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Análise do acesso à rede de atenção psicossocial para usuários de álcool e outras drogas da zona rural

RESUMO

Objetivo:

Analisar o acesso à Rede de Atenção Psicossocial para os moradores da zona rural com problemas relacionados ao uso abusivo de álcool e outras drogas.

Método:

Pesquisa qualitativa, baseada no referencial da Avaliação de Empoderamento. A coleta de dados ocorreu de março a dezembro de 2017, e foi realizada através da triangulação de métodos qualitativos com 42 trabalhadores da rede de um município do Rio Grande do Sul, Brasil. A análise dos dados foi realizada pela análise temática.

Resultados:

Identificam-se os desafios do acesso, devido a questões culturais e à falta de recursos para estruturação da rede na sua conexão com os territórios rurais. As estratégias de apoio para o acesso incluem a articulação com outros serviços por meio do matriciamento.

Conclusão:

O acesso à rede é precário para a prevenção e a continuidade de cuidados. Sugere-se uma maior articulação da rede com as equipes rurais e um investimento na estrutura da rede.

Palavras-chave:
Zona rural; Usuários de drogas; Consumo de bebidas alcoólicas; Acesso aos serviços de saúde; Avaliação em saúde

ABSTRACT

Objectives:

To analyze the access to the Psychosocial Care Network for rural residents with problems related to alcohol abuse and other drugs.

Methods:

Qualitative research, based on the Empowerment Evaluation framework. Data collection took place from March to December 2017 and was carried out through triangulation of qualitative methods with 42 Psychosocial Care Network workers in a municipality in Rio Grande do Sul, Brazil. Data analysis was performed by thematic analysis.

Results:

The challenges of access are identified due to cultural issues and the lack of resources to structure the network in its connection with rural territories. Support strategies for access include articulation with other services through matrix support.

Conclusions:

The access to the network is precarious for prevention and continuity of care. It is suggested a greater articulation of the network with the rural teams and an investment in the structure of the network.

Keywords:
Rural areas; Drug users; Alcohol drinking; Health services accessibility; Health evaluation

RESUMEN

Objetivos:

Analizar el acceso a la Red de Atención Psicosocial para residentes rurales con problemas relacionados con el abuso de alcohol y otras drogas.

Métodos:

Investigación cualitativa, basada en el marco de Empowerment Evaluation. La recolección de datos se llevó a cabo de marzo a diciembre de 2017, y se realizó mediante la triangulación de métodos cualitativos con 42 trabajadores de la Red de Atención Psicosocial en Brasil. El análisis de los datos se realizó mediante análisis temático.

Resultados:

Los desafíos de acceso se identifican por cuestiones culturales y la falta de recursos para estructurar la red en su conexión con los territorios rurales. Las estrategias de apoyo al acceso incluyen la articulación con otros servicios a través del apoyo matricial.

Conclusiones:

El acceso a la red es precario para la prevención y continuidad asistencial. Se sugiere una mayor articulación de la red con los equipos rurales y una inversión en la estructura de la red.

Palabras clave:
Medio rural; Consumidores de drogas; Consumo de bebidas alcohólicas; Accesibilidad a los servicios de salud; Evaluación en salud

INTRODUÇÃO

No contexto internacional, a 15ª Conferência Mundial de Saúde Rural, realizada em 2018 na Índia, convocou a Organização das Nações Unidas e governos internacionais a terem como meta “Saúde para todas as pessoas em contextos rurais”, já que, ao redor do mundo (174 países), 56% das pessoas que moram em áreas rurais não possuem assistência básica à saúde11. World Organization of Family Doctors. 15 th World Rural Health Conference; 2018 Apr 26-29; Nova Delhi, India: Wonca; 2018 [cited 2022 Fev 05]. Available from: https://www.globalfamilydoctor.com/conferences.aspx
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.

No Brasil, a Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo e da Floresta, aprovada em 2011, é um marco histórico na saúde e um reconhecimento dos determinantes sociais do campo e da floresta no processo saúde-doença-cuidado dessas populações22. Dantas CMB, Dimenstein M, leite JF, Macedo JP, Belarmino VH. Território e determinação social da saúde mental em contextos rurais: cuidado integral às populações do campo. Athenea. 2020;20(1):e2169. doi: https://doi.org/10.5565/rev/athenea.2169
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. As comunidades e povos rurais são aqueles que têm seus modos de vida e reprodução sociais relacionados predominantemente ao campo, à floresta, à água, à agropecuária e ao extrativismo, e usam os recursos naturais para a subsistência, com a mão de obra familiar33. Dimenstein M, Leite J, Macedo JP, Dantas C. Condições de vida e saúde mental em contextos rurais. São Paulo: Intermeios; 2016. .

Nos territórios rurais, uma problemática de relevância em saúde pública é o uso abusivo de drogas33. Dimenstein M, Leite J, Macedo JP, Dantas C. Condições de vida e saúde mental em contextos rurais. São Paulo: Intermeios; 2016. . Consideram-se drogas as substâncias capazes de causar alterações de comportamento e/ou percepção, como os medicamentos, cocaína, álcool, tabaco, entre outros, independente do status legal33. Dimenstein M, Leite J, Macedo JP, Dantas C. Condições de vida e saúde mental em contextos rurais. São Paulo: Intermeios; 2016. -44. Pan American Health Organization [Internet]. Washington: PAHO; 2019 [cited 2021 Aug 01]. Alcohol; [about 6 screens]. Available from: https://www.paho.org/en/node/4825
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. Em contextos rurais, os estudos chamam a atenção para o uso abusivo de álcool, apontado como substância não só de maior prevalência de consumo e dependência no Brasil, mas também de maior impacto nos indicadores de saúde pública55. Jaeger GP, Mola CL, Silveira MF. Alcohol-related disorders and associated factors in a rural area in Brazil. Rev Saude Publica. 2018;52 Suppl. 1:8s. doi: https://doi.org/10.11606/S1518-8787.2018052000262
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-66. Guimarães AN, Schneider JF, Nasi C, Camatta MW, Pinho LB, Ferraz L. Alcoholism in rural areas: biographical situation of relatives of patients admitted to a general hospital. Esc Anna Nery. 2019;23(4):e20190040. doi: https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2019-0040
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Em geral, 5,1% da carga mundial de doenças e lesões são atribuídas ao consumo de álcool, conforme calculado em termos de Anos de Vida Perdidos Ajustados por Incapacidade. Está associado, ainda, à elevada mortalidade, uma vez em todo o mundo, o uso nocivo de álcool representa 5,3% de todas as mortes44. Pan American Health Organization [Internet]. Washington: PAHO; 2019 [cited 2021 Aug 01]. Alcohol; [about 6 screens]. Available from: https://www.paho.org/en/node/4825
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. Em áreas rurais, as consequências do consumo abusivo de álcool são associadas ao envolvimento em situações de violência, transtornos psiquiátricos, suicídio e sobrecarga familiar55. Jaeger GP, Mola CL, Silveira MF. Alcohol-related disorders and associated factors in a rural area in Brazil. Rev Saude Publica. 2018;52 Suppl. 1:8s. doi: https://doi.org/10.11606/S1518-8787.2018052000262
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-77. Potratz TF, Costa AA, Jardim AP. Pomeranos e violência: um estudo fenomenológico. Braz J Forensic Sci. 2015;4(2):162-76. doi: https://doi.org/10.17063/bjfs4(2)y2015162
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No que se refere às condições de vida rural, o consumo de álcool é associado ao enfretamento e resistência ao estresse, à insegurança e às dificuldades impostas pelo meio rural88. Csák R, Szécsi J, Kassai S, Márványkövi F, Rácz J. New psychoactive substance use as a survival strategy in rural marginalized communities in Hungary. Int J Drug Policy. 2020;85:102639. doi: https://doi.org/10.1016/j.drugpo.2019.102639
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. Nesse cenário, identifica-se o fácil acesso à droga, a cultura de consumo de álcool no campo, bem como a marginalização e o distanciamento geográfico das oportunidades na cidade55. Jaeger GP, Mola CL, Silveira MF. Alcohol-related disorders and associated factors in a rural area in Brazil. Rev Saude Publica. 2018;52 Suppl. 1:8s. doi: https://doi.org/10.11606/S1518-8787.2018052000262
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,88. Csák R, Szécsi J, Kassai S, Márványkövi F, Rácz J. New psychoactive substance use as a survival strategy in rural marginalized communities in Hungary. Int J Drug Policy. 2020;85:102639. doi: https://doi.org/10.1016/j.drugpo.2019.102639
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. Os determinantes sociais da saúde no meio rural são provenientes da dificuldade de acesso às políticas e programas de saúde, segurança, transporte, habitação, saneamento ambiental, além de ausência de assistência técnica no campo22. Dantas CMB, Dimenstein M, leite JF, Macedo JP, Belarmino VH. Território e determinação social da saúde mental em contextos rurais: cuidado integral às populações do campo. Athenea. 2020;20(1):e2169. doi: https://doi.org/10.5565/rev/athenea.2169
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-33. Dimenstein M, Leite J, Macedo JP, Dantas C. Condições de vida e saúde mental em contextos rurais. São Paulo: Intermeios; 2016. ,99. Arruda NM, Maia AG, Alves LC. Desigualdade no acesso à saúde entre as áreas urbanas e rurais do Brasil: uma decomposição de fatores entre 1998 a 2008. Cad Saúde Pública. 2018;34(6):e00213816. doi: https://doi.org/10.1590/0102-311X00213816
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-1010. Macedo JP, Dimenstein M, Silva BIBM, Sousa HR, Costa APA. Social Support, Common Mental Disorder and Abusive Use of Alcohol in Rural Settlements. Trends Psychol. 2018;26(3):1139-53. doi: https://doi.org/10.9788/TP2018.3-01En
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O cuidado em saúde mental à população rural se organiza através das Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), que são compostas por diferentes serviços, como as equipes de Estratégia Saúde da Família (ESF) da Atenção Primária à Saúde (APS), o Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF), que são as equipes de suporte à APS na ampliação de suas ações e resolutividade, além desses, há também os Centros de Atenção Psicossociais (CAPS tipo I, II, III, CAPS álcool e outras drogas e CAPS infantojuvenil), entres outros serviços, que devem atuar de forma articulada e intersetorial. Destaca-se para o trabalho na RAPS a importância da APS, considerada a porta de entrada da rede e inserida no território de moradia dos usuários, e do CAPS AD, serviço direcionado para o cuidado de pessoas em uso abusivo de drogas33. Dimenstein M, Leite J, Macedo JP, Dantas C. Condições de vida e saúde mental em contextos rurais. São Paulo: Intermeios; 2016. ,1111. Cirilo Neto M, Dimenstein M. Desafios para o cuidado em saúde mental em contextos rurais. Gerais Rev Interinst Psicol. 2021;14(1):e15627. doi: https://doi.org/10.36298/gerais202114e15627
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No âmbito da RAPS, o acesso à saúde mental é um elemento essencial, devido às referidas condições de vida apresentadas e à localização geográfica do rural, que é distante de muitos serviços de saúde. A garantia do acesso vai além do aspecto geográfico, pois inclui a prevenção de agravos, promoção da saúde, tratamento e acompanhamento que se sucede na rede99. Arruda NM, Maia AG, Alves LC. Desigualdade no acesso à saúde entre as áreas urbanas e rurais do Brasil: uma decomposição de fatores entre 1998 a 2008. Cad Saúde Pública. 2018;34(6):e00213816. doi: https://doi.org/10.1590/0102-311X00213816
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. Há diferentes barreiras para o acesso à saúde mental no meio rural, devido a fatores relacionados à capacitação do sistema, dificuldades no acolhimento em saúde, condições socioeconômicas das famílias e políticas de saúde mental serem voltadas a centros urbanos22. Dantas CMB, Dimenstein M, leite JF, Macedo JP, Belarmino VH. Território e determinação social da saúde mental em contextos rurais: cuidado integral às populações do campo. Athenea. 2020;20(1):e2169. doi: https://doi.org/10.5565/rev/athenea.2169
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,1212. Moody L, Satterwhite E, Bickel WK. Substance use in rural central Appalachia: current status and treatment considerations. Rural Ment Health. 2017;41(2):123-35. doi: https://doi.org/10.1037/rmh0000064
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Nesse sentido, o referido estudo busca articular uma compreensão do acesso aos serviços de saúde com elementos da cultura, prevenção, desafios dos serviços e as possibilidades de articulações na rede para a atenção aos usuários de álcool e outras drogas do meio rural. Dessa forma, o estudo apresenta a seguinte questão de pesquisa: como ocorre o acesso à RAPS para os moradores da zona rural com problemas relacionados ao uso abusivo de álcool e outras drogas? A pesquisa tem como objetivo analisar o acesso à RAPS para os moradores da zona rural com problemas relacionados ao uso abusivo de álcool e outras drogas. Justifica-se a pesquisa pela necessidade de fortalecer ações na RAPS que possam incluir as necessidades dos territórios rurais, minimizar as barreiras de acesso e promover políticas públicas que cheguem de forma efetiva até essa população.

METODOLOGIA

Trata-se de uma pesquisa de natureza qualitativa, com a utilização do referencial teórico metodológico da Avaliação de Empoderamento, que é considerada uma avaliação participativa, qualitativa, construída de forma coletiva entre pesquisador e participantes da pesquisa, com o objetivo de analisar e qualificar as práticas e tecnologias sociais1313. Fetterman DM, Kaftarian SJ, Wandersman A. Empowerment evaluation: knowledge and tools for self-assessment, evaluation capacity building, and accountability. New York: Sage; 2015. .

A RAPS deste município foi escolhida de forma intencional, por ser referência em termos de cuidado na lógica da atenção psicossocial e estruturação física da RAPS, sendo pioneira na implantação dos CAPS no estado do Rio Grande do Sul. Os grupos de interesse deste estudo compreendem os gestores e trabalhadores dos serviços da RAPS. Os critérios de inclusão dos participantes foram: ser coordenador há pelo menos um mês no serviço da rede, e, para trabalhadores, possuírem pelo menos seis meses de vínculo empregatício.

Para a produção de dados, utilizou-se a triangulação de métodos qualitativos: observação participante, entrevista semiestruturada e fórum aberto1313. Fetterman DM, Kaftarian SJ, Wandersman A. Empowerment evaluation: knowledge and tools for self-assessment, evaluation capacity building, and accountability. New York: Sage; 2015. -1414. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 11. ed. São Paulo: Hucitec; 2008.. A observação participante é caracterizada como um importante instrumento que possibilita aproximação com os participantes e o contexto da pesquisa1414. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 11. ed. São Paulo: Hucitec; 2008.. Neste estudo, ela ocorreu no período de março a dezembro de 2017, com registros em diário de campo, buscando a interação entre pesquisador e participantes do processo avaliativo. A observação participante se iniciou a partir das atividades do CAPS Álcool e Drogas (CAPS AD), na sua dinâmica interna e nos espaços e conexões com a RAPS e rede intersetorial. O enfoque das observações buscava o encontro entre os atores da RAPS, para a compreensão do modo como a rede era percebida pelos trabalhadores e gestores, qual seria a missão da RAPS local, os aspectos que facilitavam e dificultavam o trabalho e as melhorias que poderiam ser investidas para a qualificação desta rede. Estas questões também foram abordadas na entrevista semiestruturada, com o objetivo de ouvir cada percepção e experiência dos participantes da pesquisa.

As entrevistas semiestruturadas foram aplicadas a 42 trabalhadores dos seguintes componentes da rede: 18 do componente de Atenção Básica à Saúde: Redução de Danos (RD), unidade de saúde central, ESF e NASF; 9 do componente da atenção psicossocial estratégica (CAPS AD, CAPS I, CAPS infantil); 1 do componente da atenção à urgência e emergência; 1 do componente da atenção hospitalar (enfermaria especializada em dependência química; 1 do componente de estratégias de reabilitação psicossocial (serviço de geração de trabalho e renda). Além desses, participaram 3 gestores da RAPS (coordenações de saúde mental, da atenção básica e do ensino pesquisa e extensão), 5 da assistência social (Secretaria da Assistência Social, Centro de Referência da Assistência Social, Centro de Referência Especializado da Assistência Social, Casa da Criança e Programa Primeira Infância Melhor); e 4 da rede intersetorial: (conselho tutelar, escola, judiciário e ministério público).

As entrevistas foram agendadas durante o contato presencial proporcionado pela observação participante; após, foram realizadas de forma individual no local de trabalho do participante. As entrevistas tiveram aproximadamente 40 minutos de duração, foram gravadas e, posteriormente, transcritas na íntegra pelo próprio entrevistador e por um acadêmico integrante da pesquisa sob supervisão do pesquisador coordenador. O roteiro da entrevista abordou questões semiestruturadas. Para o presente artigo, foram analisadas as seguintes questões: como você avalia a articulação do serviço que você está inserido com os outros serviços da RAPS? Quais as facilidades encontradas no município para o cuidado em rede ao usuário de drogas? Quais as dificuldades encontradas no município para o cuidado em rede ao usuário de drogas? Os profissionais entrevistados foram escolhidos, por serem coordenadores dos serviços da RAPS e da rede intersetorial, ou gestores da rede, ou profissionais indicados pelos coordenadores desses serviços que pudessem contribuir com informações relevantes relacionadas ao objeto de estudo da pesquisa. Essa etapa da entrevista foi encerrada após a realização das entrevistas semiestruturadas com todos os coordenadores e gestores da RAPS e rede intersetorial do município que contemplaram os critérios de inclusão.

Por fim, o fórum aberto (FA) foi uma técnica utilizada para negociar os dados da pesquisa, priorizar a missão da RAPS e as estratégias de planejamento para o futuro, contando com a participação dos profissionais que fazem parte do colegiado gestor: 3 gestores da RAPS (Coordenador da Saúde Mental, da Atenção Básica, e da Residência Multiprofissional) e representante dos componentes da Rede (CAPS AD III, CAPS I, CAPS Infantil e SAMU). O FA se caracterizou como um espaço, no qual a pesquisadora principal foi facilitadora de um processo de negociação de dados, por meio da apresentação da síntese do material empírico coletado e reflexão.

Essa avaliação foi realizada por meio de três etapas: 1) Construção da missão - construir o propósito do trabalho em rede, visando unificar esforços para alcançar os objetivos da rede; 2) Conhecimento da situação atual - etapa que teve por objetivo identificar as principais facilidades e dificuldades da rede local para o alcance da missão; 3) Planejamento para o futuro - elaborar e priorizar as estratégias para o alcance da missão1313. Fetterman DM, Kaftarian SJ, Wandersman A. Empowerment evaluation: knowledge and tools for self-assessment, evaluation capacity building, and accountability. New York: Sage; 2015. . Neste artigo, serão analisados os dados da etapa dois, referente ao conhecimento da rede, da qual emergiu a categoria temática relacionada ao acesso à RAPS para os moradores da zona rural com problemas relacionados ao uso abusivo de álcool e outras drogas.

Utilizou-se a análise temática, realizada através de três etapas: ordenação de dados, classificação dos dados e análise final. Na primeira, é feita a leitura flutuante e exaustiva do material coletado. Na segunda, separaram-se trechos e fragmentos, os quais foram distribuídos em tópicos, identificados como unidade de informação, e, em seguida, foram aproximados por semelhança, originando as unidades de sentido. Por fim, foi realizada a análise final com vistas à interpretação dos resultados obtidos1414. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 11. ed. São Paulo: Hucitec; 2008..

Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, sob Parecer nº 2.322.028/2017. A mesma é embasada pelos princípios e nas diretrizes da Resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde, garantindo o anonimato dos participantes, que são identificados pelas letras “T” e número da entrevista, acompanhado do componente da RAPS no qual trabalha. As letras foram seguidas de algarismos arábicos, conforme a ordem crescente das entrevistas.

RESULTADOS

O cenário do estudo foi um município de pequeno porte do RS que, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), possui uma população estimada de 44.580 habitantes (2017), sendo que aproximadamente 50% vive na área rural. A população é de colonização alemã, com uma das maiores concentrações de descendentes pomeranos do mundo. Há cinco áreas quilombolas acompanhadas pela RAPS e pelo Centro de Referência de Assistência Social (CRAS). No interior do município, há sete ESF apresentando uma cobertura total dos territórios rurais. Entre os 42 trabalhadores participantes do estudo, oito são psicólogos, seis são assistentes sociais, três são psiquiatras, dois são redutores de danos, um é pedagogo, um é promotor, um é juiz, um é educador físico, um é terapeuta ocupacional e 18 são enfermeiras, sendo que, dessas, sete são enfermeiras de ESF da zona rural. Desses trabalhadores, 36 são do sexo feminino. Com relação ao tempo de atuação na rede, 11 trabalhadores têm vínculo empregatício com a RAPS há mais de dez anos; 11 trabalhadores têm vínculo empregatício entre 2 e 9 anos; e 10 trabalhadores possuem um período igual ou menor que um ano.

A seguir, será analisada a categoria temática relacionada ao acesso à RAPS para os moradores da zona rural com problemas relacionados ao uso abusivo de álcool e outras drogas, a partir da análise de três unidades de informação: cultura, prevenção e acesso; barreiras de acesso; serviços de apoio para minimizar as barreiras de acesso.

Cultura, prevenção e acesso

Nesta categoria, os participantes problematizam aspectos relacionados à cultura do uso de álcool e outras drogas na zona rural e os desafios enfrentados na prevenção a partir do trabalho desenvolvido pela APS, assim como no acesso à RAPS para usuários e famílias com problemas devido ao uso abusivo.

Na avaliação do acesso à RAPS aos usuários de drogas do interior, uma das principais dificuldades dos profissionais é a prevenção do uso de álcool e outras drogas no meio rural, uma vez que o álcool faz parte da cultura dessa comunidade:

[...] é muito forte a cultura alemã. E eu acho, também, assim, que talvez um pouco de lazer. [...] tu vai sentir isso mais no interior [...] onde a gente pega as pessoas, por exemplo, que trabalham durante o dia na lavoura, [...] eles, final de tarde, vão pro comércio que eles chamam de vendas, e ali é onde tem, vende bebida de álcool, tem aquelas mesas de sinuca, e eles ficam jogando, e isso a gente sabe que tem muito (T13 Componente da Atenção Básica).

[...] isso sempre foi um problema o uso de álcool na zona rural, e aqui principalmente na região, que o ambiente que é utilizado pra diversão é o mesmo do consumo (T5 Componente da Atenção Psicossocial Estratégica).

[...] acho que essa é a grande diferença [...], tem toda a questão cultural. [...] vamos pensar lá no interior mesmo, o pessoal que vai pra lavoura, [...] faz um trabalho bem pesado, é um trabalho bem cansativo, é um trabalho sem nenhum tipo de respaldo, eles passam o dia de pé, eles ficam no sol, eles comprometem a saúde em vários sentidos. Então, o único lazer deles é poder ir na venda, conversar com um amigo, [...] eles se reúnem pra jogar carta, e aí eles acabam que, durante esses eventos, que na cabeça deles é lazer, fazendo uso de alguma bebida. [...] e aí, acaba que: “ah não, coitado, trabalhou tanto, deixa ele tomar a cachaça dele”, “deixa ele tomar a cerveja dele, ele tá descansando” e não enxergam que aquilo ali pode ser o começo de alguma dependência (T10 Componente de Reabilitação Psicossocial).

E tu vai ver que, pro interior, eu acho que ainda é pior, porque eu acho que ainda lá, a mulher, ela submete e ela acha aquilo normal, sabe, a coisa do homem. Aqui tem muito mais, aqui tem muita droga, mas o uso do álcool no interior é muito forte. O homem vai todos os dias na venda, volta tarde [...] (T11 Atenção Hospitalar).

Deste modo, o acesso aos serviços de saúde ocorre quando a pessoa já apresenta situações clínicas agudas e/ou dificuldade de convivência no âmbito familiar e social:

[...] muitas vezes, a gente só consegue ajudar quando o problema já tá instalado e, principalmente, quando compromete a saúde clínica como um todo. Aí é: “ah não, agora eu vou precisar me cuidar porque eu tô com alguma outra coisa”, senão [...] (T10 Componente de Reabilitação Psicossocial).

[...] às vezes, têm áreas que não tem [Agente Comunitário de Saúde] e a gente não fica sabendo. Ou quando eles vêm até aqui, ou quando já tá num limite. Vão ter que ir e ser internados já na psiquiatria ou em algum lugar. Aí, sim, eles entram em contato com a gente: “ó, tem um paciente teu que veio direto pra cá”. [...] (T14 Componente da Atenção Básica).

Realmente, assim, procuram ajuda quando é aquela pessoa que já tá muito, muito doente mesmo, que bate, que se torna agressivo e que aí o familiar ajuda, pede ajuda. [...] não precisaria chegar nesse ponto (C13 Componente da Atenção Básica).

A gente tem bastante dificuldade, geralmente, os casos que vão chegar pra nós de alcoolismo assim é quando já tá com um problema no contexto familiar, porque, geralmente, a mulher quer se separar, os filhos tão brigando, tá tendo toda essa função. [...] muitas vezes, vêm em função da família. Querer que faça tratamento, querer ajuda, por causa do contexto que se tornou em casa, difícil a convivência (C19 Componente da Atenção Básica).

Para abordagem do uso de álcool e outras drogas na zona rural, os profissionais enfatizam o trabalho em rede com ações integradas entre campo e cidade, envolvendo a participação da ESF:

[...] como tem essa questão cultural, [...] a gente tem que saber muito como chegar e o que falar. [...] cada um tem a sua particularidade, a gente tem que saber identificar isso, porque, senão, muitas vezes, acontece de se perder totalmente o vínculo e depois é difícil recuperar de novo. [...] aí, tu acaba, às vezes, criando conflito entre eles, mas aí: “ah, mas quem chamou, foi tu? Tu que ligou? Não era pra ter falado”. Então, é bem problemático, [...] por isso que eu gosto que os ACS estejam junto [...]” quem entra na casa, quem senta e conversa é vocês”. [...] se a gente criar um conflito entre eles e não conseguir fazer nada ainda, piorar mais ainda a situação, é mais difícil, né, porque eles não vão querer receber outra vez e o problema vai continuar lá e provavelmente vai piorar [...]. O que dificulta [...] de às vezes não passar pela rede tudo, de se tentar resolver individual um caso. Alguém lá da cidade resolver um caso aqui do interior, ou no interior resolver o de lá, sendo que tu nem conhece a realidade. [...] a gente sempre tem que trabalhar em rede, isso melhora, a gente sabe que tem um resultado, e é positivo (C14 Componente da Atenção Básica).

Barreiras de acesso

A presente categoria se refere às barreiras de acesso à RAPS enfrentadas pelos usuários de álcool e drogas e as equipes da zona rural. São avaliadas barreiras estruturais que interferem no acesso dos usuários aos serviços, bem como no trabalho da APS nos territórios rurais e na articulação desses profissionais com os serviços da cidade. Além disso, são sugeridas propostas de melhorias para a rede local.

Como barreira de acesso à RAPS, os participantes problematizam a falta de recursos estruturais para o usuário de álcool e outras drogas, morador do interior, acessar os serviços especializados da cidade e aderir às terapêuticas propostas:

[...] eles não têm uma boa adesão ao CAPS aqui na nossa unidade, então a gente tenta resolver as coisas por aqui, porque o CAPS ele funciona muito bem, mas pra área da cidade [...]. É porque tu viu como é longe [...]. E ônibus, têm lugares que é uma vez por semana. [...] tudo isso torna difícil pra eles. Então, tudo que a gente puder ter uma resolução por aqui a gente resolve [...], sem falar a questão financeira. A passagem se torna cara e, às vezes, acaba que o que eles iam gastar, eles acabam gastando bem mais [...] eles passam o dia inteiro. [...] então, acaba dificultando muito essa questão de acesso [...] (C17 Componente da Atenção Básica).

[...] às vezes, eu, quando consigo mandar eles junto com a hemodiálise, eles vão nos dias, mas, fora isso, eu vou te dizer bem sinceramente, a Kombi não é minha, eu não tenho aqui [...] (C14 Componente da Atenção Básica).

O transporte também é problematizado como uma das barreiras de acesso na articulação entre as equipes do CAPS AD e a ESF, comprometendo a organização e o planejamento de ações conjuntas:

É, eu não vejo tanto o planejamento das ações em conjunto, na cidade, sim, mas os da zona rural [...] vejo mais como equipe de suporte, acho que ainda falta, acho que pela lógica mesmo da distância, mas, assim, sempre com bastante cuidado, com empenho, contato telefônico se precisa um recorre ao outros, mas acho que falta planejamento conjunto com a zona rural (T5 Componente da Atenção Psicossocial Estratégica).

[...] a gente acaba fazendo o contato maior por telefone, porque não tem como esperar até conseguir se reunir [...] e quando é um caso mais grave mesmo, a gente tem que se reunir, [...] então vem [...] se arruma (T14 Componente da Atenção Básica).

Não tem matriciamento no interior, é o NASF, com a equipe, aí a gente conversa, e, se necessário, a gente contata o CAPS, e aí ou a gente traz o caso pro CAPS ou raramente acontece do CAPS ir até o interior, foram poucos. [...] por ser do interior, o pessoal acha que o transporte é mais difícil (T27 Componente da Atenção Básica).

[...] transporte do CAPS AD é dividido com os outros serviços de saúde mental, por isso, quando os profissionais precisam ir a alguma ESF do interior, o transporte é organizado para que o CAPS I e CAPS i também possam aproveitar a carona. No entanto, como muitas localidades são distantes, a visita ao interior é longa, deixando a equipe da cidade sem transporte para fazer outra atividade (Diário de Campo).

Outro ponto destacado é a falta de transporte para a própria ESF da zona rural desenvolver as atividades no território na sua área de abrangência:

[...] não é nem o correto, às vezes as pessoas vêm nos buscar e sai e faz, [...] o que é próximo a gente faz a pé. O transporte é uma dificuldade (T13 Componente da Atenção Básica).

[...] tá bem difícil. [...] tipo agora de manhã, se me ligarem pedindo uma visita em algum lugar, seja por uma emergência, por uma denúncia, para um curativo, eu não tenho transporte aqui. Ele vai chegar aqui acho que umas onze horas, [...] se chegar, porque, geralmente, chega depois. Aí, eu tenho as visitas programadas, a gente fica no horário do meio-dia, o que não deveria, porque é pra almoçar, né, porque tem que ser feita, porque, depois, no turno da tarde, eu tenho os grupos de hipertensos e diabéticos, e é tudo longe. [...] a gente tá deixando de fazer certas coisas que deveriam ser feitas. Às vezes, os pacientes não gostam ou reclamam, mas o transporte não tá aqui, o que é que eu vou fazer? (T14 Componente da Atenção Básica).

Uma das sugestões seria a disponibilidade de um transporte fixo para as equipes da ESF, devido às características do trabalho que desenvolvem no território.

A gente fala pra um motorista, fala pra outro, fala pro chefe dos transportes, e cada um diz uma coisa diferente [...]. Esse trabalho em rede nessa parte não tá funcionando. [...] como enfermeira da unidade, trabalhando numa ESF, eu acho que tem que ter um carro à disposição da equipe todos os dias da semana, como era. Nos anos atrás, era assim, antes de começar a levar a hemodiálise, antes de ter PIM, antes de ter o Criança Feliz. A Kombi ficava aqui. [...]. O motorista poderia ficar a manhã inteira parado aqui, mas têm dias que chega a ter duas ou três emergências [...] (T14 Componente da Atenção Básica).

[...] se eles conseguissem um transporte único pra hemodiálise, todas as unidades vão pro céu, porque todas referem o mesmo problema de ter que deslocar o carro da unidade para a cidade pra poder levar os pacientes [da hemodiálise] (T17 Componente da Atenção Básica).

As barreiras de acesso envolvem também a limitação das equipes da zona rural às redes de comunicação com outros serviços - telefone e sinal de internet, conforme se observa:

Lá na cidade até dá, porque tudo tem internet, fora até que eles consigam botar uma internet [...]. Porque nós não temos o acesso à internet. Sinal de telefone fraco, só da [operadora X]. Nem o telefone, o telefone nosso foi a equipe mesmo que providenciou, não tinha também (C17 Componente da Atenção Básica).

Aqui na minha unidade, é a questão da [...] distância, né? [...] a gente fica mais isolado, porque aí tem a questão do telefone, né? Do não ter linha e não ter internet [...]. Eu tento [...] eu consigo ali na janela, do meu celular, e aí já pega o Whats de alguns profissionais, que aí é mais fácil [...], aí conversa assim, mais por conta (C15 Componente da Atenção Básica).

Serviços de apoio para minimizar as barreiras de acesso

Nesta categoria, os profissionais avaliam os serviços que atuam como recurso de apoio para minimizar as barreiras de acesso à RAPS e qualificar o cuidado na atenção psicossocial aos usuários e famílias com problemas relacionados ao uso de álcool e outras drogas.

No meio rural, o NASF é um recurso de apoio para as equipes, pois participa do acompanhamento das atividades realizadas pela ESF:

É, assim, o nosso trabalho junto com o NASF funciona bem. [...] tá ótimo. Eles vêm, mais de duas vezes no mês, os agentes têm um acompanhamento direto, dos grupos, reuniões de equipe; [...]. Fazem parte da equipe, [...] os profissionais que a gente tem mesmo mais contato (T15 Componente da Atenção Básica).

Eu acho que a própria equipe NASF foi facilitadora, [...] principalmente, pro pessoal do interior [...] às vezes, a gente vai num dia e traz aqui na cidade coisas que a equipe não consegue sair de lá pra resolver, coisas pequenas, [...] de encaminhamento, de documento (T28 Componente da Atenção Básica).

A RD é outro dispositivo de apoio mencionado. De forma tímida, esse serviço vem participando das discussões de casos do meio rural e se inserindo na rede:

[...] no interior, falta um pouco o trabalho da redução de danos, [...] a gente participa dos grupos hipertensos, diabéticos, então a gente tenta através da redução de danos. “Ah, tu tá bebendo quanto, qual é a hora que tu bebe? Mas isso te faz bem? Quem sabe se tu beber num outro horário? Mudar aquela rotina da bebida” (T27 Componente da Atenção Básica).

Aqui, uma época tinha, mas agora o pessoal da redução de danos trocou muito [...] ficaram dois anos e foram embora, depois não sei como é que ficou. Começou agora esse mês passado na ESF X, e aí eles disseram que em seguida vai vir o pessoal aqui, trabalhar [...]. É, pra trabalhar, nem que seja uma vez por mês com o pessoal, com a equipe de agentes de saúde (T19 Componente da Atenção Básica).

Os profissionais também reforçaram a necessidade de colocar em prática o cronograma de matriciamento entre as equipes da zona rural e CAPS AD.

O CAPS, ele tem cada profissional técnico é responsável por duas unidades. Então, a gente, uma vez por mês, vai até a unidade, seja zona rural ou urbana, e a gente discute os casos, quando a gente não consegue ir, com alguma dificuldade, porque o tempo está limitado ou por dificuldade de transporte, a gente faz contato telefônico, mas a gente não abre mão desse contato [...]. Então, assim, oh, com a atenção básica ela pode melhorar, têm profissionais que investem mais tempo nessas discussões (T1 Componente da Atenção Psicossocial Estratégica).

[...] a gente tem uma referência em cada CAPS, e aí, na verdade, era pra vir, essa referência era pra vir uma vez por mês, pra gente conversar, discutir casos, mas não tá acontecendo mais [...] (T15 Componente da Atenção Básica).

Eu faço meio culpa, eu não vou desde junho na UBS e acho que acontece mesmo, aí é horrível tu dizer, mas eu acho que também está assim com os meus colegas (T3 Componente da Atenção Psicossocial Estratégica).

DISCUSSÃO

A RAPS tem como objetivo ampliar e promover o acesso à atenção psicossocial da população. Porém, um dos desafios é a efetivação das suas ações no território nacional, em contextos de diferentes culturas e diferentes localidades urbanas, rurais, fronteiras e espaços de difícil acesso, principalmente onde as condições de infraestrutura (estradas, transportes, serviços de saúde) impedem uma atuação qualificada dos serviços33. Dimenstein M, Leite J, Macedo JP, Dantas C. Condições de vida e saúde mental em contextos rurais. São Paulo: Intermeios; 2016. .

Neste estudo os participantes avaliam o desafio de trabalhar a prevenção do uso exacerbado do álcool e outras drogas em comunidades rurais de decência pomerana e alemã, onde os moradores têm como cultura o uso frequente de álcool associado ao lazer, socialização, diversão e recompensa pelo trabalho cansativo da lavoura. Devido aos valores culturais, o uso exacerbado não é associado a possíveis problemas de saúde e dependência química. Dessa forma, os casos que chegam até as ESF já apresentam situações agudas, como doenças cardiovasculares, violência e/ou dificuldade de convivência no âmbito familiar, acidentes de trabalho, e, em alguns casos, é indicada a internação psiquiátrica.

Tal análise também é evidenciada em outro estudo, que apresenta a influência do contexto social (cultura, questões socioeconômicas, trabalho, redes de socialização) no uso abusivo de drogas, em que o contato próximo com pessoas que fazem o uso se torna um estilo de vida considerado normal e aceitável, já que, para além do prazer da droga, há a vinculação com valores construídos socialmente, motivações ao uso, modos de vida e relações sociais66. Guimarães AN, Schneider JF, Nasi C, Camatta MW, Pinho LB, Ferraz L. Alcoholism in rural areas: biographical situation of relatives of patients admitted to a general hospital. Esc Anna Nery. 2019;23(4):e20190040. doi: https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2019-0040
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O uso de álcool faz parte de muitas práticas culturais, religiosas e sociais. Porém, chama a atenção na cultura pomerana em que o uso de álcool de forma exacerbada também está associado a situações de violência, transtornos relacionados ao uso de álcool e suicídio, conforme observado em outros estudos55. Jaeger GP, Mola CL, Silveira MF. Alcohol-related disorders and associated factors in a rural area in Brazil. Rev Saude Publica. 2018;52 Suppl. 1:8s. doi: https://doi.org/10.11606/S1518-8787.2018052000262
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,77. Potratz TF, Costa AA, Jardim AP. Pomeranos e violência: um estudo fenomenológico. Braz J Forensic Sci. 2015;4(2):162-76. doi: https://doi.org/10.17063/bjfs4(2)y2015162
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. Essas evidencias sugerem o investimento em estratégias de prevenção ao uso de álcool articuladas aos aspectos socioculturais, a fim de reduzir as barreiras de comunicação com essa população.

De acordo com um estudo norte-americano, os moradores da zona rural comumente sofrem com a falta de informações acessíveis e compreensíveis sobre o uso exacerbado de drogas e sobre a disponibilidade dos serviços de saúde1515. Mojtabai R, Chen LY, Kaufmann CN, Crum RM. Comparing barriers to mental health treatment and substance use disorder treatment among individuals with comorbid major depression and substance use disorder. J Subst Abuse Treat. 2014;46(2):268-73. doi: https://doi.org/10.1016/j.jsat.2013.07.012
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. Sugere-se que há uma falta de retaguarda dos profissionais de saúde, principalmente quanto às redes formais, advindas das políticas de saúde e demais equipamentos de proteção social1010. Macedo JP, Dimenstein M, Silva BIBM, Sousa HR, Costa APA. Social Support, Common Mental Disorder and Abusive Use of Alcohol in Rural Settlements. Trends Psychol. 2018;26(3):1139-53. doi: https://doi.org/10.9788/TP2018.3-01En
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. Além disso, um estudo realizado nos Estados Unidos demonstra que há muitas pessoas e famílias que até percebem a necessidade de tratamento, mas nem sempre o buscam, com receio de serem vistos de forma negativa pela comunidade, devido ao estigma e ao preconceito1616. Ali MM, Teich JL, Mutter R. Reasons for not seeking substance use disorder treatment: variations by health insurance coverage. J Behav Health Serv Res. 2017;44(1):63-74. doi: https://doi.org/10.1007/s11414-016-9538-3
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No Brasil, as dificuldades em organizar ações de cuidado voltadas à zona a rural perpassam diferentes fatores, entre os quais a ausência de políticas para nortear o trabalho. Na mais recente política pública voltada à atenção integral das populações do campo e da floresta, não há qualquer referência à saúde mental, seja para indicar as particularidades territoriais, sociais e culturais, seja para nortear o planejamento das RAPS33. Dimenstein M, Leite J, Macedo JP, Dantas C. Condições de vida e saúde mental em contextos rurais. São Paulo: Intermeios; 2016. .

Na literatura internacional, é possível identificar que intervenções bem-sucedidas em contextos rurais envolvem estratégias voltadas as regiões e especificidades, fortalecimento de redes familiares e sociais, inclusão de líderes locais, religiosos e cuidadores locais que podem ser capacitados pra criar elos entre profissionais e comunidade1212. Moody L, Satterwhite E, Bickel WK. Substance use in rural central Appalachia: current status and treatment considerations. Rural Ment Health. 2017;41(2):123-35. doi: https://doi.org/10.1037/rmh0000064
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No presente estudo, identificam-se as potencialidades da ESF em trabalhar no âmbito da cultura local, principalmente através das contribuições do Agente Comunitário de Saúde (ACS). Por estarem próximos aos territórios e terem vínculo com as famílias, essas equipes conhecem os valores, os saberes e a dinâmica de relações. Nesse sentido, são serviços estratégicos para ordenar o cuidado a partir da articulação de saberes e tecnologias presentes na rede33. Dimenstein M, Leite J, Macedo JP, Dantas C. Condições de vida e saúde mental em contextos rurais. São Paulo: Intermeios; 2016. . As evidências científicas demonstram que um sistema de saúde que possui uma atenção primária abrangente é mais efetivo e eficiente em termos de resultados e custos11. World Organization of Family Doctors. 15 th World Rural Health Conference; 2018 Apr 26-29; Nova Delhi, India: Wonca; 2018 [cited 2022 Fev 05]. Available from: https://www.globalfamilydoctor.com/conferences.aspx
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. Além disso, os usuários apresentam satisfação em serem atendidos em serviços locais, porque são mais acessíveis e menos estigmatizantes do que os serviços especializados em saúde mental conforme observou-se em uma pesquisa realizada na Noruega1717. Ruud T, Aarre TF, Boeskov B, Ie Husvåg PS, Klepp R, Kristiansen SA, et al. Erratum to: Satisfaction with primary care and mental health care among individuals with severe mental illness in a rural area: a seven-year follow-up study of a clinical cohort. Int J Ment Health Syst. 2016;10:40. doi: https://doi.org/10.1186/s13033-016-0072-8
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No que se refere às barreiras de acesso à RAPS, no presente estudo, analisa-se a limitação de recursos estruturais para o morador do interior acessar os serviços especializados da cidade e aderir às terapêuticas. Identificam-se a dificuldade de recursos financeiros para custear o transporte até a cidade, a falta de transporte da prefeitura e a distância geográfica dos serviços ao território de vida da população. As comunidades rurais, historicamente, sofrem com a falta de recursos que lhes permitam circular nos espaços da cidade onde está localizada grande parte dos equipamentos de saúde. O CAPS tem características de um serviço urbano, o que, para o morador da zona rural, pode ser fora do alcance, pois requer investimento, como dinheiro e transporte, recursos considerados decisivos para o acesso a esse serviço33. Dimenstein M, Leite J, Macedo JP, Dantas C. Condições de vida e saúde mental em contextos rurais. São Paulo: Intermeios; 2016. .

Os participantes da pesquisa também apontam a falta de transporte como dificultador para a articulação entre as equipes do interior e cidade para o cuidado compartilhado em espaços de reunião de equipe, visita domiciliar e outras ações conjuntas. Sem essas estratégias, o cuidado em saúde mental da zona rural corre o risco de se limitar aos atendimentos da demanda espontânea, ou seja, quando uma situação já está agravada.

Outra questão evidenciada é o acesso limitado ao carro da prefeitura. A ausência desse recurso prejudica o trabalho da equipe no território, principalmente as famílias que moram em áreas distantes da unidade que não têm meio de transporte próprio ou apresentam dificuldade financeira para provê-lo. Ressalta-se que a ESF envolve ações programadas e articuladas a espaços comunitários, como igrejas, escolas e centros comunitários, bem como à possível necessidade de avaliação a situações de crises psiquiátricas, que podem necessitar do transporte a qualquer momento.

A dificuldade de recursos estruturais no meio rural não se limita ao transporte, mas envolve também o acesso às redes de comunicação, como telefone e sinal de internet, uma vez que esses recursos ainda não estão disponíveis para as equipes em estudo. Os profissionais utilizam recursos próprios, como internet, celular e número do telefone pessoal, para comunicação, e, dependendo da localidade, o sinal de telefone e internet não funcionam. Estudos corroboram a inovação do uso da telemedicina, sendo que a garantia do acesso às redes de comunicação é eixo central para estruturar esse trabalho11. World Organization of Family Doctors. 15 th World Rural Health Conference; 2018 Apr 26-29; Nova Delhi, India: Wonca; 2018 [cited 2022 Fev 05]. Available from: https://www.globalfamilydoctor.com/conferences.aspx
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,1818. Creedon TB, Schrader KE, O’Brien PL, Lin JR, Carroll CD, Mulvaney-Day N. Rural-nonrural differences in telemedicine use for mental and substance use disorders among. Psychiatr Serv. 2020;71(8):756-64. doi: https://doi.org/10.1176/appi.ps.201900444
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Um estudo realizado com a população rural americana identificou que o uso da telemedicina foi associado ao maior recebimento de serviços ambulatoriais presenciais para transtornos por uso de drogas. Embora o estudo reconheça a telemedicina como uma ferramenta promissora, na prática ainda é subutilizada devido a fatores de infraestrutura e tecnologia1818. Creedon TB, Schrader KE, O’Brien PL, Lin JR, Carroll CD, Mulvaney-Day N. Rural-nonrural differences in telemedicine use for mental and substance use disorders among. Psychiatr Serv. 2020;71(8):756-64. doi: https://doi.org/10.1176/appi.ps.201900444
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. No Brasil, torna-se necessário um diagnóstico situacional das barreiras tecnológicas dos contextos rurais. Ademais, deve-se considerar que, para este uso, são fundamentais o suporte técnico e o treinamento para as equipes11. World Organization of Family Doctors. 15 th World Rural Health Conference; 2018 Apr 26-29; Nova Delhi, India: Wonca; 2018 [cited 2022 Fev 05]. Available from: https://www.globalfamilydoctor.com/conferences.aspx
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Ao analisarmos as referidas barreiras de acesso, percebemos que, apesar do crescimento da RAPS, especificamente de CAPS em todo o Brasil, a realidade da atenção em saúde mental no campo permanece com fragilidades33. Dimenstein M, Leite J, Macedo JP, Dantas C. Condições de vida e saúde mental em contextos rurais. São Paulo: Intermeios; 2016. . Visualiza-se neste estudo que a ampliação da RAPS deve ser acompanhada de mecanismos que possibilitem sua conexão, sobretudo no meio rural, onde a ampliação da cobertura não reflete na garantia do acesso. Observa-se que ocorreu uma expansão da RAPS no seu componente estrutural, como a criação das ESF no meio rural com cobertura total, o Programa Infância Melhor do “Criança Feliz”, o NASF e o matriciamento para as equipes do meio rural; porém, essa expansão não é acompanhada de um adequado planejamento dos recursos estruturais, como transporte, rede de internet e sinal de telefone.

Como estratégias de apoio, as equipes da zona rural, os profissionais deste estudo, destacam apoio do NASF e do programa de RD. A presença do NASF nas ESFs contribui para que a equipe se sinta apoiada em suas ações e como ponte de apoio para conexão com alguns serviços da cidade. Já a parceria com a redução de danos é percebida como uma estratégia potente que precisa de mais investimentos, e uma organização para sistematização das atividades realizadas em conjunto.

O NASF e o RD fazem parte do componente da Atenção Básica à Saúde no âmbito da RAPS e têm revelado apoio ao trabalho das equipes a partir da ampliação do escopo de ações e do acompanhamento de casos. Na prática, o principal desafio é a integração desses serviços para a coordenação do cuidado, entendendo como a integração de vários pontos da RAPS e a responsabilização pelos casos. No caso das populações rurais, a falta dessa coordenação aumenta a dificuldade de acesso, pois fragmenta o cuidado, deixando o acesso ao serviço marcado pela assistência à crise aguda1111. Cirilo Neto M, Dimenstein M. Desafios para o cuidado em saúde mental em contextos rurais. Gerais Rev Interinst Psicol. 2021;14(1):e15627. doi: https://doi.org/10.36298/gerais202114e15627
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Neste sentido, compreende-se que as ações de atenção primária rural carecem de serviços de apoio, como a RD e programas de extensão88. Csák R, Szécsi J, Kassai S, Márványkövi F, Rácz J. New psychoactive substance use as a survival strategy in rural marginalized communities in Hungary. Int J Drug Policy. 2020;85:102639. doi: https://doi.org/10.1016/j.drugpo.2019.102639
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, assim como de opções inovadoras de tratamento de saúde, que podem incluir o uso de clínicas móveis, clínicas e consulta via videoconferência, mensagem de texto como suporte, a fim de reduzir a distância e permitir o contato entre equipes interdisciplinares tal como se observa na tendência dos estudos internacionais realizados na Europa e nos Estados Unidos88. Csák R, Szécsi J, Kassai S, Márványkövi F, Rácz J. New psychoactive substance use as a survival strategy in rural marginalized communities in Hungary. Int J Drug Policy. 2020;85:102639. doi: https://doi.org/10.1016/j.drugpo.2019.102639
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,1919. Ali MM, Nye E, West K. Substance use disorder treatment, perceived need for treatment, and barriers to treatment among parenting women with substance use disorder in US rural counties. J Rural Health. 2022;38(1):70-6. doi: https://doi.org/10.1111/jrh.12488
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Com relação ao apoio especializado em saúde mental (matriciamento), identifica-se a necessidade de melhorar a articulação entre o CAPSad com as equipes do meio rural. As falas dos profissionais demonstram que esse trabalho de matriciamento já foi pactuado, mas, na prática, não vem acontecendo de forma sistemática. Os problemas identificados neste estudo necessitam de investimento tanto vinculados à gestão de saúde quanto à organização de processos de trabalho e formação profissional. Com o apoio da literatura científica, observa-se na experiência internacional que, na APS, os modelos de teleconsulta com os serviços especializados podem ser caminhos possíveis para a qualificação do trabalho em equipe. O uso de telessaúde pode fornecer acesso às regiões rurais e aumentar a disponibilidade de profissionais especializados para o tratamento do uso de substâncias. Tais estratégias devem ser somadas à expansão e à qualificação de trabalhadores no meio rural1919. Ali MM, Nye E, West K. Substance use disorder treatment, perceived need for treatment, and barriers to treatment among parenting women with substance use disorder in US rural counties. J Rural Health. 2022;38(1):70-6. doi: https://doi.org/10.1111/jrh.12488
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Outra questão é que a gestão e o trabalho em saúde no contexto brasileiro devem levar em consideração os determinantes sociais da população do meio rural, em que muitas ainda vivem em situação de pobreza extrema. Ou seja, investir em água potável, alimentação, recursos para o trabalho no campo, programas de assistência social e diminuição das violências domésticas, educação em saúde dos usuários2020. Pessoa VM, Almeida MM, Carneiro FF. Como garantir o direito à saúde para as populações do campo, da floresta e das águas no Brasil? Saúde Debate. 2018;42(spe 1):302-14. doi: https://doi.org/10.1590/0103-11042018S120
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. Além disso, a formação profissional é essencial para mudança deste cenário, para tal, sugere-se investimento na formação em saúde, incluindo disciplinas sobre saúde no meio rural no currículo de graduações e pós-graduações. O investimento em bolsas e outros subsídios educacionais pode ajudar no recrutamento e fixação de profissionais em áreas rurais2020. Pessoa VM, Almeida MM, Carneiro FF. Como garantir o direito à saúde para as populações do campo, da floresta e das águas no Brasil? Saúde Debate. 2018;42(spe 1):302-14. doi: https://doi.org/10.1590/0103-11042018S120
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. Portanto, as limitações do cuidado em saúde mental em zonas rurais demonstram a necessidade de ressignificar as tecnologias de trabalho e construir novos modos de cuidados que aproximem as equipes dos territórios rurais, facilitando a inclusão das pessoas nas ações de cuidado da RAPS.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No presente estudo, identificou-se que, para os moradores da zona rural, o acesso à RAPS nas ações de prevenção e adesão aos tratamentos em saúde mental para os problemas relacionados ao uso abusivo de álcool são extremamente difíceis, por conta de fatores relacionados à adequação de intervenções que considere as questões culturais do território rural e da dinâmica organizacional da RAPS, que não dispõe de recursos suficientes para facilitar o acesso dos usuários as ações. No contexto rural, evidencia-se que as barreiras de acesso são impostas pelas fragilidades dos recursos humanos no trabalho preventivo e recursos estruturais de transporte, carências financeiras e de tecnologias que aproximem as equipes dos territórios rurais. Essas barreiras devem ser tratadas como prioridades na gestão das redes.

No que tange às estratégias de apoio ao acesso à RAPS no meio rural, são elencadas como potenciais as articulações dos profissionais da ESF com as equipes do RD, NASF e o matriciamento com o CAPS AD. Esse suporte qualifica a porta de entrada da RAPS em ações preventivas, e poderá garantir a continuidade dos cuidados que se sucede no acesso à rede. Nesse sentido, de acordo com os achados do presente estudo, sugere-se como possível solução uma maior articulação dos gestores e profissionais dos serviços especializados da RAPS com as equipes dos territórios rurais, a fim de dar suporte e, sobretudo, priorizar tecnologias inovadoras de cuidado aos contextos rurais. Além disso, sugere-se um investimento na estruturação das RAPS no âmbito do SUS, com adequada logística de recursos para usuários e profissionais, qualificação das equipes e instrumentos de trabalho definidos como os espaços sistemáticos de articulação entre as equipes.

Uma limitação neste estudo foi a inclusão de apenas coordenadores, gestores e profissionais da RAPS e da rede intersetorial nas entrevistas semiestruturadas. Sugerem-se outros estudos avaliativos com a participação de usuários e familiares da RAPS, contemplando suas necessidades, percepções e sugestões para as possíveis estratégias na construção das RAPS aos contextos rurais. Mostra-se como contribuição do estudo a indicação para os gestores e trabalhadores incluírem na organização de suas RAPS estratégias para facilitar o acesso dos usuários de álcool que residem na zona rural, priorizando ações de aproximação com a cultura local, investimento na prevenção e nos recursos que sustentam as conexões entre os profissionais e comunidades. Nesse sentido, o estudo apresenta caminhos para a construção de redes mais acessíveis e resolutivas em âmbito local e regional, e contribuições para o fortalecimento de políticas públicas voltadas para os territórios rurais e para a qualificação de ações de RAPS na atenção aos usuários de álcool e drogas.

REFERENCES

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  • Agradecimento:

    À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pela concessão de bolsa de Pós-Graduação da primeira autora.

Editado por

Editor associado:

Carlise Rigon Dalla Nora

Editor-chefe:

Maria da Graça Oliveira Crossetti

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    02 Ago 2021
  • Aceito
    30 Dez 2021
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