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Compreendendo a participação de mães no cuidado aos filhos com doenças crônicas em unidade intensiva

RESUMO

Objetivo:

Compreender a percepção de mães de crianças com doenças crônicas hospitalizadas em unidade intensiva quanto a sua participação no cuidado ao filho.

Método:

Estudo qualitativo fundamentado nos pressupostos da Análise da Estrutura do Fenômeno Situado, com 14 mães, em Campinas, São Paulo. Os discursos foram obtidos por meio de entrevista aberta, de novembro de 2020 a janeiro de 2021, analisados e discutidos a partir da literatura temática.

Resultados:

Emergiram três categorias temáticas - compartilhando o cuidado com a equipe de saúde; desejando ser incluída no cuidado do filho e; buscando compreender a cultura organizacional.

Considerações finais:

As mães reconhecem que a participação no cuidado aos filhos depende do estado de saúde da criança e destacam a importância da comunicação ser eficiente e cautelosa. Cabe às instituições de saúde reverem a cultura organizacional, implementando o Cuidado Centrado na Família.

Palavras-chave:
Família; Doença crônica; Cuidado da criança; Unidades de terapia intensiva pediátrica; Enfermagem pediátrica.

ABSTRACT

Objective:

To understand the perception of mothers of children with chronic diseases hospitalized in intensive care unitsabout their participation in the care of their children

Method:

Qualitative study based on the premises of the Situated Phenomenon Structure Analysis, with 14 mothers, in Campinas, São Paulo. The discourseswere obtained through open interviews from November 2020 to January 2021, analyzed and discussed according to literature on the topic.

Results:

Three thematic categories emerged - Sharing the Care with the Health Team; Wanting to be a Part of the Child's Care; Trying to Understand the Organizational Culture.

Final considerations:

The mothers understand that their participation in their children care depends on the children’s state of health. In addition, they highlight the importance of an effective and careful communication. It is up to health institutions to review their organizational culture, implementing the Family Focused Care.

Keywords:
Family; Chronic disease; Child care; Intensive care units pediatric; Pediatric nursing

RESUMEN

Objetivo:

Comprender cómo las madres de niños con enfermedades crónicas hospitalizados en una unidad de cuidados intensivos perciben su participación en el cuidado infantil.

Método:

Estudio cualitativo basado en los supuestos del Análisis de la Estructura del Fenómeno Situado, con 14 madres, en Campinas, São Paulo. Los discursos se obtuvieron a través de entrevistas abiertas, de noviembre de 2020 a enero de 2021, analizadas y discutidas a partir de la literatura temática.

Resultados:

Surgieron tres categorías temáticas: compartiendo la atención con el equipo de salud; deseando ser incluida en el cuidado del niño; y buscando comprender la cultura organizacional.

Consideraciones finales:

Las madres reconocen que la participación en el cuidado de los niños depende del estado de salud del niño y enfatizan la importancia de una comunicación eficiente y cautelosa. Corresponde a las instituciones de salud revisar la cultura organizacional, implementando la Atención Centrada en la Familia.

Palabras clave:
Familia; Enfermedad crónica; Cuidado del niño; Unidades de cuidado intensivo pediátrico; Enfermería pediátrica

INTRODUÇÃO

Ter o filho hospitalizado em Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP) é momento de crise para a família, que necessita ajustar papéis previamente estabelecidos, visto que um dos cuidadores interromperá atividades cotidianas para permanecer no espaço hospitalar, acompanhando a criança doente11. Soares LG, Rosa NM, Higarashi IH, Marcon SS, Molina RCM. Pediatric ICU: the meaning of taking care in the mother’s perspective. J Res Fundam Care. 2016;8(4):4965-71. doi: https://doi.org/10.9789/2175-5361.2016.v8i4.4965-4971
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A presença da família durante o processo de hospitalização da criança, além de ser uma necessidade para minimizar os efeitos da separação, é garantida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que assegura permanência, em tempo integral, de um dos pais ou responsáveis, devendo os serviços de saúde proporcionar condições adequadas para tal22. Presidência da República (BR), Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos Brasil. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial União. 1990 jul 16 [cited 2020 Mar 10];128(135 Seção 1):13563-77. Available from: https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=16/07/1990&jornal=1&pagina=1&totalArquivos=80
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Embora os estabelecimentos de saúde brasileiros cumpram a legislação, não existe definição do papel da família nesse contexto, o que dificulta o relacionamento família-equipe de saúde e, consequentemente, a prestação dos cuidados, podendo influenciar negativamente na recuperação da criança33. Martins PL, Azevedo CS, Afonso SBC. O papel da família nos planos de tratamento e no cuidado pediátrico hospitalar em condições crônicas complexas de saúde. Saúde Soc. 2018;27(4):1218-29. doi: https://doi.org/10.1590/S0104-12902018170402
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Estudo realizado com equipe multiprofissional que cuida de crianças/adolescentes com doenças crônicas revelou que o fornecimento de apoio às demandas das famílias encontra-se fragilizado por obstáculos, como a organização do processo de trabalho, interação entre os membros da equipe e sobrecarga de trabalho44. Machado AN, Nóbrega VM, Silva MEA, França DBL, Reichert APS, Collet N. Chronic disease in children and adolescents: professional-family bond for the promotion of social support. Rev. Gaúcha Enferm. 2018;39:e2017-0290. doi: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2018.2017-0290
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Embora, nas UTIP, a presença da família seja uma realidade incontestável, o relacionamento com os profissionais de enfermagem, por vezes, é impessoal e distante, focado nas atividades assistenciais com a criança, além das atividades burocráticas, sendo a família mera expectadora55. Silva CC, Melo LL. A família no contexto da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica: perspectiva de profissionais de enfermagem. In: Sousa FGM, Rolim KMC, Fernandes HIVM, Figueiredo MCAB, organizadoras. Interfaces da pesquisa no cuidado de enfermagem em terapia intensiva neonatal e pediátrica. Curitiba: CRV; 2020. p. 193-208..

Buscar uma relação harmoniosa com a família é um dos princípios do Cuidado Centrado na Família (CCF). Trata-se de uma filosofia de cuidado, que reconhece a família como parte fundamental do cuidado em saúde, estimulando e assegurando a sua participação no planejamento das ações em saúde66. Institute for Patient- and Family-Centered Care [Internet]. McLean, VA: PFCC; 2020 [cited 2020 Mar 10]. What is PFCC?; [about 2 screens]. Available from: http://www.ipfcc.org/about/pfcc.html
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Considerando que as doenças crônicas acompanham a criança ao longo da vida, apresentando curso clínico mutável, com períodos de agudização que podem gerar incapacidades e que o tratamento, por ser prolongado, exige cuidados constantes, é essencial o compartilhamento do cuidado com a família no ambiente hospitalar, orientando-a de modo a desenvolver competências para o cuidado do filho11. Soares LG, Rosa NM, Higarashi IH, Marcon SS, Molina RCM. Pediatric ICU: the meaning of taking care in the mother’s perspective. J Res Fundam Care. 2016;8(4):4965-71. doi: https://doi.org/10.9789/2175-5361.2016.v8i4.4965-4971
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Frente ao exposto, a pergunta de pesquisa que norteou o estudo foi: “Como mães de crianças com doenças crônicas participam da hospitalização do filho em UTIP?”. Esse questionamento foi estabelecido com o intento de alcançar o objetivo proposto, que foi compreender a percepção de mães de crianças com doenças crônicas hospitalizadas em unidade intensiva quanto a sua participação no cuidado ao filho.

MÉTODO

Trata-se de estudo qualitativo, fundamentado nos pressupostos da Análise da Estrutura do Fenômeno Situado. Essa metodologia considera que somente o indivíduo que vivencia determinado fenômeno é capaz de desvelá-lo por meio do seu discurso77. Martins J, Bicudo MAV. A pesquisa qualitativa em psicologia: fundamentos e recursos básicos. São Paulo: Centauro; 2005..

O estudo foi realizado em uma UTIP, com capacidade para 20 leitos, em um hospital de ensino, público, localizado no interior do estado de São Paulo, Brasil. A instituição garante condições de permanência em tempo integral a um acompanhante, à beira-leito e/ou na Sala da Família, local anexo à UTIP, com, aproximadamente, 30 m22. Presidência da República (BR), Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos Brasil. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial União. 1990 jul 16 [cited 2020 Mar 10];128(135 Seção 1):13563-77. Available from: https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=16/07/1990&jornal=1&pagina=1&totalArquivos=80
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, onde há poltronas e banheiro. As refeições, café da manhã, almoço e jantar, também são oferecidas pela instituição, além de chá da tarde para mães que estejam amamentando.

As entrevistas abertas e individuais foram realizadas pela primeira autora, de novembro/2020 a janeiro/2021, ao lado do leito da criança, no pátio externo à unidade ou na Sala da Família, de acordo com a escolha da participante, em datas e horários acordados, previamente, a partir da seguinte questão norteadora: "Como você se percebe participando da hospitalização do seu filho?".

Participaram 14 mães de crianças com doenças crônicas (Quadro 1), com idade entre 20 e 43 anos, que acompanhavam os filhos durante a hospitalização em UTIP, sendo esses os critérios de inclusão. Todas as mães de crianças com doenças crônicas foram convidadas a participar, porém duas mães recusaram, porque não se sentiram confortáveis com a gravação da entrevista. Os critérios de exclusão adotados foram mães que não viviam e/ou não eram responsáveis pelos cuidados dos filhos no ambiente domiciliar e menores de 18 anos.

Quadro 1-
Participantes do estudo. Campinas, São Paulo, Brasil, 2021

As entrevistas foram gravadas em áudio digital, totalizando 226 minutos, e transcritas na íntegra para análise da estrutura do fenômeno situado, seguindo os passos recomendados por Martins e Bicudo: leitura global do conteúdo total dos discursos; releitura atentiva, identificando as afirmações significativas das participantes (unidades de significados); busca de convergências e divergências nos discursos; a partir das convergências/divergências construção de categorias temáticas e elaboração de síntese descritiva, integrando as afirmações significativas em que se constituem as categorias que expressam os significados atribuídos pelas mães77. Martins J, Bicudo MAV. A pesquisa qualitativa em psicologia: fundamentos e recursos básicos. São Paulo: Centauro; 2005..

O encerramento das entrevistas se deu quando os discursos demonstraram ser suficientes para auxiliar o pesquisador a desvelar o fenômeno em questão, ou seja, atingiram a saturação teórica88. van Rijnsoever FJ. I can’t get no saturation: a simulation and guidelines for sample sizes in qualitative research. PLoS One. 2017;12(7):e0181689. doi: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0181689
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. Este momento é resultado do processo contínuo de análise das entrevistas, para além da repetição de ideias, pois os discursos revelam a singularidade das vivências de um grupo de indivíduos inseridos em determinado contexto e tempo histórico99. MCS Minayo. Amostragem e saturação em pesquisa qualitativa: consensos e controvérsias. Rev Pesq Qual. 2017 [cited 2020 Mar 10];5(7):1-12. Available from: https://editora.sepq.org.br/index.php/rpq/article/view/82/59
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Para garantir o anonimato, as mães e as crianças tiveram seus nomes substituídos por nomes fictícios. As mães foram nomeadas como pedras preciosas, que são minerais raros e de grande valor, aludindo ao especial papel que essas mães têm para com seus filhos hospitalizados. Os filhos receberam nomes próprios com a letra inicial do nome da mãe, fazendo referência à característica indissociável do binômio.

O estudo seguiu, rigorosamente, as recomendações da Resolução 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde, sendo submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Campinas e aprovado por meio do Parecer 4.164.218 de 20 de julho de 2020, CAAE 33463420.0.0000.5404.

RESULTADOS

A partir da análise dos discursos, emergiram três categorias temáticas: compartilhando o cuidado com a equipe de saúde; desejando ser incluída no cuidado do filho; buscando compreender a cultura organizacional.

Compartilhando o cuidado com a equipe de saúde

Ter um filho com doença crônica hospitalizado em UTIP requer cuidado compartilhado entre as mães e a equipe de saúde, pois há momentos que essas crianças necessitam de cuidados especializados, os quais as mães não estão aptas a prover. Embora sentissem falta da prestação de cuidados, elas entenderam que para participar necessitavam dar espaço à equipe de saúde.

Mas, eu entendo que hoje o Tarcísio não sou eu quem boto a mão, são elas. Porque ele está cheio de detalhes ainda, tem dor, enfim, não dá para encostar muito. Eu não posso nem pegar ele no colo, é só passando a mão na cabeça, literalmente, porque ele está todo aberto ainda, fez duas cirurgias cardíacas. Então, eu prefiro, inclusive, nem pegar no colo [...] poder pegar é o que falta, mas eu entendo que nesse momento não dá. (Turmalina, 33 anos)

[...] como mãe eu sinto falta, mas por ele estar em um lugar que requer um cuidado especial, eu acho que agora não seria o momento. Falta a gente sente porque é nosso filho. A gente quer cuidar. Que mãe não quer cuidar do seu filho? Mas, eu acho que quando está nesse momento de hospitalização, ainda mais em uma UTI, eu acho que não deveria mexer mesmo. Eu acho que deveria ser para os técnicos, as pessoas que tem uma preparação melhor, porque a criança está intubada, está com cateter, não está em condição de manuseio. Eu acho que é muito risco. (Ametista, 41 anos)

Além da compreensão de que cabe à equipe de saúde a realização das atividades mais complexas, Ametista considerou, como parte do processo de cuidar, o bom relacionamento com a equipe de saúde, sendo essa relação fator contribuinte na recuperação das crianças.

Eu acho importante sim esse contato que a gente tem com os médicos e os enfermeiros, principalmente para a recuperação das crianças [...] a gente consegue ver um relacionamento bom com os funcionários... (Ametista, 41 anos)

Já Turmalina, acreditava que ter confiança na equipe médica é fundamental, pois eles possuem conhecimento técnico-científico para realizar os cuidados necessários.

Eu não sei, a nossa cultura familiar é de confiar e dar bastante liberdade aos médicos, então, não ficar questionando o que a gente não entende. O que não sabe, não é da nossa alçada [...] Se você está vendo um profissional que não age de uma forma bacana, tudo bem, mas eu pelo menos não vi nada anormal, nada errado, pelo contrário. (Turmalina, 33 anos)

A confiança de Turmalina na equipe médica fez com que ela aceitasse não compreender todas as situações que envolviam a hospitalização do filho. Contudo, os profissionais não podem esquecer da importância da comunicação adequada com os familiares.

Para além dos cuidados técnicos dispensados pela equipe de saúde, as mães valorizavam o suporte emocional oferecido pela equipe de enfermagem, considerado importante componente do cuidado, que auxiliava no enfrentamento das dificuldades experienciadas no dia a dia da criança hospitalizada.

As meninas aqui são super atenciosas com a gente, nunca nos deixam desamparadas [...]. Isso é bom para nós como mães. A hora que nós achamos que nosso mundo está desmoronando, elas vêm, sempre conversam, não nos deixam desemparadas, jamais. Eu me sinto amparada pela enfermagem sim. [...] Cada vez que eu achei que o Abel não ia ficar [refere-se a possibilidade da criança morrer], elas vinham e me davam umas palavras boas, e ele está ai. Assim, para mim, como mãe de UTI, isso é gratificante, muito gratificante, ver o carinho que eles têm por ele. (Aventurina, 28 anos)

As mães entenderam que os filhos estão em unidade intensiva por necessitarem de cuidados especializados. Ainda assim, sentiram-se mais seguras nesse ambiente do que na unidade de internação. Identificaram que há maior disponibilidade dos profissionais de saúde, tanto no que diz respeito à assistência direta quanto no afeto envolvido no cuidar.

Eu acho aqui bem diferente de lá na enfermaria, o cuidado aqui é melhor, é médico toda hora, os enfermeiros. Lá é diferente, porque aqui tem enfermeiro, o que você precisar pedir eles estão aqui. Agora lá não, lá você entra no quarto e fica. Tem quem cuida, mas não é igual aqui, tem que ficar chamando, sabe? Eu acho essa parte melhor, eles estão mais presentes. [...] Eu me sinto mais segura. (Malaquita, 35 anos)

Eu acho que o cuidado da UTI tem muito amor. Eu vejo muita diferença. Na UTI eles são mais amorosos, muito mais, mais atenciosos. Na enfermaria é muito mais criança. Eu senti muita diferença. (Safira, 30 anos)

A partir da disponibilidade dos profissionais de saúde, as mães mostraram-se satisfeitas com os cuidados de saúde oferecidos pelo serviço.

Aqui, sinceramente, para mim está ok, tanto no atendimento, na organização das pessoas, em relação aos médicos, volta e meia sempre aqui nos leitos, sabe? Para mim aqui está tranquilo. Pelas experiências que eu tive em duas UTIs aqui está bem melhor a convivência. (Opala, 37 anos)

O cuidado com ela é sempre muito bom, o pessoal é muito atencioso [...] Para mim está bom, o sentimento deles sempre foi muito bom com ela. (Fluorita, 40 anos)

Embora satisfeitas com o cuidado oferecido às crianças pela equipe de saúde, as mães apontaram outros aspectos relevantes para se sentir parte desse momento.

Desejando ser incluída no cuidado do filho

As mães destacaram a importância de serem incluídas no cuidado, sendo necessário que os profissionais de saúde se comuniquem de forma eficiente. Para tal, as mães deveriam receber explicações detalhadas a respeito do que seria realizado com seus filhos, mas em linguagem simples e acessível.

Quanto mais informação de forma mais simples, menos técnica, é mais fácil. Porque eles... [refere-se aos profissionais de saúde no geral] geralmente, isso acontece em todo hospital, dá todo o diagnóstico e pergunta: ‘Você entendeu?’ e você responde: ‘Sim’. Vai dizer que não? Então, isso pode também acalmar a gente, quando fala com uma linguagem mais simples. E isso foi legal, porque tanto o Doutor quanto o próprio Cirurgião, os dois conseguiram, pelo menos para mim e para o meu marido, usar uma linguagem que a gente entendeu. (Turmalina, 33 anos)

Elas [refere-se a equipe de enfermagem] explicam tudo, não precisa ficar perguntando, elas já compartilham tudo. Então, eu não tenho dúvida de nada. Eu me sinto incluída. (Jaspe, 28 anos)

Para além da linguagem acessível, a comunicação precisaria ser cautelosa, já que a hospitalização de um filho é uma situação delicada, que gera sentimentos difíceis, tendo o modo como as informações são passadas, potencial de acalentá-las ou desampará-las.

Quando eu cheguei lá, a médica que examinou ela disse que ela tinha sopro, e eu nunca soube na minha vida o que era um sopro. Aí ela falou: mãe, ela tem sopro, e é um sopro grande. Eu fiquei desesperada. Quando a gente foi fazer o ECO eu falei: e aí doutora, como que é o sopro dela? Ela olhou para minha cara, bem grossa, e disse: a sua filha tem um buraco no coração, para mim já era mais um problema. (Rubi, 24 anos)

Eu lembro que os médicos não tinham, às vezes, o tato para falar [refere-se a outro serviço de saúde no qual o filho ficou hospitalizado]. O médico, um dia, chegou para mim e falou assim: se prepara que tudo pode acontecer com seu filho, e não é assim. Você tem que ver o que pode fazer para melhorar a saúde dele, mas não chegar e falar: se prepara. Eu acho que não é uma coisa para se falar para uma mãe que tem filho na UTI. E aqui já não, o pessoal aqui sempre conversando, sempre procura falar direitinho tudo que vai fazer, sempre dão um apoio legal. (Opala, 37 anos)

As mães se sentiram incluídas no cuidado quando a equipe permitiu que desempenhassem papel semelhante ao realizado no lar.

Eu sempre tive vontade de cuidar do Abel e só agora, depois de um certo tempo, é que eu comecei a fazer os cuidados dele. Trocar uma fralda, ajudar no banho, um cuidado que seria da mãe em casa [...]. Elas também começaram [refere-se a equipe de enfermagem]: quer trocar uma fralda? Hoje eu já faço, adoro quando elas me dão a oportunidade de trocar, dar um banho, pegar no colo. (Aventurina, 28 anos)

Agora eu posso fazer, posso trocar uma fralda [...] foram soltando devagarzinho, deixaram eu pegar no colo. Depois, fui trocando a fralda, então, fui perdendo um pouquinho do medo. (Safira, 30 anos)

Quando o estado clínico da criança não permitia que as mães realizassem nenhum tipo de cuidado, ainda assim acreditavam que a equipe deveria incentivar a manutenção do vínculo mãe-filho.

Talvez, se isso fosse mais incentivado, nós mães ficaríamos mais calmas, porque eu conversei com algumas mães no café e estavam todas destroçadas. Parece que fica lá o bebê e você aqui e não tem mais aquele vinculo, sobretudo, as que não podem mais amamentar, fica como um choque. Talvez, só ser mais incentivado a tocar mais, se vincular mais da forma que dá. Pela própria equipe ou por alguém [...] Eu sei que na prática, para um serviço que é técnico, que precisa de agilidade, não dá para fazer isso o tempo inteiro, mas podia ter algum momento para fazer uma terapia de beijo, uma terapia de abraço. (Turmalina, 33 anos)

O cuidado à criança não pode ser dissociado da figura materna, no entanto, por vezes, esse conhecimento era esquecido, fazendo com que as mães fossem tratadas como “a mãe da criança” e não um indivíduo com necessidades próprias que também precisava ser atendido.

Isso é uma coisa que, talvez, melhore a experiência do serviço, o tratar pelo nome. Acho que a gente se torna a mãe do bebê. Daria mais ânimo se nós fossemos nós mesmas. Eu sei que para os profissionais, o centro é a criança, mas eu acho que a família também deve ser reconhecida, cada um pelo seu papel. É uma questão de bater o olho no papel [refere-se à identificação da criança que fica no leito e onde consta o nome da mãe]. Aqui é bem comum, o tempo todo. É a mãezinha. (Turmalina, 33 anos)

Outro fator que repercutiu negativamente à incorporação das mães nos cuidados aos filhos hospitalizados, foi a falta de flexibilização do serviço/instituição, que instaura regras, não considerando as particularidades de cada família.

[...] e de dormir também, porque a gente não pode ficar do lado deles, tem hora que a gente tem que sair, não pode ficar todo o tempo. Eu saí e foi a hora que eu saí que ele passou mal. Eu tive que sair para fazer a troca com a minha cunhada e aí eles não deixaram eu entrar, e nessa hora que ele passou mal e entubaram ele, entendeu? Aí não tinha ninguém presente. Eu me senti mal, falei: poxa, eu estava lá e ele estava bem. (Cianita, 29 anos)

Eu até questionei ontem, se eu poderia aspirar, mas falaram que não, porque é UTI. Eu acho que nesse caso podia ter um pouquinho de flexibilização. Eu entendo que eles preferem, porque se tem alguma intercorrência, é responsabilidade deles, mas de repente se eu pudesse ajudar um pouquinho mais nessa parte, eu gostaria. (Opala, 37 anos)

Foi horrível quando ela ficou na UTI, porque quando ela internou, a salinha [refere-se à sala de descanso das mães] não estava liberada e as mães não dormiam aqui, então, tinha que ir embora todos os dias. E todos os dias eu ia chorando. Para mim era a pior parte, ir embora e deixar ela. (Rubi, 24 anos)

Por outro lado, o serviço foi capaz de reconhecer necessidades das famílias e modificar a rotina hospitalar.

Quando eu vim para cá a primeira vez, a gente ficava durante o dia e de noite ia para casa, era a UTIP antiga. Eu gostei desse quarto, a gente vem e dorme e aí de manhã já está aqui, não tem a preocupação de ficar longe. (Azurita, 32 anos)

Agora que temos a oportunidade de ficar mais tempo, de poder ficar 24h, mas antes não. De maio para cá é a melhor fase da UTI, as mães podem ficar com eles. Antes, nós chegávamos aqui às 8h e saíamos às 18h e não podíamos ficar à noite. De um tempo para cá, nós começamos a ficar 24h com eles, nós só saímos na troca de plantão. Para nós é muito gratificante. (Aventurina, 28 anos)

Essa mudança foi considerada gratificante e potencialmente favorável para minimizar as preocupações inerentes ao afastamento do filho, mesmo que fosse para dormir no domicílio e retornar no dia seguinte.

Buscando compreender a cultura organizacional

Cada família apresenta uma forma particular de organização, conivente com suas crenças e cultura. O ambiente hospitalar, da mesma forma, apresenta uma cultura organizacional para o bom funcionamento e melhor atendimento de seus pacientes.

Por ser local com dinâmica diferente da doméstica, causava às mães sensação de desconforto, que advinha da exposição a um lugar climatizado, onde todos os procedimentos são controlados por regras. Além disso, o contato com o sofrimento de outras famílias fez com que as mães tivessem que aceitar que a hospitalização dos filhos poderia ter desfecho negativo. Assim, procedimentos comuns ao lar, como o banho, que seria momento de prazer e vínculo entre o binômio, necessitaram ser ressignificados, pois a hospitalização os tornou estressantes.

Eu, sinceramente, não gosto de ficar muito tempo em UTI. Eu não passo o dia todo aqui, fico um pouco, umas 3h, 3h30, quase 4h, depois eu vou embora. Eu não aguento ficar muito tempo, por dois motivos: um, o ar-condicionado e, o outro motivo é que eu fico vendo as criancinhas ruins... eu não me sinto bem. (Topázio, 43 anos)

Eu vejo no banho, lá na outra UTI eu podia ver, mas era uma coisa super rápida por ser um ambiente climatizado e não poder ficar muito tempo, era super estressante. Aí em casa também foi estressante, mas aos poucos a gente foi acostumando ela, fazendo coisas diferentes. Porque não tem pressa, aí coloca só o pé e deixa ela sentir, depois o corpo inteiro. [...] A sensação que a gente tem desde que ela nasceu é que tudo foi muito estressante para ela, todo dia um exame diferente, agulha, acesso, PICC. Então, logo que a gente começou a ter mais contato com ela, era pegar e ela já começava a chorar. Até que ela começou a entender que não era um procedimento, era só um carinho. Aí acostumou. (Fenacita, 32 anos)

As mães entendiam que a rotina hospitalar é necessária ao bom convívio entre todos - equipes de saúde, crianças e familiares - e colaborava com o cuidado dos filhos, por isso, se resignavam em aceitá-la. Compreendiam também, que o cenário pandêmico, ocasionado pela COVID-19, fez necessária a existência de regras mais restritas à permanência dos acompanhantes e visitantes.

Só nesse quesito, mas aí tudo bem, a gente aceita, entende e colabora. Não adianta, às vezes, a gente brigar, porque acaba até o convívio sendo uma coisa um pouquinho ruim. (Opala, 37 anos)

Nos outros hospitais, por ser um contexto super delicado, eu cheguei a acionar a psicóloga do hospital e a assistente social e aí liberaram [refere-se a permanência do pai da criança], principalmente, porque ele precisava aprender os cuidados comigo. Então, ele ficou internado comigo no período em que a gente estava no quarto. Quando a gente veio para cá, a gente entende que não dá, porque tem mais gente no quarto, mas na enfermaria ainda dava para a gente trocar, aqui não pode, por conta do COVID. [...] mas eu entendo que é um período atípico e tem que restringir por conta da pandemia. (Fenacita, 32 anos)

Quando um filho é hospitalizado, as mães convivem com diferentes famílias que estão vivenciando experiências semelhantes, o que era visto como rede de apoio necessária ao enfrentamento desse momento. Contudo, algumas vezes, se afastavam por não reconhecerem a experiência do outro como semelhante às suas próprias experiências.

Eu percebi, mesmo hoje de manhã, no café, porque elas [refere-se as demais mães] me convidaram para tomar um café com elas, eu falei: fui aceita no clube, eu senti assim. (Turmalina, 33 anos)

As mães aqui parece que não foram muito comigo não, aí eu fico mais sozinha no meu canto. (Amazonita, 20 anos)

Para além da permanência das mães no ambiente hospitalar, a interação com a equipe de saúde, principalmente quando comparada com outros serviços já frequentados, foi percebida como benéfica.

Eu acho que aqui eles fazem um trabalho de humanização com as mães. Eles são muito claros quando vão dar o diagnóstico, quando eles vão tratar com a gente, tanto a enfermeira, quanto o médico. Eu acho que é importante esse tratamento que eles têm com a família. (Ametista, 41 anos)

Eu estou contente com o atendimento. Porque, assim, o Olaf já ficou internado antes numa UTI em outro serviço, lá eu também não tinha o que reclamar, porém lá a gente não podia ficar durante a noite, e aqui, de certa forma, eles acolheram as mães junto para ficar com eles 24h. Quando precisa, eles chamam. Essa convivência dele, de hospital, está mais fácil, tanto para ele quanto para mim, porque um fortalece o outro. Porque não é fácil deixar um filho numa cama de hospital e a gente de repente ir para casa e não poder ficar aqui para dar um suporte. Eu acho que eu estou feliz aqui, de estar participando. (Opala, 37 anos)

Diante dos discursos maternos, evidenciou-se que a garantia da permanência das mães durante a hospitalização do filho auxiliou no enfrentamento da experiência de adoecimento da criança.

DISCUSSÃO

Para as mães de crianças com doenças crônicas hospitalizadas em unidade intensiva, a participação no cuidado aos filhos ocorreu a depender do estado de saúde da criança, da inclusão delas como recebedoras de cuidado e, também, da compreensão das normas e rotinas da unidade.

A família, quando inserida no cuidado, torna-se elo entre a criança e a equipe de saúde, diminuindo a angústia da criança e auxiliando na aceitação do cuidado. No entanto, é de responsabilidade dessa equipe a assistência especializada, que de forma alguma deve ser delegada. O familiar entende essa questão devido a hospitalização da criança em unidade intensiva1010. Ferreira LB, Oliveira JSA, Gonçalves RG, Elias TMN, Medeiros SM, Mororó DDS. Nursing care for the families of hospitalized children and adolescents. J Nurs UFPE. 2019 [cited 2020 Mar 10];13(1):23-31. Available from: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaenfermagem/article/viewFile/237672/31106
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Esse entendimento, no entanto não impede que possa se instaurar um clima de disputa, visto que antes o cuidado à criança era prestado exclusivamente pela família e, agora, com o processo de doença, passa a ser compartilhado com a equipe. A partir do bom relacionamento entre médicos e enfermeiros para com os familiares, gera-se diálogo que propicia divisão concreta dos cuidados prestados e, assim, se instaura vínculo entre os envolvidos, possibilitando confiança na assistência oferecida1111. Bazzan JS, Milbrath VM, Gabatz RIB, Cordeiro FR, Freitag VL, Schwartz E. The family’s adaptation process to their child’s hospitalization in an Intensive Care Unit. Rev Esc Enferm USP. 2020;54:e03614. doi: https://doi.org/10.1590/S1980-220X201805620361412
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Dessa forma, não se pode perder de vista a importância dos princípios do CCF, que são: dignidade e respeito, isto é, a equipe de saúde ouve e respeita à família; compartilhamento de informações, que devem ser oportunas, completas e precisas, auxiliando na tomada de decisões; colaboração, que diz respeito a participação da família no cuidado66. Institute for Patient- and Family-Centered Care [Internet]. McLean, VA: PFCC; 2020 [cited 2020 Mar 10]. What is PFCC?; [about 2 screens]. Available from: http://www.ipfcc.org/about/pfcc.html
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Além da importância da valorização relação/interação família-equipe de saúde, o tempo de assistência de enfermagem dispensado às crianças criticamente doentes em uma unidade intensiva é maior quando comparado a uma unidade de internação.

No Município de São Paulo, o tempo dispendido no cuidado de enfermagem em uma unidade intensiva pediátrica foi, em média, 15,23 horas, sendo 32% atribuído aos enfermeiros e 68% aos técnicos e auxiliares de enfermagem. Considerando que a quantidade de enfermeiros por paciente é maior dentro dessas unidades, é possível dispor de maior tempo de assistência à beira leito do que nas enfermarias1212. Vieira FPC, Garcia PC, Fugulin FMT. Nursing care time and quality indicators at a pediatric and neonatal Intensive Care Unit. Acta Paul Enferm. 2016;29(5):558-64. doi: http://doi.org/10.1590/1982-0194201600077
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, o que torna compreensível as percepções das mães sobre a diferença de dedicação das equipes de enfermagem.

Em situações de exposição à tensão, como na hospitalização, a presença da mãe relaciona-se a ideia de segurança e proteção ao binômio. Além disso, até os 24 meses a criança não se percebe como ser independente da mãe, sofrendo mais às separações. Das 14 mães entrevistadas nesse estudo, 11 tinham filhos de até 24 meses, o que elucida as dificuldades relatadas em se manter longe dos filhos. Assim, ao acompanhar o filho hospitalizado, a mãe também se percebe como "hospitalizada", pela impossibilidade de fazer as atividades costumeiras com seu filho11. Soares LG, Rosa NM, Higarashi IH, Marcon SS, Molina RCM. Pediatric ICU: the meaning of taking care in the mother’s perspective. J Res Fundam Care. 2016;8(4):4965-71. doi: https://doi.org/10.9789/2175-5361.2016.v8i4.4965-4971
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Questões relativas à vinculação do enfermeiro com os familiares de crianças hospitalizadas são fundamentais ao estabelecimento de uma relação efetiva entre ambos, influenciando diretamente no cuidado à criança. Uma das ações do enfermeiro se concentra na educação em saúde, principalmente em relação à ambiência, as finalidades das tecnologias e dos procedimentos realizados, o esclarecimento sobre o quadro clínico e a retirada das dúvidas emergentes. Esses aspectos contemplam a comunicação eficaz, imprescindível para o acesso à informação1313. Santos MSN, Rolim KMC, Albuquerque MF, Pinheiro CW, Magalhães FJ, Fernandes HIVM, et al. Relação familiar na unidade de terapia intensiva neonatal: revisão integrativa. Enferm Foco. 2018;9(1):54-60. doi: https://doi.org/10.21675/2357-707X.2018.v9.n1.1417
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No processo de trabalho em saúde existe uma dimensão cuidadora, que consiste em um espaço para além da clínica, onde a atuação de todos é possível, sendo ponto de intersecção entre o cuidado dos profissionais e dos familiares, que permite a integralidade no cuidado. Para que ele ocorra, o profissional deve ir além da ação rotineira, criando possibilidades à participação da mãe, fugindo do instituído. Essa participação depende da capacidade de percepção do profissional em identificar as práticas de cuidado em que as mães podem ser inseridas. O profissional vai acompanhar e ajudar a mãe enquanto ela cuida da criança, mais do que orientar e responder às perguntas, o profissional vai envolvê-la no cuidado e auxiliá-la a desempenhar atribuições relacionadas à prática da maternidade1414. Carvalho E, Mafra PPOC, Schultz LF, Schumacher B, Aires LCP. Inclusion and participation in the care of the preterm infant at neonatal unit: paternal perceptions. Rev Enferm UFSM. 2019;9:e31. doi: https://doi.org/10.5902/2179769231121
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Sendo ambiente de alta complexidade, a UTIP é identificada pelos diversos recursos e tecnologias, as quais repercutem no aumento da sobrevida da criança, mas também podem dificultar as relações interpessoais. Além disso, o cuidado prestado é dificultado pela rotina extenuante, fazendo com que, por vezes, os profissionais de saúde esqueçam de tocar, conversar e ouvir o ser humano a sua frente. Nesse contexto, o uso da tecnologia leve, que envolve as relações, o convívio, o diálogo e a manutenção de vínculos é imprescindível, pois aprimora o cuidado prestado às crianças, assim como às famílias, fortalecendo as relações entre profissionais e familiares1313. Santos MSN, Rolim KMC, Albuquerque MF, Pinheiro CW, Magalhães FJ, Fernandes HIVM, et al. Relação familiar na unidade de terapia intensiva neonatal: revisão integrativa. Enferm Foco. 2018;9(1):54-60. doi: https://doi.org/10.21675/2357-707X.2018.v9.n1.1417
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Outros aspectos relevantes são as normas do serviço e a falta de flexibilização às particularidades de cada família1515. Jones CW, Lynn MR. Blog written by families during their child’s hospitalization: a thematic narrative analysis. J Pediatr Nurs. 2018;41:110-6. doi: https://doi.org/10.1016/j.pedn.2018.03.011
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. Em contrapartida, o livre acesso à unidade e as condições de permanência na instituição durante o período de hospitalização foram primordiais para a participação nos cuidados aos filhos1414. Carvalho E, Mafra PPOC, Schultz LF, Schumacher B, Aires LCP. Inclusion and participation in the care of the preterm infant at neonatal unit: paternal perceptions. Rev Enferm UFSM. 2019;9:e31. doi: https://doi.org/10.5902/2179769231121
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O afastamento forçado da vida fora do ambiente hospitalar exige reestruturação familiar desde o momento de entrada no hospital, quando são orientados sobre as novas regras que terão de cumprir. Ao mesmo tempo que ocorre quebra da rotina familiar há, também, inserção de uma nova cultura, a organizacional, que é o conjunto de premissas básicas que regem os valores norteadores de convívio na instituição1616. Costa AR, Nobre CMG, Gomes GC, Rosa GSM, Nornberg PKO, Medeiros SP. Perception of the family in a pediatric unit about nursing care. J Nurs UFPE. 2018:12(12):3279-86. doi: https://doi.org/10.5205/1981-8963-v12i12a238298p3279-3286-2018
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. Diante disto, cada unidade hospitalar apresenta particularidades, que podem ser geradoras de desconforto aos familiares.

É preconizada, por lei, a presença do acompanhante à criança hospitalizada22. Presidência da República (BR), Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos Brasil. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial União. 1990 jul 16 [cited 2020 Mar 10];128(135 Seção 1):13563-77. Available from: https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=16/07/1990&jornal=1&pagina=1&totalArquivos=80
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, sendo sua ausência potencial geradora de agravo à saúde. Nesse sentido, a presença e suporte da rede socioafetiva é entendida como prioridade. Assim, mesmo diante do cenário pandêmico, ocasionado pela COVID- 19, as instituições hospitalares que recebem crianças necessitaram adaptar-se à condição de permanência do acompanhante, fornecendo acolhimento ao adulto de referência e garantindo sua condição de bem-estar1717. Cardoso TP, Oliveira PR, Volpato RJ, Nascimento VF, Rocha EM, Lemes AG. Experience and perception of family members on child's hospitalization in pediatric unit. Rev Enferm UFSM. 2019;9:e4. doi: https://doi.org/10.5902/2179769231304
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No serviço hospitalar onde foi realizado o presente estudo foi mantida a presença, em tempo integral, de um acompanhante para cada criança, porém sem possibilidade de troca de acompanhantes ou visitas. Além disso, todos os acompanhantes eram testados a cada sete dias para COVID-19.

Ainda que as mães desejem estar ao lado dos filhos, ficar no ambiente hospitalar não é agradável às famílias, pois a insegurança e o despreparo para enfrentar a situação torna a experiência difícil. O estabelecimento de relação com outras famílias que vivenciam a mesma situação ajuda no enfrentamento da situação ao proporcionar troca de experiências e liberdade de expressão. Elas trocam informações entre si, formando vínculos de amizade e compartilhando as experiências vividas com a hospitalização. Quanto mais tempo a família permanece no ambiente hospitalar, mais ela adquire conhecimentos sobre a cultura e a rotina, integrando-se a cultura organizacional1616. Costa AR, Nobre CMG, Gomes GC, Rosa GSM, Nornberg PKO, Medeiros SP. Perception of the family in a pediatric unit about nursing care. J Nurs UFPE. 2018:12(12):3279-86. doi: https://doi.org/10.5205/1981-8963-v12i12a238298p3279-3286-2018
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Visando reduzir a hostilidade do ambiente hospitalar, a construção de uma cultura de humanização torna-se imprescindível. Envolve processos que implicam na mudança postural do profissional diante do trabalho, do grupo e da vida, em prol da transformação do acompanhante em usuário ativo, considerando direitos e deveres, organizando o serviço em uma lógica de acolhimento e responsabilização. A mudança de postura reflete na abordagem e linguagem acessível dos profissionais, que passam a fornecer orientações mais precisas e adequadas aos familiares. Essas atitudes contribuem para o fortalecimento da família, diminuindo suas angústias1818. Forte LT, Sato CM. A humanização hospitalar como resgate da dignidade, exercício da cidadania e transformação da gestão hospitalar: a experiência do Hospital Pequeno Príncipe [Internet]. Curitiba: Associação Hospitalar de Proteção à Infância Dr. Raul Carneiro; 2016 [cited 2020 Mar 10]. Available from: https://pequenoprincipe.org.br/projetosabermais/manual/apa_livro_familia_participante0.pdf
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A estrutura física do serviço também possui papel na acolhida familiar. Acompanhantes de crianças hospitalizadas em hospital do Mato Grosso do Sul avaliaram a estrutura física oferecida pelo serviço de forma positiva, enfatizando o quanto contribuiu para o acolhimento, ajudando a atender às necessidades das crianças1717. Cardoso TP, Oliveira PR, Volpato RJ, Nascimento VF, Rocha EM, Lemes AG. Experience and perception of family members on child's hospitalization in pediatric unit. Rev Enferm UFSM. 2019;9:e4. doi: https://doi.org/10.5902/2179769231304
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Uma boa estrutura física proporciona espaço adequado de descanso às famílias, que sentem necessidade de estarem alertas as possíveis alterações na condição clínica dos filhos, além de atender às demandas específicas de cuidado e permitir interação adequada entre o binômio e a equipe de saúde. No presente estudo, diversos foram os relatos em que as mães se mostraram gratas à disponibilidade da Sala da Família, que lhes proporcionava descanso, mas ainda permitia manter a proximidade com o filho, garantindo acesso rápido em caso de intercorrências.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As mães reconhecem que o determinante para a participação no cuidado aos filhos é o estado de saúde da criança e a disponibilidade da equipe de saúde. Sentem-se acolhidas e apoiadas por essa equipe, contudo o sentimento de impotência é frequente devido a impossibilidade de realizar cuidados típicos do lar, pois a maior parte desses cuidados são realizados pela equipe de saúde.

Nos discursos maternos, foi possível perceber que as mães entendem, à maneira delas, o caráter indissociável do binômio. Reconhecem a própria necessidade de inclusão nos cuidados para que os filhos recuperem à saúde. E, para isso, elas também precisam de cuidados, que envolvem a comunicação eficiente e cautelosa de tudo aquilo que se pretende realizar aos seus filhos.

Na visão das mães, o ato de cuidar da equipe de saúde deve ultrapassar à criança hospitalizada, envolvendo também sua família, o que evidencia quão imprescindível deve ser a relação entre equipe- família para a recuperação da criança.

Embora os princípios do CCF sejam preconizados nas instituições de saúde brasileiras, ainda existem dificuldades práticas para sua incorporação, principalmente no ambiente de alta complexidade clínica. Destaca-se, como limitação deste estudo, a sua realização em uma única instituição, o que não compromete a qualidade e a autenticidade dos resultados, embora experiências de outras instituições possam inspirar novas reflexões, agregando outras possibilidades de cuidado.

Cabe as instituições de saúde refletirem de forma a rever sua cultura organizacional, considerando a implantação do CCF, valorizando uma assistência de enfermagem que reconheça os anseios maternos com vistas à sua inclusão nos cuidados ao filho hospitalizado, o que pode contribuir para minimizar o impacto negativo da hospitalização.

Fomento/Agradecimento:

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq, por meio do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica - PIBIC, pelo incentivo à pesquisa.

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Editado por

Editor associado:

Jéssica Machado Teles

Editor-chefe:

Maria da Graça Oliveira Crossetti

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    16 Dez 2021
  • Aceito
    04 Abr 2022
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