Correlação da funcionalidade familiar e sobrecarga de cuidadores informais de idosos hospitalizados

RESUMO

Objetivo

analisar a relação entre funcionalidade familiar e sobrecarga de cuidadores informais de idosos hospitalizados.

Método

estudo transversal, quantitativo, realizado com 98 cuidadores informais de idosos hospitalizados em São Carlos, São Paulo. Para a coleta de dados, foram utilizados questionários para caracterização sociodemográfica e do contexto de cuidado, para avaliação da sobrecarga e da funcionalidade familiar. Foram usadas análises descritivas e coeficiente de correlação de Spearman.

Resultados

predominaram cuidadores do sexo feminino, que cuidavam de seus progenitores e não possuíam capacitação. Aproximadamente 59,8% deles apresentaram boa funcionalidade familiar, e 49,5%, sobrecarga leve a moderada. Houve correlação negativa, de moderada magnitude, entre funcionalidade familiar e sobrecarga (p<0,001). Quanto maior o escore de sobrecarga, menor o escore de funcionalidade familiar e vice-versa.

Conclusão

cuidadores com alta sobrecarga apresentaram pior funcionalidade familiar. Diante disso, enfermeiros precisam identificar precocemente tais condições e implementar intervenções assertivas para que a família funcione como um recurso terapêutico.

Palavras-chave
Cuidadores; Idoso; Hospitalização; Relações familiares; Enfermagem geriátrica

ABSTRACT

Aim

to analyze the relationship between family functionality and burden of informal caregivers of hospitalized older people.

Methods

this is a cross-sectional study conducted with 98 informal caregivers of hospitalized older people in an inpatient unit of a large hospital in São Carlos, São Paulo. For data collection were used questionnaires to sociodemographic and care context characterization, to evaluate burden and family functionality. Descriptive analyzes and Spearman’s correlation coefficient were used.

Results

female caregivers predominated, who took care of their parents and had no training. Approximately 59.8% of caregivers had good family functionality and 49.5% scored for mild to moderate burden. There was a negative correlation, moderate magnitude, between family functionality and burden (p<0,001). The higher the burden score, the lower the family functionality score and vice versa.

Conclusion

caregivers with high burden had worse family functionality. Therefore, nurses need to identify such conditions early and implement assertive interventions so that the family functions as a therapeutic resource.

Keywords
Caregivers; Aged; Hospitalization; Family relations; Geriatric nursing

RESUMEN

Objetivo

analizar la relación entre la funcionalidad familiar y la sobrecarga de los cuidadores informales de ancianos hospitalizados.

Métodos

estudio transversal realizado con 98 cuidadores informales de ancianos hospitalizados en una unidad de internación de un gran hospital de São Carlos, São Paulo. Para la recolección de datos, se utilizaron cuestionarios para caracterizar sociodemográficos y contexto de atención, para evaluar la sobrecarga y funcionalidad familiar. Se realizaron análisis descriptivos y coeficiente de correlación de Spearman.

Resultados

predominaban las cuidadoras femeninas, que cuidaban a sus padres y carecían de formación. Acerca de 59,8% de los cuidadores mostró una buena funcionalidad familiar y 49,5% puntuó por sobrecarga leve a moderada. Hubo una correlación negativa, de magnitud moderada, entre funcionalidad familiar y sobrecarga (p <0,001). Cuanto mayor puntuación de carga, menor puntuación de funcionalidad familiar y viceversa

Conclusión

los cuidadores con alta carga tenían peor funcionalidad familiar. Por lo tanto, las enfermeras necesitan identificar estas condiciones de manera temprana e implementar intervenciones asertivas para que la familia pueda funcionar como un recurso terapéutico.

Palabras clave
Cuidadores; Anciano; Hospitalización; Relaciones familiares; Enfermería geriátrica

INTRODUÇÃO

Doenças crônicas não transmissíveis frequentemente acometem os idosos, os quais convivem ou conviverão por longos anos com elas. Em virtude desse contexto, os idosos podem apresentar descompensações, dependência funcional e frequentes hospitalizações1. Nesse sentido, alguns idosos podem demandar cuidados mais diretos devido à reduzida capacidade de resposta aos diversos estressores, caracterizando-os como indivíduos vulneráveis2.

Dessa forma, a cronicidade dos problemas de saúde e a longevidade da população podem contribuir para o aparecimento de limitações funcionais, com consequente necessidade de um cuidador2. As políticas públicas brasileiras consideram que o amparo às pessoas idosas fica a cargo da família, do Estado e da sociedade. No entanto, a participação do Estado brasileiro é pontual, provendo serviços básicos de saúde com cobertura insuficiente e com reduzidas responsabilidades, quando comparadas à carga de cuidado, medicamentos e outras despesas deixadas às famílias3.

A literatura aponta a existência de dois tipos de cuidadores: os formais, que são remunerados pelo serviço ofertado; os informais, que exercem o ato de cuidar de maneira voluntária, os quais geralmente são familiares, amigos, ou vizinhos do idoso cuidado4. Na maioria das vezes, esse cuidador assume a responsabilidade pelo cuidado repentinamente, seja por um acordo familiar ou pela falta de opções de outros membros. Ademais, pode se encontrar despreparado tanto psicológica quanto tecnicamente para o desempenho desse novo papel e não receber o apoio de outras pessoas para o cuidado ao idoso2.

Fatores como altas demandas por cuidado informal, insuficiência de suporte social, comprometimento funcional e cognitivo, despreparo para o ato de cuidar, assim como mudanças intensas na rotina diária e nos papéis sociais, podem levar à disfunção familiar e a altos níveis de sobrecarga nesses cuidadores2^,5. Sendo assim, tanto a disfunção familiar quanto a sobrecarga entre os cuidadores de idosos podem interferir na qualidade do cuidado oferecido.

Esta pesquisa teve origem a partir da vivência em um projeto de extensão intitulado “Orienta Cuidador”, desenvolvido com cuidadores de idosos hospitalizados em uma instituição de grande porte de um município do interior paulista. Com o objetivo de minimizar a insegurança e a ansiedade em virtude do despreparo/desconhecimento desse novo cenário, os integrantes desse projeto realizam a educação em saúde e proporcionam um momento de compartilhar experiências e angústias vivenciadas. Grande parte desses cuidadores se queixava da intensa sobrecarga pela qual passavam e da disfunção existente entre seus membros familiares. A partir dessa experiência prática, foi proposta a seguinte pergunta de pesquisa: há relação entre funcionalidade familiar e sobrecarga de cuidadores informais de idosos hospitalizados?

Estudos anteriores descreveram a relação entre sobrecarga e funcionalidade familiar, indicando que cuidadores com baixos níveis de funcionalidade familiar apresentaram altos índices de sobrecarga e estresse percebido6^-8. Estudo realizado na Itália teve como objetivo examinar a sobrecarga do cuidador e sua relação com o funcionamento familiar em diferentes condições neurológicas. Participaram deste estudo 42 cuidadores de idosos. Os resultados mostraram altos níveis de sobrecarga entre esses cuidadores. A coesão, a satisfação e a qualidade da comunicação familiar se associaram a níveis reduzidos de sobrecarga do cuidador6.

No Brasil, uma pesquisa com dados derivados do Estudo Saúde, Bem-Estar e Envelhecimento (SABE) foi realizada com 331 cuidadores informais de idosos. Os resultados mostraram que os fatores associados à sobrecarga foram: idade (OR = 1,04; p = 0,001), relato de prestação de cuidado contínuo (OR = 2,78; p = 0,030) e disfunção familiar (OR = 5,60; p<0,001)2.

No entanto, estudos anteriores que exploraram a relação entre funcionalidade familiar e sobrecarga em cuidadores informais captados no contexto hospitalar são escassos. Vale ressaltar a importância da avaliação da funcionalidade da família a fim de identificá-la enquanto recurso terapêutico ou possível fator estressor8. Ademais, sabe-se que cuidadores com níveis elevados de sobrecarga podem apresentar comprometimento do seu bem-estar e qualidade de vida, além de resultar em um possível adoecimento, impactando negativamente, também, a qualidade do cuidado oferecido2.

Diante do exposto, o enfermeiro pode realizar uma avaliação desses cuidadores informais com o objetivo de rastrear precocemente a sobrecarga e a disfunção familiar. Em seguida, em conjunto com a equipe multiprofissional e interdisciplinar, poderá traçar intervenções assertivas e individualizadas, voltadas às necessidades desses cuidadores, a fim de minimizar os impactos negativos advindos dessas condições e melhorar a qualidade de vida tanto do cuidador quanto do idoso cuidado. Sendo assim, com o intuito de direcionar a assistência dos profissionais de saúde, este estudo objetivou analisar a relação entre funcionalidade familiar e sobrecarga de cuidadores informais de idosos hospitalizados.

MÉTODO

Trata-se de um estudo observacional, transversal, baseado nos pressupostos quantitativos de investigação, seguindo as diretrizes presentes na Declaração Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE).

Foi realizado em uma unidade de internação de um hospital de grande porte localizado em São Carlos, município do interior paulista. Trata-se de uma instituição filantrópica, fundada há 128 anos. Esse hospital é composto por 322 leitos, sendo referência em atendimentos à saúde para uma população estimada em 390 mil habitantes, pertencentes a cinco municípios que compõem a sua microrregião. A referida enfermaria clínica, cenário da pesquisa, contempla 24 leitos e não é uma unidade específica para idosos, embora seja a unidade desse hospital que mais admite idosos.

A população foi composta por indivíduos com 18 anos de idade ou mais, que cuidam de idosos e que estavam acompanhando o idoso no período de hospitalização. A amostra de conveniência foi composta por pessoas que atenderam os seguintes critérios de inclusão: ser familiar do idoso cuidado; ser o principal cuidador desse idoso; e não receber remuneração por exercer esse cuidado. O critério de exclusão utilizado foi: possuir graves déficits de audição ou de visão, percebidos no momento da coleta de dados, que pudessem dificultar a comunicação durante a aplicação dos instrumentos propostos.

Mediante levantamento realizado pela Gerência de Enfermagem deste hospital, cerca de 30 cuidadores passam pela unidade de internação por mês. Foram abordados 113 cuidadores durante o período de coleta de dados. Desses, cinco não aceitaram participar e dez não atenderam aos critérios de inclusão. Não havia condição alguma em relação ao idoso para tornar elegível o cuidador. Diante desses critérios, a amostra de conveniência foi composta por 98 cuidadores informais de idosos. Ressaltamos que todos os idosos hospitalizados nessa unidade de internação foram verificados diariamente, durante o período de coleta de dados, para detectar a presença do cuidador informal para ser convidado a participar do estudo.

Inicialmente, foi realizado contato com a Gerência de Enfermagem do hospital e com a enfermeira coordenadora da unidade de internação, para apresentação do estudo. Em seguida, foi realizada a identificação dos idosos hospitalizados e seus respectivos cuidadores informais. Nesta primeira abordagem ao cuidador do idoso, foram informados os objetivos da pesquisa, a natureza voluntária da participação, o sigilo dos dados coletados e a forma de devolução dos dados aos cuidadores participantes. Após, foi feito o convite para participar da pesquisa. Os cuidadores que aceitaram participar foram encaminhados a um espaço reservado dentro da própria unidade de internação para que a entrevista fosse realizada. A coleta de dados foi realizada individualmente, em sessão única, no período de janeiro a março de 2020. Cada entrevista durou aproximadamente 30 minutos.

Não houve necessidade de softwares para gravação das entrevistas. Protocolos em papel foram usados para registro dos dados. A abordagem do cuidador aconteceu em horário comercial (8h às 18h). Os pesquisadores foram diariamente na referida unidade para coletar os dados. Os cuidadores recrutados para a pesquisa foram todos os possíveis que estavam na referida unidade de internação no período de coleta de dados. No momento do recrutamento, ressaltou-se a necessidade de ser o principal cuidador do idoso. Aqueles que eram secundários ou terciários foram excluídos. Nesse período, não houve idosos hospitalizados por COVID-19 nessa enfermaria.

A fim de evitar potenciais fontes de viés na coleta de dados, as entrevistas foram realizadas por acadêmicos de enfermagem treinados, sendo garantidos aos participantes privacidade, direito de se recusar a responder qualquer pergunta e o caráter confidencial das respostas. Caso algum participante se recusasse a responder qualquer questão, os entrevistadores foram orientados a manter uma atmosfera aberta e sem julgamentos. Além disso, para evitar vieses, o instrumento de coleta de dados incluiu escalas validadas anteriormente para avaliação da funcionalidade familiar e sobrecarga do cuidador.

Para a caracterização do cuidador e do contexto de cuidado foi usado um questionário construído previamente pelos pesquisadores, com 25 questões, contendo as seguintes informações: sexo, idade, situação conjugal, escolaridade, raça/cor, arranjo familiar, ocupação atual, renda pessoal e familiar, número de pessoas que moram na casa, uso de medicamentos, avaliação subjetiva da saúde, satisfação com a vida, multimorbidade (duas ou mais doenças ou agravos autorrelatados, a saber: hipertensão arterial, diabetes mellitus, doença cardíaca, acidente vascular cerebral, doença gastrointestinal, depressão, doença vascular periférica, doença neurológica, audição e/ou visão prejudicada, ansiedade, anemia, câncer, dislipidemia, artrite, problemas pulmonares, problemas de coluna e tontura), atividade física (≥150 minutos por semana), tabagismo, etilismo, grau de parentesco com o idoso cuidado, há quantos meses exerce o cuidado, quantas horas por dia cuida do idoso, quantos dias por semana cuida do idoso, participação em treinamento para realizar a tarefa de cuidar, se recebe ajuda de alguém para cuidar do idoso, que tipo de ajuda recebe e se recebe apoio de alguma entidade.

Não houve pergunta (semi)estruturada para que o participante pudesse expor algo de sua subjetividade sobre funcionalidade familiar e sobrecarga no cuidado.

Para avaliação da funcionalidade familiar, foi adotado o APGAR de família, instrumento desenvolvido por Smilkstein em 1978 e validado no Brasil9. É composto por cinco questões que permitem a mensuração da satisfação dos membros da família em relação a cinco componentes considerados básicos na unidade e funcionalidade de qualquer família, ou seja, adaptação, companheirismo, desenvolvimento, afetividade e capacidade resolutiva. Ao final, realiza-se a somatória de todas as respostas, cujo resultado pode variar de 0 a 20 pontos. Sendo assim, a funcionalidade familiar pode ser classificada como: elevada disfunção familiar (0 - 8 pontos), moderada disfunção familiar (9 - 12 pontos) e boa funcionalidade familiar (13 - 20 pontos)9.

Para avaliação da sobrecarga, foi utilizado o Inventário de Sobrecarga de Zarit, elaborado por Zarit em 1987 e validado no Brasil10. A escala é constituída por 22 questões que avaliam os domínios saúde, bem-estar psicológico e socioeconômico do cuidador familiar, bem como sua relação com a pessoa cuidada. Os pontos gerados nas afirmações mostram a frequência com que eles ocorrem, nomeadamente: nunca = 0, quase nunca = 1, às vezes = 2, quase sempre =3 e sempre = 4. O resultado obtido no final do questionário utiliza a somatória de todos os domínios respondidos, variando de 0 a 88. Quanto maior a pontuação obtida, maior a sobrecarga percebida pelo cuidador. Foi utilizado o ponto de corte: “Ausência de sobrecarga” (de 0 - 20), “Sobrecarga leve a moderada” (21 - 40), “Sobrecarga moderada a severa” (41 - 60) e “Sobrecarga intensa” (61 - 88)10^-11.

Os dados obtidos foram codificados e digitados em planilha eletrônica no Microsoft Office Excel, versão 2019, sendo realizada dupla entrada dos dados por digitadores distintos, tornando possível a correção de possíveis erros de digitação. Em seguida, foram analisados com apoio do pacote estatístico Stata, versão 13.

Utilizou-se o teste de Kolmogorov-Smirnov para testar a normalidade das variáveis. Considerando a ausência de normalidade na distribuição de todas as variáveis contínuas, utilizou-se o teste de correlação de Spearman para analisar a relação entre funcionalidade familiar e sobrecarga do cuidador. Na análise descritiva dos dados, foram estimadas proporções, distribuições de frequências, medianas e percentis 25 e 75. No diagrama de dispersão das variáveis funcionalidade familiar e sobrecarga dos cuidadores, foi inserida a reta com os valores ajustados. Adotou-se o nível de significância de 5%.

Todos os aspectos éticos que regem pesquisas envolvendo seres humanos foram respeitados segundo a Resolução 466/2012. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Carlos, sob Parecer 3.480.461. Foi fornecido o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para leitura dos participantes da pesquisa antes de iniciar a coleta de dados, o qual foi assinado em duas vias (uma para os cuidadores de idosos e outra para arquivo com os pesquisadores).

RESULTADOS

A amostra deste estudo foi constituída por 98 participantes. A Tabela 1 apresenta as características sociodemográficas e de saúde dos cuidadores de idosos.

Tabela 1-
Distribuição dos cuidadores informais de idosos segundo aspectos sociodemográficos e de saúde. São Carlos, São Paulo, Brasil, 2020

Variáveis	n (%)
Sexo (feminino)	87 (88,8)
Idade (anos)	57 (46-63)*
Faixa etária (18 a 59 anos)	63 (64,3)
Raça/cor
Branca	55 (56,1)
Preta	13 (13,3)
Parda	29 (29,6)
Amarela	1 (1,0)
Anos de estudo	8 (4-11)*
Situação conjugal (casado/com companheiro)	73 (74,5)
Renda pessoal (em reais)	975,00 (0-1.300,00)*
Renda familiar (em reais)	2.000,00 (1.500,0-3.000,00)*
Autoavaliação de saúde
Excelente	8 (8,2)
Muito boa	6 (6,1)
Boa	40 (40,8)
Razoável	36 (36,7)
Ruim	8 (8,2)
Atividade física (<150 minutos por semana)	70 (71,4)
Multimorbidade (sim)	90 (91,9)
Medicamentos (sim)	73 (74,5)

• Fonte: Dados da pesquisa, 2020.
• ^*Mediana (p25-p75).

A maioria dos cuidadores morava com o companheiro (74,5%), seguidos daqueles que moravam com os filhos (49,0%) e com os pais (29,6%). Em média, havia 3,1(±1,3) moradores na mesma residência. Houve predomínio de cuidadores que não trabalhavam fora do domicílio (60,2%) e que não estavam aposentados (66,3%). Os cuidadores avaliaram a vida como boa (52,0%), seguidos daqueles com percepção de uma vida razoável (27,6%). Negaram tabagismo (85,7%) e etilismo (69,4%).

A Tabela 2 apresenta as características relacionadas ao contexto de cuidado dos cuidadores de idosos.

Tabela 2-
Distribuição dos cuidadores informais de idosos segundo o contexto de cuidado. São Carlos, São Paulo, Brasil, 2020

Variáveis	n (%)
Idoso receptor de cuidado
Cônjuge	31 (31,6)
Pai/mãe	45 (45,9)
Sogro/sogra	8 (8,2)
Irmão/irmã	5 (5,1)
Outro	9 (9,2)
Tempo de cuidado (meses)	24 (4-60)*
Horas diárias de cuidado	14,5 (8-24)*
Dias semanais de cuidado	7 (7-7)*
Realiza cuidado no final de semana (sim)	85 (87,6)
Treinamento prévio (não)	80 (81,6)
Recebe ajuda no cuidado (sim)	75 (76,5)
Recebe ajuda material/financeira (não)	82 (83,7)
Recebe ajuda afetiva/emocional (sim)	63 (64,3)
Recebe ajuda nas AVD† (não)	50 (51,0)
Recebe ajuda formal de alguma entidade (não)	84 (85,7)

• Fonte: Dados da pesquisa, 2020.
• ^*Mediana (p25-p75); †AVD - atividades de vida diária.

Em relação à funcionalidade familiar, a maioria dos cuidadores apresentou boa funcionalidade (59,8%), seguida de elevada disfunção (22,7%) e moderada disfunção familiar (17,5%). A mediana do escore obtido no APGAR de família foi de 14 (9-18). Quanto à sobrecarga, 49,5% pontuaram para sobrecarga leve a moderada, seguida de 25,8% moderada a severa, 17,5%, ausente e 7,2%, sobrecarga intensa. A pontuação mediana obtida no Inventário de sobrecarga de Zarit foi 32 (24-44).

A Figura 1 apresenta a moderada correlação negativa entre os escores de funcionalidade familiar e sobrecarga do cuidador (Rho= -0,57; p<0,001), ou seja, quanto maior o escore de sobrecarga, menor o escore de funcionalidade familiar.

Figura 1 -
Diagrama de dispersão segundo funcionalidade familiar e sobrecarga dos cuidadores informais de idosos. São Carlos, São Paulo, Brasil, 2020

DISCUSSÃO

Este estudo investigou a relação entre funcionalidade familiar e sobrecarga de cuidadores informais de idosos. As características sociodemográficas dos cuidadores informais de idosos são semelhantes às observadas em estudos nacionais e internacionais, os quais apontam predomínio de mulheres, casadas, que prestam cuidado ao cônjuge ou pais e que possuem baixa renda e escolaridade12^-13.

A escolaridade pode influenciar a compreensão dos cuidados a serem implementados durante a internação bem como nas orientações para o preparo da alta hospitalar. Sendo assim, os enfermeiros devem estar atentos aos recursos adotados perante as orientações realizadas aos cuidadores, a fim de que possíveis equívocos sejam prevenidos. O baixo nível de escolaridade é um fator preocupante, pois pode interferir, diretamente ou indiretamente, no cuidado dispensado ao idoso e trazer repercussões negativas para a qualidade de vida tanto do cuidador quanto do idoso que recebe os cuidados13.

Além disso, a baixa renda, muitas vezes consequência da baixa escolaridade, pode refletir a vulnerabilidade social a que esses cuidadores estão sujeitos. Diante da impossibilidade de contratar um cuidador formal, muitos familiares abandonam o mercado de trabalho para exercer a função de cuidar e passam a sobreviver com os recursos provenientes do idoso receptor de cuidados, que podem não ser suficientes para atender às necessidades de toda a família13.

Em relação à saúde dos cuidadores do presente estudo, a maioria relatou apresentar duas ou mais doenças, fazer uso de dois ou mais medicamentos e não praticar atividades físicas. A ocorrência de multimorbidade nesses cuidadores informais pode ser explicada pelo profundo envolvimento com a pessoa idosa dependente, que pode ser repleto de situações extenuantes. Ao exercer a tarefa de cuidar de maneira ininterrupta, o cuidador adia a prática do autocuidado e descuida da própria saúde, permitindo o desenvolvimento de problemas de saúde de ordem física e psicológica2.

Associada à multimorbidade, está o maior consumo de medicamentos. O uso intenso de medicamentos é uma prática comum entre os cuidadores para aliviar a dor, o estresse e a insônia. Muitas vezes, esses medicamentos são usados sem prescrição médica, o que pode ocasionar consequências preocupantes, como o aumento do risco e gravidade das reações adversas, interações medicamentosas, toxidade cumulativa, erros de medicação, além da redução da adesão ao tratamento e aumento da morbimortalidade14.

Diante da impossibilidade de deixar a função de cuidar sobre a responsabilidade de outra pessoa, o cuidador não pratica atividade física e nem de lazer, as quais auxiliariam em seu próprio bem-estar. A carência dessas atividades pode ser apontada como um dos fatores responsáveis pela disfunção familiar e pelo aumento da sobrecarga física e emocional entre os cuidadores informais de idosos15.

No tocante ao contexto do cuidado, a maioria dos entrevistados relatou que o idoso receptor de cuidados era o seu progenitor ou cônjuge, tinha idade avançada, apresentava multimorbidade e era dependente para o desempenho de atividades de vida diária (AVD), o que pode estar relacionado à sobrecarga do cuidador. Metade dos cuidadores exercia a tarefa de cuidar há mais de dois anos, durante sete dias por semana, por mais de 14,5 horas por dia, sem qualquer tipo de treinamento prévio. Os cuidadores que relataram receber ajuda no cuidado dispunham predominantemente de apoio emocional e/ou afetivo. Socialmente, a família constitui o principal núcleo de apoio ao idosos, cabendo aos filhos e cônjuges a tarefa de cuidar. Quando a relação de parentesco é de filiação, a literatura aponta que pode haver sobrecarga aos filhos cuidadores devido ao fato de estarem frequentemente expostos a exigências que vão além do contexto do cuidado15.

Muitas vezes, por serem a única opção de cuidador existente no âmbito familiar e não possuírem apoio de terceiros, dedicam grande parte do seu tempo para o cuidado ao idoso. Cuidam há muitos anos e durante várias horas por dia, o que pode acarretar sobrecarga e prejuízo à qualidade de vida do cuidador2.

Concomitantemente ao exercício solitário da tarefa de cuidar, a maioria dos cuidadores não recebeu capacitação para o cuidado. As atividades são exercidas de maneira empírica e o fato de esses cuidadores não terem recebido treinamento prévio se torna um importante fator desencadeador da sobrecarga, tendo em vista que muitos desconhecem o modo de agir diante da evolução da doença, principalmente no período de hospitalização. Sendo assim, vale ressaltar a relevância do papel do enfermeiro mediante o estabelecimento do vínculo com o cuidador informal para a realização da educação em saúde, ferramenta extremamente importante para reduzir a tensão existente nesse contexto16.

Embora a maioria apontou receber ajuda de cunho afetivo/emocional, muitos não recebem ajuda financeira ou em relação ao próprio cuidado e isso pode acarretar intensa sobrecarga e disfunção familiar. Devido à dedicação integral ao idoso, não há possibilidades de o cuidador desenvolver um trabalho extradomiciliar remunerado. Nesse sentido, a dificuldade financeira vivenciada nesse contexto pode gerar sobrecarga, pois, muitas vezes, a renda do idoso cuidado não é suficiente para satisfazer suas próprias necessidades. Além disso, a literatura aponta que a escassez de apoio social, seja de familiares ou de profissionais de saúde, e a existência de conflitos familiares também podem contribuir nesse sentido4.

Neste estudo, a maioria dos cuidadores apresentou boa funcionalidade familiar, embora existam 40,2% da amostra com alguma disfunção, além de indicativo de sobrecarga leve a moderada. Esses achados são corroborados por pesquisas semelhantes realizadas na Itália6, no Brasil17, na China18 e em Taiwan7.

A satisfação com o funcionamento familiar apresenta estreita relação com o apoio emocional existente entre seus membros, principalmente quando este é oferecido por pessoas significativas para o cuidador. Esse apoio emocional recebido pelo cuidador pode funcionar como uma importante ferramenta para o enfrentamento de situações estressantes provenientes do cuidado e causadoras de intensa sobrecarga17. A intensidade do afeto, a capacidade de se adaptar diante de uma situação inesperada e de tentar resolvê-la e o companheirismo são fundamentais para a boa funcionalidade familiar, a qual está relacionada à elevada qualidade de vida8. Além disso, fatores como residir no mesmo domicílio que o idoso mediante sua aprovação e a convivência intergeracional também influenciam a percepção positiva das relações familiares17.

À medida que o idoso se torna debilitado e dependente, maiores são as demandas de cuidado e, consequentemente, de esforços por parte do cuidador para exercer essa tarefa. Nesse contexto, vale ressaltar também que o despreparo e a responsabilidade repentina pelo cuidado podem repercutir em elevados níveis de sobrecarga. Ademais, cuidadores que residem na mesma casa que os idosos cuidados podem apresentar níveis moderados a severos de sobrecarga devido à exposição frequente às demandas do cuidado somadas a outras tarefas domiciliares, como cuidar do lar e dividir a atenção com outros familiares. Além disso, é comum que o cuidador se envolva, de forma intensa, com o idoso receptor de cuidados, fazendo com que se esqueça das suas próprias necessidades e do seu bem-estar4.

Nesse sentido, destaca-se a importância do desenvolvimento de intervenções por enfermeiros, com ações assertivas e direcionadas para a prevenção e/ou redução da sobrecarga dos cuidadores informais de idosos, como a criação de grupos de apoio ou intervenções psicoeducativas. Tais ações oportunizam aos cuidadores a troca de experiências e conhecimentos, orientações que envolvem a promoção de saúde, apoio e suporte social e enfrentamentos19.

Recente revisão sistemática teve como objetivo identificar e analisar estudos sobre intervenções não farmacológicas para cuidadores informais de idosos. Tais estudos realizaram intervenções psicoeducacionais, psicoterapêuticas, psicossociais, além de grupos de apoio, aconselhamento e reunião familiar. A maioria deles mostrou que essas intervenções proporcionaram variados benefícios aos cuidadores, como redução do nível de estresse, pressão, sobrecarga física e emocional, aquisição de sentimento de apoio, aumento de conhecimentos e competências, além de favorecer melhora na percepção de saúde do cuidador19.

Nesta pesquisa, constatou-se correlação negativa e de moderada magnitude entre os escores de funcionalidade familiar e sobrecarga do cuidador, sendo que, quanto maiores os níveis de sobrecarga, menores os níveis funcionalidade familiar. Estudos do Brasil20^-21, do Japão22 e do Irã23 também identificaram resultados semelhantes.

Problemas graves relacionados ao funcionamento familiar são identificados como os principais causadores do aumento da sobrecarga, sendo um fator desencadeante de situações negativas entre os familiares20. Alguns veem a funcionalidade familiar como um mediador entre sobrecarga e qualidade de vida22. Quando um idoso com dependência física e/ou cognitiva precisa de cuidados de um membro familiar, pode ocorrer um desequilíbrio na dinâmica dessa família, gerando uma desorganização psicossocial associada a sentimentos negativos que repercutem na funcionalidade familiar21. Ressalta-se que o conflito familiar pode ser tanto uma consequência quanto também a causa da sobrecarga, visto que o cuidador que vive em um ambiente familiar disfuncional provavelmente será acometido por problemas emocionais que, posteriormente, desencadearão a sobrecarga20.

A sobrecarga surge como uma dificuldade para familiares que cuidam da pessoa idosa, tendo em vista que o contexto do cuidado pode originar problemas físicos, psicológicos e sociais na vida dos cuidadores. Ao restringirem suas atividades de lazer, os cuidadores podem apresentar demonstrações de desgaste físico e emocional. Tais manifestações podem impactar os relacionamentos afetivos com os outros membros da família, fazendo com que assuntos sejam mal resolvidos e resultem em conflitos familiares21.

Relações interpessoais e sociais abaladas contribuem para o aumento da sobrecarga do cuidador, haja vista que, nesse contexto, não haverá a divisão dos cuidados entre outros membros familiares, e, diante da intensa dedicação ao cuidado, muitos cuidadores abandonam suas atividades recreativas. Nesse sentido, a sobrecarga pode ser amenizada por meio do envolvimento de outros familiares para com a divisão das tarefas do cuidado com o cuidador principal21. Considerando o papel fundamental das famílias no cuidado ao idoso dependente e a estruturação das famílias na velhice, o fortalecimento da funcionalidade familiar e da rede de apoio pode impactar positivamente a saúde dos cuidadores e a qualidade do cuidado oferecido.

Acredita-se que o contexto hospitalar possa exercer influência sobre a funcionalidade familiar e sobrecarga de cuidadores informais de idosos, haja vista que esse ambiente apresenta normas e rotinas a serem seguidas e seu cotidiano acelerado pode resultar em comunicação inadequada para com esses cuidadores. Diante do não atendimento de suas necessidades, tais cuidadores se sentem despreparados para a continuidade do cuidado, ansiosos e sobrecarregados, o que pode culminar na readmissão hospitalar. Nesse sentido, torna-se fundamental a abordagem de informações relevantes e o oferecimento de apoio emocional16^,24.

As necessidades dos cuidadores de idosos aumentam durante a hospitalização e isso pode estar relacionado ao tempo em que o idoso permanece internado16. Sabe-se que o tempo de permanência de um idoso no serviço é maior do que o período de internação das demais faixas etárias. Tal situação exige da família a necessidade de reorganização, pois tornar-se-á imperativa a permanência contínua de um acompanhante durante esse período de hospitalização25.

Diante do envelhecimento populacional, prospecta-se que haverá um aumento do número de internações nos próximos anos. Esse fenômeno reforça a necessidade de articulação entre os três níveis de atenção à saúde, a remoção de barreiras ao acesso ao sistema de saúde e o foco em ações de promoção da saúde e prevenção de agravos. Para a redução de internações evitáveis, deve haver a implementação das políticas de Atenção Primária à Saúde, com o intuito de gerir as morbidades mais prevalentes e evitar a ocorrência de declínio funcional das pessoas idosas26.

Entretanto, é preciso ir além. Implementar políticas de apoio ao cuidador informal de idosos é de extrema importância3, tendo em vista que a família é a principal provedora de cuidados aos idosos, seja por necessidade e/ou por obrigação. A representação da família como cuidadora de seus membros idosos é algo tradicional em nossa sociedade27. Em países europeus, os familiares que exercem o cuidado à pessoa idosa são valorizados, pois, além de ser o mais desejado pelo idoso, também diminui despesas com hospitalização3.

O estudo apresentou limitação na coleta de dados, que ocorreu por meio de autorrelato e o motivo e a duração da hospitalização não foram investigados. Além disso, os resultados não podem ser generalizados, pois são relativos a uma amostra específica de cuidadores de idosos. Todavia, essas limitações não extinguem a relevância dos achados. Sugere-se que investigações futuras, de caráter longitudinal, sejam realizadas para o aprofundamento do assunto e que sejam levados em consideração diferentes contextos da Rede de Atenção à Saúde.

Para a prática clínica do enfermeiro, os resultados do presente trabalho elucidam a necessidade de identificação precoce tanto da sobrecarga quanto da disfunção familiar, pois ambas as condições podem trazer prejuízos ao cuidado oferecido e ao bem-estar dos cuidadores e idosos receptores de cuidados. Diante disso, torna-se imprescindível o planejamento e implementação de cuidados individualizados, a fim de minimizar o impacto negativo na vida dos envolvidos, amenizar a sobrecarga e favorecer relações familiares mais harmoniosas. O estabelecimento de vínculo entre enfermeiro, cuidador, familiares e idoso cuidado pode contribuir para o sucesso dessas intervenções.

CONCLUSÃO

Conclui-se que há correlação inversamente proporcional entre sobrecarga e funcionalidade familiar do cuidador informal de idosos hospitalizados, sendo que, quanto maior o escore de sobrecarga, menor o escore de funcionalidade familiar e vice-versa. Diante disso, enfermeiros precisam identificar precocemente tais condições e implementar intervenções assertivas para que a família funcione como um recurso terapêutico.

Além disso, os achados podem subsidiar o planejamento terapêutico adequado, no qual há integração entre a equipe multiprofissional. Nesse sentido, com o intuito de minimizar os desgastes do cuidador informal, grupos de apoio e intervenções psicoeducativas podem ser desenvolvidos, a fim de oportunizar o compartilhamento de experiências e conhecimentos. Ademais, ações de promoção à saúde, reuniões familiares e apoio social podem auxiliar esses cuidadores no enfrentamento das adversidades cotidianas.

Agradecimentos:

À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP; bolsa de iniciação científica para Marcos Soares de Arruda, processo número 2019/19411-7; bolsa de iniciação científica para Marcela Naiara Graciani Fumagale Macedo, processo número 2020/07919-3)

Ao Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CNPq; bolsa de iniciação científica para Marcela Naiara Graciani Fumagale Macedo, processo número 163148/2019-8)

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES; bolsa de doutorado para Juliana de Fátima Zacarin Cardoso; bolsa de pós-doutorado para Ana Carolina Ottaviani, 001)

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  31 Jul 2022
• Data do Fascículo
  2022

Histórico

• Recebido
  14 Abr 2021
• Aceito
  16 Dez 2021