.1684/mst.2017.0678
https://doi.org/10.1684/mst.2017.0678 ...
, 6 Rousham EK, Unicomb L, Islam MA. Human, animal and environmental contributors to antibiotic resistance in low-resource settings: integrating behavioural, epidemiological and One Health approaches. Proc Biol Sci. 2018;285(1876):20180332. doi: https://doi.org/10.1098/rspb.2018.0332
https://doi.org/10.1098/rspb.2018.0332 ...
.

Portanto, a escolha racional e custo-efetiva do antibiótico a ser prescrito na terapia empírica da ITU depende do conhecimento do padrão local de RA. Relatórios periódicos sobre RA, que seriam os dados mais adequados para embasar essa decisão clínica, não têm sido fornecidos pelo sistema público brasileiro de saúde. A relativa escassez de publicações científicas atualizadas sobre RA no sul do Brasil não tem contribuído no preenchimento desta lacuna 7 Naber KG, Schito G, Botto H, Palou J, Mazzei T. Surveillance study in europe and Brazil on clinical aspects and Antimicrobial Resistance Epidemiology in Females with Cystitis (ARESC): implications for empiric therapy. Eur Urol. 2008;54:1164-75. doi: https://doi.org/10.1016/j.eururo.2008.05.010
https://doi.org/10.1016/j.eururo.2008.05...
. O Brasil é um país extenso, com dimensão continental e grande heterogeneidade socioeconômica, o que impede que o padrão de RA aferido em uma região possa ser extrapolada para o restante do território.

Tem ocorrido um aumento contínuo da RA em todo o mundo, o que leva uma prescrição baseada em dados desatualizados um elevado risco de falha terapêutica e seus custos sociais e econômicos 8 Bassetti M, Giacobbe DR. A look at the clinical, economic, and societal impact of antimicrobial resistance in 2020 [editorial]. Expert Opin Pharmacother. 2020;21(17):2067-71. doi: https://doi.org/10.1080/14656566.2020.1802427
https://doi.org/10.1080/14656566.2020.18...
. Considerando que enfermeiros brasileiros integrados a equipes de saúde podem prescrever medicamentos disponíveis em programas de saúde pública e recomendados pelas diretrizes das instituições de saúde 9 Presidência da República (BR). Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei n. 7.498, de 25 de junho de 1986. Dispõe sobre a regulamentação do exercício da Enfermagem e dá outras providências. 1986 [cited 2020 Dec 15]. Available from: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7498.htm
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/le...
, essa questão preocupa tanto enfermeiros quanto médicos.

O objetivo do presente estudo foi disponibilizar padrões locais de RA obtidas em culturas de urina ambulatoriais de mulheres em uma cidade do sul do Brasil.

MÉTODOS

Desenho do Estudo: Trata-se de um estudo transversal, observacional e retrospectivo, com revisão dos resultados de uroculturas do laboratório de microbiologia de um Hospital Universitário do Sul do Brasil. O desenho e o relato do estudo seguiram as recomendações do Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE). O protocolo do estudo foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Católica de Pelotas sob o número 3.233.494.

Cenário: Os resultados de todas as uroculturas coletadas de pacientes ambulatoriais entre 1º de janeiro e 31 de dezembro de 2018 e analisadas no laboratório de microbiologia do Hospital da Universidade Católica de Pelotas foram revisadas a partir do banco de dados eletrônico do laboratório. O laboratório atende pacientes internados e ambulatoriais, além da unidade de emergência local. Os exames são custeados pelo sistema público de saúde, por saúde suplementar ou particular. Na cidade estudada, outros dezesseis laboratórios processam uroculturas.

Participantes: Foram coletados dados sobre sexo e idade do paciente, cepa bacteriana e padrão de resistência a antibióticos de culturas de urina ambulatoriais. As uroculturas eram elegíveis se apresentassem crescimento bacteriano acima de 10 5 Ouedraogo AS, Jean Pierre H, Bañuls AL, Quédraogo R, Godreuil S. Emergence and spread of antibiotic resistance in West Africa: contributing factors and threat assessment. Med Sante Trop. 2017;27(2):147-54. doi: https://doi.org/10.1684/mst.2017.0678
https://doi.org/10.1684/mst.2017.0678 ...
unidades formadoras de colônias por mililitro (UFC/mL), com teste de suscetibilidade a antibióticos, coletadas de indivíduos da comunidade durante o ano de 2018. Culturas de urina com crescimento polimicrobiano ou fúngico, ou coletadas de indivíduos hospitalizados ou institucionalizados, foram excluídas.

Desfechos: O desfecho principal foi o perfil de resistência a antibióticos de cepas bacterianas isoladas em uroculturas. Os desfechos secundários incluem a diferença dos padrões de RA de acordo com a idade.

Técnicas: O laboratório estudado utiliza protocolo de identificação de bactérias e testes de suscetibilidade conforme o PNCQ - Programa Nacional de Controle de Qualidade, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, seguindo a Resolução RDC nº 153. O processo inicia-se com a semeadura da urina em placa de Petry com ágar-sangue, McConkey e ágar-chocolate. Em seguida, se houver crescimento bacteriano após 24 horas de incubação, são conduzidos testes automatizados de identificação de bactérias e suscetibilidade a antimicrobianos, utilizando o sistema Phoenix 100 BD. Este sistema identifica o germe através da detecção de produtos do metabolismo microbiano e testa a suscetibilidade filtrando o crescimento bacteriano na presença de concentração graduada de antibióticos em nichos do painel, que são continuamente incubados e lidos. O sistema automatizado fornece resultados rápidos quanto a cepa e RA de bactérias aeróbicas e anaeróbicas facultativas, Gram-positivas e Gram-negativas, que infectam humanos. O sistema fornece os resultados de AR como resistentes, intermediários e sensíveis de acordo com a concentração inibitória mínima (CIM).

Os resultados das uroculturas e os dados demográficos foram coletados por meio de um questionário estruturado elaborado para o estudo. Como a coleta foi baseada em dados secundários arquivados no banco de dados digital do laboratório, dados clínicos e socioeconômicos, os quais não foram registrados originalmente, não puderam ser recuperados.

Análise Estatística: A estatísticas descritiva das espécies de bactérias isoladas e de seus padrões de RA apresentou média e desvio padrão, mediana e intervalo interquartil, ou número absoluto e percentual. A frequência de uroculturas positivas, padrões de bactérias isoladas e RA conforme a idade do paciente foi analisada por teste qui-quadrado, t-student ou Mann-Whitney. A suscetibilidade intermediária foi incluída como resistente na análise. O pacote de análise estatística STATA 15.2 foi utilizado para a análise estatística.

RESULTADOS

Um total de 4.011 uroculturas ambulatoriais foram processadas durante o ano de 2018 no laboratório de microbiologia estudado, das quais 524 (13,1%) foram elegíveis para esta pesquisa. Houve 3.374 (84,1%) exclusões por ausência de crescimento bacteriano, 46 ​​(1,2%) com crescimento polimicrobiano, 9 (0,2%) por falta de teste de suscetibilidade a antibióticos, 10 (0,2%) por amostra de urina inadequada e 47 (1,2%) devido a problemas técnicos na base de dados. Das 524 culturas incluídas, 478 eram de mulheres, que apresentavam uma mediana de idade de 51 (IQR 31 - 64) anos, a maioria de mulheres entre 18 e 59 anos, em comparação com grupos etários mais jovens e mais velhos (p< 0,001).

A Escherichia coli foi a bactéria isolada com maior frequência, em 67,0% das uroculturas de indivíduos do sexo feminino, incluindo 1,3% de E. coli produtoras de beta-lactamase de espectro estendido (ESBL). Outras bactérias frequentemente isoladas foram Klebsiella spp 19,4%, Enterobacter spp 4,2%, Staphylococcus spp 4,6%, Streptococcus spp 4,3%, Proteus mirabilis 2,9%, Enterococcus spp 3,4%, Citrobacter 2,7%, Acinetobacter baumannii 1,3% e Pseudomonas aeruginosa 0,3%.

Tabela 1 -
Resistência antimicrobiana conforme os uropatógenos isolados

E. coli apresentou baixa resistência à nitrofurantoína (3,7%), moderada à levofloxacina (15,6%), amoxacilina-clavulonato (16,4%) e ciprofloxacina (17,4%) e alta resistência ao trimetoprim-sulfametoxazol (26,9%). E. coli se mostrou altamente resistente à ampicilina (48,1%) ( Tabela 1 ).

Enterobacter spp. apresentou elevada RA à maioria dos antibióticos testados, com menor resistência à levofloxacina (5,7%), ceftriaxona (16,7%) e ciprofloxacina (10,0%). A RA de Enterobacter spp. a amicacina (5,5%) foi menor. ( Tabela 1 )

Klebsiella spp. também apresentou altas taxas de RA, sendo as menores para trimetoprima-sulfametoxazol (9,1%), ciprofloxacina (22,2%) e levofloxacina (22,5%). Amicacina foi o único antibiótico ao qual Klebsiella spp. apresentou baixa resistência (2,3%) ( Tabela 1 ).

DISCUSSÃO

A Escherichia coli foi o uropatógeno mais prevalente nesta amostra de uroculturas ambulatoriais de mulheres do sul do Brasil, apresentando baixa resistência à nitrofurantoína, resistência intermediária às quinolonas e amoxacilina-clavulonato e alta resistência à sulfonamida.

A alta resistência da E. coli à sulfonamida tem sido descrita em todo o mundo 4 World Health Organization. Global antimicrobial resistance and use surveillance system (GLASS) report 2021 [Internet]. Geneva: WHO; 2021 [cited 2020 Dec 15]. Available from: https://www.who.int/publications/i/item/9789240027336
https://www.who.int/publications/i/item/...
. O uso contínuo de sulfonamida por quase um século em humanos e animais, associado à fácil transferência de genes móveis de resistência entre isolados de E. coli, pode explicar esse padrão de resistência. A nitrofurantoína também é uma droga antiga, em uso clínico desde a década de 1950. Entretanto, seu mecanismo de ação multifatorial impõe dificuldades na aquisição de resistência 10 Gardiner BJ, Stewardson AJ, Abbott IJ, Peleg AY. Nitrofurantoin and fosfomycin for resistant urinary tract infections: old drugs for emerging problems. Aust Prescr 2019;42:14-9. doi: https://doi.org/10.18773/austprescr.2019.002
https://doi.org/10.18773/austprescr.2019...
. Além disso, a droga só atinge concentração terapêutica no trato urinário, restringindo seu uso clínico.

O surgimento mais recente da resistência às quinolonas, no entanto, é alarmante. As quinolonas têm representado uma reserva terapêutica para a pielonefrite(3). A maioria dos outros medicamentos não adquire níveis adequados no rim ou está disponível apenas para uso parenteral, impossibilitando o tratamento extra-hospitalar. Nesta amostra do sul do Brasil, 17,4% e 15,6% das cepas de E. coli adquiridas na comunidade eram resistentes a ciprofloxacina e levofloxacina, respectivamente. A taxa global de resistência da E. coli comunitária a ciprofloxacina varia de 11% na Suíça 11 Plate A, Kronenberg A, Risch M, Mueller Y, Gangi S, Rosemann T, et al. Active surveillance of antibiotic resistance patterns in urinary tract infections in primary care in Switzerland. Infection. 2019;47(6):1027-35. doi: https://doi.org/10.1007/s15010-019-01361-y
https://doi.org/10.1007/s15010-019-01361...
a 53% na Índia 12 Dash M, Padhi S, Mohanty I, Panda P, Parida B. Antimicrobial resistance in pathogens causing urinary tract infections in a rural community of Odisha, India. J Family Community Med. 2013;20:20-6. doi: https://doi.org/10.4103/2230-8229.108180
https://doi.org/10.4103/2230-8229.108180...
e 55% no México 13 Molina-López J, Aparicio-Ozores G, Ribas-Aparicio RM, Gavilanes-Parra S, Chávez-Berrocal ME, Hernández-Castro R, et al. Drug resistance, serotypes, and phylogenetic groups among uropathogenic Escherichia coli including O25-ST131 in Mexico City. J Infect Dev Ctries 2011;5(12):840-9. doi: https://doi.org/10.3855/jidc.1703
https://doi.org/10.3855/jidc.1703 ...
. O venda de antibióticos sem prescrição, prática frequente no mundo em desenvolvimento, mostrou-se um importante preditor de maior resistência 14 Bryce A, Hay AD, Lane IF, Thornton HV, Wootton M, Costelloe C, et al. Global prevalence of antibiotic resistance in paediatric urinary tract infections caused by Escherichia coli and association with routine use of antibiotics in primary care: Systematic review and meta-analysis. BMJ. 2016;352:i939. doi: https://doi.org/10.1136/bmj.i939
https://doi.org/10.1136/bmj.i939 ...
. O estudo ARESC 7 Naber KG, Schito G, Botto H, Palou J, Mazzei T. Surveillance study in europe and Brazil on clinical aspects and Antimicrobial Resistance Epidemiology in Females with Cystitis (ARESC): implications for empiric therapy. Eur Urol. 2008;54:1164-75. doi: https://doi.org/10.1016/j.eururo.2008.05.010
https://doi.org/10.1016/j.eururo.2008.05...
avaliou setenta centros em nove países europeus e no Brasil, entre 2003 e 2006, incluindo mulheres adultas saudáveis ​​com sintomas de ITU baixa não complicada. Foi constatado na E. coli isolada no Brasil uma taxa de resistência ao ciprofloxacino de 10,8%. Kiffer et al.( 15 Kiffer CR, Mendes C, Oplustil CP, Sampaio JL. Antibiotic resistance and trend of urinary pathogens in general outpatients from a major urban city. Int Braz J Urol. 2007;33:42-8. doi: https://doi.org/10.1590/S1677-55382007000100007
https://doi.org/10.1590/S1677-5538200700...
) encontraram em 2007 no Brasil uma taxa de resistência da E. coli a ciprofloxacina de 12%. Embora esses estudos tenham incluído diferentes regiões do Brasil, um país de dimensões continentais, com grandes diferenças socioeconômicas e culturais, a taxa de resistência encontrada na presente amostra é apenas 5% maior àquela descrita 10 anos atrás, uma mudança menor à encontrada em outros países em desenvolvimento. Desde 2010, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária proíbe a venda de antibióticos sem prescrição, o que pode ter contribuído para minimizar o aumento da resistência da E. coli às quinolonas.

Outra medida importante foi planejada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária: a rastreabilidade dos medicamentos comercializados no Brasil. A falta de controle de qualidade dos antibióticos também contribui para o aumento da RA, devido à exposição da população a níveis subterapêuticos das drogas. Um relatório recente da Organização Mundial da Saúde 16 World Health Organization. WHO global surveillance and monitoring system for substandard and falsified medical products [Internet]. Geneva: WHO ; 2017 [cited 2020 Dec 15]. Available from: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/326708/9789241513425-eng.pdf?sequence=1&isAllowed=y
https://apps.who.int/iris/bitstream/hand...
descreve que cerca de 10% dos medicamentos comercializados em países de baixa a média renda preenchem os critérios para produtos médicos de qualidade inferior/espúrios/com rótulos falsos/falsificados. No entanto, permanece a controvérsia de que a proteção as patentes e os interesses econômicos são a principal força motriz para a apreensão de medicamentos considerados falsificados. Uma investigação recente 17 Ozawa S, Evans DR, Bessias S, Haynie DG, Yemeke TT, Laing SK, et al. Prevalence and estimated economic burden of substandard and falsified medicines in low- and middle-income countries: a systematic review and meta-analysis. JAMA Netw Open. 2018;1(4):e181662. doi: https://doi.org/10.1001/jamanetworkopen.2018.1662
https://doi.org/10.1001/jamanetworkopen....
) relata que antimaláricos e antibióticos são os medicamentos mais frequentemente vendidos em condições precárias ou falsificados em países africanos e asiáticos de baixa renda. Em 2008, 500 mil unidades de medicamentos suspeitos de falsificação foram apreendidas no Brasil. Esse número saltou para 18.000.000 unidades em 2010. Entre os medicamentos apreendidos por falsificação entre 1998-2015 no Brasil, 8% eram antibióticos 18 Costa CRA. Falsificação de medicamentos: um breve panorama e estudo de caso [trabalho de conclusão de curso]. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2016 [cited 2020 Dec 15]. Available from: https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/14850
https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict...
.

O uso extensivo de antimicrobianos na pecuária também tem sido associado à resistência antimicrobiana. Uma publicação recente na revista Science 19 Van Boeckel TP, Pires J, Silvester R, Zhao C, Song J, Criscuolo NG, et al. Global trends in antimicrobial resistance in animals in low- and middle-income countries. Science. 2019;365(6459):eaaw1944. doi: https://doi.org/10.1126/science.aaw1944
https://doi.org/10.1126/science.aaw1944 ...
) desenhou o mapa global da RA na pecuária, descrevendo pontos críticos de resistência exatamente na Índia e no México, os mesmos países com as maiores taxas de resistência da E. coli à ciprofloxacina entre humanos 12 Dash M, Padhi S, Mohanty I, Panda P, Parida B. Antimicrobial resistance in pathogens causing urinary tract infections in a rural community of Odisha, India. J Family Community Med. 2013;20:20-6. doi: https://doi.org/10.4103/2230-8229.108180
https://doi.org/10.4103/2230-8229.108180...
, 13 Molina-López J, Aparicio-Ozores G, Ribas-Aparicio RM, Gavilanes-Parra S, Chávez-Berrocal ME, Hernández-Castro R, et al. Drug resistance, serotypes, and phylogenetic groups among uropathogenic Escherichia coli including O25-ST131 in Mexico City. J Infect Dev Ctries 2011;5(12):840-9. doi: https://doi.org/10.3855/jidc.1703
https://doi.org/10.3855/jidc.1703 ...
. O mesmo mapa global encontrou áreas preocupantes na região sudeste do Brasil, enquanto o Rio Grande do Sul apresentou baixa RA na pecuária. No entanto, a relevância da transmissão de RA entre patógenos humanos e animais ainda é uma questão de debate.

A falta de acesso a informações clínicas relevantes, como sintomas, exposição prévia a antibióticos e comorbidades associadas, ou internações anteriores é um ponto fraco deste relatório, que foi baseado em dados secundários de um laboratório de microbiologia. As uroculturas foram realizadas por indicação clínica. Como a ITU não complicada em mulheres pode ser tratada empiricamente, essa amostra pode incluir predominantemente casos de ITU complicada, com risco de superestimar as taxas de resistência. Por fim, a ausência de teste de resistência à fosfomicina, droga também descrita 10 Gardiner BJ, Stewardson AJ, Abbott IJ, Peleg AY. Nitrofurantoin and fosfomycin for resistant urinary tract infections: old drugs for emerging problems. Aust Prescr 2019;42:14-9. doi: https://doi.org/10.18773/austprescr.2019.002
https://doi.org/10.18773/austprescr.2019...
como altamente eficaz contra E. coli e outros uropatógenos, também se constitui em uma deficiência deste relatório.

CONCLUSÕES

Este relatório contribui no preenchimento de uma lacuna nos dados de resistência a antibióticos no sul do Brasil, informação com a qual as equipes de saúde (incluindo enfermeiros) e os gestores devem contar em suas tomadas de decisão. De acordo com nossos achados, a nitrofurantoína é a melhor escolha para o tratamento empírico de infecções do trato urinário inferior em mulheres. As sulfonamidas não são mais uma opção, pois a resistência da E. coli a essa droga é superior a 20%, limite recomendado para permitir o uso em tratamento empírico. As quinolonas devem ser preservadas da resistência crescente da E. coli, restringindo seu uso, em mulheres, a infecções complicadas ou do trato urinário superior.

REFERENCES

  • GBD 2017 Disease and Injury Incidence and Prevalence Collaborators. Global, regional, and national incidence, prevalence, and years lived with disability for 354 diseases and injuries for 195 countries and territories, 1990-2017: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2017. Lancet. 2018;392(10159):1789-858. doi: https://doi.org/10.1016/S0140-6736(18)32279-7
    » https://doi.org/10.1016/S0140-6736(18)32279-7
  • Gay L, Melenotte C, Lakbar I, Mezouar S, Devaux C, Raoul D, et al. Sexual dimorphism and gender in infectious diseases. Front Immunol. 2021;12:698121. doi: https://doi.org/10.3389/fimmu.2021.698121
    » https://doi.org/10.3389/fimmu.2021.698121
  • Rossi P, Cimerman S, Truzzi JC, Cunha CA, Mattar R, Martino MDV, et al. Joint report of SBI (Brazilian Society of Infectious Diseases), FEBRASGO (Brazilian Federation of Gynecology and Obstetrics Associations), SBU (Brazilian Society of Urology) and SBPC/ML (Brazilian Society of Clinical Pathology/Laboratory Medicine): recommendations for the clinical management of lower urinary tract infections in pregnant and non-pregnant women. Braz J Infect Dis. 2020;24(2):110-19. doi: https://doi.org/10.1016/j.bjid.2020.04.002
    » https://doi.org/10.1016/j.bjid.2020.04.002
  • World Health Organization. Global antimicrobial resistance and use surveillance system (GLASS) report 2021 [Internet]. Geneva: WHO; 2021 [cited 2020 Dec 15]. Available from: https://www.who.int/publications/i/item/9789240027336
    » https://www.who.int/publications/i/item/9789240027336
  • Ouedraogo AS, Jean Pierre H, Bañuls AL, Quédraogo R, Godreuil S. Emergence and spread of antibiotic resistance in West Africa: contributing factors and threat assessment. Med Sante Trop. 2017;27(2):147-54. doi: https://doi.org/10.1684/mst.2017.0678
    » https://doi.org/10.1684/mst.2017.0678
  • Rousham EK, Unicomb L, Islam MA. Human, animal and environmental contributors to antibiotic resistance in low-resource settings: integrating behavioural, epidemiological and One Health approaches. Proc Biol Sci. 2018;285(1876):20180332. doi: https://doi.org/10.1098/rspb.2018.0332
    » https://doi.org/10.1098/rspb.2018.0332
  • Naber KG, Schito G, Botto H, Palou J, Mazzei T. Surveillance study in europe and Brazil on clinical aspects and Antimicrobial Resistance Epidemiology in Females with Cystitis (ARESC): implications for empiric therapy. Eur Urol. 2008;54:1164-75. doi: https://doi.org/10.1016/j.eururo.2008.05.010
    » https://doi.org/10.1016/j.eururo.2008.05.010
  • Bassetti M, Giacobbe DR. A look at the clinical, economic, and societal impact of antimicrobial resistance in 2020 [editorial]. Expert Opin Pharmacother. 2020;21(17):2067-71. doi: https://doi.org/10.1080/14656566.2020.1802427
    » https://doi.org/10.1080/14656566.2020.1802427
  • Presidência da República (BR). Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei n. 7.498, de 25 de junho de 1986. Dispõe sobre a regulamentação do exercício da Enfermagem e dá outras providências. 1986 [cited 2020 Dec 15]. Available from: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7498.htm
    » https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7498.htm
  • Gardiner BJ, Stewardson AJ, Abbott IJ, Peleg AY. Nitrofurantoin and fosfomycin for resistant urinary tract infections: old drugs for emerging problems. Aust Prescr 2019;42:14-9. doi: https://doi.org/10.18773/austprescr.2019.002
    » https://doi.org/10.18773/austprescr.2019.002
  • Plate A, Kronenberg A, Risch M, Mueller Y, Gangi S, Rosemann T, et al. Active surveillance of antibiotic resistance patterns in urinary tract infections in primary care in Switzerland. Infection. 2019;47(6):1027-35. doi: https://doi.org/10.1007/s15010-019-01361-y
    » https://doi.org/10.1007/s15010-019-01361-y
  • Dash M, Padhi S, Mohanty I, Panda P, Parida B. Antimicrobial resistance in pathogens causing urinary tract infections in a rural community of Odisha, India. J Family Community Med. 2013;20:20-6. doi: https://doi.org/10.4103/2230-8229.108180
    » https://doi.org/10.4103/2230-8229.108180
  • Molina-López J, Aparicio-Ozores G, Ribas-Aparicio RM, Gavilanes-Parra S, Chávez-Berrocal ME, Hernández-Castro R, et al. Drug resistance, serotypes, and phylogenetic groups among uropathogenic Escherichia coli including O25-ST131 in Mexico City. J Infect Dev Ctries 2011;5(12):840-9. doi: https://doi.org/10.3855/jidc.1703
    » https://doi.org/10.3855/jidc.1703
  • Bryce A, Hay AD, Lane IF, Thornton HV, Wootton M, Costelloe C, et al. Global prevalence of antibiotic resistance in paediatric urinary tract infections caused by Escherichia coli and association with routine use of antibiotics in primary care: Systematic review and meta-analysis. BMJ. 2016;352:i939. doi: https://doi.org/10.1136/bmj.i939
    » https://doi.org/10.1136/bmj.i939
  • Kiffer CR, Mendes C, Oplustil CP, Sampaio JL. Antibiotic resistance and trend of urinary pathogens in general outpatients from a major urban city. Int Braz J Urol. 2007;33:42-8. doi: https://doi.org/10.1590/S1677-55382007000100007
    » https://doi.org/10.1590/S1677-55382007000100007
  • World Health Organization. WHO global surveillance and monitoring system for substandard and falsified medical products [Internet]. Geneva: WHO ; 2017 [cited 2020 Dec 15]. Available from: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/326708/9789241513425-eng.pdf?sequence=1&isAllowed=y
    » https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/326708/9789241513425-eng.pdf?sequence=1&isAllowed=y
  • Ozawa S, Evans DR, Bessias S, Haynie DG, Yemeke TT, Laing SK, et al. Prevalence and estimated economic burden of substandard and falsified medicines in low- and middle-income countries: a systematic review and meta-analysis. JAMA Netw Open. 2018;1(4):e181662. doi: https://doi.org/10.1001/jamanetworkopen.2018.1662
    » https://doi.org/10.1001/jamanetworkopen.2018.1662
  • Costa CRA. Falsificação de medicamentos: um breve panorama e estudo de caso [trabalho de conclusão de curso]. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2016 [cited 2020 Dec 15]. Available from: https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/14850
    » https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/14850
  • Van Boeckel TP, Pires J, Silvester R, Zhao C, Song J, Criscuolo NG, et al. Global trends in antimicrobial resistance in animals in low- and middle-income countries. Science. 2019;365(6459):eaaw1944. doi: https://doi.org/10.1126/science.aaw1944
    » https://doi.org/10.1126/science.aaw1944
  • Este estudo não recebeu financiamento externo.
  • 40
    Este artigo foi baseado na Dissertação de Mestrado dos primeiros autores (2019)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    17 Dez 2020
  • Aceito
    16 Nov 2021
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Escola de Enfermagem Rua São Manoel, 963 -Campus da Saúde , 90.620-110 - Porto Alegre - RS - Brasil, Fone: (55 51) 3308-5242 / Fax: (55 51) 3308-5436 - Porto Alegre - RS - Brazil
E-mail: revista@enf.ufrgs.br